O sistema internacional de proteção aos direitos humanos, a jurisdição internacional e as cortes se constitui no fim da Segunda Guerra Mundial, com a criação da ONU e a carta sobre os Direitos Humanos, assinada por todos os países-membros originários do ato de fundação da Organização das Nações Unidas, entre os quais, o Brasil (representado por Oswaldo Aranha.
Esse sistema é uma cadeia complexa que envolve órgãos e tribunais que vão desde a esfera municipal, estadual, federal, regional até chegar no Tribunal Penal Internacional. Entre essas esferas estão A Corte interamericana, a Carta da OEA, o Alto Comissariado para os Direitos Humanos e o Tribunal de Haia. Estas instâncias são reconhecidas e respeitadas por todos os países signatários dessas convenções internacionais. Aqueles governos que não não reconhecem ou respeitam esses princípios e comandos trans- constitucionais, são chamados de "párias", e estão à margem da comunidade política das nações.
Esta jurisdição e os poderes que ela confere às autoridades internacionais (regionais e internacionais) já atuou em várias ocasiões, dentro e fora do Brasil. Dentro do nosso país, temos a responsabilização penal do Estado brasileiro pela chacina dos militantes políticos da "Guerra do Araguaia" (caso Gomes Lund). Fora daqui, Há o rumoroso caso do julgamento e condenação do ex-ditador chileno General Augusto Pinochet, através da intervenção do juiz espanhol Baltazhar Garcon, pelo assassinato de cidadãos de seu país, durante a ditadura chilena. O mesmo magistrado ainda chegou a notificar o ex-secretário Henri Kissenger para que ele se apresentasse perante a corte européia e fosse julgado, mas Kissenger se saiu com uma"boutade": pior que a ditadura dos generais, era a dos juízes. E não compareceu.
O primeiro tribunal internacional criado para julgar os crimes contra a humanidade foi formado "ad hoc" pelos vencedores da Segunda Guerra Mundial, o Tribunal de Nuremberg. Apesar da notória parcialidade da corte, composta de americanos e europeus, esta Corte foi a antecessora do Tribunal de Haia, da Tutela Internacional dos Direitos Humanos, e dos julgamentos de crimes cometidos por governos nacionais no mundo inteiro.Diga-se, de passagem, que nem o governo americano nem o do Estado de Israel reconhecem a jurisdição do TIP e não permitem que seus cidadãos e cidadãs sejam julgados por esse tribunal. Alegam razões de Estado e o direito de lutar pela sua sobrevivência. Isso sem falar no "buraco negro" jurídico das prisões de Guantânamo e a ocupação militar dos territórios palestinos pelo governo sionista.
O caso da discussão sobre a responsabilidade penal do atual governo brasileiro sobre a morte de milhões de civis, em razão do descumprimento das recomendações da Organização mundial da Saúde, e a ameaça de extinção das nações indígenas e sociedades quilombolas é francamente um daqueles que pode se tornar um processo internacional, pela acusação de genocídio ou crimes contra a humanidade. Caso seja aceita a denúncia pelo TIP, é possível que a denúncia prospere e o governo se torne réu num tribunal internacional. O dirigente brasileiro parece fazer pouco caso da imagem que a comunidade internacional tem do Brasil, sob a sua gestão e aposta no isolamento político como forma de convivência com os demais países americanos e europeus, com exceção dos E.U.A. e do Estado de Israel. Exatamente aqueles governos que não aceitam a jurisdição do TIP, em razão dos crimes que cometem contra os cidadãos e cidadãs estrangeiros.
De toda maneira, o julgamento e a condenação pela Corte de Haia implica sansões políticas, econômicas e o ônus de uma reputação internacional do país pelo desrespeito sistemático dos direitos humanos e as violências perpetradas contra os pobres, velhos, doentes e desassistidos. Além da perseguição ás minorias sociais. Um governo proscrito pela comunidade internacional - e que faz pouco caso das convenções e acordos políticos e humanitários - não só se arrisca a perder investimentos de longo prazo e receber turistas estrangeiros, mas sobretudo ser preso se sair do país.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
Tem gente que nasceu para ganhar dinheiro. Outros nasceram para a Ciência e a Pesquisa. Mais os que são valiosos são que nasceram para o magistério e enorme capacidade de ajudar as pessoas a se instruírem e formarem uma opinião crítica sobre as coisas do mundo. Estes são os melhores. A professora Roseana Borges de Medeiros, docente do DLCH, da Universidade Rural de Pernambuco, vem mostrar através de seu ultimo livro – Reforma Agrária no Papel, a sua inegável vocação pedagógica, aliada à sua missão clínica e terapêutica junto a seus alunos e alunas.
Segunda a mestra, o livro foi elaborado para o seu magistério na disciplina Direito Agrário. Como inexistia na época uma publicação que abordasse de uma perspectiva jurídica e histórica a questão da regularização legal da terra no Brasil, desde o período colonial até a Nova República, ela tomou a si a tarefa de produzir esse livro, numa versão eminentemente didática. E conseguiu. Valendo-se de uma ampla pesquisa histórica da formação de Portugal, passando pela colonização lusitana do Brasil e chegando até a República, Roseana nos legou um estudo sistemático e lógico da questão agrária em nosso país, para além da hermenêutica jurídica e suas controvérsias entre os advogados e constitucionalistas. Diz ela que Portugal, uma das primeiras nações modernas da Europa, nunca teve originalmente um feudalismo, em razão da ocupação muçulmana na península ibérica. Os árabes nunca cuidaram de agricultura e sempre se dedicaram ao comércio e a conquista. Situação que provocou entre os portugueses uma crise crônica no cultivo dos campos, e sua gradual dependência da Inglaterra para o abastecimento de sua gente. Os lusitanos se entregaram sofregamente ao comercio e as grandes navegações. Dessa forma, a agricultura foi delegada a outros. Como nunca houve um feudalismo digno desse novo, falar de revolução burguesa na Lusitânia seria uma força de expressão, apesar do arremedo de uma frágil burguesia comercial associada à “revolução” de Avis, dando início á época das grandes navegações. Neste contexto, foi elaborada a lei das Sesmarias, como forma de regularização da posse da terra. O mérito dessa lei é que ela impedia a concentração fundiária, em tese. A lei das Sesmarias foi o texto legal que vigiu durante todo o período colonial e parte do Império brasileiro. Apesar das intenções, não impediu a concentração e privatização da terra no Brasil. Já que grandes proprietários e senhores de terra foram agraciados com as sesmarias.
Nesta altura, a autora introduz a questão da ausência de feudalismo na colônia brasileira. Discutindo com os autores marxistas, a mestra reafirma a inexistência desse modo de produção e diz que a história agrária brasileira foi desde o início a do latifúndio e da grande propriedade territorial. Confirmada pela agroindústria sucro-alcooleira e a mão-de-obra escrava.
O próximo passo seria o fim da escravidão, a crise da lavoura açucareira e a criação da Lei de Terras, de 1850. A abolição do trabalho escravo, sob pressão militar da Inglaterra, levou a uma reorientação da política agrária, no sentido de impedir que os ex-escravos e homens livres pudessem se beneficiar das terras devolutas e improdutivas e difundir o regime da pequena propriedade no Brasil. Antecipando a isso, os senhores de terra do oeste paulista e Rio de Janeiro, apressaram-se em aprovar uma lei que restringia a posse da terra, através da obrigação da venda e da compra. Mais uma vez, vinha o reforço da concentração fundiária, a serviço das fazendas de café e do trabalho livre dos imigrantes europeus. Esta lei perdurou em nosso país até o advento do Estatuto da Terra, aplicado já no regime militar. O Estatuto da Terra, coroava uma série de lutas, conflitos, reivindicações dos trabalhadores rurais, meeiros e parceiros que trabalhavam no campo, sem nenhum direito ou garantia. Esta lei, considerada a mais avançada nas circunstâncias brasileiras, previa expressamente a “função social da propriedade fundiária” e punia o latifúndio improdutivo. Na letra, seria um arremedo da revolução agrária que o Brasil nunca teve. Infelizmente, sob o tacão da ditadura militar, ele favoreceu aos grandes proprietários de terra, com a expulsão de muitos trabalhadores e camponeses de suas terras.
Roseana conclui sua pesquisa com uma análise muito crítica do Primeiro Plano nacional da Reforma Agrária, quando era vivo ainda o ministro Marcos Freire. Valendo-se das análises de José Graziano, ela menciona a expressão “modernização conservadora” ou “modernização dolorosa”, como o resultado prático desse Plano: a expansão do capitalismo moderno ao campo, através de grandes empresas nacionais e internacionais, com ajuda de incentivos fiscais, grandes obras de infra-estrutura e, sobretudo, “a militarização da questão agrária” no fronteira agrícola da Amazônia e no norte do país. Houve uma enorme concentração de terras, com a expulsão de imigrantes nordestinos, índios, camponeses, em benefício dos grandes proprietários e empresários rurais ligados ao agronegócio. Muita terra adquirida foi transformada em mera “reserva do valor”.
O livro confirma – através de uma boa pesquisa histórica – a tese arqueconhecida da concentração fundiária no país, através de uma dialética perversa da simbiose do novo com o velho, que faz do Brasil uma nação dotada de uma estrutura agrária arcaica, privada, concentrada e voltada para o exterior. A reforma agrária tantas vezes anunciada permaneceu no papel o tempo todo. E hoje é motivo de muita preocupação, em razão das opções macroeconomicas do atual governo.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD/UFPE.
Em Ideias para adiar o fim do mundo,
ele argumenta: Ocidente gerou uma sociedade de ausências.
Desconectou-nos da memória ancestral, da Natureza e das experiências em
comunidade. Evitar catástrofes requer descolonizar a vida
Imagem: Helene Santos
Não é de hoje que as reflexões de Ailton Krenak provocam intensas
discussões e provocações aos pensadores convencionais. Líder
indígena, pensador herdeiro dos saberes tradicionais e defensor dos
direitos de seu povo, Ailton fala de um lugar onde os saberes ainda
não foram colonizados e nem se renderam a materialidade
eurocêntrica. Seu discurso transcrito carrega os potenciais da
oralidade e estimula a reflexão para além das regras formais da
escrita convencional e acadêmica. Tudo isso encontramos em seu
pequeno e profundo livro intitulado As ideias para adiar o fim do
mundo (2019) e na mais recente publicação intitulada O
amanhã não está à venda (2020), ambos pela editora Companhia
das Letras.
Ailton
possui uma interpretação universal para todo tema que propõe
analisar. Fala do universo na sua totalidade, considerando a
importância de todos os organismos e geografia da terra como seres
atuantes para prover a vida no planeta. Estranha quem não reconheça
que haja vida nas árvores, nos rios, nas montanhas, nos ventos.
Possui uma visão de totalidade cósmica, porém sem se render a um
misticismo vulgar. A natureza é sábia e Ailton sabe disso!
Seu
trabalho evidencia a importância do saber milenar das culturas
tradicionais e seu potencial para realizar a crítica da sociedade
moderna, seja através dos costumes, seja na maneira de produzir
conhecimento. Os saberes ocidentais segmentados dificultam a
compreensão de um organismo terra em sua totalidade, essa
segmentação faz com que um geógrafo não tenha nenhuma dúvida da
importância de uma montanha e da mata para a formação das
correntes atmosférica e umidade do ar, porém um economista
convencional desconhece completamente essa informação, vendo
naquela mata uma potencial área de plantio que sua ciência será
muito eficiente em aproveitar os recursos produzidos naquele solo.
Para Ailton, a montanha, a mata e o solo são todos integrantes do
mesmo organismo e sabidamente equilibrados, a terra nos provem a vida
se soubermos respeitar o seu equilíbrio natural. O pensamento
ocidental se considera avançado por não ter a menor compreensão da
totalidade que há por “de fora da caverna”. A ciência ocidental
possui um enorme saber e produziu importantes contribuições que
devem ser defendidos em tempos de negacionismo, porém, conhece ainda
muito pouco perto do todo existente no universo.
Ailton
questiona o antropocentrismo e o saber ocidental imposto pela chegada
dos europeus, afirma categoricamente que a terra não precisa do ser
humano para existir, ao contrário de nós que não vivemos sem ela –
quem seria o vírus destruidor do planeta? A “civilização”
moderna fez com que a humanidade abandonasse a pluralidade das vidas
nesse planeta. O homem não é o centro do universo. É tempo de
conhecimento universal!
+ Em meio à crise civilizatória e à ameaça da extrema-direita, OUTRAS PALAVRAS
sustenta que o pós-capitalismo é possível. Queremos sugerir
alternativas ainda mais intensamente. Para isso, precisamos de recursos:
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O
autor relata o quanto abandonamos os vínculos profundos com a nossa
memória ancestral de tal forma que perdemos a referência e o
significado de nossa identidade. A “civilização” moderna
produziu um distanciamento do homem da natureza, da terra, das
experiências em comunidade. Abandonamos a importância da memória
coletiva, das heranças culturais, das danças, das festas e das
vivências sociais. Criamos uma sociedade de ausências, insensíveis
para as experiencias humanas afetivas, do canto, do brincar, da
alegria. Isso se evidencia nos índices de insatisfação humana
mesmo com tanto acesso a recursos materiais, nos elevados índices de
transtornos psicológicos, suicídios e a busca inatingível por
prazeres efêmeros, relacionados a esfera material, de consumos
vazios de experimentações afetivas. Estamos cheios de vazios!
A
sociedade moderna, capitalista, transformou homens em consumidores,
uma sociedade que produz mercadorias sem respeitar os limites físicos
do planeta. Vivemos em um período do Antropoceno enquanto resultado
inconsequente das ações humanas, ainda que sob a crença de que
temos capacidade de conhecer e controlar os desequilíbrios
ambientais. O individualismo potencializado pela sociedade
capitalista fez surgir um modelo de “civilização” doentia que
só pensa em si, excludente, que destrói todas as demais formas de
vida no universo. O narcisismo na sua forma social, se é que podemos
definir assim.
Nossa
sociedade transformou a natureza em recursos e distanciou o homem da
natureza levando ao limite o processo de coisificação humana.
Fizemos da criatividade humana uma ferramenta a serviço da técnica,
subjugados, transformamos o saber em coisa a serviço da produção
de coisas, de mercadorias. Não há alternativa a não ser for
recuperar a importância humana do universo em sua totalidade.
Recuperar o prazer nos prazeres, naquilo que naturalmente desperta
nossos sentidos, nossos afetos e emoções, que estimula nosso
imaginário, que valoriza a nossa inocência hoje subjugada.
Esse modelo de sociedade se mostra insustentável e se quisermos adiar
o fim necessitamos iluminar o início! Pra ir adiante é preciso retomar a
memória da estrada. Sentir o nosso povo, nossa tradição, nossa
identidade. Dar voz a nossa memória, reencontrar com o Ser que habita o
nosso imaginário coletivo tão ofuscado pelos tempos de modernidade
individualista, neoliberal, principalmente em um momento de avanço do
obscurantismo e da negação dos saberes ancestrais e científicos. É
preciso retornar para dentro de nós, cruzar o deserto de vazios, ampliar
os horizontes da existência. Essa a caminhada deve ser ultrapassada
coletivamente. É preciso ouvir o cerrado, experimentar o sabor do chão, o
sal da terra, o pó que sedimenta as estruturas do nosso Ser tão humano.
O sertão de Guimarães. Provar o pó, os pães, as diferentes opiniães!
A cultura nos une! A arte está nos mantendo vivos!
(Publicado originalmente no site Outras Palavras) Gostou do texto? Contribua para manter e ampliar nosso jornalismo de profundidade:OutrosQuinhentos
“Surge então a pergunta: se a fantasia
funciona como realidade; se não conseguimos agir senão mutilando o
nosso eu; se o que há de mais profundo em nós é no fim das contas a
opinião dos outros; se estamos condenados a não atingir o que nos parece
realmente mais valioso, qual a diferença entre o bem e o mal, o justo e
o injusto, o certo e o errado? Machado de Assis passou a vida
ilustrando esta pergunta (…).”
Antonio Candido, Esquema de Machado de Assis
Uma das lições dessa quarentena imposta pela pandemia do novo coronavírus
é que o medo e o tédio podem nos habitar quase ao mesmo tempo. Às vezes
a alternância entre o pavor da morte e o marasmo do confinamento se
passa no ritmo dos segundos. O noticiário de televisão intensifica essas
emoções. Não apenas devido ao constante aumento do número de cadáveres
que vemos nas estatísticas, mas sobretudo pelas explicações
apresentadas: “não há leitos de UTI no Rio de Janeiro”, “os respiradores
comprados pelo governo não funcionam”, “não existem equipamentos para
os profissionais de saúde em Manaus”, “as pessoas não estão obedecendo
ao distanciamento social”. As frases estão mais vazias do que as ruas.
Mesmo aquelas que trocamos com os amigos mais queridos num chat qualquer
pois nos falta um rosto em que se possa tocar. Faltam os olhos nos
olhos e permanece o desejo de algo que nos roube, ainda que por alguns
instantes, da sucessões do medo e do tédio.
Essa dificuldade tem levado várias pessoas a curtir a nova onda das lives.
A experiência da simultaneidade, seja com artistas famosos, amigos,
parentes e namorados abafa um pouco da solidão num mundo que já consegue
chamar de “eu” o perfil no Facebook ou no Instagram. Outra alternativa
para relaxar são as plataformas de filmes. O capital tem sido generoso
com aqueles que possuem internet de banda larga, realiza promoções de
diversos tipos e faculta acessos gratuitos hoje, mirando os futuros
pagantes de amanhã. Por outro lado, sempre existe aquele livro que
permaneceu intocado por anos mas agora encontrou a sua chance em meio a
peste.
No meu caso, a coleção das obras completas de Machado de Assis eram
os volumes mais atraentes da estante. Difícil era saber por qual deles
começar. Romances e contos, mesmo na prosa dos grandes escritores, podem
descambar em alguma forma de marasmo. Uma narrativa longa tem sempre um
capítulo mais complicado para se seguir adiante e, por vezes, uma
estória, mesmo curta, nos faz emperrar nesta ou naquela frase. A
solução foi o volume quatro dedicado às crônicas. Uma leitura em que as
ansiedades dessa quarentena podiam se diluir na imaginação perdida nas
atualidades de outros tempos. Os últimos acontecimentos vinham da peça A história de uma moça rica, o concerto musical Mosqueteiros da rainha e
fatos inusitados como o aparecimento de uma baleia nas praias de
Copacabana, então uma região de pescadores. Mesmo coisas tristes como a
morte prematura do poeta Casimiro de Abreu não eram doloridas pois toda
gente de hoje sabe que o passado, se foi também um futuro incerto aos
homens e mulheres de outrora, agora é parte indelével de seu destino.
Talvez tenha sido essa constatação que logo na terceira manhã de leituras, precisamente nos Comentários da Semana de
1º de Novembro de 1861, destruiu toda a minha esperança de alienação do
presente. De certa maneira, meio sibilina, Machado havia me alertado
para o problema no dia anterior quando informou: “falei de esperanças
abertas em flor; falarei de esperanças mortas também em flor”. Mas
poucos suspeitam da verdade quando esta lhes é desagradável e ainda nas
primeiras linhas começou a surgir, frase depois de frase, a descrição do
Brasil de nossos dias. Não falo do “Brasil contemporâneo”, no sentido
abrangente que encontramos em Caio Prado Jr., mas do Brasil atual, o
país da semana passada, com pandemia e tudo:
O que há de política? É a pergunta que naturalmente
ocorre a todos, e a que me fará o meu leitor, se não é ministro. O
silêncio é a resposta. Não há nada, absolutamente nada. (…) O que dá
razão a este marasmo? Causas Gerais e causas especiais. Foi sempre
princípio do nosso governo aquele fatalismo que entrega os povos
orientais de mãos atadas com o destino. O que há de vir, há de vir,
dizem muitos ministros, que, além de acharem o sistema cômodo, por amor
da indolência própria, querem pôr culpa dos maus acontecimentos nas
costas da entidade invisível e misteriosa, a que atribuem a tudo.
O princípio fatalista de nossos governos… palavras nas quais se lê
sobre o atual presidente, no último sábado, em um jet ski, explicando
aos apoiadores, gente do setor de aviação chateada com a baixa no
movimento: “é uma neurose (as medidas de distanciamento social), 70% vai
pegar o vírus, não tem como…”. Por “vírus” entenda-se “a entidade
invisível e misteriosa” a que se atribui a causa de todos os maus
acontecimentos. “Não há política” e os brasileiros estão desamparados
das instituições competentes em meio a maior crise mundial da saúde
pública. Pena mesmo é serem frouxos os laços que, segundo Machado, nos
prendem a sina dos povos orientais, posto que fazem muita falta os
respiradores da China.
De qualquer maneira, voltemos às últimas notas da semana passada,
expostas pelo autor. Não houve maior prova de “amor à indolência
própria” que aquela dada por Regina Duarte,
ministra da cultura, quando interrogada sobre as consequências da
ditadura para cultura brasileira e a ausência de auxílios governamentais
aos artistas sem emprego devido ao avanço da Covid-19. Primeiro ela
dançou e cantou: “pra frente Brasil, salve a seleção, não era bom quando
a gente podia cantar essa música”. Sobre as pessoas que morreram nos
porões do DOPS afirmou: “na humanidade não para de morrer [pessoas], se
você fala vida, do lado tem morte (…) tortura, sempre houve tortura (…)
Não quero arrastar um cemitério de mortos nas minhas costas”. Gente
assim, narra o cronista, “dorme à noite com a paz na consciência, uma
vez que de manhã tenha assinado o ponto na secretaria”. E meditando
sobre esse sono dos justos realizou uma grande descoberta:
Está dada a razão por que [este governo] subiu no meio
das antífonas e das orações dos amigos, apesar do travão de fel com que
alguns quiseram fazer-lhe amargar a taça do poder. Diziam estes: “É um
Ministério medíocre”; mas, por Deus, por isso mesmo é que é sublime! Em
nosso país a vulgaridade é um título, a mediocridade um brasão; para os
que tem a fortuna de não se alarem além de uma esfera comum é que nos
fornos do Estado se coze e tosta o apetitoso pão de ló, que é depois
repartido por eles, para a glória de Deus e da pátria.
“Brasil acima de tudo, Deus acima todos”. A mediocridade é um brasão.
A vulgaridade é um título. Mas brasões e títulos de verdade sem que
haja razão em amargar com fel a taça do poder. Explico melhor este
grande achado do cronista: se você mora em um país onde o secretário da
pesca vem lhe explicar que os peixes são inteligentes e escapam por si
próprios dos acidentes ambientais, como fez o senhor Jorge Seif Junior, é
porque a vulgaridade trocou de sinais. Não pertence mais ao pólo
negativo dos valores. É boa, bela e verdadeira. Parte inseparável da
própria realidade. É como um hospital de referência com leitos de UTI
vazios em plena pandemia. Justo o que se passa na zona norte do Rio de
Janeiro, no Hospital Federal de Bonsucesso. Daí que nosso autor, sempre
realista, flagre nessa transvaloração brasileira dos valores a
existência de “um sentimento de caridade, ou direi mesmo, um princípio
de equidade e justiça. Por toda parte cabem as regalias às inteligências
que se aferem por um padrão superior; é bem que os que não se acham
neste caso tenham o seu quinhão em qualquer ponto da terra”.
No dia seguinte àquela leitura perturbadora o país havia enterrado
mais de 11 mil vítimas da Covid-19 e voltei uma vez mais para a fatídica
crônica. No trecho final, que escapou a minha atenção na manhã
anterior, julguei adivinhar novos comentários sobre os dirigentes da
nação: “esse povo, que vive no requinte dos prazeres materiais, só
entende o que lhe fala aos sentidos, e considera bem-aventurados os que
morreram, que já gozam ou estão perto de gozar os prazeres prometidos
pelo profeta”. Todavia, neste ponto, Machado de Assis não se referia ao
Brasil, mas aos costumes religiosos dos povos orientais na Turquia. Matheus Gato é professor do Departamento de Sociologia da Unicamp. Membro do Núcleo Afro/CEBRAP. Autor do livro O Massacre do Libertos: sobre raça e república no Brasil.
Há, naturalmente, uma grande apreensão mundial em torno da pandemia provocada pelo coronavírus. No Brasil, esta pandemia avança exponencialmente, sem que tenhamos, até o momento, soluções concretas para o seu enfrentamento, exceto, talvez, pelas medidas restritivas de contato social, aplicadas com o propósito de impedir a propagação do vírus. Mesmo assim, enquanto no resto do mundo existe uma crise econômica e de saúde publica, aqui enfrentamos um outro problema, que apenas se agrava, como se a pandemia já não fosse suficiente para direcionar todas as ações de governo: uma crise política que, em última análise, sabota as possíveis ações mais consequentes para o enfrentamento do problema.
Em meio a esse turbilhão, no entanto, vão surgindo reflexões em torno de como seria o dia depois do coronavírus ou, em outras palavras, como seria a volta à normalidade. "Normalidade" sempre entre aspas, uma vez que foi exatamente essa "normalidade" que nos conduziu a tudo isso que estamos enfrentando. O bordão mais invocado é o nada será como antes. Será? Conforme havíamos prometido aos nossos leitores, estamos dando continuidade a série de editoriais com o objetivo de discutir a sociedade do pós-coronavírus em seus diversos aspectos, entre os quais os novos padrões de relação entre capital e trabalho, partindo de alguns pressupostos anteriores até mesmo a chegada do coronavírus, onde estava em curso bastante avançado um processo de consolidação de um capitalismo ultraliberal, onde o Estado tornou-se apenas um instrumento dessa lógica acumulativa do capital, com consequências nefastas para os trabalhadores e trabalhadoras.
A lógica perversa pode ser resumida no axioma do lucro sem ônus, ou seja a situação ideal para o capitalismo, onde o trabalho represente lucro efetivo e que os trabalhadores não tenha alguma garantia e possam ser descartados sem ônus, sempre que a perspectiva acumulativa do capital esteja ameaçada. Não é preciso ser nenhum especialista em relações de trabalho para compreender ou dimensionar as perdas gigantescas dos direitos e garantias dos trabalhadores ao longo desses últimos anos, principalmente em países de economia periférica como o Brasil, com uma elite econômica forjada no imaginário escravocrata.
Conforme havíamos prometido no editorial anterior, com base num texto de João Marques Albuquerque, publicado no site Outras Palavras, vamos abordar a questão dos trabalhadores essenciais, um tema muito em voga, como consequência dos problemas surgidos com a pandemia do coronavírus, que contingenciou alguns profissionais ao trabalho através do sistema de home office, a partir do seu próprio lar, como o nome sugere, enquanto outras categorias tiveram que se submeter à labuta diária, em razão da especificidade de suas atividades. Lá fora, no front, expostos aos vírus, por diversos motivos, estão aqueles trabalhadores ditos essenciais, como os trabalhadores que se dedicam as atividades nas áreas de segurança, transporte, entregadores de empresas de aplicativos, trabalhadores de supermercados, entre outros.
A narrativa discursiva dominante - sobretudo em determinados grupos sociais - diria que, estes últimos são, de fato, os ditos trabalhadores essenciais e não aqueles que tiveram o privilégio de ficar em seus lares, trabalhando remotamente e acompanhando suas séries preferidas na Netflix, numa frequência acima do habitual. Trazendo algumas variáveis intervenientes a essa debate, João Marques Albuquerque - num texto que gostaríamos de externar nossos elogios - remonta ao conceito histórico-filosófico de essencialidade, a partir de filósofos clássicos e contemporâneos, para problematizar, à luz das subjetividades do capital, quem seria, de fato, esses trabalhadores essenciais, se você que ficou protegido em sua redoma ou aqueles que se expuseram ao vírus cotidianamente, os corpos descartáveis. Observa João Marques que, curiosamente, o primeiro caso registrado de morte pelo coronavírus no Estado do Rio de Janeiro foi o de uma empregada doméstica que contraiu o vírus de sua patroa, recém chegada de uma viagem à Itália. Embora um fato isolado, não deixa de ser emblemático, como sugere o autor. O autor não envereda por essa seara, mas, nesses tempos de pandemia, as reflexões do filósofo francês, Michel Foucault, notadamente sobre a Bio-política e o Bio-poder voltam com muito fôlego às mesas de discussões. Ou teorias mais recentes, mas que beberam nessa fonte, como a necropolítica.
No dia 27 de abril de 1937, morria um dos pensadores mais originais
da rica e diversificada cultura política marxista , Antonio Gramsci.
Oriundo da Sardenha (Itália), Gramsci tornou-se cidadão brasileiro nos
70 e 80 pelas mãos do ensaísta e tradutor baiano Carlos Nelson
Coutinho, tradutor e introdutor de sua obra no Brasil (os "cadernos de
Cárcere"). Como Walter Benjamin, foi mais uma vítima do nazi-fascismo e
escreveu em condições adversas, preso nos cárceres de Mussolini , de
onde só sairia para morrer de tuberculose. Este grande pensador italiano
foi um dos fundadores do partido Comunista de seu país, membro do
Comité Executivo da internacional Comunista e Deputado no Parlamento
italiano. Contudo, nada disso se iguala à originalidade de seu pensamento político. Chamado de "o Lenine europeu" , Gramsci
inovou - como ninguém - a estratégia revolucionária para a conquista do
socialismo no Ocidente, ao propor uma inversão da chamada "guerra de
movimento" pela "guerra de posição" e colocou em primeiro plano- a luta
pelo hegemonia.
Houve muita controvérsia sobre a influencia
leninista (e até mesmo marxiana) sobre o pensamento gramsciano. Ele era
ou não leninista! - Discussão sectária e dogmática que ignorou o rico
legado de uma trajetória de muitas fases . Como, ailás, a própria
carreira de Lenine, ora apontado como conselheirista ora como homem de
partido . O fato é que Antonio Gramsci foi, ao lado de Rosa Luxemburgo
e os austro marxistas, um adepto da republica dos conselhos, da
organização de base dos operários, e um crítico do determinismo
econômico que ele via em sua primeira leitura de O Capital. A
primeira fase da carreira política de Gramsci é caracterizada pela
veemente defesa dos "conselhos de fábrica" de Turim: e a fase
do jornal turinense "L ordine nuevo" . Existe aí a manifestação de um
voluntarismo político muito grande, que corre a par de seu otimismo com a
revolta dos operários turineses. Com a derrota e o refluxo desse
movimento, surge a reflexão sobre a indispensável aliança com os
camponeses do "Mezzogiorno", a Itália rural e atrasada. A mesma lição
aprendida a duras penas pelos "comunards" parisienses le em Turim:
sozinhos e isolados, não se faz revolução.
Esse aprendizado o levou a descobrir o
"príncipe moderno" - o partido de novo tipo. Bom, aí estamos no domínio
do leninismo propriamente dito, como antes parecia que a influencia
anarquista (Amadeu Bordiga) orientava o jovem Gramsci. A teorização do
partido, como intelectual coletivo, dotado de um centralismo orgânico e
capaz de elaborar uma "cultura nacional-popular" e levá-la às massas
caracterizou essa nova fase do pensamento de Gramsci. O partido passou a
ser o mediador, por excelência, daquilo que ele intitulou "a catarse"
revolucionária do pensamento dos simples numa visão de mundo coerente e
sistemática. Sob este aspecto, o teórico sardo pode ser chamado de
"leninista". Sua valorização da mediação partidária faz de s
i
um partidário daquele "jacobinismo aferrado à disciplina do partido",
criticada por Rosa Luxemburgo, em sua discussão com Lenine. E Gramsci
foi um intelectual partidário. Primeiro no PSI, depois como um dos
fundadores do PCI.
Mas a descoberta do "novo príncipe" não estaria
completa sem a nova estratégia revolucionária para a conquista do
socialismo nas sociedades ocidentais. Aqui, entramos no coração da originalidade gramsciana,:a noção de
Hegemonia (resumidamente descrita como a soma de coerção + persuasão),
força e consentimento, estado e sociedade civil. A noção de "hegemonia"
não era nova no marxismo-leninismo da 3a Internacional Comunista. Lenine
a tomara de empréstimo de Clausenvitz, na sua "Arte da Guerra". A
palavra sempre teve forte acepção militar. Mas Gramsci lhe confere um
novo conteúdo: consentimento ativo dos dirigidos à liderança de um
chefe.Claro, esta operação não teria sido possível sem a rica contribuição da
cultura política e filosófica italiana: o paradigma da história
ético-política, de Benedito Crocce. A idéia do bloco histórico, dos
intelectuais como funcionários da superestrutura etcetera.
Essa inovação teórica e revolucionária conduziu
Gramsci a reconhecer o valor da indigitada "sociedade civil" e seus
"aparelhos privados de hegemonia" (a escola, a igreja, as academias
científicas, os jornais) como elementos fundamentais para a conquista do
socialismo em sociedades de massa, como as ocidentais. E que antes da
conquista do poder político, era necessário conquistar a hegemonia: o
coração e as mentes das pessoas. É preciso advertir que para ele
"hegemonia" nunca foi sinônimo de "dominação". Embora ajudasse a
consolidar um projeto de poder por um longo tempo.
E aqui, gostaria de puxar a conversa para o
Brasil. Como disse no início, Antonio Gramsci tornou-se cidadão
brasileiro através de seu tradutor, Carlos Nelson Coutinho, no bojo de
uma luta interna no Partido Comunista Brasileiro, defendendo uma
estratégia democrática radical para o fim da ditadura militar e a luta
pela conquista do socialismo. No entanto, seu pensamento foi logo
apropriado pela academia universitária no sentido de se estudar a
chamada "cultura popular", Como um teórico da superestrutura, Gramsci
trata da cultura dos simples, sua ideologia, suas formas de pensamento
(materialismo histórico e a filosofia de Benedito Crocce).
Nesta obra, ele estuda o senso comum, o bom senso, a religião e as
visões de mundo tradicionais. O teórico italiano manifesta uma
particular forma de valorização do senso comum e da visão de mundo das
classes subalternas, mas sublinha que esta visão é produto de um
amalgama de variados traços - vindos de fora - que se imprimem no
imaginário dessas classes, produzindo uma ideologia acrítica, eclética e
assistemática. Sendo, portanto, o papel dos intelectuais progressistas
e do partido político fazer a necessária depuração dessa mixagem
ideológica, ajudando as pessoas a sistematizarem e darem coerência ao
seu pensamento. A essa nova forma de pensar, ele dá o nome de "cultura
nacional-popular" e ela varia de conteúdo, no âmbito das inúmeras
revoluções
burguesa
s e populares ao longo da História.
Sobre este aspecto, nos interessa sobretudo a
ideia de usar os conceitos gramscianos para o estudo da cultura popular
no Brasil, E, neste particular, tanto poderiam ser as religiões
populares, como os folguedos e brincadeiras carnavalescas, como os
Maracatus. Que dizer dessa apropriação dos conceitos gramscianos! Em
primeiro lugar, que hegemonia não é sinônimo de dominação, dominação
ideológica, do tipo que a indústria cultural moderna opera com o
imaginário das pessoas. Segundo, os potenciais críticos, subversivos ou
utópicos presentes nessas manifestações precisam ser submetidos a" uma
hermenêutica da suspeição", ou seja, eles aparecem mesclados com
elementos da tradição e precisam passar por um processo de decantação ideológica, para que sejam devidamente aproveitados na
construção de uma nova visão de mundo. Aí, o trabalho dos intelectuais
"orgânicos" (não necessariamente acadêmicos), aqueles ligados aos
movimentos de massa, é muito importante. Gramsci , como leninista de
novo tipo, evita prescrever uma postura autoritária, diretiva e
autossuficiente para essa pedagogia política. Acredita num movimento de
reciprocidade e revezamento entre as bases e a direção do partido ou do
movimento ("centralismo orgânico"). De todo maneira, seria conveniente
não taxar de saída o pensamento dos simples como retrgrado ou atrasado.
Ou cortejar simplesmente essa forma de pensamento como sábia r
revolucionária. Acho que Antonio Gramsci fica a meio termo.
.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
Conforme
havíamos prometido aos nossos leitores e leitoras, com este primeiro
editorial estamos dando início a uma série que objetiva discutir a
sociedade do pós-coronavírus, no tocante ao seus fundamentos políticos,
econômicos, sociais, educacionais e culturais. O consenso entre os
analistas é que, para o bem ou para o mal, depois da pandemia jamais
seremos os mesmos. Neste primeiro momento, vamos discutir a questão do
trabalho nos pós-corinavírus, tomando sempre como referência as
especificidades brasileiras, e antecipando que se trata de um assunto complexo que, certamente, demanda mais de um editorial para tratá-lo. Nada melhor do que iniciar essa discussão neste dia primeiro de Maio, dedicado aos trabalhadores e trabalhadoras de todo o mundo.
Como observou o professor Tarso de Melo, em
artigo publicado aqui no blog, a pandemia, no Brasil, pegou os
trabalhadores de uma maneira bastante precarizada ou desprotegida. Um
contingente de 50 milhões na informalidade ou " uberizados" e 50 milhões
sob o jugo das reformas trabalhista dos últimos governos, que corroeu
sintomaticamente seus direitos conquistados nas últimas décadas do
século passado como a CLT, que era uma espécie de Constituição dos
Trabalhadores, algo concebido ainda na Era Vargas. Soma-se a esse contingente, um expressivo números de invisíveis - números nada desprezíveis, posto que estimados em 46 milhões - que somente agora, diante da concessão dos benefícios do Governo Federal neste período de quarentena, foram identificados. Analfabetos ou semianalfabetos, sem CPF, um aparelho celular que permita receber um código, sem acesso à internet. São esses que estão expostos cotidianamente nas agências das Caixa Econômica em plena pandemia, numa escolha desumana: o vírus ou a fome.
O apetite pelo corte
de direitos preconizado pela cartilha das políticas ultraliberais foi aplicado sem a
menor compaixão aqui no Brasil. Por outro lado, acrescento, as dificuldades na condução
da política econômica, ampliando o desemprego e alcançando baixas taxas
de crescimento do PIB. Ou seja, uma economia em espiral negativa,
apontando os equívocos ou ineficácia do remédio liberal. Se essas
observações se aplicam àqueles que estão na dita "formalidade" , vocês
podem imaginar, então, a situação daqueles que se encontram na
informalidade ou gerenciando seus negócios através de empresa de
aplicativos, como Uber,Ifood,99, Zé Delivery entre outras. Não tenho dúvida de que
o capital sofreu uma refrega nesta última crise do coronavírus. Várias
reflexões estão sendo produzidas sobre o assunto, inclusive colocando em xeque essa política deliberada de precarizar o trabalho, como a adoção do
receituário ultraliberal, sobretudo aqui na América Latina, inclusive com
alguns componentes fascista e autoritários. Diante da crise social e econômica provocada pelo coronavírus, o Estado foi "emparedado", sendo chamado a assumir responsabilidades que já haviam negligenciadas.
A chamada "crise do capital"
- se podemos assim tratá-la - no contexto da pandemia do coronavírus
apresenta vários aspectos. A crise é de uma dimensão tal que levou o
filósofo Esloveno, Slavoj Zizek, a produzir um trabalho recente acerca do
assunto, tratando sobre como está crise estaria repercutindo sobre o
próprio conceito de Estado, reinventado um "novo comunismo", o que levou nossas autoridades diplomáticas a fazerem chacota com o assunto, sugerindo que o coronavírus era um vírus comunista. O filósofo Mário Sérgio Cortella, em
entrevista recente, observa mudanças até mesmo no conceito de riqueza,
uma vez que muitos bens tornaram desnecessários ou passaram a perder sua
utilidade neste momento. Arrematava ele, filosoficamente, de que de nada adiantaria
você, no deserto, com uma sacola cheia de diamantes, quando, na realidade
é de água que você está precisando. Numa alusão também às reflexões do sociólogo catalão, Manuel Castells, que faz uma pergunta bastante pertinente: Do que precisamos mesmo? Talvez uns comes e bebes com os amigos na varanda.
É como se perguntássemos aos nossos leitores e leitoras: qual
o bem mais importante hoje? Certamente muitos de vocês responderiam: um
respirador e um leito de UTI, caso fôssemos acometidos pelo vírus. Mas, o maior desejo de tod@s, hoje, é escapar da contaminação pelo Covid-19, que, no Brasil, vem contaminando e matando numa velocidade assustadora, superando situações como a da própria China, onde, supostamente, tudo começou, avançando sobre as periferias empobrecidas, onde seguir as normas do afastamento social é um procedimento ainda mais difícil de ser observado pelo população.
Mas, como antecipamos, esses editoriais integram uma série, onde o financiamento da saúde pública, certamente, terá o seu espaço. No próximo editorial, ainda sobre essa temática do mundo do trabalho no pós-coronavírus, voltaremos a esse debate, ancorados teoricamente nas reflexões do antropólogo David Graeber, com sua famosa tese sobre os "trabalhos de merda", e, naturalmente, tecendo algumas considerações sobre os chamados "trabalhadores essenciais." Quem, de fato, são esses trabalhadores? Aqueles que podem ficar em casa, trabalhando através do sistema de home office ou aqueles que estão na linda de frente de exposição aos vírus, como garis, entregadores, médicos, enfermeiros, policiais?
Nem a Ciência pode nos salvar da barbárie
ultraliberal. Sobreviver como espécie exigirá uma “reencarnação
coletiva” no mundo pós-pandemia: novas formas de viver, pensar e
organizar a Economia. É isso, ou nostalgia masoquista
Publicado 27/04/2020 às 20:20 - Atualizado 27/04/2020 às 20:58
Por Manuel Castells| Tradução: Simone Paz | Imagem: Alessandro Gottardo
Nunca imaginamos isso. Ninguém imaginou. E ainda parece um pesadelo
do qual vamos acordar ao amanhecer. É claro que, algum dia, vai acabar.
Quanto mais nos ajudarmos entre todos, mais cedo vai acabar. E isso
inclui todos aqueles que tiram proveito da tragédia em prol de seus
interesses. Deixemos de lado nossas diferenças, já já acertaremos as
contas.
Nunca tínhamos enfrentado uma ameaça do tipo, nem sequer com a gripe
de 1918, porque, hoje em dia, a globalização e a trama de economias,
culturas e pessoas têm uma repercussão em tempo real para qualquer
barbaridade cometida em qualquer canto do planeta, como aconteceu com os
mercados de espécies selvagens. Humanos predadores, se protejam de
vocês mesmos. Nem nossos extraordinários avanços científicos e
tecnológicos conseguem nos salvar da nossa imensa estupidez. Por isso,
se sobrevivermos, não voltaremos ao mesmo. E, se voltarmos, a pandemia
vai retornar, a mesma ou outras, até que ocorra um reset daquilo que éramos.
Só existe futuro se pensarmos numa reencarnação coletiva da nossa
espécie. Isso não tem nada a ver com o mofado debate ideológico entre
capitalismo e socialismo, porque até o socialismo real e palpável também
já teve sua vez. Falamos em mudança de paradigmas. E algo do tipo está
acontecendo. Por exemplo, essa pandemia deve deixar claro que a saúde,
incluindo a higiene pública e a saúde preventiva, é nossa infraestrutura
de vida. E que não vamos poder viver apoiados de forma permanente no
heroísmo de profissionais da saúde, que adoecem dia após dia por falta
de equipamentos de proteção.
+ Em meio à crise civilizatória e à ameaça da extrema-direita, OUTRAS PALAVRAS
sustenta que o pós-capitalismo é possível. Queremos sugerir
alternativas ainda mais intensamente. Para isso, precisamos de recursos:
a partir de 15 reais por mês você pode fazer parte de nossa rede.Veja como participar >>>
Teremos de investir, com prioridade, na saúde pública, porque a
particular serve para aquele que serve — e, em situações de emergência,
deve ser absorvida pela pública. Esse investimento é quantitativo e
qualitativo, em termos de materiais, aparelhos hospitalares, atenção
primária, educação à população, pesquisa, remuneração dos sanitaristas e
formação de médicos, enfermeiros e profissionais da saúde, de modo
geral, com faculdades e escolas melhor preparadas para acolher um grande
leque de vocações para o serviço
Fica evidente, agora, para além do sistema de saúde, a necessária
prioridade do setor público na organização da economia e da sociedade. E
não se trata de estatizar, porque cada fórmula de defesa do interesse
público deve se adaptar às características de cada sociedade. Da mesma
forma que a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial exigiram romper
com o fundamentalismo do mercado para proteger os direitos sociais e a
vida, de modo geral, mas conservando o dinamismo do mercado para tudo o
que é útil. Da mesma forma, torna-se necessário revitalizar o setor
público e reformá-lo, livrando-o da burocracia e da politicagem.
Por exemplo, pudemos constatar a hipocrisia social e institucional no
âmbito do respeito aos idosos, que são abandonados em situações
extremamente precárias quando as famílias não conseguem mais tomar conta
deles. Em parte, pela privatização das casas de repouso, o que
demonstra que a lógica de ambição não combina com cuidados que são caros
em funcionários e equipamentos. Mas, também, nas casas de repouso
públicas, pois os cortes orçamentários e a negligência de muitas
instituições acabaram abandonando nossos idosos à sua própria sorte,
como vimos no altíssimo número de mortes registradas nesses autênticos
campos de extermínio, durante a pandemia. Somente uma grande intervenção
— não somente em gastos, mas em gestão — pode evitar que isso ocorra
novamente.
A pergunta imediata é: como pagar. É evidente que com novos impostos e
com um aumento da produtividade. Não temos outra opção. Mas isso não
quer dizer mais impostos para as pessoas, e sim, obter recursos
lá onde se concentra o 75% da riqueza mundial, isto é, dos mercados
financeiros globais e as grandes multinacionais que evadem impostos
legalmente, precisamente, graças à sua mobilidade fiscal e administração
da papelada jurídica. Aplicando, também, o aumento da produtividade,
que envolve recursos humanos, isto é, setor público; ciência (de novo,
setor público); infraestrutura tecnológica (parcerias público-privadas);
e a transformação empresarial por meio da aplicação de novos
conhecimentos e tecnologia na gestão das empresas. Além disso, deve-se
adentrar o complexo território da produtividade e eficiência do setor
produtivo, desde a administração, até a educação.
Porém, o maior reset, é aquele que está acontecendo em
nossas cabeças e vidas. É termos percebido a fragilidade de tudo o que
acreditávamos garantido, da importância dos afetos, do recurso da
solidariedade, da importância do abraço — e que ninguém vai nos tirar,
porque mais vale morrer abraçados do que viver atemorizados. É sentir
que o desperdício consumista no qual gastamos erroneamente nossos
recursos não é necessário, pois não precisamos mais do que uns comes e
bebes com os amigos na varanda. Sabiam que as escandalosas
transferências multimilionárias do mundo do futebol acabaram? E não por
isso os Messi do mundo vão parar de jogar, porque o futebol corre pelas
veias deles.
O reset necessário é um portal para uma nova forma de vida,
outra cultura, outra economia. É bom que o valorizemos, pois a
alternativa a ele é a nostalgia masoquista de um mundo que se foi para
não voltar. A vida segue, mas outra vida. Depende de nós torná-la
maravilhosa.
Entrega de cestas básicas em São Sebastião, DF (Foto: Acacio Pinheiro/Agência Brasília)
Se a jornada de trabalho é a medida da troca entre capital e
trabalho, o salário era o preço das horas compradas ao trabalhador, mas,
historicamente, no desenvolvimento da legislação social, foi sendo
cercado de proteção especial, para ficar menos sujeito às vontades do
patrão e aos ventos do negócio. Assim como se conquistou, a duras lutas,
a limitação da jornada, intervalos, descansos semanais, a proteção do
trabalhador incorporou várias medidas relativas à remuneração, como
salário mínimo nacional, piso salarial por categoria, equiparação
salarial por cargo e função, multas para atraso, irredutibilidade,
impenhorabilidade etc.
Já vem de alguns anos a pressão para vulnerabilizar o salário,
permitindo que se torne tão precário quanto têm-se tornado outros
aspectos do contrato de trabalho, mas, neste momento de crise aguda, a
sanha para avançar sobre os salários tem sido persistente e, em grande
medida, vencedora.
Quando o governo falou em auxílio de R$ 200 para trabalhadores
informais, a primeira e triste constatação que me veio à mente é de que
essa proposta escancarava que essa figura do “empreendedor”, do “patrão
de si mesmo”, era alguém para quem o salário mínimo não valia. Num gesto
apenas, cuja natureza não se altera quando o valor passa para R$ 600,
nossos governantes reconheceram que, para o trabalhador informal e/ou
“empreendedor”, todo mês começa do zero. Ou pior: abaixo do zero. E, se
chegar aos patamares dos assalariados, dos trabalhadores “com carteira
assinada”, é por sorte ou “meritocracia”. É a situação de dezenas de
milhões de brasileiros: luta diária por sobrevivência, ganhar de dia o
que comer à noite, e isso explica, em parte, o apoio de grande parte da
população ao relaxamento da quarentena.
De outro lado, noutro gesto ainda mais violento, o governo acenou até
mesmo com a suspensão do contrato de trabalho sem salários, mas teve
que voltar atrás. Pegou mal, digamos. Mas, depois de muitas idas e
vindas, conseguiu passar a atual MP 936, que autoriza a redução em até
70% dos salários, com compensação proporcional pelo seguro-desemprego.
Na prática, os trabalhadores formais vão receber, no período, um pouco
mais da metade dos seus rendimentos mensais.
É cada vez mais comum ouvir pessoas próximas dizendo que terão cortes
de salários, mesmo em empresas que não passam por qualquer tipo de
crise, empresas que ganham muito dinheiro há muitas gerações e continuam
tendo seus contratos mantidos neste momento. Ou seja, soma-se à crise
(geral) um oportunismo (específico) para reduzir salários que já vinham
sendo achatados há bastante tempo.
Tenho certeza de que muitas empresas passam por grandes dificuldades
neste momento, mas, a meu ver, demissões e cortes de salários deveriam
ser colocados como a última fronteira, obrigando nossos criativos
economistas a encontrarem soluções que salvassem as empresas e os
empregos, sem sacrificar nenhum centavo destes.
Como já escrevi noutra oportunidade, essa redução dos salários
formais é ainda mais terrível num momento em que o salário é apenas uma
parte da renda de grande parte das famílias, ou seja, a parte que
poderia dar alguma sustentação enquanto a renda informal mingua. É algo
muito grave a ser enfrentado neste momento (mas sei que é quase
impossível enfrentar, seja na esfera pessoal ou politicamente), mas
muito grave também como horizonte para os trabalhadores assalariados e
para o papel que o salário representa nas famílias e na sociedade como
um todo.
Penso mesmo que um dos piores filhotes que essa pandemia pode deixar
aqui, para o mundo do trabalho, é a naturalização de cortes e reduções
de salário – algo com que o capital sempre sonhou e agora tem boas
chances de implantar e perpetuar.
Tem horas em que achamos que todas as instituições detestam Bolsonaro,
mas é importante notar como, na maior parte do seu projeto de
destruição de direitos sociais (encabeçado pelo ministro Paulo Guedes),
as instituições – o Congresso e o STF, notadamente – continuam aliadas
do bolsonarismo. Portanto, não basta Bolsonaro cair, com a ameaça que
ele representa à democracia, mas tem que ser varrido junto com todos os
ataques à justiça social que seu governo realiza e outros tantos para os
quais um governo ocupado com tantas crises internas é conveniente. Se
ele cair e essas medidas ficarem, teremos uma democracia formal
igualmente capenga, em que se pode até ter voz, mas ninguém grita.
Porque a barriga está vazia. Tarso de Melo (1976) é escritor e advogado, doutor em Filosofia do Direito pela USP. Autor de Rastros (martelo, 2019), entre outros livros.
Há
alguns meses atrás - em meio à pandemia autoritária que atingia o
continente americano - com base num artigo do jurista Rubens Casara, originalmente
publicado na revista Cult - publicamos aqui pelo blog uma série de
artigos tratando das ditaduras de um novo tipo instauradas no continente,
inclusive abordando, em profundidade, o caso brasileiro. O artigo de Casara estava baseado num livro
recente, do filósofo francês Michel Onfrey. Neste livro, Onfrey realizava uma
excepcional apropriação das teses de George Oswell, no livro 1984, onde o
autor inglês, num exercício premonitório, lança as bases sobre as características que norteariam os regimes ditatoriais no futuro.
Diferentes, talvez mais sutis, baseadas em
outros métodos, mas não menos danosas seriam essas ditaduras de um novo tipo. O que ocorreu é que, durante os
anos, as tecnologias que desenvolveram os dispositivos de controle
social foram sensivelmente aprimoradas, de alguma forma facilitando a
vida dos estados ditatoriais e seus asseclas de turno. As teses
defendidas por George Oswell foram brilhantemente dissecadas por Onfrey e
comentadas por Casara e por este editor aqui no blog. Essas teses foram cotejadas com a realidade
observada no país e publicadas, com exemplos esclarecedores. Agora,
diante da pandemia do coronavírus, vários projeções tem sido feitas
acerca de como ficará o mundo depois dessa pandemia.
Os Estados que
estão realizando o percurso da escalada autoritária - que traz no seu
bojo um componente ultraliberal na condução da política econômica -
mudariam sua conduta no que concerne ao atendimento das demandas dos
desamparados pela crise de saúde pública? Como ficaria, por exemplo, o mundo do
trabalho? O antropólogo David Graeber teria razão ao se referir aos
"trabalhos de merda", numa referência aos home office, que estão mudando
substantivamente as relações de trabalho? Neste contexto, quem, de fato, seriam os "trabalhadores essenciais"? Aqueles que reuniram condições de ficar em casa ou aqueles que tiveram que se expor ao vírus, por trabalharem em serviços essenciais, como os profissionais de saúde, os entregadores de mercadoria através de empresas de aplicativos? O ensino online poderia
substituir definitivamente o ensino presencial, mesmo diante do grande déficit de pessoas sem acesso à internet e considerando-se o fato de não ser possível fazer download de merenda, uma vez que, no Brasil, até uma programa de férias - ou quarentena - torna-se extremamente complicada, uma vez que contingentes significativos de estudantes comem nas escolas?
Já ando recebendo em
casa e-mails pedindo minha opinião sobre o assunto, numa perspectiva até
certo ponto tendenciosa. Algo em torno de 50 milhões de brasileiros
estão cadastrados naquilo que os especialistas denominam de "uberizacão". São trabalhadores informais, que atuam através das empresas por aplicativos - como Uber Ifood - sensivelmente desprotegidos. Agora, diante
da crise do coronavírus - que nos obrigou a ficar em casa - esses
profissionais passaram a ter uma importância capital. Serão tratados da
mesma forma depois da crise do coronavírus? Ou o capital - que passou por uma refrega neste período - faria algum aceno para este tipo de trabalho?
A partir de agora, em série,
esse debate terá um espaço aqui no blog Contexto Político e no seu
canal no YouTube, criado recentemente, com o objetivo de
ampliar essas discussões para um público maior. Participem com suas
ideias, seus comentários, inscrevam-se no canal, deixem suas impressões e
críticas. É uma forma de aprimorarmos nosso trabalho, principalmente nessa fase de reaprendizagem e reinvenção. Um grande abraço do editor.
Se na filosofia termo representa a busca
incorpórea por sujeito universal, na pandemia define os descartáveis —
corpos negros e pobres, na maioria. Para-choques da imunidade alheia,
camuflam aqueles que o Estado crê vitais: os ultraliberais
Publicado 23/04/2020 às 12:26 - Atualizado 23/04/2020 às 12:33
Assim
como a pandemia, de supetão, surgem os essenciais. Surgem aqueles
que não podem mudar sua forma de trabalhar, devido a sua condição
de essencial. O que nos conduz a algumas perguntas: quem são os
essenciais? São essenciais para o que, efetivamente? Quem diz o que
é ou não essencial? À primeira vista, no senso comum, estas
questões suscitam respostas rápidas e simples: são os
trabalhadores da saúde, transporte, segurança e alimentação, sem
os quais nossa sociedade não sobrevive. E então chegamos à questão
central: quem o termo “nossa” denota, quem ele inclui e
exclui, e que sociedade é esta, que necessita sobreviver?
Para
tentar responder a todas essas questões, o ensaio a seguir foi
dividido em duas partes. Na primeira, faço uma breve digressão na
história da filosofia para abordar o conceito de essência, dando
uma pincelada na tradição filosófica antiga via Platão, e na
moderna via Descartes e Kant. Nesta primeira etapa, busco apresentar
como a modernidade vinculou a ideia de essência à criação de um
sujeito universal, fruto não só de uma virada epistemológica
atribuída à filosofia da época, mas principalmente de eventos
paradigmáticos do período: escravidão, colonialismo, caça às
bruxas, nascimento do capitalismo. O objetivo é transparecer como
esse sujeito universal vai se constituindo através do exato oposto
pelo qual se presume, ou seja, não na base da inclusão
(universalidade), mas da exclusão, culminando na ideia de um ser
incorpóreo, em contraposição a corporalidade do outro. Na segunda
parte, agora já cientes do caminho trilhado pelo conceito de
essência ao longo da modernidade, vamos contrastá-la com a ideia de
essência atribuída aos intitulados trabalhadores essenciais, usando
este gancho para pensarmos mais a fundo as dinâmicas do capitalismo
neoliberal em tempos de pandemia. 1
– O que é essencial na história da filosofia ocidental, acerca do
conceito de essência, para nossa discussão sobre os trabalhadores
essenciais.
O
conceito de essência foi a pedra angular do pensamento ocidental por
muito séculos. Para Platão, a essência era a verdade e se
encontrava no mundo das ideias, conquanto o mundo material, o mundo
do sensível – este mundo aqui da
covid – é o mundo das aparências, do que é falso, acidental e
particular. Logo, Platão traça uma divisão ontológica, ou seja, o
ser está no mundo das ideias, não no mundo das aparências. Assim,
cria uma hierarquia de valor. O homem se distingue por sua capacidade
de pensar, e o máximo uso do pensar é aquele que, através da razão
e da articulação racional, busca atingir as ideias – inatas,
essenciais, matriz de toda realidade. Importante ressaltar que o
mundo das ideias é transcendental, só conseguimos nos aproximar
dele pelo uso da razão, e que as ideias tem um caráter universal,
ou seja, tem validade ontológica para tudo e para todos,
independente do contexto social, político ou econômico,
independente do tempo histórico, seja passado, presente ou futuro. A
ideia é a fonte da realidade, e como essência é imutável,
a-histórica e atemporal.
+ Em meio à crise civilizatória e à ameaça da extrema-direita, OUTRAS PALAVRAS
sustenta que o pós-capitalismo é possível. Queremos sugerir
alternativas ainda mais intensamente. Para isso, precisamos de recursos:
a partir de 15 reais por mês você pode fazer parte de nossa rede.Veja como participar >>>
Da
Grécia Antiga de Platão vamos dar um salto ao início da era
moderna com Descartes – “penso, logo existo”. O ponto de
partida para garantir a existência é o pensar. Descartes opera um
corte com esse pensar, e separa o corpo da mente, espírito da
matéria. Não se faz necessário indicar que aqui se realiza uma
distinção valorativa. A essência, adivinhem, é a realidade do
espírito: incorpórea, imaterial. A
filosofia moderna tem como característica a mudança do enfoque, de
um prisma ontológico (estudo do ser, do que é) para uma perspectiva
epistemológica (como posso saber o que é, sem antes entender como
posso conhecer o que é). Kant, por exemplo, com a Crítica
da Razão Pura, busca demonstrar as
condições de possibilidade para o conhecimento. Como posso afirmar
que alguma coisa é, sem questionar minhas faculdades cognitivas que
condicionam a forma como enxergo, interpreto e tenho experiências no
mundo? No final das contas, Kant diz que nunca conheceremos a coisa
em si, ou seja, o que ela realmente é em sua pura constituição
objetiva, sua essência, mas apenas conheceremos o fenômeno
subjetivo de sua apreensão, aquilo que é primeiro capturado por
nossa consciência, por nossas faculdades que condicionam a forma com
a qual apreendemos a realidade. Kant parece indicar, portanto, que
não conseguimos elucubrar sobre a essência, já que não temos
acesso a coisa em si.
Aqui
chegamos ao ponto nerval da filosofia moderna: a dicotomia entre
sujeito e objeto, base das análises epistemológicas do período.
Para assegurar a existência, para discernir entre o que posso
conhecer do que não posso, entre o que é essencial e o que é
contingente, entre o que vale a pena pesquisar e o que não vale,
cria-se um sujeito, dotado de um aparato racional inato que capacita
e condiciona sua apreensão da realidade. Este sujeito, a grosso
modo, é o que podemos chamar de essencial na filosofia moderna, pois
é ele quem carrega, agora, as características da essência que na
filosofia Antiga estavam instituídas ao mundo das ideias: imaterial,
racional, inato e incorpóreo. Este sujeito, dotado da razão como
seu mais nobre instrumento, é o responsável por balizar toda forma
de conhecimento, responsável por legitimar o que é digno de estudo
do que não merece sequer citação em nota de rodapé. Este sujeito
é universal, no que diz respeito ao seu alcance e ao seu estatuto.
Nada escapa ao seu julgamento (e quando escapa, é porque foi
previamente julgada como escapável), assim como suas características
são universais, ou seja, dizem respeito a todos os sujeitos.
Por
aí seguimos, até chegarmos às formas de pensar que vão
combater esta ideia de essência ao inverter a pirâmide dos valores,
colocando no topo, então, o material, o sensível, o contingente. E
daí prosseguimos até a morte da metafísica, a morte da história,
a morte do homem, atribuídas ao pensamento pós-estrutural,
pós-moderno, pós-todas-essas-mortes-que-de-mortas-não-tem-nada.
Neste resumo belicoso e injusto, o que busco enfatizar é a carreira
do essencial na formatação de nossa subjetividade, e de como este
conceito está arraigado a formas de pensar a essência como algo
abstrato, racional, imaterial e, principalmente, incorpóreo. Dando
mais um salto olímpico, o essencial, no fim das contas, parece ser
aquilo que não possui corpo. Vamos nos deter um pouco sobre isso.
A
ideia de essencial, na sua trajetória moderna, como vimos acima,
sempre esteve acompanhada da ideia de um sujeito universal, e aqui
vamos explorar melhor esta ideia. A modernidade não é apenas o
local da virada epistemológica da filosofia. A modernidade é também
o período da colonização, do tráfico de escravos, do nascimento
do capitalismo, do estado moderno, da ciência moderna, e da
imbricação de tudo isso na constituição do tal sujeito universal
moderno. Este sujeito opera uma bifurcação no modo de pensar, e
trabalha suas especulações filosóficas, científicas e políticas
criando dualismos que, até hoje, vigoram. Este sujeito investiga a
realidade na base dos dualismos mente e corpo, natureza e cultura,
homem e animal, dentre tantos outros. É na forma com que concebe
estes dualismos, em sua maneira de delimitar o que cada um dos termos
destes binômios significam, que este sujeito segrega e exclui,
apresentando-se como portador de algumas características –
raciais, sexuais e de classe – e totalmente obstruído do que se
presume – um sujeito imbuído de universalidade. O sujeito
universal se constitui na base da exclusão, é o que vão apontar
diversos pensadores pós-estruturais (Deleuze, Derrida, Butler, etc).
Ao delimitar, por exemplo, o que distingue o homem do animal, usa
como fronteira a capacidade de pensar, de chegar à essência através
da articulação racional. Durante quase toda modernidade (ou porque
não, durante toda ela) negrxs e mulheres foram zoofilizados, ou
seja, tornados animais, destituídos da capacidade de pensar. O
negro, no momento de sua criação como sujeito racial na escravidão
moderna (teoria preconizada por Mbembe na Crítica
da Razão Negra)
é associado a besta de carga, sempre pronto ao trabalho braçal
exaustivo, como qualquer animal domesticado, e totalmente despido de
qualquer tipo de capacidade intelectual. Na
caça às bruxas é a vez da mulher ser animalizada ao ser subtraída
do aparato racional. Portanto, o tal sujeito universal é, na
realidade, um conjunto de características que compõem o sujeito
colonizador: branco, europeu, homem, heterossexual, imperialista.
Este
sujeito universal, tido como o único tipo de sujeito possível,
naturaliza tanto as suas características como as características do
outro – de raça, gênero, sexo, etc – as invisibilizando e as
tornando visível da maneira que melhor lhe convém, e assim chega
até a construir um Jesus Cristo branco e europeu, feito a sua imagem
e semelhança, fazendo com que todos acreditem na realidade deste
Jesus ficcional. Sendo o único sujeito possível, já que o único
dotado de um aparato racional capaz de discernir o essencial do
contingente, o único capaz de pensar, a figura do homem per
se, este sujeito europeu e
eurocêntrico interage o tempo todo com a incorporalidade, já que os
que possuem corpo são os outros, aqueles que não são capazes de
pensar, nem de agir com moralidade, aqueles que são humanos apenas
em sua morfologia antropocêntrica, pois são animais em sua
essência. Incorporal, pois sujeito da razão, do transcendental, do
abstrato e universal, ou seja: espírito, não matéria; mente, não
corpo. Enquanto as mulheres e os negros são hipersexualizados,
transformados em puro corpo, objetificados e destituídos de
capacidade para o raciocínio intelectual, o branco é seu oposto, ou
seja, é mente, inteligência, razão, sujeito.
2-
O que é essencial, nesta discussão acerca dos trabalhadores
essenciais, em tempos de pandemia?
Chegamos
então a covid-19.
Quem são, mesmo, os essenciais? São eles os incorpóreos, ou são
eles os corpos mais vulneráveis, mais marcados pelas cicatrizes
sempre abertas e reabertas de raça, sexo e classe? Na luta à
pandemia, fica exposta uma fratura ética global: enquanto uns podem
ficar em casa trabalhando, outros precisam ir à rua trabalhar. Deste
ponto de vista, ficar confinado em casa, em trabalho remoto, é um
luxo reservado a poucos. A grande maioria está confinada sem
emprego, ou na rua, exposta. Com a exceção dos médicos e de outras
poucas categorias profissionais – pois são a exceção que confirma
a regra – a maior parte dos corpos são corpos negros e pobres. O que
nos faz deduzir que talvez não sejam de fato essenciais, mas
descartáveis. Não é coincidência o fato da primeira vítima fatal
de coronavírus no Rio de Janeiro ter sido uma empregada doméstica,
que contraiu a doença através do contato com sua patroa, moradora
da zona sul carioca, recém-chegada da Itália. Estes corpos sempre
foram sacrificados para sustentar a “nossa” sociedade. Digo
corpos, e não seres, pois nesta lógica eles não possuem direito a
ontologia alguma, são totalmente destituídos de humanidade, seres
que não o são, e quando o são é apenas e na medida em que estão
incluídos na roda mortal que faz girar a nossa sociedade ao serem
excluídos, quando não assassinados.
O
trabalho digital, home-office, nos ajuda a pensar esta imaterialidade
pressuposta e desejada pelo sujeito universal. A economia do
conhecimento, o trabalho digital, sempre foi a realização par
excellence da lógica do sacrifício.
Para eu comprar no meu iFood, sacrifico o informal que vai de bike
do restaurante a minha casa. Quem é
o essencial, mesmo? Nesse delírio funesto característico da
sociedade capitalista, o mais importante é me digitalizar, me perder
no mundo dos algoritmos e códigos binários, pois assim escapo ao
destino de ter um corpo, e com ele todas suas possibilidades de
marcação social e política – um
corpo explorável, vulnerável, torturável, matável
– que ignoro e deixo passar despercebido ao concluir meu pedido no
app. Os assim chamados “essenciais” – agora entre aspas, pois é
só comprimido entre elas que não invisibilizamos o masoquismo e a
hipocrisia do termo em seu uso atual – não têm nada de digital, só
participam da economia do conhecimento como precarizados,
terceirizados, informalizados – a realidade dos essenciais é
analógica, de carne e osso, e eles são servidos, nus e crus, para o
banquete sacrificial do neoliberalismo.
Com
a realidade inescapável do vírus,
aumento minha imunidade sacrificando a vulnerabilidade do outro. Com
a onipresença do vírus, defendo meu corpo (que agora existe mais do
que nunca) usando como para-choque o corpo do outro (que na verdade,
nunca exerceu outra funcionalidade).
A
digitalização, a abstração, a imaterialidade, sempre foram as
palavras de ordem na sociedade capitalista neoliberal, sonho e
delírio de um sujeito particular que almeja o poder universal.
Afinal, quem controla os fluxos de capital, se não os “oligopólios
generalizados”, conceito criado por Samir Amin para agrupar todos
aqueles que controlam as cadeias de valor e produção, as redes de
investimento, seguradoras, previdências e bancos? Os poucos grupos
que dividem, compartilham e controlam todas estas instituições. A
financeirização sempre se fez por abstrata, usando a economia real
concreta como escudo para então controlá-la. Operando por meio de
números, códigos, algoritmos, equações e diagramáticas, a
finanaceirização é o reino da abstração neoliberal, não
possuindo lastro físico, dependendo apenas da ganância especulativa
de seus investidores, livre para se autovalorizar até o infinito.
Como dizia Gilles Deleuze, existem duas “formas-dinheiro”:
aquela que usamos no dia-a-dia, como valor de troca, compra e venda,
e aquela forma-dinheiro que é capital, ou seja, que tem poder
político, que dita o que vai ser produzido, que controla as
produções, que cria o valor em si – a financeirização por
excelência, mas não só.
Fica
evidente, portanto, que os essenciais são os capitalistas,
co-propietários destes oligopólios, os que possuem dinheiro como
capital, os mesmos que sucateiam o sistema de saúde, a
aposentadoria, educação, e insaciáveis, vão sucatear cada vez
mais os serviços sociais para assim conseguirem acumular ainda mais,
numa aliança obscena com o Estado. Dívida pública, dívida
privada, dívida de vida: na sociedade capitalista neoliberal cuja
lógica é sacrificial, todos nós devemos nossa vida a eles. Quando
nos impõem goela abaixo reformas neoliberais, por exemplo, a reforma
da previdência, o que se destaca nela é exatamente a lógica do
sacrifício, proclamada aos quatro ventos: vai ser difícil para
todos, mas a reforma é necessária e inescapável, um remédio
amargo, sem dúvida, mas que é preciso tomar – em nome da
economia. É preciso se sacrificar agora para colher os frutos no
futuro. Como todo ritual sacrificial é composto por aqueles que são
autorizados a realizar o ritual (sacrificadores), e aqueles que são
sacrificados, faz-se preponderante distinguir quem é quem no atual
cenário.
Se
enganam aqueles que acreditam que o vírus tem um poder a
priori para mudar o mundo, para
mudar nossas consciências, atitudes, enfim. Se enganam, pois se
esquecem de uma característica fundacional do capitalismo: seu poder
de transformar uma ameaça em uma oportunidade, um inimigo em um
complacente. Quantas vezes a sociedade capitalista não enfrentou uma
crise e saiu dela ainda mais forte?
O
capital, que só almeja o lucro, é um comando, uma direção, uma
ordem. O capital dita as regras, e os Estados colocam as regras em
jogo, por meio de suas leis, políticas econômicas, políticas
sociais. É o que Deleuze e Guattari chamam de axiomática do capital
no Anti-Édipo. O Estado
é um modo de realização do capital, um meio para tornar material a
abstração da autovalorização do capital. É o Estado
quem racializa, quem generifica, quem realiza a divisão social do
trabalho, para assim fazer funcionar a lógica do lucro. Portanto,
quando o estado te confina em casa, ele está salvando vidas? Essa
não parece ser uma boa questão, por omitir mais do que expor.
Quando ele te confina, bem ou mal, está tentando manter viva a
lógica do capital, assim como os verdadeiros essenciais. Manter vivo
o “nosso” sistema.
Outra
lição que podemos tirar da axiomática do capital é a de que não
há economia sem política. O conceito de Deleuze e Guattari salienta
que não há mudança econômica, não há direito dos trabalhadores,
não há estado de bem-estar social, se não houver luta. Toda
conquista vem dos esforços para conquistá-la. A axiomática é
exatamente a máquina social capitalista que apropria as vitórias –
sejam elas da classe trabalhadora, dos oprimidos, subalternos –
transformando-as em axiomas, ou seja, realizando a transmutação de
poderosas possibilidades revolucionárias em novas engrenagens que
alimentarão o sistema. Todo progresso que alcançamos nas lutas de
classe, gênero, sexo e raça, todas as vitórias, de uma forma ou
outra, estão abertas a cooptação pelo capital. Esse é um dos
mecanismos pelo qual mantém-se vivo. E não será diferente no mundo
pós-covid. Acredito que toda forma de avanço, em direção a uma
sociedade mais justa e igualitária, é autojustificada pela melhora
nas condições de vida daqueles que batalharam pelo avanço. Mas nem
por isso o capitalismo se torna mais fraco, ou mais próximo de sua
derrocada. O vírus, portanto, nada nos garante. Desemprego em massa,
um sistema de saúde precário que não atende as necessidades do
surto, as bolsas de valores despencando, um número inaceitável de
mortes por dia – não há previsão possível sobre o futuro do
capitalismo a partir do que fica exposto na pandemia, há apenas mais
um diagnóstico do que já está óbvio: chegamos a esse ponto por
conta das ações políticas que nos conduziram até aqui.
O
que busco salientar, portanto, é que não esqueçamos do poder de
ressurreição do capital, essa verdadeira fênix pós-apocalíptica,
que quanto mais se prevê sua morte, mais em chamas fica. Mas,
principalmente, não nos esqueçamos dos “essenciais”, que são
assim chamados por manterem a roda do sistema capitalista girando e
servindo aos essenciais de fato. Se o essencial é incorpóreo,
portanto, livre em sua essência para se mover e manipular o que
melhor lhe aprouver, o “essencial” está fadado ao peso
incomensurável de seu corpo, afundando em terra movediça, “livre”
– apenas e a cada dia mais – de seus direitos trabalhistas e
humanos. Gostou do texto? Contribua para manter e ampliar nosso jornalismo de profundidade:OutrosQuinhentos