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segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Le Monde: Dois minutos de ódio ( ou o perigo de ignorar os ressentidos)

 

Com a crescente maré conservadora e autoritária global, ondas de ódio tem atingido a sociedade brasileira com frequência horrenda. Não levar seus impulsionadores a sério é um risco e não intervir pode ser um equívoco danoso, capaz de dar espaço à efervescência de discursos fascistas.
por: Pedro Carvalho Oliveira
25 de agosto de 2017
Crédito da Imagem: Foto: Fiesp/cc

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Cresce no Brasil um velho conhecido tipo de medo e a insegurança. Não nos referimos aqui ao aumento no número de assaltos, sequestros e afins. São problemas aos quais se somam esses outros, cada vez mais frequentes em nosso país: as investidas agressivas de parte considerável da sociedade contra cidadãos defensores dos direitos humanos, politicamente alinhados a partidos ou movimentos progressistas, bem como a discursos contra o autoritarismo e o conservadorismo. Esses tem sido alvo de brasileiros aptos a bradarem seu ódio com base apenas em convicções morais ou apelos a argumentações frágeis, quando estas existem. Indivíduos que executam práticas fascistas sem mesmo compreenderem isso. Sujeitos que se consideram na linha de frente da política nacional, dotados do poder de derrubar governantes supostamente corruptos e agredir quem se mostrar minimamente associado a eles. Um tipo de violência extremada conhecida nos meios virtuais cada vez mais próxima de se materializar.
Disseminando o ódio
Na célebre obra “1984”, escrita por George Orwell, nos deparamos com um futuro distópico onde o Estado controla cada passo de uma sociedade e, por meio disso, impõe sua ideologia. Aqueles que não se submetem a ela são considerados inimigos. Nessa atmosfera, os inimigos do Estado são agredidos violentamente não apenas de forma física, sendo presos, mortos ou exilados, mas também de forma simbólica. A ficção nos mostra o seguinte: em um determinado momento do dia, parte da população gerida pelo chamado Grande Irmão interrompe todas as suas atividades e se volta a uma tela, na qual o rosto de algum inimigo nacional é exposto por um par de minutos. Nesse tempo, os indivíduos apoiadores da ditadura instaurada ou os que desejam não sofrer as sanções por ela empreendidas devem xingar o inimigo ininterruptamente, inclusive proferindo ofensas proibidas. São os “Dois Minutos de Ódio”.
Trata-se, portanto, de um momento no qual as pessoas, com o aval de uma autoridade maior e protegidas por ela, expressam seu ódio a alguém. Deixemos de lado as pessoas forçadas a se manifestarem visando não serem punidas e foquemos nos apoiadores do regime, cujas manifestações de ódio são reais. Eles direcionam suas ofensas e desejos de morte a símbolos de sua fúria, opositores do mundo que consideram ideal e supostas ameaças ao sistema que defendem, pois esse sistema os representa. Normalmente, os indivíduos mostrados na tela dos “Dois Minutos de Ódio” são considerados subversivos por defenderem políticas rejeitadas pelo Estado. Orwell criticava o stalinismo e sua perseguição política a dissidentes.
A forma como os apoiadores do regime extravasam seu ódio contra os inimigos no livro é bem semelhante a uma prática comum à era digital de hoje. Quando alguém compartilha nas redes sociais uma notícia de algum site, jornal ou blog, na qual um debate polêmico aparece, é comum vermos o seguinte alerta: “não leiam os comentários”. Trata-se das sessões destes sites voltadas à opinião dos leitores, nas quais eles podem se manifestar abertamente em relação ao que foi noticiado. O alerta normalmente é feito por pessoas que, intencionalmente ou não, defendem causas progressistas ou a equidade mesmo de forma tímida; no mínimo, são sensíveis ao ódio disseminado inescrupulosamente pelos internautas.
Em junho de 2017, um jovem tentou roubar a bicicleta de dois rapazes em São Paulo. As vítimas do roubo conseguiram evitar o crime, apreenderam o ladrão e o levaram à pensão onde estavam hospedados. Lá, uma das vítimas, um tatuador de 27 anos, usou seu equipamento para escrever “sou ladrão e vacilão” na testa do assaltante. O site do G1 publicou no mesmo mês uma matéria reportando a internação do adolescente em uma casa de recuperação particular, onde seria tratado por ser dependente de drogas[1]. Na página de comentários logo abaixo da notícia, lemos as seguintes palavras de um leitor: “se fosse eu não teria tatuado, teria dado um balaço nas testas (sic) mesmo..”. Mais adiante, outro comentário: “Nojo… vergonha… repulsa…agora só falta virar herói nacional e aparecer no Faustão”.
O mesmo portal noticiou em 17 de março de 2016 o caso de agressão sofrido por um adolescente que defendia Dilma Rousseff em São Paulo, quando as manifestações contra a então presidenta petista estavam em seu auge, pouco antes de sofrer o impeachment que a destituiu do cargo[2]. O jovem foi agredido por manifestantes na Avenida Paulista pelo simples fato de defender uma posição política divergente, como se estivesse numa briga de torcidas. Nos comentários, um leitor disse: “Amanha (sic) irei na rua para bater num vermelhinho….. eu e a turma da academia…..”.  Outro disse: “Ahhh mas uma porradinha não faz mal. Ainda mais para um filhote de petista”.
Nos dois casos há demonstrações explícitas de violência e ódio. No primeiro, o tradicional ódio brasileiro contra os criminosos, instituído frente a uma dicotomia cultural e histórica profundamente enraizada em nossa sociedade. Para a maioria dos brasileiros, existem os bandidos e as pessoas de bem. Como num filme, os bandidos são maus do começo ao fim e quase sempre promovem uma verdadeira cruzada contra o bem estar dos bons. As razões para alguém se tornar um criminoso não são expostas, levando as pessoas a acreditarem se tratar de má índole ou moral deturpada, de algo intrínseco ao seu sangue, à sua natureza. Dessa forma, apenas a punição pode resolver o problema, não reformas sociais, uma vez que os bandidos são vistos como uma espécie de aberração, incapaz de ser outra coisa. No linguajar da direita ressentida brasileira, criminalizadora da pobreza, reformas sociais “passam a mão na cabeça de bandido”. Para ela, “bandido bom é bandido morto”.
No segundo caso, o ódio é manifestado contra o Partido dos Trabalhadores (PT) e seus representantes, principalmente Lula e Dilma, mantidos no governo do país pela vontade popular desde 2001. Após o fervor proporcionado pela Operação Lava Jato, cuja atenção dada pela imprensa foi exaustiva, as acusações de corrupção feitas aos dois políticos, junto a muitos outros, levaram os brasileiros a “descobrirem” a corrupção no país. No entanto, essa corrupção foi atribuída tão fortemente ao PT, em consequência de interesses escusos, que o partido se tornou quase tão detestado quanto o comunismo em tempos anteriores. Para termos ideia, os manifestantes contrários ao PT acusavam o partido de ser comunista, ligado a Cuba e defensor de políticas antinacionalistas. No Brasil, pessoas de baixa renda frequentando aeroportos, empregadas domésticas protegidas pelas leis de trabalho ou negros no ensino superior e comunismo parecem ser a mesma coisa. É a permanência de um discurso que, além do anticomunismo frequente entre a classe média e seu entorno, evidencia a fragilidade do nosso sistema educacional.
A prática não se resume aos portais de notícias e se estende às redes sociais. Uma conta do Twitter denominada “Culpa do Nordeste” tratou de reunir postagens de ódio aos nordestinos a fim de denunciar os responsáveis por elas. Dos 443 tweets reunidos pela página até 20 de agosto de 2015, 81 relacionam a culpa pela reeleição da presidenta Dilma Rousseff aos nordestinos que, supostamente miseráveis, votaram massivamente na candidata a fim de manterem benefícios como o “Bolsa Família”, considerado pela oposição como instrumento eleitoral para tornar a população fiel ao PT. As mensagens compartilhadas também fazem uso de estereótipos que imaginam generalizadamente os nordestinos como pobres, ignorantes e incapazes de tomar decisões políticas importantes. Em alguns casos os internautas desejam a morte dos nordestinos, responsabilizados por um sem número de tensões sociais.
Esses são poucos exemplos perto dos quais podem ser encontrados na Internet. Trata-se de um ritual baseado na premissa de que os praticantes estão protegidos pela tela do computador ou smartphone, confortáveis em seus lares e longe de qualquer possibilidade de punição. Se fizermos uma analogia com a obra de Orwell, os indivíduos responsáveis por esses discursos têm os seus “Dois Minutos de Ódio” particulares, ofendendo sem restrições a quem se destinam a sua fúria descontrolada. Normalmente, os que assim se comportam são indivíduos ressentidos com grupos sociais ou movimentos políticos progressistas cujos esforços arrefeceram (menos do que o ideal) o politicamente incorreto e abriram espaço, com muita luta, para os excluídos falarem.
O problema é que, usando um jargão “memético” da Internet, “parece que a mesa virou”. Durante os últimos anos muitos políticos, artistas, jornalistas, entre outros, sentiram-se fortemente prejudicados pelo modesto, porém notável, avanço de uma forte onda de discursos progressistas que penalizavam, formal ou informalmente (por meio da execração pública nos meios virtuais, por exemplo), as piadas com negros, as ofensas aos homossexuais, o machismo, a rejeição aos direitos humanos e por aí vai. Pouco a pouco a compreensão e a empatia pareciam ganhar intensa visibilidade e aceitação nas classes favorecidas, de forma nunca antes vista. Agora, com o avanço conservador em diferentes âmbitos da política brasileira, esses indivíduos ressentidos, responsáveis pelo impulso dessa “maré de ódio” ao progressismo, se sentem mais à vontade para recuperar tudo que lhes foi tirado. Pior: parecem sedentos por propagarem todo o ódio silenciado e acumulado.
Até onde o ressentimento pode nos levar?

A história nos mostra o que ressentimento e ódio podem fortalecer em termos políticos. Muitas vezes nos negamos a acreditar nisso por se tratar de “um fantasma do passado”, algo já superado, mas não devemos nos enganar, pois os fascismos dão as caras diariamente e em nossa sociedade suas práticas são instrumentalizadas diariamente sem que sequer sejam percebias como tais. Como dito por Fernando Horta[3], o fascismo se inicia com a conjuminância de diferentes fatores, sendo um deles, na nossa opinião o mais importante aqui, por meio de um “fortalecimento do ideal punitivista jurídico ou físico, sempre resguardando o fascista como ‘reserva moral’ do mundo”. Nesse sentido, “o fascista crê que está certo, que sua moral é superior à dos outros, que ele é o único que trabalha e que preza pelos ‘valores tradicionais’”, sendo raro usarem argumentos, mas quase sempre a força bruta, física. “E ataca tudo o que é diferente disto. Tudo vira ‘corrupção’. Todos são ‘farinha do mesmo saco’”. Qualquer semelhança com nossa atual realidade pode não ser mera coincidência.
Isso pode ser só o começo. Se a tradicional e predominante cultura política autoritária brasileira continuar sendo a guia de indivíduos que a nutre e por ela é nutrido, é possível estes buscarem um representante que não apenas interrompa as diminuições nas diferenças sócio-econômicas, ou governe em favor dos ricos empresários ávidos por destituir os trabalhadores de seus direitos; esse representante pode surgir como alguém capaz de dar aval aos desejos mais grotescos daqueles que veem no diferente o seu inimigo. Daqueles cuja visão sobre os negros assassinados pelas autoridades em números abundantes diariamente é a de que “se morreu é porque fez coisa errada, pois no Brasil não existe racismo”. Daqueles que se regozijam ao ver um homossexual sendo agredido. Ou mesmo daqueles incapazes de suportarem a ideia de ver uma mulher desejando não mais se submeter, pois “hoje em dia tudo é machismo para essas feminazis”. Os “Dois Minutos de Ódio” podem ficar cada vez mais longos e corriqueiros para além dos muros virtuais. Encerro com um apelo: leiam os comentários. A dor nos mostra que algo não está certo.
*Pedro Carvalho Oliveira é mestre em História Política pela Universidade Estadual de Maringá. Integra o Laboratório de Estudos do Tempo Presente da mesma universidade e é colaborador do Grupo de Estudos do Tempo Presente, da Universidade Federal de Sergipe.


[1] Ver “Adolescente tatuado na testa é internado em clínica particular de recuperação, diz advogado” – Disponível em <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/adolescente-tatuado-na-testa-e-internado-em-clinica-particular-de-recuperacao-diz-advogado.ghtml>. Acesso em 16/08/2017, às 12h20.
[2] Ver “Adolescente é agredido em protesto contra o governo na Paulista” – Disponível em <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/03/adolescente-e-agredido-em-protesto-contra-governo-na-paulista.html>. Acesso em 16/08/2017, às 12h20.
[3] Ver “O fascismo nosso de cada dia… ou quem será comido primeiro? – Disponível em < http://jornalggn.com.br/blog/blogfernando/o-fascismo-nosso-de-cada-dia-ou-quem-sera-comido-primeiro-por-fernando-horta>. Acesso em 16/08/2017, às 14h30.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

O xadrez político das eleições estaduais de 2018, em Pernambuco: Tem cenoura no "Cozido"?

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José Luiz Gomes da Silva

Cientista Político



Sempre que pode, o ex-governador Jarbas Vasconcelos tenta minimizar suas divergências com a direção nacional do PMDB. Esta postura tem sido mais observada nos últimos dias, quando ele vem tratando as especulações em torno de uma possível intervenção nacional no diretório regional do partido como parte de uma onda de fofocas que varrem o país. Depois, como ele chegou a enfatizar, se a punição tivesse partido de um homem com a estatura moral de um Ulisses Guimarães, de fato, talvez houvesse algum motivo para preocupação. Hoje, a legenda é presidida pelo senador Romero Jucá, que dispensa maiores apresentações. Em todo caso, o ex-governador o recebeu para tratar de algumas questões delicadas, como um possível ingresso na legenda do senador Fernando Bezerra Coelho(PSB), que se encontra descontente com a legenda socialista.   

Há muitas especulações em torno da engenharia política que está sendo montada no Estado, a partir de grandes interesses políticos nacionais, o que nos aconselham cautela ao tratar do assunto. Possíveis arestas, no entanto, estão sendo aparadas, como um desembarque - de preferência sem traumas - dos Coelho na legenda peemedebista, permitindo-se que o partido continue sob o controle do grupo jarbista, além de ser assegurada a sua candidatura ao Senado Federal, desta vez pelo bloco oposicionista. Como disse antes, existem muitos morubixabas nessa tribo de oposição, tornando-se difícil precisar a escalação de uma provável chapa. A despeito da intensa movimentação, especula-se que o senador Fernando Bezerra Coelho, na realidade, trabalha em prol do filho, o ministro Fernando Filho, a quem Jarbas Vasconcelos já trata como uma "boa surpresa". Fernando Bezerra Coelho poderia não ser candidato. Ainda assim, como acomodar atores políticos com o capital de João Lyra(PSDB), Bruno Araújo(PSDB), Armando Monteiro(PTB), Mendonça Filho(DEM), André Ferreira(PR)? 

Sabe-se, no entanto, que, quando os interesses maiores do grupo estão em jogo, eles acabam construindo um consenso. A direita não briga no "essencial", uma característica mais identificada com a esquerda. Depois, quando essas frentes se formam, descortinam-se em seus planos um projeto de poder de longo prazo. A União por Pernambuco, por exemplo, quando foi formada, previa-se que obtivesse uma hegemonia de poder de, pelo menos, 20 anos,onde não apenas o Palácio do Campo das Princesas estava nos seus planos, mas o Palácio Antonio Farias. Por isso não causa estranheza que alguns desses atores trabalhem com a perspectiva de apear do poder o prefeito Geraldo Júlio(PSB), nas próximas eleições municipais.Numa das possibilidades de composição vazada, o atual ministro da Educação, Mendonça Filho, se candidataria a uma vaga na Câmara Federal, em 2018, e ficaria aguardando, na fila, a sua pretensão majoritária. É preciso lembrar, no entanto, que o Recife, como dizia raposa Agamenon Magalhães, é uma cidade cruel. Noutros tempos, João Paulo, do PT, melou planos semelhantes.  

Uma colunista de política local informou que os senadores Romero Jucá(PMDB) e Fernando Bezerra Coelho foram vistos abraçados e sorridentes, após o manda-chuva peemedebista manter uma conversa reservada com o deputado federal Jarbas Vasconcelos. Não sei se há algo programado, mas convém ficar de olho no próximo "Cozido" oferecido por Jarbas Vasconcelos, em sua residência do Janga, um termômetro político das articulações aqui na província. Vamos ver se os Coelho aparecem, atraídos pelas cenouras, um dos ingredientes do prato. Essas movimentações políticas, apesar de intensas, ainda não chegaram na fase do prego batido de ponta virada. Recentemente, numa entrevista, Jarbas Vasconcelos afirmou serem nulas as chances de um rompimento com o Governo Paulo Câmara(PSB). Fernando Bezerra Coelho, por sua vez, negocia com a cúpula partidária uma saída para o impasse criado com a ameaça de punição ao filho, Fernando Filho, Ministro das Minas e Energias. Pouco provável que o impasse seja contornado, mas também aqui vale a máxima de Paulo Guerra: Em política não existem nunca nem jamais.   

Le Monde: Vem aí um novo golpe?

 
O fato de Lula liderar as intenções de voto para 2018 cria um impasse para os donos do dinheiro que afastaram o PT do governo. Eles não deram um golpe para assistir, pouco mais de dois anos depois, à vitória de Lula e à volta do PT. Assim, abre-se um novo leque de possibilidades.
por: Silvio Caccia Bava
30 de agosto de 2017
Crédito da Imagem: Claudius

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O recurso que deve ser apresentado pelos advogados de Lula ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª região, em Porto Alegre, sobre a condenação sem provas de que o ex-presidente seja dono do tríplex do Condomínio Solaris, no Guarujá, pode, eventualmente, anular sua condenação e deixá-lo em condições de disputar as eleições de 2018. Mas, se os juízes Leandro Paulsen, Victor Luiz dos Santos Laus e João Pedro Gebran Neto, tidos como linha-dura e com a mesma perspectiva de Sérgio Moro, reafirmarem a sentença deste último, Lula se tornará ficha-suja e ficará de fora das eleições do ano que vem.
No cenário em que Lula pode ser candidato a presidente nas eleições de 2018, ele tem grandes chances de ganhar se observarmos os dados da última pesquisa Vox Populi/CUT, realizada no fim de julho, que o coloca na liderança das preferências do eleitorado com larga margem de vantagem sobre todos os demais candidatos pesquisados e crescendo em relação à pesquisa anterior. Na sondagem espontânea, isto é, sem apontar candidatos, Lula tem agora 42% da preferência do eleitorado. Bolsonaro, 8%. Marina, 2%. Moro, 1%. Ciro, 1%. Joaquim Barbosa, 1%. Doria, 1%. Alckmin, 1%. Aécio, 0%. Brancos e nulos, 16%. Não sabe/não respondeu, 25%.1 É importante observar o quanto a população está desacreditando nas eleições ou não sabe quem escolher. Se somarmos brancos e nulos e não sabe/não respondeu, teremos 41% dos entrevistados.
Essa situação cria um impasse para os donos do dinheiro que afastaram o PT do governo. Eles não deram um golpe para assistir, pouco mais de dois anos depois, à vitória de Lula e à volta do PT. Assim, abre-se um novo leque de possibilidades. A primeira delas é manter a condenação de Lula de qualquer jeito, mesmo sem nenhum crime, como foi feito com Dilma. Mas isso não assegura que o resultado das eleições mantenha a oligarquia financeira no controle da máquina pública. Mesmo impedido de disputar as eleições, Lula será um grande eleitor, e é preciso considerar que as políticas antipovo do governo Temer e a falta de uma forte liderança de direita levam a população a votar na oposição.
Outra possibilidade, já aventada no Congresso, é que, em nome de uma economia de recursos, a reforma política unifique as eleições municipais com a eleição federal, empurrando tudo para 2020. Os atuais mandatos seriam prorrogados. Mas aí fica o problema do que fazer com Temer, que poderia ser substituído por Rodrigo Maia (DEM-RJ), o atual presidente da Câmara dos Deputados. Na avaliação dos mesmos conservadores, Maia não tem perfil para cumprir essa missão.
A alternativa mais recente é a de Gilmar Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que encaminhou aos presidentes da Câmara e do Senado proposta para introduzir o parlamentarismo no Brasil. Neste cenário, Lula pode ganhar, mas não governa.
Por fim, resta a via de reforçar o autoritarismo, simplesmente adiando as eleições de 2018, para quando não se sabe.
Todas essas possibilidades, arquitetadas pelas elites endinheiradas e seus representantes na política, não dão conta da complexidade do momento político brasileiro. A polarização produzida pelas políticas antipovo, o verdadeiro ataque aos direitos das maiorias, mudou o cenário. O atual governo não conta com apoio de mais de 5% da população, e não são só os trabalhadores que estão bravos em razão das reformas trabalhista e da Previdência, do corte nas políticas sociais e nos salários; as classes médias estão enfurecidas com a perda de seu poder aquisitivo, com o medo do desemprego, por terem sido manipuladas, embarcado num movimento anticorrupção e terem sido enganadas. Tudo isso até o momento está represado. Essa tensão toda ainda não encontrou seu canal de expressão.
Seria um erro das oposições, daqueles que defendem a democracia e os direitos, apostar todas as fichas na eleição do ano que vem. E se não houver eleições? Outro erro seria manter uma política de conciliação com aqueles que estão esfolando o povo.
O verdadeiro desafio para as oposições é buscar o contato com as pessoas comuns, mergulhar na sociedade e disputar a hegemonia apresentando as alternativas de como podemos sair da crise e construir um Brasil que coloque a economia a serviço do bem-estar de todos, assegure boas condições de vida e apresente um futuro promissor para os jovens, garantindo emprego, salário, saúde e educação.
O esforço de mobilização da sociedade já começou. As caravanas de Lula fazem parte dessa disputa. A iniciativa Vamos!, da Frente Povo Sem Medo, vai no mesmo sentido.2
O jogo está sendo jogado e a participação de cada um será determinante para sabermos o resultado…
Silvio Caccia Bava, diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil
{Le Monde Diplomatique Brasil – edição 122 – stembro de 2017}


1 Pesquisa Vox Populi/CUT. Disponível em: <www.cartacapital.com.br/politica/cut-vox-populi-sentenca-de-moro-impulsiona-lula-candidato>.

 

Eduardo Saron: Investir na diversidade pode ser a resposta para a crise da cultura no Brasil

                                          


Eduardo Saron: Investir na diversidade pode ser a resposta para a crise da cultura no Brasil
O diretor do Itaú Cultural, Eduardo Saron (Itaú Cultural / Divulgação)

 
Nesta segunda (28), o diretor do Itaú Cultural, Eduardo Saron, falou à imprensa sobre a 18ª edição do programa Rumos, edital bienal de fomento à cultura cujo objetivo é financiar projetos culturais de todos os estados brasileiros – e que abre inscrições nesta terça (29).
Para o diretor, investir na diversidade e atrair artistas de fora da região sudeste para a gestão de projetos culturais grandes como o Rumos – que atrai cerca de 15 mil inscritos por edição – “pode ser uma resposta à crise da cultura no Brasil”.
Embora exista há duas décadas, só nos últimos seis anos o projeto tem apostado de fato na diversidade, uma postura que, segundo Saron, foi cobrada tanto pelo público quanto pela imprensa. 
Hoje, o foco do edital são as regiões do país que, em geral, têm “menos voz” em projetos culturais de âmbito nacional, como o Norte e o Nordeste, mas outras formas de diversidade além da regional também permeiam o projeto – a de gênero, a racial e a étnica são algumas delas.
As “diversidades” devem aparecer “diluídas” na forma de uma comissão composta de mulheres, negros, LGBTs e outros grupos vulneráveis, e principalmente por meio do esforço para reunir projetos sobre e de autoria desses grupos. “Se a arte é diversa, assumir essa diversidade é essencial”, diz Saron.
Rui Moreira, ex-bailarino do Grupo Corpo e parte da comissão de seleção do Rumos, vê o foco na diversidade como “a única forma de olhar a cultura no Brasil”: “A dimensão continental do país demanda essa visibilidade. É um ato de soberania”, aponta.
Segundo ele, quanto mais as pessoas se identificam com a arte, mais percebem a importância da cultura em suas vidas, como algo não só da esfera do lazer, mas da necessidade. Isso, diz, só é possível se o público notar que sua cultura regional tem representação em nível nacional. “Em momentos de extrema desvalorização da arte, ter esse apoio das pessoas é fundamental.”
A atriz e produtora acreana Karla Martins, que também faz parte da comissão, concorda. Para ela, sem levar em conta a diversidade, fica “impossível incentivar a cultura no país”.
“Só o Acre tem 22 municípios, mas apenas quatro com acesso de avião. O resto, só via rios. A cultura, que é extremamente rica, fica restrita em lugares como estes, pois é difícil a entrada do Ministério da Cultura e de outros editais e prêmios”, diz, citando a cultura indígena como uma das mais afetadas pelo “isolamento cultural”: “Roraima, por exemplo, tem muita cultura, mas poucos recursos para mostrá-la em nível nacional”, coloca.
Excluídos do Rumos desde 2012, estados do Norte e do Nordeste, como o Piauí e o Amazonas, agora terão “atenção especial” do edital: “Não se trata de privilegiar, mas de trazer oportunidades iguais àquelas que o Sudeste tem”, justifica a atriz.
“Outros ‘Brasis'”
A diversidade regional no Rumos, segundo Saron, deve ser alcançada por uma série de viagens da comissão avaliadora do edital, formada por integrantes do Itaú Cultural e artistas do país inteiro. Durante a seleção, os avaliadores passarão por 17 capitais do Brasil, para ouvir produtores culturais e artistas locais em discussões gratuitas e abertas ao público sobre a situação cultural de seus estados. “Não ligamos tanto para o Sudeste, que já tem representação. Achamos importante revelar estes outros ‘Brasis’”, diz Saron.
Com um orçamento de aproximadamente 15 milhões de reais, o Rumos investe em projetos que variam entre a criação, a pesquisa e a documentação – entre os contemplados já estiveram desde um documentário sobre Wilson das Neves até a Orquestra de Violinos dos índios Chiquitano, por exemplo. Diferente de edições anteriores, agora não haverá limite de orçamento para cada projeto: segundo o diretor, “o mais importante é a força da proposta, e não o orçamento”.
No fim do processo de seleção, que vai de agosto a maio do ano seguinte, apenas 100 projetos são aceitos pelo Rumos. “A ideia não é que os projetos sejam uma propaganda do Itaú. Queremos uma parceria mais do que um patrocínio”, coloca o Saron.
No entanto, uma das exigências já na inscrição é a “maleabilidade” do artista em relação a mudanças em seu projeto: “O proponente precisa estar aberto para alterações para viabilizar o próprio projeto”, diz. 
Apesar da dualidade entre a menor liberdade do artista e a garantia de um financiamento para o projeto cultural, Saron garante que o objetivo do edital é apenas “viabilizar a cultura em tempos de crise”: “O Rumos pode ser uma resposta à carência que o Brasil vive hoje em relação às artes.”

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

O xadrez político das eleições estaduais de 2018, em Pernambuco: Conspiração Macambirense come o mingau quente da política pelas beiradas.



Foto: Reprodução/Facebook


José Luiz Gomes da Silva

Cientista Político



Quem já comeu mingau quente sabe que não se pode fazê-lo pelo centro, sob pena de queimar-se. Recomenda-se fazê-lo pelas beiradas, de preferência assoprando-o, e de devagar. Essa tem sido uma das estratégias utilizadas pela Frente das Oposições - aqui tratada como Conspiração Macambirense" - no sentido de obter a capilaridade política necessária para chegar ao Palácio do Campo das Princesas, nas eleições de 2018, derrotando o seu atual ocupante, o governador Paulo Câmara, do PSB. Ainda nas eleições municipais passadas, o então senador Fernando Bezerra Coelho(PSB) tratou de metropolitanizar-se, ou seja, costurou apoios a diversos candidatos a prefeitos da região metropolitana do Recife, entre eles, Anderson Ferreira(PR), em Jaboatão, Júnior Matuto(PSB), em Paulista, Antônio Campos(PSB), em Olinda. Seja qual for o espaço reservado a ele nesta "frente", o fato concreto é que ele já não é um ator político desconhecido do eleitorado da região, o que se constitui num trunfo, principalmente se considerarmos as análises que dizem que a eleição do próximo ano será decidida nessa região.

Uma das presenças mais festejadas no "ato administrativo" do programa Minha Casa, Minha Vida, ocorrido recentemente na cidade de Caruaru, foi justamente o prefeito Lula Cabral, da cidade do Cabo, ainda filiado ao PSB. De parte a parte, pelas redes sociais, tanto o prefeito quanto os ministros que o recepcionaram, notadamente Bruno Araújo(PSDB), se derramaram em elogios, não observando constrangimento algum no encontro. Soma-se isso o fato de o PTB, de Armando Monteiro, manter um equilíbrio de forças na região, praticamente empatado em número de prefeituras com o Palácio do Campo das Princesas. Um dado a ser observado é que, em última análise, as mobilizações das oposições estão emparedando o governador Paulo Câmara(PSB), contingenciado a tomar algumas decisões e iniciativas, um pouco antes do previsto, como o encontro com FBC para reafirmar seu projeto de reeleição. Embora a cidade de Petrolina fique muito distante do Recife, é como se o abraço ao baobá, dado pela frente de oposição, estivesse se concretizando, jogando o PSB na retranca. Quem entende um pouco de futebol, sabe que não é uma boa estratégia para quem deseja ganhar o jogo.

Hoje, um colunista de política de um jornal local, enumerou os possíveis equívocos cometidos pelo governador Paulo Câmara(PSB). Na nossa conta, esqueceu de um: a decisão em apoiar Ricardo Selva(PSB), nas eleições de Jaboatão dos Guararapes, quando o atual prefeito, Anderson Ferreira, já o havia procurado para pedir o apoio, oficialmente negado. Procedem as críticas aos possíveis "corpo-mole" dos articuladores políticos do Campo das Princesas, mas o estrago já estava consumado, uma vez que lideranças como os senadores Armando Monteiro(PTB) e Fernando Bezerra Coelho emprestaram solidariedade ao "renegado". Hoje, o Campo das Princesas tenta reconstruir essas pontes, mas já se fala que a família Ferreira está sendo convidada para o churrasco da Macambira, ou seja, pode compor a chapa da frente das oposições, indicando André Ferreira para o Senado Federal, com o pai na suplência. Eis aqui mais uma oligarquia familiar que terá um peso relevante nessas eleições.  

O diálogo dos integrantes da frente de oposição com os prefeitos socialistas continua ativo. Outro dia alguém comentou que o abrigo, no Governo Paulo Câmara(PSB), através das assessorias especiais, de lideranças políticas interioranas, talvez, em alguns casos, tenha ocorrido um pouco tarde, posto que eles aceitaram naturalmente os cargos, mas já haviam sido sondados pelos agentes da Conspiração Macambirense, tornando-se duvidoso um apoio efetivo dessas lideranças ao projeto de reeleição do governador. Este alerta pode não ser apenas um devaneio da Teoria da Conspiração. Por outro lado, as forças políticas em litígio estão equilibradas, posto que a frente das oposições também possue a tal "caneta", capaz de socorrer prefeituras em apuros pelo Estado afora. Ainda na condição de Ministro da Integração, FBC liberou recursos para a contenção do avanço das águas do mar, na cidade de Paulista, cidade governada por um socialista genuíno, encrencado com a Justiça Eleitoral. Para quem ele pedirá votos nas próximas eleições, considerando-se o fato de que suas relações com o Campo das Princesas já foram melhores?

P.S.: Contexto Político: A imagem acima foi divulgada, a princípio, pela equipe do Jornal do Commércio, no blog de Jamildo, a partir de sua publicação na rede Facebook, possivelmente por um dos perfis de um dos políticos que nela aparece.  

Editorial: Paulo Freire tornou-se o alvo principal da Escola Sem Partido

 
 
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Não são incomuns os chamados linchamentos morais, sobretudo nesses momentos bicudos de crise institucional que o país atravessa. Método sórdido utilizado para isolar e "desmoralizar" opositores, os linchamentos morais e a intolerância, no Brasil, assumiram contornos inimagináveis no bojo dessa crise política ora em curso. Até recentemente, um grupo de direita organizou um protesto aqui no Recife, onde tratou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como o maior ladrão que o Brasil já teve. Conforme afirmamos, em editorial anterior, a classe média foi induzida a apoiar o "impeachment" contra a ex-presidente Dilma Rousseff(PT) sob o "argumento" furado do combate à corrupção. Um pano de fundo da pior cueca - dessas vendidas pelos camelôs nas pontes do Recife - com todo o respeito aos camelôs - uma vez que os artífices desse golpe institucional estão muito mais enlameados e cometeram crimes e delitos em proporções superiores aos supostos delitos cometidos por integrantes da legenda petista. Agora, como se sabe, existe uma manobra que atenta contra as investigações da Operação Lava Jato. Os protestos, hoje, se limitam a alguns gatos pingados, que desejam atirar tomates naquele ministro da Corte Suprema.

Amaldiçoam um líder popular como o ex-presidente Lula e enaltecem figuras de proa da repressão política  instaurada no país com o golpe civil-militar de 1964. Por vezes fico me perguntando o que se passa pela cabeça desses jovens, que deveriam estar preocupados em empregar suas energias na defesa dos princípios democráticos, das liberdades civis, do Estado de Direito, da defesa do patrimônio nacional e do meio-ambiente, sob ameaça velada do grupo que tomou o poder no país. Ontem me deparei com uma sórdida campanha movida nas redes sociais contra o educador pernambucano, Paulo Freire. Paulo, em razão de sua proposta de educação libertadora e problematizadora, parece ter se tornado o alvo preferencial daqueles que defendem uma "Escola Sem Partido". Na realidade, uma escola de partido único, que suprime o debate democrático de ideias, susceptível à diversidade de opiniões e orientações sexuais.  Certamente, Paulo Freire encarna a antítese do que essa gente deseja para a educação brasileira. Daí ele ser o alvo principal dos ataques. Já andaram acusando-o até de plágio num desses sites vinculados a esses grupos.

A perseguição a Paulo Freire é típica dos tempos de obscurantismo que estamos vivendo. Por razões análogas, em 1964, ele também foi vítima desse mesmo processo, tendo que se exilar no Chile, ainda sob o Governo de Salvador Allende. Pernambucano do país de Casa Amarela - como diria o padre Reginaldo Veloso - Paulo passou a ter uma preocupação maior com o problema do analfabetismo da população adulta através do trabalho desenvolvido junto ao Movimento de Cultura Popular, um movimento criado no Estado, durante o período em que Miguel Arraes era o Prefeito da Cidade do Recife. Paulo desenvolveu um método único de alfabetização de adulto, aplicado com grande êxito na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte. O feito chegou ao presidente João Goulart que o incluiria na então proposta de Reformas de Base, com o objetivo de erradicar o analfabetismo no país. O resto da história todos conhecem. Goulart caiu, vitima de um golpe civil-militar, e Paulo Freire foi convidado a deixar o país.

A elite brasileira é cruel e o país tem dessas coisas. O cara cria o melhor método de alfabetização de adultos do mundo e não consegue aplicá-lo no seu país. Hoje o Brasil ocupa a 10º posição entre os países com o maior número de analfabetos adultos. São 13 milhões deles. Um número vergonhoso até mesmo para os padrões dos países latino-americanos, como observou a UNESCO. Em sua maioria, são mulheres, nordestinas, idosas e empobrecidas, evidenciando-se, também, um componente de gênero. Nos governos da coalizão petista - mesmo que timidamente - ainda foram criados programas como o Brasil Alfabetizado, recentemente extinto. Seriam assuntos como esses que deveriam conduzir esses jovens às ruas, para protestarem. Não para achincalhar cidadãos que tentaram mudar a face injusta de um país construído sob o signo do trabalho escravo, cujas consequências são visíveis até hoje.  

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Inteligência não teve sequer um real no orçamento da segurança pública do Rio de Janeiro em 2016


Rubem Berta
DESDE QUE FOI feito o anúncio do envio de tropas federais para tentar combater a violência no Rio de Janeiro, uma palavra voltou a ficar na moda: inteligência. Em várias entrevistas, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou que essa seria a base das ações de segurança no estado. O que se vê até agora, porém, é que a teoria não está funcionando na prática. Num grande mais do mesmo, o que houve de mais emblemático foi uma sequência de tiroteios durante operações da polícia no Jacarezinho que deixaram sete mortos, milhares de crianças sem aulas e moradores clamando por paz.
Um olhar no orçamento do Estado do Rio nos últimos anos traz um ingrediente a mais para entender a estratégia (ou a falta de estratégia) da Segurança Pública fluminense. Levantamento feito por The Intercept Brasil nos relatórios de contas consolidadas do governo estadual mostra que os gastos com a única função específica de “informação e inteligência” caminharam de valores ínfimos até simplesmente chegarem a zero no ano passado.
Em 2014, ano em que Luiz Fernando Pezão assumiu o governo após a renúncia de Sérgio Cabral, foram gastos na rubrica R$ 39,8 mil. Em 2015, foram R$ 21,6 mil. Nestes anos, os orçamentos totais da Segurança Pública no estado foram respectivamente de R$ 7,6 bilhões e R$ 8,6 bilhões. Em termos percentuais, os valores já haviam sido próximos de zero.

Nada para formação de recursos humanos

O orçamento do Rio confirma que o grande foco foi o investimento pesado em pessoal, deixando pouco espaço para outras ações complementares, estrategicamente importantes. No ano passado, apesar da crise econômica, os gastos com a Segurança Pública foram de R$ 9,1 bilhões (em 2015, haviam sido de R$ 8,6 bilhões). Deste total, quase R$ 7,68 bilhões (83,86%) foram para “administração geral”, basicamente para pagamento dos policiais.
Por outro lado, além de “informação e inteligência”, não foi gasto nem um real com as rubricas de “formação de recursos humanos”, “tecnologia da informação” e “fomento ao trabalho”.
É delicado falar sobre inteligência, porque sempre pode se alegar que há algum investimento secreto ou algo do tipo. Mas, como pesquisadora, o que vejo é que realmente parece que, no Rio, nunca os governos investiram tão pouco nessa área quanto nos últimos dez anos. O que se viu foi um investimento pesado em contratação de policiais para as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), deixando de lado a investigação e a inteligência no combate às grandes quadrilhas. Agora, lideranças estão saindo da cadeia e voltando para as mesmas áreas onde atuavam, com zero de capacidade de um trabalho de prevenção, de antecipação e de neutralização deste retorno”, analisa Silvia Ramos, uma das coordenadoras do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec).

“Preservação da vida e dignidade humana”

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública não nega o baixo investimento em inteligência, mas alega que “mesmo em um cenário econômico antagônico, sem custos aos cofres públicos, criou medidas estruturantes como o Grupo Integrado de Operações de Segurança Pública (GIOSP), no Centro Integrado de Segurança Pública (CICC), e a delegacia especializada para o combate ao tráfico de armas, a Desarme, para atacar as causas da letalidade violenta”.
A secretaria ainda afirma que “tem como principais diretrizes a preservação da vida e dignidade humana, o controle dos índices de criminalidade e a atuação qualificada e integrada das polícias”.
A secretaria também confirmou a concentração dos gastos em pessoal, já citando os números referentes a este ano:
“O orçamento previsto para a Secretaria de Segurança, em 2017, que inclui valores da própria secretaria, da Polícia Militar e da Polícia Civil foi de R$ 7,4 bilhões, aproximadamente. Destes, foram liberados, até o momento, R$ 2,3 bilhões, o que representa um contingenciamento de 59% para o orçamento da Segurança Pública. Do total previsto, o detalhamento das despesas prevê a utilização de, aproximadamente, 96% com despesas de pessoal (folha salarial), 2,7% com custeio e menos de 1% restantes para utilização em investimentos”.
Ou seja, no que depender de dinheiro, a inteligência parece que continuará ficando em segundo plano.
(Publicado originalmente no site do Intercept Brasil)

Comissão recomenda expulsão de alunos da UFPE e entidades estudantis criticam criminalização da Ocupação


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Comissão recomenda expulsão de alunos da UFPE e entidades estudantis criticam criminalização da Ocupação
por Laércio Portela

A comissão de inquérito administrativo formada para investigar denúncia de danos patrimoniais e furtos durante a ocupação do ano passado do Centro de Artes e Comunicação (CAC) da UFPE recomendou ao reitor Anísio Brasileiro a expulsão de seis alunos da graduação. O advogado de defesa de cinco dos jovens, André Barreto, criticou fortemente o documento por não apontar a conduta individualizada de cada aluno e, segundo argumenta, utilizar a “teoria do domínio do fato”, sem embasamento no direito brasileiro, para responsabilizar os jovens enquanto supostas lideranças da ocupação. Entidades estudantis de todo o Brasil assinaram manifesto acusando a comissão de “perseguição política e criminalização” do movimento.
Com base em vistoria realizada logo após a desocupação do CAC, em dezembro de 2016, o relatório indica que houve “destruição de mobiliário (com arrombamentos), conspurcação de imóvel público (paredes e pisos pichados, inclusive com frases de baixo calão e de caráter difamatório), vandalismo, furto a equipamentos tombados (computadores, projetores, máquinas fotográficas), ameaça a funcionário responsável pela segurança do imóvel… desaparecimento de material acadêmico e outros atos ilícitos…”.
O relatório final da comissão de inquérito, datado de 5 de maio deste ano e assinado por quatro servidores da UFPE, começou a circular nas redes sociais no final da semana passada. Na página oficial do Movimento Ocupa UFPE no Facebook foi publicado o manifesto Contra a Criminalização do Direito de Lutar. O Ocupa acusa a Comissão de atuar no âmbito político para enfraquecer vozes dissonantes dentro da universidade, seguindo tendência nacional do Poder Judiciário.
“A Comissão responsável por elaborar um parecer entendeu pela expulsão desses alunos e alunas – sem quaisquer provas ou documentos, sem individualização das acusações – meramente por associá-los às ocupações e danos ao patrimônio público. Essa política, portanto, se alinha à política do judiciário brasileiro como um todo, que atua ativamente na criminalização dos movimentos sociais, sindicais, estudantis e lideranças populares; que condena sem provas, baseando entendimentos meramente em convicções, e que defende a expulsão de estudantes engajados politicamente”, critica o manifesto do Ocupa assinado por 126 entidades, a grande maioria estudantis.
Além da perícia realizada após a saída dos alunos do prédio do CAC, os titulares da comissão de inquérito administrativo ouviram seis testemunhas, entre servidores técnicos administrativos, terceirizados e professores. Segundo o relatório, os representantes legais dos estudantes informaram à comissão que estes não prestaram depoimento porque “se recusaram a reconhecer a legitimidade da comissão para julgar o ato político de resistência dos estudantes na luta em defesa da universidade pública”. A comissão alega que garantiu o direito de ampla defesa aos jovens.
De acordo com o relatório da comissão, “os discentes denunciados assumiram a responsabilidade e o risco pelos atos praticados durante a ocupação do CAC–UFPE, notadamente quando forçaram a saída dos funcionários responsáveis pela segurança patrimonial do edifício e permitiram o ingresso de pessoas estranhas à Universidade durante o período do movimento”. Diz que os estudantes devem ser responsabilizados civil, administrativamente e penalmente pelos danos causados ao patrimônio, apontando prejuízo no valor de R$ 100 mil.
Para o advogado de defesa dos jovens, André Barreto, integrante da Frente de Juristas pela Democracia, não há nada no relatório que comprove a conduta específica de qualquer um dos estudantes mencionados em atos de danos ao patrimônio ou furto de equipamentos. “Não há a individualização da conduta de nenhum dos estudantes citados. Eles não podem ser acusados porque supostamente são lideranças do movimento por terem participado de reuniões de negociação com a Reitoria. Outros estudantes também participaram. A ocupação do CAC envolveu dezenas de estudantes. Estão aplicando a teoria do fato, que não está contemplada no direito brasileiro”.
A teoria do domínio do fato tornou-se conhecida no Brasil durante o julgamento da ação penal 470 no Supremo Tribunal Federal, mais conhecida como “mensalão”, quando foi utilizada para incriminar o ex-ministro José Dirceu. Segundo a teoria, são passíveis de culpabilização por um ato ilícito não apenas aqueles que praticaram o ato em si, mas também os agentes que teriam autoridade hierárquica sobre os autores materiais do ato. Para muitos juristas, a teoria do domínio do fato coloca em xeque o princípio legal da presunção de inocência.
André também questiona a citação de vários equipamentos que teriam sido furtados durante a ocupação, como notebooks, data shows, aparelhos de som, impressoras, entre outros, sem que estejam devidamente registrados os números de tombamento de cada um deles. “Não está dito lá como chegaram ao valor de R$ 100 mil, sem descriminar o número de registro de cada equipamento, o que comprova sua existência como patrimônio público, e nem está claro o valor de cada um deles. Isso é uma exigência jurídica”. Um dos professores que prestou depoimento citou equipamentos que teriam sido furtados ou danificados quantificando o valor aproximado deles, inclusive com alguns detalhes técnicos, mas no documento não constam os números de tombamento do material.
O advogado criticou também a citação no relatório de artigo da lei antiterrorismo, utilizada para enfatizar a gravidade dos atos relatados, muito embora esteja claramente explicitado no documento elaborado pela comisão que ela “não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais… direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios”. “Essa lei aparece no relatório da comissão como um fantasma. Sua citação diz muito sobre as intenções do documento”.
A assessoria de comunicação social da UFPE informou que o relatório da comissão de inquérito administrativo chegou ao Gabinete do Reitor no dia 28 de junho, tendo sido encaminhado à Procuradoria Jurídica da universidade neste mesmo dia. O relatório foi distribuído, no dia 10 de agosto, para um procurador que fará um parecer jurídico sobre o caso. Cabe à Procuradoria avaliar se foi seguido o devido processo legal na comissão, tendo sido garantido, por exemplo, o amplo direito de defesa aos estudantes. O parecer da Procuradoria deverá então ser encaminhado ao reitor Anísio Brasileiro, a quem caberá a decisão sobre o caso. Ele pode aceitar a recomendação e expulsar os alunos, optar por uma pena menos severa (advertência, repreensão ou suspensão) ou arquivar o processo. Seja qual for a decisão, os estudantes ainda podem recorrer em última instância interna ao Conselho de Administração da universidade.
A professora do campus Ageste da UFPE, Allene Carvalho Lage, coordenadora do Observatório dos Movimentos Sociais na América Latina, publicou nas redes sociais uma carta aberta ao reitor pedindo que ele rejeite o parecer que recomenda a expulsão dos estudantes do Centro de Artes. Ela defende a legitimidade da ocupação estudantil em defesa das universidades públicas e contra a emenda do teto de gastos e associa o pedido de punição a atos praticados sob um regime de exceção. “Esta decisão vem punir violentamente estudantes que passaram vários dias em uma exaustiva ocupação, pela defesa da manutenção dos recursos públicos que garantissem o funcionamento integral da UFPE. E, nesta perspectiva, entendemos que este parecer fere os princípios democráticos, que desde sempre têm sido um valor em todos os setores da UFPE, só encontrando ecos esse tipo de expulsão nos tempos da ditadura civil militar”.
Outros dois processos administrativos estão em tramitação na UFPE: um relativo à ocupação do Centro de Filosofia e Ciência Humanas (CFCH), onde são investigados também danos ao patrimônio público, e outro que apura agressões a professores durante reunião do Conselho Coordenador de Pesquisa, Ensino e Extensão, que discutia a adequação do calendário acadêmico no pós-ocupação.

(Publicado originalmente no site do Jornal GGN)


O xadrez político das eleições estaduais de 2018, em Pernambuco: A oficialização da Conspiração Macambirense






José Luiz Gomes da Silva

Cientista Político



Há alguns meses atrás, o movimento de alguns atores políticos na quadra estadual nos permitiram antever um "novo" conjunto de forças políticas que se integravam no sentido de constituir-se como opção oposicionista ao Palácio do Campo das Princesas. Talvez pudéssemos falar aqui, na realidade, num realinhamento dessas forças, que passaram a integrar dissidentes da base aliada do Governo Paulo Câmara(PSB) e até mesmo atores políticos do núcleo familiar a ele ligado, como o escritor Antonio Campos(Podemos), irmão do ex-governador Eduardo Campos. O nome do senador Armando Monteiro, do PTB, antes tido como o principal nome da oposição, em certa medida, passou a ser "ofuscado" pela desenvoltura de alguns atores desse conjunto de forças, embora o martelo ainda não tenha sido batido no tocante à formação da chapa. Há uma profusão de nomes para o Senado Federal, por exemplo, o que nos recomenda cautela sobre citações. Se o destino do senador Fernando Bezerra Coelho for mesmo o PMDB, está aberta até mesmo uma negociação com o Deputado Federal Jarbas Vasconcelos.  

Embora a migração do senador FBC para o PMDB seja um pouco mais complicada, ainda mais complicado seria Jarbas Vasconcelos aceitar uma possível composição com o PT na chapa situacionista, como se especula. Com as barbas de molho, ele já admite uma candidatura a Deputado Federal, ampliando a margem de manobra do seu sobrinho político, Raul Henry(PMDB-PE), na composição da chapa palaciana. Já há algum tempo se fala que o Palácio do Planalto teria interesse em entregar a legenda peemedebista no Estado à família Coelho. Negociações neste sentido existem, mas eles hoje estão mais próximos dos Democratas. Fernando Bezerra não dá um passo no Estado que não seja acompanhado do ministro da Educação, Mendonça Filho(DEM). Aliás, os quatro ministros de Pernambuco no Governo Temer(PMDB) estão bastante integrados. Todos eles estavam presentes no encontro político de Caruaru, onde praticamente foi selada a nova aliança política do Estado, que deve concorrer ao Palácio do Campo das Princesas, nas eleições de 2018.

Calouro nos bancos do CFCH-UFPE, havia um professor que minimizava o trabalho dos jornalistas e historiadores. Ele enfatizava que esses profissionais não antecipavam os acontecimentos, trabalhando sempre com o pós-facto, ou seja, analisavam situações já ocorridas. Não sem algum exagero, puxava a brasa para o lado dos cientistas políticos. Até mesmo um pouco antes do término das últimas eleições municipais no Estado, já era possível antever a aglutinação de algumas forças políticas oposicionistas. Novamente, a cidade de Caruaru voltava a ser um palco importante nesse rearranjo de forças políticas. Havia ali alguns dados emblemáticos, como, por exemplo, a eleição de Raquel Lyra(PSDB) para gerir os destinos da capital do Agreste, o que significou uma derrota para o Palácio do Campo das Princesas, que havia afastado a família Lyra do comando do PSB municipal. Não sem motivo, denominamos essa nova aliança política de "Conspiração Macambirense", numa referência à fazenda Macambira, da família Lyra, um termômetro político do Estado. Estávamos certos e antecipamos os fatos. 

Emblematicamente, a oficialização dessa aliança se deu na cidade de Caruaru, por ocasião de um evento do Minha Casa Minha Vida, programa do Ministério das Cidades, que reuniu os principais nomes desse novo agrupamento, além de uma penca de prefeitos, o que deve ter deixado o Campo das Princesas de orelha em pé. Fala-se em cinco dezenas, alguns deles, em tese, da base situacionista. Aliás, agindo em conjunto, esse novo grupo está trazendo um montante de recursos razoáveis para o Estado, em plena crise econômica, com os prefeitos de pires na mão, o que é um perigo. Somente Bruno Araújo(PSDB-PE), das cidades, já teria carreado para o Estado um montante de mais de três bilhões. Mendonça Filho(DEM-PE), da Educação, por sua vez, não poupou esforços para ampliar o campus da UNIVASF para a cidade de Salgueiro,no Sertão Central. Num passado recente, esta cidade foi um reduto tradicional de uma arraesista histórica, Creuza Pereira. Salgueiro é uma das cidades mais importantes do Sertão, contribuindo para ampliar a capilaridade politica dos Coelhos na região.

Aliás, como enfatizou o senador Fernando Bezerra Coelho em seu discurso, convém ficar atento à densidade eleitoral do grupo, uma vez que eles reúnem, de princípio, as cidades de Petrolina, Caruaru e, possivelmente, Jaboatão dos Guararapes, uma vez que tanto Armando Monteiro quanto Fernando Bezerra possuem um bom trânsito junto à família Ferreira. Ou seja, em tese, eles detém o controle do chamado "Triângulo das Bermudas". O curioso é que, embora de malas prontas para sair do ninho socialista, em sua fala, FBC fez referência ao ex-governador Eduardo Campos. A essa altura, o técnico já tem o time escalado, mas só será anunciado quando estivermos mais próximo do jogo. Como observou o cientista político Michel Zaidan, num seminário, outro dia, na UFPE, quando está em jogo seus "interesses", a direita sempre chega a um acordo. Suas discordâncias são cosméticas. No essencial, eles sempre concordam.

Este grupo está bastante coeso em torno da agenda ultra-liberal ora em curso no país. Não tenho dúvidas em apontar o "engomadinho", João Dória(PSDB-SP) como o candidato presidencial do grupo. Mais uma vez, todos eles estavam prestigiando a sua passagem pelo Recife, quando realizou uma palestra no Lide-PE. A foto publicado acima é bem elucidativa. Em seu discurso, o senador Fernando Bezerra Coelho fez questão de defender o Governo do presidente Michel Temer. Trata-se de uma aliança chapa-branca, que contingencia os socialistas, quem sabe, buscarem abrigo na roupagem de esquerda do passado. Neste sentido, pode até evoluir as negociações com o Partido dos Trabalhadores. Esta centrífuga direitista diminuiu sensivelmente os espaços políticos de atuação das forças do campo progressista. Se o PT abdicar de uma candidatura própria com a vereadpra Marília Arraes(PT), o leque de opções do eleitorado ficará com um perfil bastante conservador no Estado.    

De Hannah Arendt a Paul Gilroy, cinco livrso que buscam as raízes do ódio contemporâneo


De Hannah Arendt a Paul Gilroy, cinco livros que buscam as raízes do ódio contemporâneo
Hannah Arendt relacionou o mal a um vazio reflexivo (Reprodução225

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é clara: todos têm direitos iguais, independentemente de classe social, gênero, raça, etnia ou religião. Não é o que acontece, no entanto. No Brasil e no mundo, as taxas relacionadas a crimes de ódio são altas, e têm crescido com a escalada de discursos racistas, machistas, homofóbicos e xenófobos, que ganham propulsão nas redes sociais e nas ruas num contexto de avanço do conservadorismo de governos de extrema-direita.
Por dia, no Brasil, ao menos uma pessoa LGBT é morta, oito casos de feminicídio são registrados pelo Ministério Público e 63 jovens negros são assassinados. Dados da Secretaria de Direitos Humanos mostram que denúncias contra casos de intolerância religiosa aumentaram 3.600% no país, entre 2011 e 2016. Apenas a cidade de São Paulo registra um crime de ódio por hora, a maior parte deles relacionada ao racismo, segundo a Secretaria da Segurança Pública.  
Em outros países o quadro é semelhante. No último dia 12 de agosto, a cidade de Charlottesville, no sul dos Estados Unidos, recebeu uma manifestação de supremacistas brancos cujos atos de violência resultaram na morte da ativista Heather Heyer. Estudo da Southern Poverty Law Center divulgado em novembro de 2016 mostra que em menos de um mês de mandato de Trump foram registrados 400 casos de racismo, islamofobia e xenofobia no país.
Desde que o presidente norte-americano começou a fazer campanha, em 2015, crimes contra muçulmanos aumentaram 67% nos Estados Unidos, em relação ao ano anterior, segundo o FBI. Na Itália, Polônia, Espanha e Alemanha, a maioria da população concorda que a entrada de muçulmanos deve ser barrada, de acordo com pesquisa do Instituto Chatham House. Na Inglaterra pós-Brexit, houve um aumento de 20% nos crimes contra minorias. 
Ao longo da história do pensamento foram muitos os intelectuais que se debruçaram sobre o tema. A convite da CULT, Christian Dunker, Juliana Serzedello, João Alexandre Peschanski, Estevão Rafael Fernandes e Celi Regina Jardim Pinto indicam obras que se propõe a refletir, a partir de diferentes abordagens, acerca do ódio político, social e sexual contemporâneo.
Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a Banalidade do Mal, de Hannah Arendt (1963)
Em 1961, a filósofa alemã Hannah Arendt, de origem judaica, foi cobrir o julgamento do soldado nazista Adolf Eichmann para a The New Yorker. Esperando encontrar um monstro, Arendt se surpreendeu ao perceber que Eichmann era apenas um homem comum; um soldado que apenas cumpria ordens sem jamais questioná-las ou pensar em suas consequências.
Surgiu daí o conceito da “banalidade do mal”, o mais famoso da teoria arendtiana. “A obra mostra que não podemos atribuir atos de ódio a monstros não humanos, mas a pessoas que vivem a vida como nós. Há momentos na história em que muitos dos que vivem uma vida dura, sem reflexão, sem espaço para discutir e construir opinião acabam seguindo o mais fácil, e neste momento ideologias do ódio e lideranças fascistas tem facilidade de se tornarem populares”, afirma Celi Regina Jardim Pinto, doutora em Ciência Política, que considera o livro fundamental para que se pense a “simplicidade do ódio”, “como é um sentimento de pessoas que vivem a vida normalmente”.
O ódio à democracia, de Jacques Rancière (2005)

Em O ódio à democracia, o filósofo francês Jacques Rancière aponta contradições de Estados democráticos, como a questão das oligarquias que se revezam no poder em oposição a demandas por representação popular. “Ranciére mostra que, tanto na história quanto em nossa experiência contemporânea, a ideia de um regime político de equidade de relações com a lei e de liberdade no uso da palavra é percebida como uma ameaça à nossa ficção de um mundo estável, seguro e harmônico (ainda que não para todos)”, afirma o psicanalista Christian DunkerO ódio, então, surge como resposta à existência de pessoas que não são iguais dentro do sistema democrático – os ricos ou os filhos de alguém. 
A obra expõe um impasse político central entre a ideia de democracia e a prática social em países industriais, diz o cientista político João Alexandre Peschanski. “Em que medida essas sociedades desenvolvidas estão dispostas a receber em suas instituições políticas e comunidades aqueles que enxergam como diferentes (imigrantes ilegais ou refugiados)?”. A resposta do filósofo não é das mais animadoras. Para ele, há um movimento crescente disposto a destruir as instituições relativamente acolhedoras da modernidade para preservar os privilégios que as constituíram.
História da Sexualidade Vol. I: A Vontade do Saber, de Michel Foucault (1976)
No primeiro dos três volumes de História da Sexualidade, o filósofo francês Michel Foucault se debruça sobre como a sexualidade está intimamente relacionada a mecanismos de poder. “O texto é sobre a gênese dos múltiplos silenciamentos que perpassam nossos desejos e gestão do nosso próprio corpo (que, no fim das contas, acaba sendo tudo, menos nosso), por diversas instituições, dispositivos e discursos”, afirma o antropólogo Estevão Rafael Fernandes. Para ele, a obra é uma porta de entrada para pensar o ódio, especificamente aquele voltado para a diversidade sexual, como a homofobia. Isso porque, em uma sociedade que faz uso da sexualidade como meio de controle, tudo aquilo que foge à regra pode ser entendido como resistência aos mecanismos de poder: “O ódio não se aplica ao diferente, pura e simplesmente, mas à sua potência: sua existência torna possível um ser fora das correlações de força que dão sustentação ao próprio sistema de poder hegemônico.”
Entre campos – Nações, culturas e o fascínio da raça, de Paul Gilroy (2007)
O professor da London School of Economics (LSE) busca compreender como o pensamento de raça distorceu “as melhores promessas da democracia moderna”, mostrando como boa parte do que nasceu combativo dentro cultura negra (como o hip hop e o rap) foi apropriado pelo capitalismo e esvaziado de seu potencial questionador. “Partindo da ideia de que racismo, fascismo e nacionalismo são fenômenos interligados, o autor investiga e critica a fundo a construção de discursos racializados – considerando, inclusive, como problemáticas as reivindicações racializadas de grupos antirracistas. Sua proposta é construir um mundo ‘destituído de hierarquia racial’”, diz a professora e historiadora Juliana Serzedello. Para isso, Gilroy oferece um conjunto de conceitos próprios – como o “humanismo planetário”, em contraposição à “infra-humanidade” construída pela “raciologia” e reiterada pelos atuais padrões “nanopolíticos”. “Sua intenção, apresentada como horizonte utópico, é a de acelerar a desnaturalização da ‘raça’ como conceito organizador das relações humanas contemporâneas””, explica Serzedello.
Dilma Rousseff e o ódio político, de Tales Ab’Saber 

Publicado pouco antes do impeachment, Dilma Rousseff e o ódio político, do psicanalistaTales Ab’Saber, investiga o ódio à política que se desenvolveu entre os brasileiros a partir dos governos petistas. O livro “revela a emergência de uma oposição autoritária e delirante, marcada pelo ódio à presidente”, diz o cientista político João Alexandre Peschanski. Em doze ensaios, Ab’Saber analisa como e por que o humor do eleitorado brasileiro se transformou durante a última década, indo da intensa adoração à figura de Lula para o completo ódio à classe política – um ódio que encontrou em Dilma um bode expiatório, e que teve seu ápice no impeachment.
O psicanalista chega à conclusão de que o ódio político se sustenta em uma “distorção efetiva da capacidade de pensar”, que teria base, escreve Ab’Saber, na “necessidade de saturar a realidade com desejos que não suportam frustração, bem como no impacto corrosivo dos mecanismos psíquicos ligados ao ódio sobre o próprio pensamento”. Hoje, afirma Peschanski, o mesmo ódio analisado por Ab’Saber há dois anos ameaça a própria democracia ao deixar os brasileiros em uma espécie de transe que “remete às neuroses da Guerra Fria”. 
(Publicado originalmente no site da revista Cult)

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