pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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domingo, 9 de abril de 2017

Le Monde: Vietnã, o polo industrial da vez


Em menos de quarenta anos, o Vietnã impulsionou um crescimento dinâmico que permitiu uma vida melhor para o conjunto da população. A fome desapareceu; os jovens se conectaram às redes sociais; as famílias assistem a séries sul-coreanas e japonesas na TV… Contudo, as condições de trabalho permanecem muito duras e a economia está cada vez mais dependente
por: Martine Bulard
29 de março de 2017
Crédito da Imagem: Odyr
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Com os cabelos negros sobre a testa, 50 anos joviais e olhos atentos, Nguyen Van Thien conta que o Partido Comunista Vietnamita (PCV) recruta “soldados do tio Ho para a frente de economia” – em referência a Ho Chi Minh, herói da independência e fundador da República Democrática do Vietnã. Thien, orgulhoso de sua tarefa, lidera a frente das roupas, com multinacionais como a norte-americana Gap, a japonesa Uniqlo e a espanhola Zara – clientes mundialmente conhecidos.
Encontramos o vietnamita em uma de suas fábricas na periferia de Bac Giang, a uma hora e meia de carro da capital, Hanói. Nas quatro alamedas com enormes galpões, amontoam-se máquinas e trabalhadores – em sua maioria mulheres. Um edifício ligeiramente centralizado abriga alguns escritórios modestos. Também se vê um altar do gênio da fortuna, garantia de prosperidade segundo as crenças ancestrais, em todas as empresas visitadas – das mais às menos imponentes, na parte de fora ou no hall de entrada. Às vezes, um incenso queima no ambiente.
Nguyen Van Thien é o diretor-geral da Bac Giang Garment Corporation (BGGC), desconhecida do grande público vietnamita. Ali são fabricadas jaquetas, vestidos e calças destinados à exportação. Thien não pode vender as peças no mercado local para não banalizar as marcas e, portanto, desvalorizá-las: está nos contratos. Como se os assalariados, que ganham entre 3 milhões e 5 milhões de dongs (entre R$ 420 e R$ 700 por mês) por seis dias de trabalho na semana, pudessem pagar essas roupas.
Há dez anos, a BGGC contava com apenas uma fábrica, empregava 350 pessoas e seu diretor-geral era um simples chefe de controle técnico. Isso foi antes da privatização, palavra jamais pronunciada. Nem aqui nem em nenhum outro lugar. Fala-se, às vezes, em “socialização” ou “acionarização”, ou ainda em “nacionalização”. Sagrado desvio de linguagem para designar que as ações não pertencem mais ao Estado, e sim aos assalariados, que são preferenciais (se eles puderem comprá-las), e a todos aqueles que “quiserem”. A empresa se torna, assim, o “bem comum de todos os vietnamitas”, segundo a terminologia oficial. Se, no início, a divisão pode ser equitativa, aqueles que dispõem de capital social e recursos financeiros abocanham a maior parte. Na BGGC, Nguyen Huu Phay,1 ex-assalariado e membro do PCV, cuja fotografia decora a sala onde os visitantes são recebidos, detém 40% do capital, graças à revenda de ações e aumentos de capital. Pelo menos a empresa prosperou: agora são cinco fábricas, 14 mil assalariados e comandas de pedidos cheias.
Antes, em tempos de estatização generalizada, as ordens emanavam do comitê popular e do Departamento de Comércio, dirigidos pelo Partido. Desde 1987, com a “economia de mercado com orientação socialista”, segundo a denominação consagrada, são as grandes marcas ocidentais que controlam tudo, do desenho aos botões, passando pelos fios utilizados. Elas também impõem seu preço. Feliz de ter escapado do “espartilho estatal e sua burocracia”, Nguyen Van Thien afirma a moral da história: “ganhamos dinheiro”.
Nem todas as experiências que escaparam do sistema anterior, porém, foram exitosas. “A maior parte dos grandes grupos públicos, ‘acionarizada’ ou não, perde dinheiro”, assegura um advogado renomado que preferiu permanecer no anonimato. Hoje, esse ex-alto funcionário do Estado dirige um grande escritório especializado em direito empresarial – trajetória que coincide perfeitamente com a evolução do Vietnã. Não há dúvida de que, desde o lançamento da política dita de “renovação” (Doi Moi), em 1986, algumas empresas se destacaram, como a Vingroup – cujo CEO, Pham Nhat Vuong, é o único vietnamita a figurar na longa lista de bilionários da revista Forbes –, a número um da telefonia, VietTel, ou ainda o grupo lácteo Vinamilk. Mas essa projeção se deve a circunstâncias particulares. A primeira se beneficia de subsídios nos mercados públicos e concessões imobiliárias, que lhe permitiram obter enormes lucros. A segunda dispõe de acesso privilegiado a satélites e frequências; e a terceira faz parte de um grupo de empresas estrangeiras, entre elas um fundo de Cingapura.

Investidores jogam Pequim contra Hanói
As outras companhias abriram timidamente seus capitais apenas para escapar ao controle do Estado e amargam perdas gigantescas – “uma mistura de incompetência e corrupção”, assegura o advogado. O exemplo mais contundente é a PetroVietnam, na qual a maioria dos dirigentes renunciou após perdas abissais e contratos fraudulentos. Esse processo também é fruto do poder do secretário-geral do partido, Nguyen Phu Trong, que visivelmente decidiu partir em cruzada contra a corrupção entranhada na vida cotidiana dos vietnamitas e termina por fragilizar uma economia cada vez mais aberta aos movimentos globais de capital. “Os empreendedores vietnamitas sempre nadaram em maré baixa”, explica nosso advogado francófilo. “Contudo, é o oceano que os espera”, completa. O oceano tempestuoso do livre-comércio e da concorrência implacável.
A têxtil BGGC sabe disso: “Para pressionar os preços, alguns grandes clientes jogam o Vietnã contra a China, e vice-versa”, conta o diretor-geral da empresa. Assim, segundo ele, são obrigados a “cortar custos em tudo”, sem definir o que esse “tudo” significa. A Uniqlo, por exemplo, congelou seus fornecedores do Império do Meio e migrou para os do Vietnã. A Leverstyle, outra fornecedora da marca japonesa, reduziu seus efetivos chineses e fabricará desse lado da fronteira 40% dos seus produtos até 2020 – de onde estava ausente há cinco anos.2 Desde o início da década, as grandes marcas e seus fornecedores estão progressivamente abandonando o território chinês, como a taiwanesa PouChen (Nike, Adidas, Puma, Lacoste), que investiu mais de US$ 2 bilhões nos parques industriais ao redor da cidade de Ho Chi Minh, no sul do Vietnã.
De acordo com Truong Van Cam, vice-presidente da Associação de Empresas do Setor Têxtil para Vestimentas (organização patronal conhecida como Vitas), “65% das exportações vietnamitas do setor têxtil são realizadas por empresas de capital ou donos estrangeiros”. É um fato positivo, segundo o dirigente, que parece mais um burocrata soviético dos anos 1970 que um jovem empresário americanizado como se vê pelo Vietnã. Van Cam ressalta que as primeiras reivindicações de mudança vieram da Vitas para responder às diversas necessidades de uma população jovem que rejeita a uniformização do sistema e “a quem devemos oferecer oportunidades de trabalho, pois é nossa única riqueza”. Sua organização, portanto, foi pioneira nesse processo.
Para ele, “a economia mundial caminha por ondas que se deslocam: partiram da Europa em direção ao Japão e Coreia do Sul, depois em direção à China. Agora, com o aumento dos salários chineses, deslocaram-se para o Vietnã, Bangladesh e Birmânia. É a lei natural; o objetivo das empresas é lucrar. São ciclos de dez a quinze anos, o que nos dá tempo para qualificar os trabalhadores e melhorar suas performances”, analisa. Parece que estamos escutando Pascal Lamy, “socialista” francês e ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Como a maior parte dos dirigentes econômicos, Truong Van Cam contava entusiasmado com o Acordo de Parceria Transpacífica (conhecido em inglês como Trans-Pacific Partnership, TPP, e cancelado pelo presidente Donald Trump menos de uma semana após assumir a Casa Branca) entre os Estados Unidos e onze países, que traria mundos e fundos. Lírico, Barack Obama chamava-a de o “acordo comercial mais progressista da história”.3 Pelos cálculos do Banco Mundial, os patrões do setor têxtil esperavam um crescimento vertiginoso de sua fatia no mercado mundial – dos atuais 4% para 11% em 2025. Os do setor eletrônico, uma guinada nas exportações na ordem de 18%, enquanto os dirigentes vietnamitas contavam com um crescimento de 0,8% a 2% por ano na próxima década.4
Essa promessa sedutora contribuiu muito para a fulgurante ascensão de instalações estrangeiras na região nos últimos anos. Sem dúvida, a lógica do dumping salarial motivou mais de um investidor, como explicam em palavras cifradas Shimizu Tatsuji e La Van Tranh, dupla nipo-vietnamita à frente da empresa japonesa Foster Electric que nos recebe em sua fábrica de microfones (para iPhones da Apple) e alto-falantes (para automóveis estrangeiros). “Os trabalhadores vietnamitas são muito competitivos. Podem ser mais mal formados, mas aprendem rápido. Aqui, empregamos 30 mil pessoas, e o salário-base gira em torno de US$ 150 a US$ 200 por mês, contra US$ 650 médios na China. Economizamos muito dinheiro”, explicam. De fato, economizam uma pequena fortuna. Não apenas para a Foster, que reduziu suas instalações chinesas, mas também para a Samsung, que investiu US$ 15 bilhões e emprega 46 mil pessoas. Ou ainda Foxconn, Apple, Canon.
No entanto, essa não é a única motivação. O boom dos últimos anos se deve amplamente à queda das taxas e impostos alfandegários nos Estados Unidos e em onze países do Pacífico,5 e que caminhariam para o desaparecimento completo no horizonte de 2025, no âmbito do TPP. Os negociadores norte-americanos ditaram uma regra restritiva “de origem”, impondo que os produtos exportados sejam inteiramente fabricados no Vietnã ou com elementos oriundos dos países-membros da parceria, da qual a China está excluída. Não é preciso se preocupar mais em montar aqui elementos fabricados lá, esforço constatado no início da década.

Trunfo para o capital externo
Com o auxílio de Washington e do TPP, o Vietnã já se vê como o segundo polo industrial do mundo, pronto para abocanhar o lugar da privilegiada e também detestada China: seu principal fornecedor e cliente, mas também adversário no Mar da China (chamado de “Mar do Leste” no Vietnã). Esse tratado de livre-comércio tinha um aspecto tanto político quanto econômico,6 mas a hostilidade de Donald Trump compromete sua aplicação. Certo dia de novembro de 2016, um painel azul invadiu a tela da televisão interrompendo o jornal do canal americano CNN “por conteúdo inapropriado”. Mais tarde, soube-se que o presidente eleito havia se declarado contra os “produtos vietnamitas a baixo custo”, que ameaçavam invadir os Estados Unidos. Era preciso poupar os ouvidos castos dos vietnamitas, supondo que eles assistem à CNN.
No momento, os dirigentes do país esperam que Walmart, Nike, Apple, Microsoft e outras grandes transnacionais possam restituir a razão do excêntrico presidente. Enquanto isso, o primeiro-ministro, Nguyen Xuan Phuc, declarou, na Assembleia Nacional, no dia 18 de novembro, que o Vietnã “já assinou doze acordos de livre-comércio” e pretende “perseguir a integração econômica, com o TPP ou não”. Atualmente, os investimentos estrangeiros provêm principalmente da Ásia (na seguinte ordem: Japão, Taiwan, Cingapura, Coreia do Sul, China). O chefe do governo mencionou também o acordo firmado com a União Europeia e ratificado – sem grandes debates – pelo Parlamento francês em junho de 2016.
Hanói deposita sua esperança de crescimento nas exportações e na atração de capital estrangeiro, ao qual oferece um trunfo: exoneração total de taxas e impostos durante quatro anos, e de 50% durante os nove anos seguintes, além de facilitar acesso à terra (em detrimento da agricultura local) e a benefícios suplementares com governos locais, bem como simplificações administrativas. Tudo isso faz a máquina girar – 6,5% de crescimento em 2016 (com um ritmo de 5,5% a 7,6% desde 2000) – e enche a região de expectativas.
A estratégia, contudo, tem um preço: a dependência. As empresas estrangeiras são responsáveis por mais de dois terços das exportações do país. A Samsung, por exemplo, concentra 60% das vendas de eletrônicos ao exterior. Se a gigante sul-coreana sofrer qualquer revés (como o caso de seu Galaxy Note 7, cujas baterias explodiam), quem sofre as consequências é o Vietnã.

Aumento das preocupações ecológicas
Em encontro no Instituto Central para a Gestão (Ciem), centro de pesquisa vinculado ao poderoso Ministério do Planejamento, Nguyen Anh Duong não negou os perigos. Se por um lado critica a “nova camada de ricos e empreendedores vietnamitas que querem apenas garantir seus privilégios”, por outro esse jovem diretor adjunto do Departamento de Política Econômica explica sem rodeios: “As empresas estrangeiras têm capital, e nós não. Mais vale que invistam na produção do que no setor imobiliário. Além disso, isso gera concorrência com as empresas locais, o que as estimula a melhorar sua gestão”. E resume o pensamento dominante: “Esses investimentos estrangeiros diretos constituem de fato uma aposta no futuro. Com eles, temos uma chance de que as coisas funcionem. Sem eles, certamente não poderemos nos desenvolver”.
Como, efetivamente, sair do subdesenvolvimento sem capital ou tecnologia, porém com uma população jovem e numerosa (metade tem menos de 30 anos, 53,8 milhões está em idade produtiva e 98% sabe ler e escrever)? As autoridades vietnamitas se valem do dogma arriscado que empoderou Cingapura, Taiwan e a China: o baixo custo da mão de obra. Mas há uma diferença, nota Erwin Schweisshelm, diretor da Fundação Friedrich Ebert no Vietnã: “Esses países protegeram seus mercados e impuseram normas regulatórias. Ainda hoje, é impossível ser 100% proprietário de uma empresa chinesa, e certos investimentos devem comportar transferências de tecnologia. O Vietnã, por outro lado, está totalmente aberto. Não há nenhuma exigência em relação à instalação ou utilização de recursos naturais, nenhuma recomendação”. E, visivelmente, o país também controla pouco as infrações aos direitos trabalhistas, que suscitaram inúmeros conflitos dentro das empresas (ver boxe).
A fiscalização não é maior em relação a normas ambientais, como mostra o caso Formosa, nome da empresa taiwanesa instalada na província de Ha Tinh, no centro do país, e que despejou produtos tóxicos de sua siderúrgica no mar: 200 quilômetros de costa poluídos, toneladas de peixes mortos, mais de 40 mil pescadores sem trabalho, turismo ameaçado. Em um primeiro momento, o representante da Formosa em Hanói, Chou Chun Fan, sentiu-se suficientemente protegido para poder declarar: “Não se pode ter tudo. É preciso escolher entre os peixes, os camarões e uma siderúrgica”.7 Isso sem levar em conta os pescadores, que sobrevivem desses cursos – e entraram com um processo. Ou ainda sem considerar as camadas médias urbanas preocupadas com a qualidade da alimentação, que se manifestaram em massa em Ho Chi Minh. O governo prendeu um ou dois supostos líderes do movimento e deteve dezenas de manifestantes durante algumas horas; por outro lado, investigou o ocorrido e indenizou os pescadores, e Chou Chun Fan teve de deixar o cargo.
Alguns anos antes, em 2009, a exploração de uma mina de bauxita pela empresa chinesa Chinalco mobilizou multidões, que pressionaram até o general Vo Nguyen Giap, herói da guerra, tomar alguma providência em relação aos “riscos sérios de danos ecológicos”.8 Em vão. O apetite de crescimento primou sobre qualquer outra premissa.
A sede de consumo satura as cidades de carros e motos em um vaivém sem precedentes, tornando o ato de atravessar a rua incerto e o ar totalmente irrespirável. Entretanto, associações ou organizações que lutam contra a poluição e pela segurança alimentar começam a aparecer. Em 2016, os habitantes de Hanói se mobilizaram para impedir o corte de dezenas de árvores centenárias – e tiveram sucesso. Luong Ngoc Khue, jovem empreendedor especialista em softwares, nascido no delta do Rio Mekong, espera reunir “citadinos e camponeses” contra a possível chegada de milho ou arroz dos norte-americanos por meio dos acordos de livre-comércio, “certamente geneticamente modificados, certamente da Monsanto” – empresa com uma história sinistra no Vietnã. Por enquanto, seu grupo nas redes sociais reúne apenas algumas dezenas de seguidores. “Sabemos nos reunir por questões pontuais, como o caso da Formosa”, observa o documentarista Dao Thanh Huyen, coautor de um livro sobre a batalha de Dien Bien Phu.9 “Mas ainda somos pouco capazes de refletir sobre algumas questões: como buscar o desenvolvimento e fazer parte da globalização e ainda assim preservar nossa cultura milenar, nossos valores de solidariedade, respeito aos mais velhos, laços entre as gerações, ética?”, questiona.
O Partido Comunista escolheu adiar as respostas a esse tipo de questionamento. Há, porém, muitas divergências de opinião, como mostrou o XII Congresso, que em janeiro de 2016 viu o primeiro-ministro promotor de privatizações ser deposto, enquanto o secretário-geral ganhou autoridade. Mas o debate não acontece no mesmo ritmo das reformas, pelo menos não no conteúdo: alguns defendem utilizar os acordos de livre-comércio para pressionar e acelerar as mudanças nas normas e práticas (com o TPP, sessenta leis sobre questões econômicas e sociais já foram modificadas); outros acreditam que é preciso diminuir o ritmo para manter o controle das mudanças. A escolha se resume a uma economia de mercado descomplicada ou a uma economia de mercado moderada. E sob orientação socialista…
GREVES SEM SINDICATO
Depois dos 30 anos não é possível seguir com esse trabalho, o corpo não aguenta”, assegura Phan Duyen. Aos 32 anos, funcionária de uma fábrica japonesa de álcool de arroz, ela está feliz de ter deixado seu posto de trabalho no chão da fábrica e ter sido promovida ao controle de qualidade. Encontramo-nos com ela e o marido, além de sete colegas de trabalho, em uma pequena casa charmosa nos fundos de uma ruela, em uma área bem popular do 7º distrito da cidade de Ho Chi Minh (ex-Saigon). Todos confirmam a penúria do trabalho para manter a fábrica funcionando 24 horas (três turnos de oito horas), com apenas uma folga por semana – pouco tempo para voltar ao interior (de onde eles vêm) para visitar a família. É pouco tempo até para recobrar as energias.
Contudo, ninguém reclama. Sob a imagem de uma sociedade que mantém seu dinamismo a qualquer preço, esses jovens olham para o futuro. Eles querem “guardar dinheiro” e um dia voltar ao povoado onde nasceram para “abrir um comércio”, “construir uma casa e alugá-la” ou ainda “ampliar o sítio ou a fazenda da família”. Apenas duas jovens não pretendem voltar ao local de origem. A primeira faz aulas de inglês à noite, em um centro de idiomas a cerca de uma hora de moto da pensão onde vive, com a esperança de um dia conseguir um emprego em um escritório da cidade. A segunda pagou 90 milhões de dongs (um ano e meio de salário), graças a economias e empréstimos da família, para se formar em um instituto que lhe garantiu um emprego no Japão durante três anos. O Vietnã assinou convenções com diversos países a fim de se lançar em uma curiosa experiência: exportação de mão de obra (115 mil pessoas em 2016).1
Esperando que seus sonhos se realizassem, todos esses jovens, que recebem baixos salários (menos de 2 milhões de dongs, ou R$ 280 euros por mês), trabalham horas extras, pagas a 150%. Impossível saber quantas, mas não podem ultrapassar 200 horas anuais, 300 horas em casos excepcionais; ou seja, de quatro a seis horas por semana além das 48 horas legais por semana. Ao que parece, esses jovens trabalham para além das horas regulares mais as suplementares, porém não ganham para isso. Mais adiante na conversa, saberemos que apenas algumas horas extras são pagas, as outras são transformadas em “horas de recuperação”, um tipo de banco de horas, que podem ser usadas apenas quando a direção decidir. “Gostaríamos de guardá-las para a festa de ano-novo [em que, de forma geral, todos se juntam com a família no início do ano], mas não é possível”, explica um dos jovens. “A direção nos obriga a gastá-las em meias jornadas, durante as quais não podemos fazer muita coisa”. A jovem Phan Duye completa: “Com esse sistema, não nos beneficiamos trabalhando horas extras. Perdemos, e a empresa ganha”. E o sindicato? A pergunta parece incongruente. Ele existe, sem dúvida, mas não para apoiar reivindicações.
Mesmo assim, 5.722 greves aconteceram entre 1995 e 2015, segundo Do Quynh Chi, que dirige o Centro de Pesquisa sobre as Relações de Trabalho, uma espécie de escritório de consultoria com sede no centro da cidade. Mas nenhuma delas foi convocada pela Confederação Geral do Trabalho do Vietnã (CGTV) – o que gera prejuízo aos trabalhadores, porque, apesar de o direito à greve figurar na Constituição, ele só pode ser exercido sob responsabilidade do sindicato único, e, se não é ele que convoca, esses movimentos são considerados “paralisações de trabalho”. Seja qual for o nome adotado, os assalariados fazem cada vez mais greves: uma centena em 2000; cerca de quinhentas em 2016. Em 70% dos casos, ocorrem em empresas estrangeiras, onde a concentração de trabalhadores é maior (três quartos das empresas vietnamitas são pequenas ou médias). Principais motivos: salários, condições de trabalho e qualidade da alimentação nas lanchonetes das fábricas. “O mais frequente é que um grupo de trabalhadores leve as reivindicações à direção ou às vezes a um sindicato oficial, mas não obtém respostas. E então desencadeia a greve”, conta Do Quynh Chi. Essas ocasiões tornam-se quedas de braço. A CGTV se mobiliza e faz a intermediação entre trabalhadores e direção.
Na maior parte do tempo, observa Do Quynh Chi, as demandas são atendidas e as greves acabam. Raramente duram muito tempo. Quando se trata de aumento de salário, as greves atingem em geral todas as empresas do parque industrial onde está instalado o grupo e todos os que possuem a mesma nacionalidade – os funcionários se organizam por origem geográfica.
Em alguns casos, as “paralisações de trabalho” têm como objetivo questionar o próprio governo. Em março de 2015, 90 mil trabalhadores da fábrica Yue Yuen (do grupo taiwanês Pou Chen), no parque industrial de Binh Tan, em Ho Chi Minh, desligaram as máquinas e bloquearam a estrada para protestar contra uma lei que reduzia seus direitos à aposentadoria. O governo precisou fazer uma emenda no projeto, algo jamais visto.
Tanto nesse caso como em outros, a CGTV não tem nenhuma participação. É necessário mencionar que os dirigentes sindicais são pagos pelas próprias empresas. A eleição de representantes dos assalariados permanece puramente formal. “A vontade de reforma existe. Os dirigentes têm consciência de que, com uma ‘economia de mercado de orientação socialista’, o sistema não pode ser o mesmo que na época do socialismo”, assegura Erwin Schweisshelm, diretor da Fundação Friedrich Ebert. Mas o processo é árduo. (M.B.)
1          “L’exportation de main-d’œuvre augmente au fil des années” [A exportação de mão de obra aumenta ao longo dos anos], Le Courrier du Vietnam, 14 dez. 2016.
*Martine Bulard é jornalista do Le Monde Diplomatique.
{Le Monde Diplomatique Brasil – edição 115  – fevereiro de 2017}


1          Não há nenhum laço de parentesco com o secretário-geral: o sobrenome “Nguyen” aparece em pelo menos metade dos vietnamitas, e é mais frequente designar as pessoas pelo nome, sem que isso implique intimidade.
2          “China manufacturers survive by moving to Asian neighbors” [Fábricas chinesas sobrevivem mudando-se para os vizinhos asiáticos], The Wall Street Journal, Nova York, 1º maio 2013.
3          Jennifer Wells, “Will the TPP transform the garment manufacture in Vietnam” [O TPP vai transformar a manufatura de roupas no Vietnã?], The Toronto Star, 6 out. 2015.
4          “Potential macroeconomic implications of the Trans-Pacific Partnership” [Potenciais implicações macroeconômicas do Acordo de Parceria Transpacífica], Global Economic Prospects, Banco Mundial, Washington, jan. 2016.
5          Vietnã, Canadá, México, Chile, Peru, Austrália, Nova Zelândia, Cingapura, Japão, Brunei e Malásia.
6          Ler Xavier Monthéard, “Retrouvailles des États-Unis et du Vietnam” [Reencontros dos Estados Unidos e do Vietnã], Le Monde Diplomatique, jun. 2011.
7          “Hécatombe de poissons: Formosa s’excuse, l’enquête continue” [Hecatombe de peixes: Formosa se retrata, a investigação continua], Le Courrier du Vietnam, 27 abr. 2016.
8          Ler Jean-Claude Pomonti, “Le Vietnam, la Chine et la bauxite” [O Vietnã, a China e a bauxita], Planète Asie, 3 jul. 2009. Disponível em: http://blog.mondediplo.net

9          Coletivo, Dien Bien Phu vu d’en face. Paroles de bô dôi [Dien Bien Phu visto de frente. Palavras de bô dôi], Nouveau Monde Éditions, Paris, 2010.
(Publicado originalmente no Le Monde Diplomatique)

Fernando Holiday do MBL quer aplicar a Escola Sem Partido na marra


João Filho
EM MAIO DO ANO PASSADO, logo após a derrubada de Dilma Rousseff, o ministro da Educação de Michel Temer recebeu o ator e militante reacionário Alexandre Frota para ouvir suas propostas para a área. Frota foi convidado como representante do Revoltados Online – grupo que nasceu no Facebook vendendo precatórios e apoiando uma intervenção militar; cresceu espalhando boatos, compartilhando conteúdos racistas, homofóbicos; e morreu após a rede social bani-lo definitivamente por seus discursos de ódio. Um dos temas levados ao ministro foi o famigerado projeto de lei batizado de Escola Sem Partido, que visa combater o que eles chamam de “doutrinação ideológica nas escolas”.
Fernando Holiday (DEM), vereador de 20 anos eleito pelos paulistanos, resolveu aplicar este projeto em São Paulo na marra e anunciou que irá fiscalizar o seu cumprimento. Mais chato que ator mirim, o líder do MBL gravou vídeo explicando o patrulhamento que está fazendo nas escolas:
“Eu acabo de sair de uma escola onde fiz uma fiscalização surpresa. (…) Vou fiscalizar o conteúdo dado em sala de aula, isto é, se está havendo algum tipo de doutrinação ideológica (…), se tem professor entrando lá com camiseta do PT, do MST, jogando tudo para o alto e fazendo aquela doutrinação porca que a gente já conhece.”
O vereador nos dá o mais acabado exemplo da sociedade de vigilância, que pretende fiscalizar e controlar indivíduos. Na escola dos sonhos de Holiday, esta análise de Michel Foucault provavelmente jamais seria debatida em sala de aula, já que o pensador era filiado ao Partido Comunista Francês e um ícone da esquerda. O clássico “Pedagogia do Oprimido” do marxista Paulo Freire seria banido, mesmo sendo um dos livros mais requisitados pelas universidades dos EUA (o “Manifesto Comunista” de Karl Marx é o terceiro mais requisitado no país que elegeu Trump).  
Provavelmente, até alguns trechos da Constituição seriam censurados nas escolas do vereador. Os parágrafos II e III do artigo 206, por exemplo, determinam exatamente o oposto do que ele prega:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino
O Escola Sem Partido fere diretamente esses princípios, tanto que foi considerado inconstitucional pelo Ministério Público Federal, pela AGU e pelo STF. Essa pretensão insana em combater uma suposta lavagem cerebral esquerdista no ensino médio não tem a mínima base na realidade. Os brasileiros estão cada vez mais conservadores. A cidade de São Paulo, então, nem se fala: elegeu Doria em primeiro turno e deu um mandato para Holiday brincar de youtuber reaça na Câmara Municipal.
O Ibope fez uma pesquisa em 2010 e outra em 2016 para medir o conservadorismo do brasileiro. Nesse período, a quantidade de pessoas que apoiam a redução da maioridade penal saltou de 63% para 78%. Os apoiadores da prisão perpétua subiram de 68% para 78%. O apoio a penas de morte pulou de 31% para 49%. Os que são contra a legalização do aborto continuaram no mesmo patamar: 78%. Bandeiras identificadas com a esquerda nunca estiveram tão impopulares. A tal histórica doutrinação marxista nas escolas tem sido tão incompetente que tem feito o país ficar ainda mais conservador. Vejam só o tamanho da insanidade dos patrulheiros! Holiday lembra Dom Quixote, ou melhor, Dom Coxote.
Alexandre Schneider fez o que se espera de um secretário de Educação e repudiou a patrulha ideológica do vereador em sua página no Facebook:
“Fui surpreendido por um vídeo do vereador do DEM/MBL, Fernando Holiday, que correu as redes sociais desde ontem. Nele, o vereador indica que visitou escolas públicas municipais para verificar se ‘estava havendo doutrinação por parte dos professores’. E pedia para que pais denunciassem casos de doutrinação.
Evidentemente o vereador exacerbou suas funções e não pode usar de seu mandato para intimidar professores.
A escola, como qualquer organização social, pública ou privada, não é nem nunca será um espaço neutro. A escola pública, laica, plural, não deve ser espaço de proselitismo de qualquer espécie. É o que diz a lei de diretrizes e bases da educação. É o que fundamenta a sua base republicana.”
Kim Kataguiri não podia deixar seu brother sozinho nessa e gravou vídeo esculachando o secretário:
“Ele foi secretário de Educação na gestão do Kassab e está lá até hoje porque é um poste do Kassab. Não está porque é competente, não está porque tem formação para isso, não está porque é responsável para cuidar da educação, não está por mérito próprio, está por indicação política, conchavo político, e acha que tem moral para falar sobre educação.”
Indiretamente, Kim desqualifica a escolha do seu querido João Doria Jr. O prefeito teria colocado um “poste do Kassab” para comandar uma secretaria tão importante. Holiday também arregaçou as mangas, estufou o peito e resolveu xingar muito no Twitter:
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Tweet escrito no dia 05 /04 e que foi deletado posteriormente
Além de patrulhar o caráter do secretário de Doria, o vereador usou o Facebook para colocar a pecha de esquerdista em Schneider. Postou fotos do secretário ao lado de Molon (REDE) e fez um contorcionismo admirável para ligá-lo ao PSOL.
Schneider entrou pra vida pública pelas mãos de Mário Covas (PSDB), foi vice-prefeito de Serra (PSDB) e secretário de Kassab. Associá-lo à esquerda é só mais uma tentativa de desqualificar o interlocutor diante da sua plateia sem precisar rebater o argumento – uma prática usual da turminha sapeca do MBL. Com a turba incendiada pelo movimento, Schneider foi alvo de uma série de ofensas pessoais.
Um vereador fiscalizar o conteúdo de um professor dentro do seu local de trabalho não é apenas uma bizarrice que flerta com o fascismo, mas um claro abuso de autoridade. Holiday foi eleito para exercer uma função legislativa, mas seu ímpeto em gravar vídeos e lacrar esquerdistas nas redes o leva sistematicamente a extrapolar as funções do seu mandato. Em pouco mais de três meses, ele já foi acusado de diversas irregularidades: é alvo de inquérito policial por fazer propaganda eleitoral no dia da votação, de um pedido de cassação por ter ajudado um youtuber do MBL a invadir uma reunião fechada do PT na Câmara, e é acusado – com fartas provas apuradas por Tatiana Farah e Severino Motta do BuzzFeed –  de se lambuzar no caixa 2 ao pagar em dinheiro vivo colaboradores de campanha e não declarar. A explicação dele sobre essa última acusação é tão sofrível e macarrônica que quase parece uma confissão de culpa. Deve ser triste para os que acreditaram no discurso moralista do menino que berrava contra o caixa 2 vê-lo se tornando um usuário da prática.
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Fernando Holiday (DEM) posa orgulhoso ao lado de Eduardo Cunha (PMDB) em 2015

Reprodução/Facebook
Com a polêmica instaurada, Holiday finalmente entendeu a função de um vereador e resolveu protocolar na Câmara Municipal o projeto Escola Sem Partido. Mas chega a ser engraçado imaginar que ele estava indo nas escolas fiscalizar o cumprimento de uma lei que nunca existiu e provavelmente nunca existirá por ser claramente inconstitucional. Se um dia Holiday virar presidente da República – bate na madeira! –  será difícil para ele encontrar algum bom educador que esteja alinhado às suas loucuras para chefiar o MEC. Só consigo mesmo pensar em Alexandre Frota.
(Publicado originalmente no site do Intercept Brasil)

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sábado, 8 de abril de 2017

Charge! Leo Villanova, via Gazeta de Alagoas

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Editorial: The conservative political upheaval araund Lula


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Under the circumstances in which it is being built, a possible candidacy of former President Lula reissues the same mistakes of a recent past, which may mean a not-so-significant advance of progressive camp forces. This movie we all already know the end. Another element that should not liven up the forces of the progressive camp are these ex-president's alvissareiras indices in the voter-intent surveys, as a natural result of their recall to the electorate, but that may lack "breath" in the final stretch, when Little even an ineligibility decreed by the Republic of Paraná, who wishes to hunt him down. In one of the editions of the Roda Viva Program, researcher Antonio Lavareda would have referred to this subject. In any case, Lula's leadership in polling stations - allied to the unpopularity of President Michel Temer and his supporters in the states - has provoked a kind of political tsunami that affects, mainly, politicians of the base of government support that they wish to elect Guaranteeing the privileged forum, avoiding more damage with the problems in which they are inserted in the course of the investigations of Operation Lava Jato. Experienced journalist Carlos Chagas has been able to count at least 200 of them. This is an expressive number.

Here in the province of Pernambuco, the good indexes of former president Lula has provoked a real political upheaval. There are already those who defend an alliance of the PSB with the PT; Anyone who considers a candidature of the Workers Party to the State Government in 2018; Anyone who points out that a composition of the PSB with Geraldo Alckmin would be a political suicide kept the current indexes of the toucan. There are countless assessments of this scenario, but the fact is that no one wishes to risk re-election, which could mean in some cases the loss of the privileged forum and the uncomfortable hearings with that judge of the 13th Federal Court of Justice from Curitiba. Former President Lula, for example, already has a hearing scheduled for May 3, when a major mobilization of PT militancy is expected, in what is being called a contingency plan, such as "we are going to invade your beach."

Still according to journalist Carlos Chagas, in a possible candidacy and later victory of Lula - anchored in this bad class conciliation - would result in the conclusion that we can not form great expectations of a future coalition government, perhaps even in one more Letter to the Brazilians, in the frigir of the eggs, a confession of capitulation. Much has been said at the time of the Petista Coalition Government that the PT has equipped the state, but we caution you to look more calmly at the topic, since our experience has indicated that conservative hosts have continued to occupy posts of relevance in the republic. The most serious: They did not even need to change the dress of Dianas de Pastoril. At an opportune moment, when the creep on the authentic PTPs was defined, everything was under the control of these forces, which completely undermined any outline of resistance. It is no use saying this to Lula because the tendency is for him to repeat all of this again, if he can be made a candidate.

Whoever has any familiarity with the study of the social imaginary knows an expression - or concept - attributed Gilbert Duran: semantic basin. There the French anthropologist, disciple of Michel Maffesoli, dissects how the radicals, in the course of time, transform into illustrious conservatives, assimilating the current status quo values. It was a bit like what happened with Lula and the PT that assimilated, including the bad customs of our political system, such as structural corruption. In these political circumstances, driven by a correlation of conservative forces, the flirtation with the social strata that occupy the ground floor of the social pyramid will always be conditioned by fragile and spurious political agreements, broken at any time, at the convenience of our elite, Most cruel of all, barley in 365 years of black submission to slavery, whose "inhaca" is still very much alive.

Editorial: O rebuliço político conservador em torno de Lula.


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Nas circunstâncias em que está sendo construída, uma eventual candidatura do ex-presidente Lula reedita os mesmos equívocos de uma passado recente, o que poderá significar um avanço não assim tão significativo das forças do campo progressista. Esse filme todos já conhecemos o final. Um outro elemento que não deve animar muito as forças do campo progressista são esses índices alvissareiros do ex-presidente nas pesquisas de intenção de voto, como resultado natural do seu recall junto ao eleitorado, mas que pode faltar "fôlego" na reta final, quando pouco até mesmo uma inelegibilidade decretada pela República do Paraná, que deseja caçá-lo. Numa das edições do Programa Roda Viva, o pesquisador Antonio Lavareda já teria se referido a este assunto. Em todo caso, a liderança de Lula nas pesquisas de intenções de voto - aliada à impopularidade do presidente Michel Temer e dos seus apoiadores nos Estados - tem provocado uma espécie de tsunami político que atinge, sobretudo, políticos da base de sustentação governista que desejam elegerem-se, garantindo o foro privilegiado, evitando maiores danos com as enrascadas em que estão metidos no curso das investigações da Operação Lava Jato. O experiente jornalista Carlos Chagas já conseguiu contar pelo menos 200 deles. Trata-se de um número expressivo.

Aqui na província pernambucana, os bons índices do ex-presidente Lula tem provocado um verdadeiro rebuliço político. Já há quem defenda uma aliança do PSB com o PT; quem cogite uma candidatura própria do Partido dos Trabalhadores ao Governo do Estado, em 2018; quem aponte que uma composição do PSB com Geraldo Alckmin seria um suicídio político mantidos os atuais índices do tucano. Há inúmeras avaliações sobre esse cenário, mas o fato é que ninguém deseja correr o risco de não reeleger-se, o que poderia significar, em alguns casos, a perda do foro privilegiado e as incômodas audiências com aquele juiz da 13º Vara da Justiça Federal de Curitiba. O ex-presidente Lula, por exemplo, já tem audiência marcada para o dia 03 de maio, quando se espera uma grande mobilização da militância petista, naquilo que está sendo chamado de uma plano contingencial, do tipo "nós vamos invadir sua praia". 

Ainda de acordo com o jornalista Carlos Chagas, numa eventual candidatura e posterior vitória de Lula - ancorada nesta malgrada conciliação de classe - resultaria na conclusão de que não podemos formar grandes expectativas de um futuro governo de coalizão, quiçá, até mesmo, em mais uma carta aos brasileiros, no frigir dos ovos, uma confissão de capitulação. Muito se falou à época do Governo de Coalizão Petista que o PT aparelhou o Estado, mas nós advertimos a vocês olharem com mais calma para o tema, uma vez que nossa experiência indicou que hostes conservadoras continuaram ocupando postos de relevância na república. O mais grave: Nem precisaram trocar as vestimentas de Dianas de Pastoril. No momento oportuno, quando se definiu a rasteira sobre os autênticos petistas, tudo estava sob o controle dessas forças, que minaram completamente qualquer esboço de resistência. Não adianta dizer isso a Lula porque a tendência é que ele repita tudo isso novamente, caso se viabilize como candidato.

Quem possui alguma familiaridade com o estudo do imaginário social conhece uma expressão  - ou conceito - atribuído Gilbert Duran: bacia semântica. Ali o antropólogo francês, discípulo de Michel Maffesoli, disseca como os radicais, ao correr do tempo, transformam em ilustres conservadores, assimilando os valores status quo vigente. Foi um pouco isso o que ocorreu com Lula e com o PT que, assimilou, inclusive os maus costumes dos nosso sistema político, como a corrupção estrutural. Nestas circunstâncias políticas, movida por uma correlação de forças conservadoras, o flerte com os estratos sociais que ocupam o andar de baixo da pirâmide social estará sempre condicionado a acordos políticos frágeis e espúrios, rompidos a qualquer momento, quando da conveniência de nossa elite, a mais cruel de todas, cevada em 365 anos de submissão dos negros ao escravismo, cuja a "inhaca" ainda é muito viva. 




Charge! Aroeira via Facebook

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Drops político para reflexão: O impasse do nosso sistema político


Analisar o nosso sistema político nos dá um mal-estar danado. Não se enxerga aquela luz no fim do túnel ou mesmo uma saída a curto prazo. Diante da crise do Governo Dilma, a solução encontrada por esses senhores, representantes ilustres do nosso poder Legislativo, não foi a construção de uma agenda, um consenso que garantisse a governabilidade e a saúde de nossas instituições democráticas, já tão fragilizadas. Ao contrário, aproveitaram-se de sua vulnerabilidade para golpeá-la, afastando-a da Presidência da República. Hoje o país está metido em impasses gigantescos, mergulhado numa recessão e com padrões de desemprego estratosférico, com as finanças públicas em frangalhos em todos os níveis, seja no plano federal, no plano estadual e municipal. o Estado do Rio de Janeiro não tem dinheiro nem para manter as viaturas da polícia nas ruas, em suas rondas regulares, o que vem contribuindo para um aumento assustador dos índices de violência. Quando falávamos que essas marchas da insensatez iriam jogar o país nesse atoleiro, ninguém nos dava ouvido.

José Luiz Gomes, cientista político, em editorial publicado aqui no blog

Drops político para reflexão: A retomada da ofensiva neoliberal e o esvaziamento da luta social



"Em situações concretas, a a vitória eleitoral de representantes indígenas, camponeses e de trabalhadores urbanos fabris, em vez de potencializar os movimentos sociais em suas lutas históricas, gerou a cooptação institucional de parte dos quadros militantes. Isso provocou parte da letargia da esquerda progressista latino-americana, cujo impacto foi sentido no período seguinte. Essa situação, vinculados a outros problemas relativos à esquerda latino-americana, nos dá a dimensão da crise política que viveremos nos próximos tempos."

Roberta Transpadini, professora da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, mestre em Desenvolvimento Econômico e Doutora em Educação, em artigo publicado na última edição do Le Monde Diplomatique

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Editorial: Os impasses do sistema político brasileiro


Resultado de imagem para jantar na casa da senadora Kátia Abreu

Sinceramente? eu até que gostaria de estar presente nesse jantar oferecido pela senadora Kátia Abreu(PMDB-TO) aos morubixabas do PMDB. Não pelas companhias convidados pela senadora - pelo simples fato de que escolho meus amigos pelos princípios - mas em razão do cardápio oferecido: fritada de aratu, um crustáceo de cor avermelhada, cuja carne é saborosíssima. Sua captura envolve uns rituais curiosíssimos, ensinados a este editor por José do Nascimento, o Homem Caranguejo, em nossas andanças com o alunado pelos manguezais de São Lourenço, aqui em Goiana, Pernambuco. Saudades daqueles tempos, Jipe! As tardes na colonia de pescadores de Ponta de Pedras, saboreando aquela tradicional linguiça de peixe com os pescadores; os caldinhos de sururus e patolas de azulões - hoje proibidas - com aquelas cervejas geladas, na palhoça de Dona Irene; o dedo de prosa com a professora Carminha e Serginho da Burra. Vai, Serginho! Sem querer fui me lembrar daquelas tardes, como diria o Tavito. 

Voltando à realidade política nacional, faça-se o registro que a cúpula do PMDB se reuniu para tratar da relação um tanto quanto complicada com o Governo Michel Temer. Complicadíssima, diríamos, uma vez que o senador Renan Calheiros se refere ao líder do Governo no Congresso, André Moura(PSC-SE) como homicida, numa referência a uma acusação de homicídio que pesa contra ele.  A rebeldia dos caciques do PMDB é emblemática, conforme enfatizamos, ontem, em editorial, por se tratar da adoção de medidas - como a Reforma da Previdência, por exemplo - que não se coadunam com uma agenda democrática. Como bem definiu o sociólogo Sérgio Pinheiro(USP), assim que este governo tomou posse como interino, a sua agenda é absolutamente incompatível com o pleno funcionamento de um regime democrático, onde os candidatos teriam que disputar o voto dos eleitores, em palanques, numa espécie de prestação de contas. Trata-se de uma agenda inegociável com o eleitorado. Os morubixabas peemedebistas que precisam continuar na vida pública, disputando o voto do eleitorado, se deram conta da necessidade de tirar o pé do acelerador dessa agenda neoliberal - pelo menos por enquanto - para preservarem os seus mandatos, garantindo o foro privilegiado. Nenhum deles deseja ser ouvido diretamente pelo juiz Sérgio Moro, arrolado que a maioria está, no curso das investigações da Operação Lava Jato. Renan, por exemplo, responde a 12 inquéritos, 09 dos quais relacionados à Lava Jato.

O senador Renan Calheiros chegou insinuar que o presidente Michel Temer não tem saída. A saída seria a proposta de uma Reforma da Previdência, assim, não tão radical, com um ônus menos pesado a ser pago pelos parlamentares nas eleições de outubro de 2018. Renan, então, encrencado até a medula em inquéritos da Lava Jato, tentará a reeleição ao Senado Federal e pretende manter o poder no seu Estado natal, com a reeleição de Renan Filho(PMDB), ao Governo do Estado de Alagoas. Como bem observou o jornalista Josias de Souza em seu blog, em outras ocasiões, esses caciques se reuniam no Palácio Jaburu, possivelmente com a presença de Michel Temer, para tratarem da inabilidade política da ex-presidente Dilma Rousseff. O que dizer de Temer, tido como um grande articulador político, hoje às voltas com um grande embaraço a ser equacionado com a sua base de sustentação parlamentar? 

Analisar o nosso sistema político nos dá um mal-estar danado. Não se enxerga aquela luz no fim do túnel ou mesmo uma saída a curto prazo. Diante da crise do Governo Dilma, a solução encontrada por esses senhores, representantes ilustres do nosso poder Legislativo, não foi a construção de uma agenda, um consenso que garantisse a governabilidade e a saúde de nossas instituições democráticas, já tão fragilizadas. Ao contrário, aproveitaram-se de sua vulnerabilidade para golpeá-la, afastando-a da Presidência da República. Hoje o país está metido em impasses gigantescos, mergulhado numa recessão e com padrões de desemprego estratosférico, com as finanças públicas em frangalhos em todos os níveis, seja no plano federal, no plano estadual e municipal. o Estado do Rio de Janeiro não tem dinheiro nem para manter as viaturas da polícia nas ruas, em suas rondas regulares, o que vem contribuindo para um aumento assustador dos índices de violência. Quando falávamos que essas marchas da insensatez iriam jogar o país nesse atoleiro, ninguém nos dava ouvido. 

P.S.: Serginho da Burra é um colega que sempre nos acompanha em nossas incursões na cidade de Goiana, aqui em Pernambuco, quando levamos os alunos para conhecerem a comunidade remanescente de quilombos, no distrito de São Lourenço. José do Nascimento, o seu Jipe, de fato, ficaria conhecido nacionalmente como o "Homem Caranguejo", depois de uma longa matéria publicada numa revista de circulação nacional, por ocasião do relançamento das principais obras do sociólogo Josué de Castro, no primeiro Governo Lula. Perdão por não lembrar o nome de Serginho da Burra no momento, mas até ele mesmo já se esqueceu do sobrenome, conforme confidenciou em seu perfil da rede Facebook. Serginho é uma espécie de "Embaixador" cultural da cidade e a referência "da Burra" diz respeito a uma burrinha que sempre o acompanha nos festejos da cidade.  

Charge!Aroeira

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terça-feira, 4 de abril de 2017

Drops político para reflexão: o desprezo de nossas elites pela democracia



"O exemplo acima é ilustrativo sobre como é complicada essa relação com a elite brasileira, que não tem o menor respeito pelos princípios da democracia. Para eles, democracia está longe de ser um jogo de incertezas, como observava o cientista político polonês Adam Przeworski. Eles querem ter a "certeza", sempre, de que seus privilégios não serão atingidos, que a reforma agrária não será feita, que os ocupantes do andar de baixo da pirâmide social continuarão nas senzalas, sem o direito de exercerem sua cidadania. Comportam-se como aqueles garotos birrentos de nossas infâncias, que , quando perdiam o jogo, desmanchavam tudo. Outro dia um pesquisador teve o cuidado de analisar os mandatos exercidos e concluídos sem sobressaltos na história republicana brasileira. Foram poucos. Golpes e tentativas de golpes são frequentes no Brasil. Ao tomarmos como verdadeira a versão apresentada no último livro publicado sobre as suas memórias da presidência, escrito pelo ex-presidente FHC, o mandato de Itamar Franco esteve por um fio, naquilo que poderíamos assinalar como um ensaio do golpe institucional que estava por vir, materializado contra a presidente Dilma Rousseff anos depois." 

(José Luiz Gomes, cientista político, em editorial publicado aqui no blog)

Political Drops for Reflection: The disregard of Our Elites for Democracy


"The above example is illustrative of how complicated this relationship is with the Brazilian elite, who has no respect for the principles of democracy. For them, democracy is far from being a game of uncertainty, as observed by Polish political scientist Adam Przeworski. They want to be always sure that their privileges will not be attained, that agrarian reform will not be done, that the occupants of the bottom floor of the social pyramid will continue in the slave quarters without the right to exercise their citizenship. We were like those boring boys of our childhoods, who, when they lost the game, broke up everything.the other day a researcher took care to analyze the mandates exercised and completed without any hardships in Brazilian republican history. When we take as true the version presented in the last book published on his memoirs of the presidency, written by the ex-president FHC, the mandate of Itamar Franco was by a thread, in what we could point to as an essay on the institutional coup that was to come, materialized against President Dilma Rousseff years later.


(José Luiz Gomes, political scientist, in an editorial published here on the blog)

João Dória, como prefeito, é um grande representante comercial


João Filho
ALGUNS DOS COLUNISTAS mais prestigiados (Elio GaspariEliane Cantanhêde) estão muito preocupados com a possibilidade do mandato de Temer ser cassado no TSE. Os donos do Estadão também estão. Isso paralisaria o país e traria instabilidade política. Para quem vive no mundo encantado do chapabranquismo, não estamos paralisados e nadamos de braçada em estabilidade política. De fato, o Brasil não está paralisado, mas andando para trás em alta velocidade e atropelando em poucos meses os direitos sociais e trabalhistas conquistados através de décadas.
Pelo histórico recente de decisões judiciais favoráveis ao grupo político que tomou o poder, as chances de Temer ser derrubado do cargo que usurpou são remotíssimas. Quem tem Gilmar Mendes tem tudo. Há quem acredite na possibilidade do golpe dentro do golpe, com o PSDB articulando para derrubar o presidente. Duvido. Nem FHC conseguiu implantar o plano de governo tucano com tanta agilidade e maestria como Temer, não há motivos para desfazer esse casamento agora.
Independente do imbróglio no TSE, a corrida eleitoral de 2018 já começou. Depois de ficar meses à espreita, Marina da Silva saiu de uma longa hibernação e ressurgiu no horário político vendendo sua usual ladainha messiânica. Como sempre, ela diz não ter nada a ver com PSDB, PMDB e PT – mas se juntou a Aécio no segundo turno das últimas eleições e apoiou o impeachment capitaneado por Cunha e sua gangue.
Luciano Huck, o apresentador que vez ou outra tem sua candidatura ventilada, apareceu essa semana dizendo que não descarta a possibilidade de se candidatar. Numa entrevista para a Folha enfileirou uma série de bobagens que devem soar como música para seus fãs. Em uma delas, apontou João Doria Junior como inspiração:
“A hora em que aparecer uma liderança que faça as pessoas acreditarem que vai ter um novo capítulo de ética, de altruísmo, junta todo mundo. São Paulo é um bom exemplo.(…) João não é político tradicional, não tem os vícios nem coisas debaixo do tapete que a velha política teve. Isso faz diferença.”
Em tempos de negação da política e pós-verdades, não há nenhum nome mais sintonizado com o zeitgeist do que João Doria Jr, o prefeito que mal completou 3 meses de gestão e já se apresenta como presidenciável. Aorebater as críticas de FHC sobre uma possível candidatura sua em 2018, o prefeito ficou bravo e disse que o ex-presidente costuma errar seus prognósticos. Difícil não enxergar nessa reação um anúncio da sua pré-candidatura.
O que temos aqui? Um político com os mesmos “vícios e coisas debaixo do tapete da velha política” que Huck tanto despreza. Me ajuda, Luciano!
Ao contrário do que Huck diz, Doria é, sim, um político tradicional no mais desqualificado sentido do adjetivo. Sua estreia no faroeste político brasileiro foi proporcionada pelo ex-presidente José Sarney, talvez o maior símbolo vivo da “velha política” do país. 
No comando da Embratur nos anos 80, a atuação de Doria no comando da estatal não poderia ser mais viciada. Segundo a Agência Lupa, especializada em checagem de fatos e dados, à época, ele foi investigado por uma estranha contabilização de um repasse de verbas, pelo pagamento de diárias de hotel e passagens aéreas feitos por uma empresa privada a servidores do órgão que já haviam recebido por elas, e outros “negócios ruinosos” – palavras do TCU. O que temos aqui? Um político com os mesmos “vícios e coisas debaixo do tapete da velha política” que Huck tanto despreza. Me ajuda, Luciano!
O auto-intitulado João Trabalhador já encarnou diversas profissões por alguns minutos para “dar o exemplo”, mas não consegue desencarnar da figura nada exemplar do playboy brigão. Ele bem que tenta se apresentar como um gestor sóbrio e corretinho, mas não é de hoje que tem exibido um destempero que não se encaixa no personagem. Como um garotinho mimado, Doria não aceita ser contrariado. Brigou nas prévias do PSDB, com folião no carnaval, com FHC, com Lula, com Ciro Gomes e briga com qualquer paulistano que se manifeste de alguma forma que o contrarie. É o nosso Trumpzinho mesmo! Essa semana ele brigou com a Amazon por causa de uma propaganda da empresa em que há uma crítica indireta à prefeitura, que pintou muros grafitados de cinza.
Mas brigar com empresas não é do feitio de Junior, pelo contrário. Sua influência no mundo dos negócios tem trazido várias empresas para ajudar a prefeitura com doações sem, claro, nenhuma contrapartida declarada. O prefeito teria tocado o coração desses empresários e subvertido aquela máxima capitalista: “não existe almoço grátis”.
Segundo a Agência Lupa, das 21 doações recebidas, apenas 9 disponibilizavam os valores arrecadados no Portal da Transparência. Algumas são muito curiosas. A parceria com a Microsoft, que doou R$ 15 milhões em softwares e serviços, aparentemente é uma coisa muito bonita. Mas quem decidiu que os programas usados pelo sistema de ensino público paulistano devem continuar amarrados à empresa? Houve debate? Por que não trocar por Linux? A escolha do tipo de licença que será usada é essencialmente política, mas Doria pinta como doação e, como se sabe, cavalo dado não se olha os dentes. Não se sabe se essa é a melhor decisão para o ensino público, mas é certo que a Microsoft se beneficiou muito de ter seu nome ligado ao altruísmo nas manchetes dos jornais.
E a propaganda do programa Cidade Linda durante jogo da seleção? Por que Sidney Oliveira, dono da Ultrafarma, pagaria (um valor não divulgado) para promover nacionalmente um programa municipal?
Sidney e o prefeito são amigos próximos. Certa vez, antes de começar uma reunião na prefeitura, Doria gravou um vídeo apresentando as vitaminas da marca. É possível ver sacolas estampadas com o logo da empresa em cima da mesa. Até o vice-prefeito aparece sorrindo e segurando um frasco de vitamina e fazendo joinha. É claro que o Sidney compartilhou o vídeo em seu Facebook agradecendo o prefeito.  Parece que o João Trabalhador e seu secretariado perderam um tempinho do trabalho para serem garotos-propaganda da empresa de um amigo do prefeito. Doria ainda não se livrou do Show Business – o programa sobre negócios que apresentava na Band. 

Nessa semana, o prefeito reuniu presidentes dos principais bancos do país e pediu doações para o financiamento de creches. O objetivo é levantar R$ 120 milhões. Tudo muito lindo e fofo, não fosse o fato de que esses bancos têm dívidas bilionárias com a prefeitura. Dos 10 maiores devedores da prefeitura, 7 são bancos. Só Santander e Itaú devem quase R$ 7 bilhões. O prefeito deveria reunir as empresas para cobrar dívidas, que são infinitamente maiores que as doações. O problema é que isso não teria o mesmo efeito publicitário para os bancos. É muito mais bonito sair na foto fazendo doação do que pagando o calote, não é mesmo?
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Bruno Covas (PSDB), vice-prefeito de São Paulo, apresenta vitamina da marca do amigo do prefeito
Reprodução/Youtube
Todo mundo tem direito de ser ingênuo e acreditar nessa solidariedade toda, mas não dá pra cair nesse barulho. A Lide, empresa de lobby do prefeito, fazia a ponte entre governos e empresas. Parece que agora Doria só mudou de lado no tabuleiro.
A falta de transparência não se resume às doações. A tara privatizadora de Doria está tão agressiva que ele se recusa dar mais satisfações sobre a venda do patrimônio público. A Folha convidou a prefeitura e especialistas para debater o assunto, mas Doria optou por não enviar nenhum representante. A opinião unânime dos debatedores é a de que o projeto de privatização “vem sendo tocado de maneira pouco transparente e aparenta ter pressa pouco condizente com a realidade.”
Doria saiu da Lide, mas a Lide não saiu de Doria. Imaginem o que ele não vai negociar se chegar ao Planalto.
(Publicado originalmente no site do Intercept Brasil)

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