A eleição do senhor Jair Bolsonaro, nas controvertidas circunstancias em
que se deu, após o afastamento da presidente Dilma e o malfadado interregno do senhor Michel
Temer, só confirma mais uma
vez a exaustão do chamado “presidencialismo de coalizão” no Brasil. Como
se sabe, o nosso messianismo legal copiou as instituições políticas
norteamercianas, no início da República brasileira. E entre estas, o instituto
do Presidencialismo, sem se dar conta da multiplicidade de partidos e legendas
existentes no nosso país. Partidos de frágeis bases nacionais, mais parecidos
com federações de grupos políticos locais. A tradição messiânica da política brasileira
se expressou com perfeição no Presidencialismo semi-imperial, de absoluto
desprezo pelo sistema partidário e, mais ainda, pelo Poder Legislativo. Esta tendência
histórica levou ao menosprezo pelo eleitor das eleições proporcionais e a uma
sobrevalorização do Poder Executivo, fazendo muitas vezes as eleições majoritárias assumirem o caráter de um
plebiscito.
Em todas as eleições do mundo, em democracias representativas como a
nossa, os partidos de centro e centroesquerda sempre desempenharam o papel
fundamental no equilíbrio do sistema político, garantindo sua governabilidade
ou evitando guinadas radicais seja em direção à direita ou à esquerda. A essa
afirmativa, poder-se-ia juntar a famosa tese de Aristóteles de que são as
classes médias o que salvam a democracia. Infelizmente, essas constatações
foram fortemente desmentidas no ambiente cultural e político do Brasil.
Primeiro, pela debilidade do nosso liberalismo político, definido por um
político do DEM como a cultura do Bombril, liberalismo de mil e uma utilidades,
usado e interpretado ao sabor das conveniências dos partidos. Segundo, em razão
do conservadorismo das classes médias brasileiras (eterna massa de manobra dos
regimes golpistas e autoritários). Em suma, um regime Presidencialista sujeito
permanentemente a “chuvas e trovoadas”, dependendo dramaticamente do arremedo
de legendas partidárias representadas no Congresso. É a isso que se denomina de
“governabilidade”. O que faria depender do apoio de maiorias eventuais a
estabilidade do regime democrático.
Some-se a esse quadro, o complicador de uma mudança cultural na
população brasileira, sobretudo de baixa renda. Nação de origem católica, até
outro dia se dizia que a ética puritana do trabalho, o individualismo
anglo-saxão (self made man) e a realização através do acumulo e a posse de bens
materiais não faziam parte da mentalidade da maioria dos brasileiros, em razão
da influencia religiosa ibérica. Mas não contaram os analistas com o crescimento
paulatino dos cultos evangélicos de orientação pentecostal e neopentecostal,
numa versão muito modificada do modelo
original americano. Igrejas que ajudaram a difundir uma “teologia da
prosperidade”, que coloca a culpa da pobreza e da inferioridade social no
próprio indivíduo, não nas condições sociais, e a defender a prosperidade
material como “presente de Deus”. Não se conhecia no país essa modalidade de
individualismo e afastamento de uma hermenêutica social como foi, por exemplo,
a “teologia da libertação” e suas comunidades eclesiais de base. Diga-se também
que foi adotado um modelo de comunicação social de massas vitorioso e, mais
importante, um projeto político para o país.
O resultado não poderia ser outro: na esteira do ressentimento da
democracia provocado pela “operação lava-jato”, que aliás resultaram em 30
milhões de votos nulos e brancos e da abstenção eleitoral, as instituições de
nosso Presidencialismo de coalizão chegaram profundamente desgastadas, ao fim
da campanha eleitoral.Na ausência de qualquer reforma política digna deste nome
e legitimada pela sociedade, a nossa
democracia de baixa intensidade está em frangalhos. A extrema
fragmentação da representação parlamentar, a pouca representatividade dos
partidos políticos (dominados por lobbies” de todo tipo), a politização do
judiciário e um Poder Executivo que mais do que nunca precisa e depende da mixórdia
dos 35 partidos, sob pena de não governar ou ser afastado do poder. Esta a
crise do modelo político brasileira.
Mais grave, contudo, é a imensa crise social que acompanha a crise
político-institucional. O fundamentalismo de mercado que quer privatizar tudo,
mercadorizar os bem sociais, entregar os pobres e miseráveis à própria sorte,
precarizar de uma vez o trabalho, atacar a magistratura do trabalho, perseguir
as entidades sindicais e os movimentos
sociais, através de uma interpretação canhestra da lei que criminaliza o
protesto social. Até ontem, tínhamos um grave problema com a engenharia
institucional do país. Hoje, estamos à beira de um imenso cataclismo social.
Quando reagiram os brasileiros diante desse assalto aos seus direitos e expectativa de direitos?
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia.
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