pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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sábado, 23 de setembro de 2017

Le Monde: Stálin e Hitler: irmãos gêmeos ou inimigos mortais?

 

Em contraste com a recorrente interpretação que, à luz da categoria de “totalitarismo”, equipara o nazismo e o bolchevismo – e especificamente Hitler e Stálin –, este artigo pretende demonstrar que os líderes do nazismo alemão e da União Soviética tinham posições políticas antagônicas. Hitler parece estar muito mais próximo da política de Winston Churchill. Acima de tudo, este ensaio se concentra no conceito de colonialismo: em seu interior, as diferenças entre Hitler e Stálin tornam-se óbvias. A guerra de Hitler foi uma guerra colonial, de base racial, bastante semelhante à política de conquistas dos Estados Unidos. A União Soviética de Stálin se opôs de forma vigorosa e bem-sucedida a essa guerra. Ou seja: Stálin e Hitler não são irmãos gêmeos, e sim inimigos mortais
por: Domenico Losurdo
21 de setembro de 2017
Crédito da Imagem: Cartazes russos para a Segunda Guerra Mundial

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  1. Acontecimentos históricos e categorias teóricas
 
Na atualidade, com base na categoria de “totalitarismo” (a ditadura terrorista do partido único e o culto ao líder), Stálin e Hitler são considerados as máximas encarnações desse flagelo, dois monstros com características tão semelhantes a ponto de parecer gêmeos. Não por acaso – argumenta-se –, ambos se uniram por quase dois anos em um pacto perverso. Se é verdade que a esse pacto se seguiu uma guerra impiedosa entre eles, não importa – essa guerra foi conduzida por irmãos gêmeos, a despeito da violência do conflito.

Seria essa uma conclusão necessária? Afastemo-nos da Europa. Gandhi também estava convencido de que Hitler tinha um irmão gêmeo. Mas ele não era Stálin, a quem, já em setembro de 1946 e com a Guerra Fria em vigência, o líder indiano definia como “um grande homem” à frente de um “grande povo”[1]. Não, o irmão gêmeo de Hitler, em última instância, era Churchill, o que se verifica em pelo menos duas entrevistas de Gandhi, uma de abril de 1941, outra de abril de 1945: “Na Índia, temos um governo hitlerista, ainda que camuflado em termos mais brandos”. E por fim: “Hitler foi ‘o pecado da Grã-Bretanha’. Hitler é tão somente a resposta ao imperialismo britânico”[2].
Das duas declarações, talvez a primeira seja a que mais faça pensar. Ela foi dada num momento em que ainda vigia o pacto de não agressão entre Alemanha e União Soviética: o líder independentista indiano não parecia escandalizado por isso. No âmbito dos movimentos anticolonialistas, a política das frentes populares era a que encontrava maior resistência. Quem explica esse fato é um grande historiador afro-americano de Trinidad, admirador ardoroso de Trótski, Cyril L. R. James, que em 1962 descreve da seguinte maneira a evolução de outro grande intérprete, também proveniente de Trinidad, da causa da emancipação negra:

Ao chegar nos Estados Unidos, ele [George Padmore] se tornou um comunista atuante. Foi transferido para Moscou para assumir a direção do escritório de propaganda e organização do povo negro, período em que se tornou o mais conhecido e confiável dos agitadores da independência africana. Em 1935, o Kremlin, na busca por alianças, separou a Grã-Bretanha e a França, enquanto “imperialismos democráticos”, da Alemanha e do Japão, considerados “imperialistas fascistas” e que se tornaram os principais alvos da propaganda russa e comunista. Essa distinção reduziu a luta pela emancipação africana a uma farsa, pois a Alemanha e o Japão, de fato, não possuíam colônias na África. Padmore rompeu imediatamente suas relações com o Kremlin.[3]

Stálin era criticado e condenado não enquanto irmão gêmeo de Hitler, mas por se recusar a ver este último como o irmão gêmeo do líder do imperialismo britânico e francês. Para importantes figuras do movimento anticolonialista, não era fácil entender que quem comandava a contrarrevolução colonialista (e escravista) era o Terceiro Reich: o recorrente debate sobre o pacto de não agressão claramente padece de eurocentrismo.
Por mais discutível que seja, a aproximação Hitler-Churchill feita por Gandhi (e, indiretamente, por outros expoentes do movimento anticolonialista) é fácil de compreender: Hitler não declarou diversas vezes o desejo de construir na Europa oriental as “Índias germânicas”? E Churchill não prometeu defender com todas as forças as Índias britânicas? De fato, a fim de sufocar o movimento independentista, em 1942 o primeiro-ministro inglês “recorreu a meios extremos, como o uso de aeronaves para metralhar multidões de manifestantes”[4]. A ideologia que encabeçava a repressão dá muito o que pensar. Leiamos Churchill: “Eu odeio os indianos. É um povo bestial, com uma religião bestial”; por sorte, a ordem foi mantida e a civilização, defendida, por um número sem precedentes de “soldados brancos”. Tratava-se de enfrentar uma raça “que só está protegida do destino que merece porque se prolifera muito rápido”; teria agido bem, portanto, o marechal Arthur Harris, artífice dos bombardeios sobre a Alemanha, quando resolveu a questão dos indianos enviando “para destruí-los alguns de seus bombardeiros excedentes”[5].
Retornemos da Ásia para a Europa. Em 23 de julho de 1944, Alcide De Gasperi, que se preparava para ser o presidente do Conselho na Itália livre do fascismo, pronunciou um discurso em que afirmava enfaticamente:

Quando vejo que Hitler e Mussolini perseguiam homens por causa de suas raças, e inventavam aquela pavorosa legislação antijudaica que conhecemos, e ao mesmo tempo vejo o povo russo, composto por 160 raças, buscar sua fusão, superando a diversidade existente entre a Ásia e a Europa, essa tentativa, esse esforço pela unificação do consórcio humano, permitam-me dizer: isso é cristão, isso é eminentemente universalista, no sentido do catolicismo.[6]

Neste caso, o ponto de partida foi constituído pela categoria do racismo, um flagelo que encontrava sua expressão mais crua na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler. Pois bem, qual era a antítese a esse respeito? Esta não podia ser representada pela Grã-Bretanha de Churchill, pelas razões já observadas, mas tampouco pelos Estados Unidos, onde, ao menos no que se refere ao Sul, continuava incandescente a ideologia da white supremacy. Acerca desse regime, um notável historiador estadunidense (George M. Fredrickson) escreveu recentemente: “Os esforços para preservar a ‘pureza da raça’ no Sul dos Estados Unidos anteciparam alguns aspectos da perseguição deflagrada pelo regime nazista contra os judeus nos anos trinta do século XX”[7]. Não impressiona então que De Gasperi identificasse a União Soviética como a verdadeira, a grande antagonista da Alemanha de Hitler. Os irmãos gêmeos de que fala a categoria do totalitarismo se configuram como inimigos mortais à luz das categorias do racismo e do colonialismo.

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  1. “A maior guerra colonial da história”
 
Sendo assim, qual categoria devemos desenvolver? Vamos dar a palavra às duas personalidades aqui discutidas. Em 27 de janeiro de 1932, dirigindo-se aos industriais de Düsseldorf (e da Alemanha) e conquistando definitivamente seu apoio para ascender ao poder, Hitler expressava desta forma sua visão da história e da política. Durante todo o século XIX, “os povos brancos” conquistaram uma posição de incontestável domínio, concluindo um processo iniciado com a conquista da América e que se desenrolou erguendo o estandarte do “absoluto, inato sentimento senhorial da raça branca”. Ao pôr em discussão o sistema colonial, o bolchevismo provocava e agravava a “confusão do pensamento branco europeu”, fazendo a civilização correr um perigo mortal. Para enfrentar tal ameaça, era preciso bradar a “convicção da superioridade e, assim, do  direito [superior] da raça branca”, era necessário defender “a posição de domínio da raça branca em relação ao resto do mundo”, recorrendo à “mais brutal falta de escrúpulos”: era impositivo “o exercício de um direito senhorial (Herrenrecht) extremamente brutal”[8]. Sem dúvida, Hitler apresentava sua candidatura à direção de um dos países mais importantes da Europa apegando-se ferrenhamente à causa da white supremacy, que ele almejava defender em escala planetária.
O apelo à defesa e ao resgate da raça branca tinha encontrado uma vasta repercussão na Alemanha no decorrer da Primeira Guerra Mundial, e sobretudo nos anos imediatamente posteriores. Suscitara escândalo e indignação o recurso da Entente e, em particular, da França às tropas de cor – que faziam parte do exército de ocupação da Renânia e estupravam as mulheres alemãs: era a impiedosa vingança dos vencedores que tentavam de todas as formas humilhar o inimigo derrotado e também contaminar seu sangue, “mulatizando-o”. Seja como for, tal como no Sul dos Estados Unidos, onde quem fazia a guarda era, contudo, a Ku Klux Klan, a ameaça negra pesava também nas costas da Alemanha (e da Europa). Era assim que na Alemanha, àquela época, argumentava uma vasta opinião pública[9], e esse clima ideológico influenciou fortemente a formação do grupo dirigente nazista. Em 14 de junho de 1922, Heinrich Himmler participou de uma manifestação lançada em Munique pela “Deutscher Notbund gegen die Schwarze Schmach” (Liga Pela Defesa da Alemanha contra a Ameaça Negra) que – nas palavras de um jornal local – definia “a ocupação da Renânia por tropas de cor como um crime concebido a sangue frio e de pura bestialidade, um crime que visa nos contaminar e degradar enquanto raça, a fim de nos aniquilar”. Em seu diário, Himmler anotou: “Muitíssimas pessoas. Todas gritavam: ‘Vingança!’. Realmente impressionante. E, todavia, eu participei de iniciativas deste tipo mais bonitas e mais entusiasmantes”[10].
Por sorte, a irresponsabilidade racial da França foi estranha para a Inglaterra. Era o que dizia Alfred Rosenberg, que lutou pela “aliança dos dois povos brancos” ou dos três povos brancos por excelência, se examinarmos a luta contra a “negrização” (Vernegerung) em plano mundial e levando em conta também os Estados Unidos, além de Alemanha e Grã-Bretanha[11]. Ainda no final de janeiro de 1942 – o Terceiro Reich e o Japão combatem juntos na guerra –, mais do que gozar dos sucessos de seu aliado de raça amarela, Hitler lamenta “as duras perdas que o homem branco é obrigado a sofrer na Ásia oriental”: quem se refere a tais palavras, em uma nota de seu diário, é Joseph Goebbels, o qual por sua vez condena Churchill como “o verdadeiro coveiro do Império inglês”[12].
A raça branca já vinha sendo defendida na Europa. Seu principal inimigo era a União Soviética, que incitava a revolta das raças “inferiores” e que inclusive fazia parte, ela própria, do mundo colonial. Tal visão era bastante difusa na Alemanha da época: a partir da ascensão dos bolcheviques ao poder – escrevia Oswald Spengler, um ano depois –, a Rússia retirou a “máscara branca” para se tornar “de novo uma grande potência asiática, ‘mongol’”, parte integrante “da totalidade da população de cor do planeta”, animada pelo ódio contra a “humanidade branca”[13].
Essa grave ameaça era, ao mesmo tempo, uma grande oportunidade: diante da raça branca e da Alemanha abrira-se um imenso espaço colonial, uma espécie de Velho Oeste. Já no Mein Kampf, Hitler celebrara “a inaudita força interior” do modelo americano de expansão colonial, um modelo que era preciso imitar, a fim de se construir um império territorialmente compacto na Europa centro-oriental[14]. Mais tarde, após a eclosão da Operação Barbarossa, Hitler reiteradamente comparava sua guerra contra os “indígenas” da Europa oriental à “guerra contra os índios”, à luta “promovida contra os índios da América do Norte”: tanto num caso como no outro, “será a raça mais forte que triunfará”[15]. Por sua vez, nos discursos privados, não direcionados ao público, Himmler ilustrava com clareza particular outro aspecto essencial do programa colonial do Terceiro Reich: são absolutamente necessários os “escravos de raça estrangeira” (fremdvölkische Sklaven), diante dos quais a “raça dos senhores” (Herrenrasse) não deve jamais perder sua “aura senhorial” (Herrentum), e com os quais não deve jamais se misturar ou confundir. “Se não enchermos nossos campos de trabalhadores escravos – neste recinto me permito definir as coisas de modo nítido e claro –, de operários-escravos que construam as nossas cidades, nossas vilas, nossas fábricas, a despeito de quaisquer perdas”, o programa de colonização e germanização dos territórios conquistados na Europa oriental não poderá ser realizado[16].
Em suma: os “indígenas” da Europa oriental eram, por um lado, os peles-vermelhas que deveriam ser expropriados de suas terras, deportados e dizimados; por outro lado, eram os negros, destinados a trabalhar como escravos a serviço da raça dos senhores (ao passo que os judeus, que, tal como os bolcheviques, eram responsabilizados pela sublevação das raças inferiores, deveriam ser liquidados). É óbvio que uma visão desse tipo não poderia ser compartilhada pelas vítimas, entre as quais a União Soviética era a mais considerável. Mas é interessante observar que, já entre fevereiro e outubro de 1917, Stálin insistentemente chamava a atenção para o fato de a Rússia, àquela altura destruída pelo interminável conflito, correr o risco de se tornar “uma colônia da Inglaterra, dos Estados Unidos e da França”: tentando impor a qualquer custo a continuação da guerra, a Entente se comportava na Rússia como se estivesse “na África central”. A Revolução Bolchevique era necessária também para afastar tal perigo[17]. Depois de outubro, Stálin identificava o poder dos sovietes como o protagonista da “transformação da Rússia de colônia em país livre e independente”[18].
Conclusão: desde o início, Hitler se propunha retomar e radicalizar a tradição colonial, fazendo-a valer na própria Europa oriental e em particular na Rússia, considerada bárbara após a vitória bolchevique. No lado oposto, desde o início, Stálin convocava seu país a enfrentar o perigo da submissão colonial e, através dessa chave interpretativa, lia a própria importância da Revolução Bolchevique.
Embora procedesse com cautela, Stálin começava a identificar as características fundamentais do século que se abria. Na esteira da Revolução de Outubro, Lênin imaginava que o conteúdo principal ou exclusivo do século XX seria a luta entre capitalismo, de um lado, e socialismo/comunismo, de outro: o mundo colonial já fora totalmente ocupado pelas potências capitalistas e qualquer outra divisão por iniciativa das potências derrotadas ou “desfavorecidas” teria significado uma nova guerra mundial e um novo passo rumo à destruição definitiva do sistema capitalista. Isto é, a conquista da nova ordem socialista estava imediatamente na ordem do dia. Porém, Hitler fez um movimento inesperado: identificou a Europa oriental, e em particular a Rússia soviética, como o espaço colonial ainda livre e à disposição do império alemão a ser erguido. De modo análogo agiam o Império do Sol Nascente, que invadia a China, e a Itália fascista, que mirava os Bálcãs e a Grécia, além da Etiópia. Stálin começava a perceber que, ao contrário das expectativas, o que caracterizava o século XX era o confronto, na própria Europa, entre colonialismo e anticolonialismo (este último apoiado ou promovido pelo movimento comunista).
Nos nossos dias, observou-se com correção que “a guerra de Hitler pelo Lebensraum [espaço vital] foi a maior guerra colonial da história”[19], guerra colonial inicialmente promovida contra a Polônia. São eloquentes as instruções dadas pelo Führer na véspera da agressão: impõe-se a “eliminação das forças vitais” do povo polonês; é preciso “proceder de modo brutal”, sem ser afetado pela “compaixão”; “o direito está do lado do mais forte”. São análogas as diretrizes que mais tarde regem a Operação Barbarossa: uma vez capturados, é preciso imediatamente eliminar os comissários políticos, os quadros do Exército Vermelho, do Estado soviético e do Partido Comunista; no Oriente, impõe-se uma “dureza” extrema e os oficiais e soldados alemães estão convocados a superar suas reservas e seus escrúpulos morais. Para que povos de civilização antiga possam ser reconduzidos à condição de peles-vermelhas (que possam ser expropriados e dizimados) e de negros (que possam ser escravizados), “todos os representantes da intelectualidade polonesa” e russa – observa o Führer – “devem ser aniquilados”; “isso pode soar duro, mas não deixa de ser uma lei da vida”[20]. Explica-se assim a sorte reservada, na Polônia, ao clero católico, na União Soviética, aos quadros comunistas, e, em ambos os casos, aos judeus, presentes em grande número entre os grupos intelectuais e suspeitos de inspirar e alimentar o bolchevismo. Hitler consegue jogar Polônia e União Soviética uma contra a outra, mas reserva às duas a mesma sorte; mesmo que através de um percurso tortuoso e trágico, a guerra popular de resistência nacional e a grande guerra patriótica acabam por se associar. A brusca mudança de rumo da “maior guerra colonial da história” é representada por Stalingrado. Se Hitler foi o comandante da contrarrevolução colonialista, Stálin comandou a revolução anticolonial que, de modo completamente inesperado, teve na Europa seu epicentro.
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  1. Stálin, Hitler e as minorias nacionais
 
A definição de Stálin que acabo de oferecer contrasta com a política que ele seguiu em relação às minorias nacionais na União Soviética? É inegável que, na visão de Stálin, não há espaço algum para o direito de secessão. Isso se confirma pela conversação com Dimitrov, em 7 de novembro de 1937: “Nós destruiremos qualquer um que, com suas ações e seus pensamentos, mesmo que apenas com os pensamentos, atente contra a unidade do Estado socialista”[21]. Derrubar inclusive os pensamentos: é uma definição extraordinariamente eficaz, mas completamente involuntária do totalitarismo! Simultaneamente, no entanto, Stálin saúda e até mesmo promove o renascimento cultural das minorias nacionais vastamente oprimidas da Europa oriental. São eloquentes as observações que ele desenvolve em 1921, no decorrer do X Congresso do Partido Comunista Russo: “cinquenta anos atrás, todas as cidades da Hungria tinham um caráter alemão, agora se magiarizaram”; também “despertaram” os “tchecos”. Trata-se de um fenômeno que toma a Europa inteira: de cidade “alemã” que era, Riga se torna uma “cidade letã”; de modo análogo, as cidades da Ucrânia “inevitavelmente irão se ucranizar”, tornando secundário o elemento russo antes predominante[22]. É constante em Stálin a polêmica contra os “assimilacionistas”, sejam os “assimilacionistas turcos”, sejam os “germanizadores prussiano-alemães” ou os “russificadores russo-tsaristas”. Essa tomada de posição é muito importante porque está ligada a uma elaboração teórica de caráter mais geral. Em polêmica com Kautsky, Stálin sublinha que, longe de representar a desaparição da língua e das peculiaridades nacionais, o socialismo comporta seu desenvolvimento e desdobramento ulterior. Toda “política de assimilação” deve ser tachada como “inimiga do povo” e “contrarrevolucionária”: tal política é ainda mais “fatal” porque ignora “o colossal poder de estabilidade das nações” que língua e cultura nacional representam; querer declarar “guerra à cultura nacional” significa ser “adepto da política de colonização”[23]. Por mais dramática que pareça sua diferença adiante da política concretamente realizada, as declarações de princípio não podem ser ignoradas, muito menos no âmbito de um regime político em que a formação e a mobilização ideológica dos quadros e militantes do partido e o doutrinamento das massas desenvolvem um papel bastante relevante.
Aqui, de novo emerge a antítese com Hitler. Este também começa por assumir a eslavização e “anulação do elemento alemão” (Entdeutschung) que ocorre na Europa oriental. A seus olhos, no entanto, trata-se de um processo que pode e deve ser rejeitado com todas as forças. Não basta nem mesmo a assimilação linguística e cultural, que na realidade significaria “o início de um abastardamento” e, portanto, da “aniquilação do elemento germânico”, a “aniquilação justamente das características que, em seu tempo, permitiram ao povo conquistador (Eroberervolk) alcançar a vitória”[24]. É preciso germanizar o solo sem germanizar os homens de modo algum. E isso só é possível seguindo-se um modelo muito preciso: do outro lado do Atlântico, a raça branca se expandiu para o Oeste americanizando o solo, nunca os peles-vermelhas. Dessa maneira, os Estados Unidos tornaram-se “um Estado nórdico-germânico” sem se rebaixar à condição de “lamaçal internacional de povos”[25]. Esse mesmo modelo deve ser seguido pela Alemanha na Europa oriental.

  1. O papel da geografia e da geopolítica

Ao menos no que se refere à atitude tomada perante a questão nacional, confirma-se a antítese entre a Rússia soviética e o Terceiro Reich. Chegamos a resultados muito diferentes, porém, se nos concentramos nas práticas de governo dos dois regimes, que bem podemos comparar à luz da categoria de totalitarismo. E, ainda assim, seria um engano querer ler em chave psicopatológica o terror, a brutalidade, até mesmo a reivindicação de controlar o pensamento.
Convém não esquecermos a lição metodológica transmitida por um clássico do liberalismo: em 1787, na véspera do lançamento da Constituição federal, Alexander Hamilton explicava que a limitação do poder e a instauração do governo da lei tinham alcançado sucesso em dois países de tipo insular (Grã-Bretanha e Estados Unidos) graças ao mar que os separava das ameaças de potências rivais. Se o projeto de União federal falhasse e sobre suas ruínas emergisse um sistema de Estados correspondente àquele existente no continente europeu, teriam aparecido inclusive na América os fenômenos do exército permanente, de um forte poder central e até mesmo do absolutismo: “Assim, deveríamos, em curto espaço de tempo, ver estabelecidos em cada parte deste país os mesmos mecanismos de despotismo que foram o flagelo do Velho Mundo”[26]. Aos olhos de Hamilton, para explicar a permanência ou dissolução das instituições liberais, era preciso, em primeiro lugar, considerar a situação geográfica e geopolítica.
Se analisarmos as grandes crises históricas, notaremos que, mesmo em matizes distintos, todas elas terminaram por provocar uma concentração do poder nas mãos de um líder mais ou menos autocrático: a Primeira Revolução inglesa desaguou no poder pessoal de Cromwell; a Revolução Francesa, naquele de Robespierre e, sobretudo, anos depois, no de Napoleão; o resultado da revolução dos escravos negros de Santo Domingo foi a ditadura militar, primeiro, de Toussaint Louverture, e mais tarde de Dessalines; a Revolução francesa de 1848 levou ao poder pessoal de Luís Bonaparte ou Napoleão III. A categoria de totalitarismo pode servir à análise comparada das práticas de governo a que se recorrem em situações de crise mais ou menos agudas. Mas, se nos esquecemos do caráter formal dessa categoria e a absolutizamos, corremos o risco de constituir uma família de irmãos gêmeos demasiadamente numerosa e heterogênea.
No que se refere ao período entre as duas grandes guerras mundiais do século XX, são inúmeras as crises que culminaram na instauração de uma ditadura pessoal. De fato, uma análise mais atenta permite observar que esse é o destino de quase todos os países da Europa continental. Os únicos que se preservaram foram os dois países de tipo insular mencionados por Hamilton. Mas inclusive esses países, a despeito de terem atrás de si uma sólida tradição liberal e de gozarem de uma situação geográfica e geopolítica particularmente favorável, viram a manifestação da tendência à personalização do poder, à acentuação do poder executivo sobre o legislativo, à restrição do rule of law: nos Estados Unidos, bastava uma ordem de F. D. Roosevelt para que os cidadãos estadunidenses de origem japonesa fossem presos num campo de concentração. Quer dizer, a análise das práticas de governo, na qual se funda a categoria de totalitarismo, acaba atacando, ou ao menos roçando, até mesmo os mais insuspeitos países.

  1. “Totalitarismo” e “autocracia absoluta de raça”

Das práticas de governo, desloquemos outra vez nossa atenção para os objetivos políticos. Também no que se refere à política interna, Hitler tem um olhar para o outro lado do Atlântico. Tanto o Mein Kampf quanto o Zweites Buch repetidamente alertam que, na Europa, a revelar-se inimigo jurado da civilização e da raça branca não é somente a Rússia soviética, que conclama os povos de cor a se insurgirem contra o domínio branco; não se pode esquecer o país que submeteu uma nação de raça branca como a Alemanha ao insulto da ocupação realizada por soldados de cor. É mister atentar também para o “abastardamento”, para a “negrização” (Vernegerung) ou “negrização geral” (allgemeine Verniggerung) que acontece na França ou, mais exatamente, “no Estado mulato euro-africano”, que àquela altura se estendia “do Reno ao Congo”[27]. Contrapõe-se a essa infâmia o exemplo positivo da “América do Norte”, onde os “germânicos, evitando a ‘mistura do sangue ariano com o de povos inferiores’ e o ‘insulto ao sangue’ (Blutschande), se mantiveram ‘racialmente puros e incontaminados’, de modo que podem exercer seu domínio em todo o continente”[28].
O regime da white supremacy vigente no Sul dos Estados Unidos já se tornara um modelo para a cultura reacionária que desembocou no nazismo. Em visita aos Estados Unidos no final do século XIX, Friedrich Ratzel, um dos grandes teóricos da geopolítica, traça um quadro bastante significativo: dissipada a fumaça da ideologia fiel ao princípio da “igualdade”, impõe-se a realidade da “aristocracia racial”, como demonstram os linchamentos dos negros, “a deportação e o aniquilamento dos índios” e as perseguições de que são alvo os imigrantes provenientes do Oriente. A situação criada nos Estados Unidos “evita a forma da escravidão, mas mantém a essência da subordinação, da hierarquização social com base na raça”. Verifica-se um “rompimento” em relação às ilusões caras aos abolicionistas e aos apoiadores da democracia multirracial dos anos da Reconstruction. Tudo isso – observa Ratzel com lucidez – provocará efeitos para além da República norte-americana: “Estamos apenas no início das consequências que esse rompimento provocará, mais na Europa do que na Ásia”. Posteriormente, também o vice-cônsul austro-húngaro em Chicago chama a atenção para a contrarrevolução que acontece nos Estados Unidos e para seu caráter benéfico e instrutivo. Nesse aspecto, a Europa revela seu grande atraso: aqui, o negro proveniente das colônias é acolhido na sociedade como uma “guloseima”: que diferença em relação ao comportamento do “americano tão orgulhoso da pureza da sua raça”, que evita o contato com os não brancos, entre os quais inclui até mesmo aqueles que têm “uma só gota de sangue negro”! Pois bem, “se a América pode ser de algum modo um exemplo para a Europa, ela o é na questão do negro” e da raça.
De fato, como previam os dois autores aqui citados, a contrarrevolução racista, que nos Estados Unidos dá cabo da democracia multirracial dos anos da Reconstrução, atravessa o Atlântico. Alfred Rosenberg celebra os Estados Unidos como um “esplêndido país do futuro”: restringindo a cidadania política aos brancos e sancionando em todos os níveis e com todos os meios a white supremacy, os Estados Unidos tiveram o mérito de formular a feliz “nova ideia de um Estado racial”. Sim: “A questão negra está no topo de todas as questões decisivas”; e uma vez que o absurdo princípio da igualdade seja cancelado para os negros, não haverá razão para não se trazer “as consequências necessárias também para os amarelos e os judeus”[29].
Trata-se de uma declaração estarrecedora apenas à primeira vista. No começo do século XX, nos anos que precederam a formação do movimento nazista na Alemanha, a ideologia dominante no Sul dos Estados Unidos era expressa pelos chamados “Jubileus da supremacia branca”, nos quais marchavam homens armados e uniformizados, inspirados pela denominada “profissão de fé racial do povo do Sul”. Essa ideologia era formulada da seguinte maneira:

1) “O sangue dirá”; 2) a raça branca deve dominar; 3) os povos teutônicos declaram-se pela pureza da raça; 4) o negro é um ser inferior e permanecerá como tal; 5) “Este país é do homem branco”; 6) Nenhuma igualdade social; 7) Nenhuma igualdade política […]; 10) Transmitir-se-á ao negro aquela profissão que melhor se adeque a fazê-lo servir ao homem branco […]; 14) O homem branco de condição mais baixa deve ser considerado superior ao negro de condição mais alta; 15) As declarações acima indicam as diretrizes da Providência[30].

Não há dúvida de que estamos nas margens do nazismo. Tanto é verdade que no Sul dos Estados Unidos os que professavam esse catecismo eram militantes que explicitamente declaravam estar prontos para “mandar para o inferno” a Constituição, além de bradar, na teoria e na prática, a absoluta “superioridade do ariano”, bem como dispostos a impedir “a perigosa, nefasta ameaça nacional” representada pelos negros. Se – observam isoladas vozes críticas –, aterrorizados como estão, “os negros não podem fazer mal” a ninguém, isso não impede que grupos racistas estejam prontos para “matá-los e exterminá-los da face da terra”; são decisões que instauram “uma autocracia absoluta de raça”, com a “absoluta identificação da raça mais forte com a própria essência do Estado”[31].
Para definir o Terceiro Reich, é mais adequada a categoria de “totalitarismo” (que compara Hitler a Stálin) ou a de “autocracia absoluta de raça” (que remete ao regime da white supremacy  ainda em vigor no Sul dos Estados Unidos quando do advento do poder nazista na Alemanha)? É certo que não se pode compreender adequadamente o dicionário nazista se limitamos nosso olhar à Alemanha. O que é a Blutschande, contra a qual o Mein Kampf alertava, se não a miscigenação denunciada inclusive pelos líderes da white supremacy? Até mesmo a palavra-chave da ideologia nazista, Untermensch, é a tradução do Under Man americano! Quem nos lembra disso, em 1930, é Rosenberg, que expressa sua admiração pelo autor estadunidense Lothrop Stoddard: atribui a ele o mérito de ter sido o primeiro a cunhar o termo em questão, que se destaca no subtítulo (The Menace of the Under Man) de um livro que ele publica em Nova York em 1922, bem como em sua versão alemã (Die Drohung des Untermenschen), publicado em Munique três anos mais tarde[32]. É o Under Man ou Untermensch quem ameaça a civilização e é para espantar tal perigo que se impõe a “autocracia absolutista de raça”! Se fizermos uso dessa categoria mais do que daquela de totalitarismo, consideraremos irmãos gêmeos não Stálin e Hitler, mas sim os supremacistas brancos do Sul dos Estados Unidos e os nazistas alemães. Tanto em relação a uns quanto aos outros, a antítese é Stálin, que não por acaso foi algumas vezes considerado pelos militantes afro-americanos o “novo Lincoln”[33].

  1. Duas guerras pelo restabelecimento do domínio colonialista e escravista

Bem, ainda falta explicar o pacto Molotov-Ribbentrop. A União Soviética não foi a primeira a tentar um acordo com o Terceiro Reich, mas a última. Neste ponto, enquanto filósofo que, através da análise das categorias políticas, procede com uma comparação histórica, gostaria de fazer uma consideração distinta. Quase um século e meio antes da guerra desencadeada por Hitler a fim de subjugar e escravizar os povos da Europa oriental, houve outra grande guerra cujo objetivo, num contexto histórico evidentemente diferente, era o restabelecimento do domínio colonial e da escravidão. Refiro-me à expedição, ordenada por Napoleão e confiada a seu cunhado, Charles Leclerc, contra Santo Domingo, ilha governada pelo líder da vitoriosa revolução dos escravos negros, Toussaint Louverture. Mesmo depois de 29 de agosto de 1793, dia em que L. F. Sonthonax, representante da França revolucionária, proclamou a abolição da escravidão na ilha, Louverture continuou combatendo ao lado da Espanha; porque desconfiava da França, por muito tempo o líder negro continuou a colaborar com um país do Antigo Regime, escravista e empenhado na guerra contra a República jacobina e o poder abolicionista que se empossara em Santo Domingo. Ainda em 1799, a fim de salvar o país que dirigia do iminente colapso econômico, Louverture estreitou relações comerciais com a Grã-Bretanha, país em guerra contra a França e cuja eventual vitória traria consequências bastante negativas para a causa do abolicionismo[34]. Mesmo assim, Toussaint Louverture permanece como o grande protagonista da revolução anticolonialista e antiescravista e como antagonista de Leclerc (e de Napoleão). Não obstante a completa mudança no quadro histórico que se verifica cerca de um século e meio depois, não há nenhuma motivo para procedermos diferentemente com Stálin: as reviravoltas do processo histórico não devem nos fazer perder de vista o essencial.
Ainda antes da invasão francesa, e prevendo-a, Toussaint Louverture impunha uma férrea ditadura produtivista e reprimia com mão de ferro quem desafiasse seu poder; posteriormente, a chegada a Santo Domingo das tropas francesas dirigidas por Leclerc foi o início de um conflito que se tornou uma guerra de aniquilamento de ambas as partes. O que podemos dizer sobre uma leitura que compara Louverture e Leclerc à luz da categoria de “totalitarismo”, contrapondo os dois aos dirigentes liberais e democráticos dos Estados Unidos? Por um lado, essa categorização seria banal: é óbvio o horror implícito num conflito que se configura como guerra racial. Por outro lado, essa leitura seria um tanto quanto mistificadora: colocaria num mesmo plano antiescravistas e escravistas, e omitiria o fato de que estes últimos encontravam inspiração e apoio nos Estados Unidos, onde a escravidão dos negros vigia em seu esplendor. A categoria de totalitarismo não se torna mais persuasiva se a utilizamos como única chave de leitura do gigantesco conflito entre revolução anticolonial e contrarrevolução colonialista e escravista que ocorreu na primeira metade do século XX. É evidente que se trata de um capítulo da história que merece aprofundamento e que ainda não pode evitar interpretações controversas. Mas não há motivos para transformar em irmãos gêmeos dois inimigos mortais.

*Domenico Losurdo é professor de História da Filosofia na Universidade de Urbino, doutorou-se com uma tese sobre Karl Rosenkranz. Tem publicadas em português, entre outras, as seguintes obras: Democracia ou bonapartismo (Unesp, 2004); Contra-história do liberalismo (Idéias & Letras, 2006); Liberalismo: entre civilização e barbárie (Anita Garibaldi, 2006) e Nietzsche, o rebelde aristocrata (Revan, 2009).

Este artigo foi retirado do livro 1917: o ano que abalou o mundo, da Editora Boitempo e Edições Sesc São Paulo, que será lançado em evento homônimo que ocorre entre 26 e 29 de setembro, no Sesc Pinheiros, que contará com a presença do autor. O evento está sendo organizado pela Boitempo e pelo Sesc. Mais informações em: www.revolucaorussa.com.br.

Tradução: Diego Silveir


[1] Dinanath G. Tendulkar, Mahatma. Life of Mohandas Karamchand Gandhi, v. 7 (Nova Déli, Division, 1990), p. 210.
[2] Mahatma K. Gandhi, The Collected Works of Mahatma Gandhi, v. 80 e 86 (Nova Déli, Division/Ministry of Information and Broadcasting of India, 1969-2001), p. 200 e 223.
[3] Cyril L. R. James, I Giacobini Neri. La prima rivolta contro l’uomo bianco [1963] (trad. R. Petrillo, Milão, Feltrinelli, 1968),  p. 327 [ed. bras.: Os jacobinos negros: Toussaint Louverture e a revolução de São Domingo, São Paulo, Boitempo, 2000].
[4] Michel Guglielmo Torri, Storia dell’India (Roma/Bari, Laterza, 2000), p. 598.
[5] Madhusree Mukerjee, Churchill’s Secret War: The British Empire and the Ravaging of India during World War II (Nova York, Basic Books, 2010), p. 78 e 247.
[6] Alcide De Gasperi, “La democrazia cristiana e il momento politico” [1944], em Tommaso Bozza (org.) Discorsi politici (Roma, Cinque Lune, 1956), p. 15-6.
[7] George M. Fredrickson, Breve storia del razzismo (trad. A. Merlino, Roma, Donzelli, 2002), p. 8.
[8] Adolf Hitler, citado em Max Domarus (org.), Reden und Proklamationen, 1932-1945 (Munique, Süddeutscher, 1965), p. 75-7.
[9] Cf. Domenico Losurdo, Il revisionismo storico. Problemi e miti (Roma/Bari, Laterza, 1996), cap. IV, § 6 [ed. bras.: Guerra e revolução: o mundo um século após outubro de 1917, São Paulo Boitempo, 2017].
[10] Peter Longerich, Heinrich Himmler: Biographie (Munique, Siedler, 2008), p. 66.
[11] Cf. Ernst Piper, Alfred Rosenberg. Hitlers Chef Ideologie (Munique, Blessing, 2005), p. 299 e 160.
[12] Joseph Goebbels, Tagebücher (org. R. G. Reuth, Munique/Zurique, Piper, 1992), p. 1.747-8.
[13] Oswald Spengler, Jahreder Entscheidung (Munique, Beck, 1933), p. 150.
[14] Cf. Adolf Hitler, Mein Kampf [1925-1927] (Munique, Zentral verlag der NSDAP, 1939), p. 153-4.
[15] Idem, citado em Werner Jochmann (org.), Monologe im Führerhauptquartie,r 1941-1944 (Hamburgo, Albrecht Knaus, 1980), p. 377 e 334 (conversações de 30 e 8 ago. 1942).
[16] Cf. Heinrich Himmler, citado em Bradley F. Smithe e Agnes F. Peterson, Geheimreden 1933 bis 1945 (Berlim, Propyläen, 1974), p. 156 e 159.
[17] Cf. Josef Stálin, Werke, v. 3 (Hamburgo, Roter Morgen, 1971-1976), p. 127 e 269.
[18] Ibidem, v. 4, p. 252; cf. Domenico Losurdo, Il revisionismo storico, cit., p. 52-3.
[19] David Olusoga e Casper W. Erichsen, The Kaiser’s Holocaust. Germany’s Forgotten Genocide (Londres, Faberand Faber, 2011), p. 327.
[20] Adolf Hitler, citado em Max Domarus (org.), Reden und Proklamationen, cit.. Vejam-se sobretudo os discursos de 22 ago. 1939, de 28 set. 1940, de 30 mar. 1941 e de 8 nov. 1941.
[21] Georgi Dimitrov, citado em Silvio Pons (org.), Diario. Gli anni di Mosca (1934-1945) (Turim, Einaudi, 2002), p. 81.
[22] Josef Stálin, Werke, cit., v. 5, p. 31 e 42.
[23] Ibidem, v. 9, p. 305-11 e v. 10, p. 60-1.
[24] Adolf Hitler, Mein Kampf, cit., p. 82 e p. 428-9.
[25] Adolf Hitler, citado em Gerhard L. Weinberg (org.), Hitlers Zweites Buch. Ein Dokument aus dem Jahre 1928 (Stuttgart, Deutsche Verlags-Anstalt, 1961), p. 131-2.
[26] Alexander Hamilton, “The Consequences of Hostilities between the States from the New Yor Packet”, The Federalist Papers, Nova York, n. 8, 20 nov. 1787.
[27]  Adolf Hitler, citado em Gerhard L. Weinberg (org.), Hitlers Zweites Buch, cit., p. 152; idem, Mein Kampf, cit., p. 730.
[28] Idem, Mein Kampf, cit., p. 313-4.
[29] Alfred Rosenberg, Der Mythus des 20. Jahrhunderts [1930] (Munique, Hoheneichen, 1937), p. 673 e 668-99.
[30] Comer Vann Woodward, Origins of the New South 1877-1913 [1951] (Louisiana, Louisiana State University Press, 2013), p. 330 e p. 334-5.
[31] Ibidem, p. 332.
[32] Sobre Ratzel, o vice-cônsul em Chicago e Stoddard, ver Domenico Losurdo, “White Supremacy und Konterrevolution, die Vereinigten Staaten, das Russland, der ‘Weissen’ und das Dritte Reich”, em Christoph J. Bauer et al. (orgs.), Faschismus und soziale Ungleichheit (Duisburg, Universitäts verlag Rhein-Ruhr, 2007), p. 164-5 e 159.
[33] Cyril L. R. James, I Giacobini Neri, cit., p. 118 e p. 200.
[34] Idem.

Charge!Nani via Folha de São Paulo

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Publicado há 65 anos, "O velho e o mar" foi redenção literária de Hemingway


Publicado há 65 anos, ‘O velho e o mar’ foi redenção literária de Hemingway
Ernest Hemingway em Cojimar Harbor, Cuba, em 1952 (Alfred Eisenstaedt/Time Life Pictures/Getty Images)26


Em 1950, Ernest Hemingway era considerado pela crítica um escritor “acabado”. Morando em Cuba há dez anos, não publicava nada desde seu último romance de sucesso, Por quem os sinos dobram (1940). Uma década mais tarde, seu retorno literário com Na outra margem, entre as árvores (1950) foi mal recebida pelo público e pela crítica.
As constatações de que se tratava de um romance muito emocional, estático e sem a precisão estilística característica de Hemingway magoaram o autor, que então se dedicou a escrever sua “obra-prima”. No ano seguinte, junto com os originais de O velho e o mar (1952), ele enviou um bilhete ao seu editor, em que dizia: “Eu sei que isso é o melhor que posso escrever na minha vida toda”.
Hemingway não estava enganado. Publicado há 65 anos, no dia 1º de setembro de 1952, O velho e o mar garantiu o Pulitzer ao autor em 1953 e, no ano seguinte, o Prêmio Nobel de Literatura. “É um consenso crítico que O velho e o mar pode ter sido o ‘canto do cisne’ de Hemingway, sua obra-prima depois de um longo período sem boas recepções”, afirma Daniel Puglia, professor do Departamento de Língua Inglesa da USP.
Último romance do autor publicado em vida, a narrativa é centrada na história de Santiago, um velho pescador cubano. Após 84 dias sem conseguir uma presa, mas instado por um jovem companheiro a continuar tentando, o velho pesca um descomunal peixe Marlim de quase 700 quilos. Depois de horas de luta, Santiago consegue atracar a pesca em seu barco e parte para a costa cubana. Ao chegar em terra, constata que o peixe fora devorado no trajeto, sobrando apenas sua carcaça.
Apesar da brevidade narrativa, a história do velho Santiago tem sido interpretada como uma metáfora do processo artístico do autor e, em última instância, da própria condição humana. “A obra é vista como uma alegoria da dificuldade de alcançar o almejado, o sonho do que seria uma grande obra, reconhecida pelos outros”, afirma Puglia. “Ao mesmo tempo, é uma realização cheia de dor, cheia de pavor, de percalços, do medo de chegar na praia e só encontrar o esqueleto da obra”.

Hemingway posa com um Marlin em Havana Harbor, Cuba, em julho de 1934 ( John F. Kennedy Presidential Library and Museum/Ernest Hemingway Collection)
Hemingway posa com um Marlin em Havana Harbor, Cuba, em julho de 1934 (John F. Kennedy Presidential Library and Museum/Ernest Hemingway Collection)

No plano existencial, O velho e o mar seria uma metáfora de uma vida de riscos, de investimentos que, no final, resultam em solidão ao lado de uma carcaça sem valor. Para o tradutor e doutor em linguística pela USP Caetano Galindo, trata-se de um texto no qual “cabe de fato um mar, um sem fim de possibilidades e sentimentos em torno de uma história simples, direta”. O próprio Hemingway, no entanto, negava essas interpretações alegóricas. “O mar é o mar. O velho é um velho. Todo simbolismo do qual as pessoas falam é besteira”, escreveu em uma carta ao crítico Bernard Berenson.
Independentemente de simbolismo, as relações autobiográficas contidas no livro são latentes: Santiago provavelmente foi inspirado em Gregorio Fuentes, amigo do autor e capitão do seu barco de pesca, Pilar. Como o personagem, o companheiro de pesca do escritor era experiente, magro, tinha olhos azuis e nasceu nas Ilhas Canárias.
Nesse sentido, é possível que O velho e o mar reflita os últimos anos de vida de Hemingway, marcados pela paixão que nutria por Cuba: o autor de O sol também se levanta (1926) mudou-se para uma fazenda a 25km de Havana em 1939, com a terceira esposa, a jornalista e escritora Martha Gellhorn, e os 12 gatos do casal. Escalado para cobrir a Segunda Guerra Mundial, ele passou metade da década de 1940 vivendo na Europa, mas voltou à ilha em 1946, dessa vez com a sua quarta esposa Mary Welsh, também jornalista e escritora.
Lá viveram até 1959, quando a eclosão da Guerra Fria e o rompimento entre Cuba e Estados Unidos obrigaram a família do escritor a se mudar para seu país de origem. Em entrevista ao The New York Times em 1999, o filho do escritor, Patrick Hemingway, relatou que deixar Cuba foi um dos motivos da depressão do pai, que culminou em seu suicídio em 1961.
A influência de Cuba em Hemingway não foi menor que a do escritor na ilha. Seus livros são vendidos em lojas oficiais do governo, seu nome batiza drinks, sua fazenda se tornou um museu e os descendentes do velho Fuentes costumam levar turistas para passear no antigo barco do autor.
Para além dos aspectos biográficos e alegóricos, a obra ainda guarda uma grande atualidade, na opinião do escritor, jornalista e crítico literário José Castello. “O romance trata da solidão – e, apesar da alta tecnologia que nos conecta, nunca estivemos tão sozinhos. Trata de uma luta desesperada. Num tempo de guerras, êxodos forçados e ameaças atômicas, também o desespero exige de nós uma grande abnegação”, afirma. “Trata, enfim, da experiência da derrota, e num país que se desmonta, num mundo que parece prestes a explodir, poucas vezes nos sentimos tão vencidos.”

(Publicado originalmente no site da revista Cult)

Charge! Benett via Folha de São Paulo

Benett

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Charge! Renato Aroeira

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Casos como o "Queermuseu" devem ser tratados como desafios educacionais, diz crítico de arte

                                           


Casos como o ‘Queermuseu’ devem ser tratados como desafios educacionais, diz crítico de arte
‘Cruzando Jesus Cristo com Deusa Schiva', de Fernando Baril, 1996; obra estava em exposição na mostra ‘Queermuseu’ (Divulgação)





Quase um mês antes do seu encerramento oficial, a exposição Queermuseu – Cartografias da diferença na arte brasileira, do Santander Cultural de Porto Alegre, foi cancelada depois de receber acusações de apologia à pedofilia e à zoofilia. Com curadoria de Gaudêncio Fidelis, a mostra tinha a intenção de debater temas como direitos LGBT, racismo e violência religiosa.
A seleção trazia 270 obras de 85 artistas como Lygia Clark, Leonilson, Portinari e Adriana Varejão, e estava à mostra desde 14 de agosto. No último final de semana, vídeos de trabalhos considerados ofensivos viralizaram nas redes sociais, levando a ataques virtuais – e físicos – incentivados pelo Movimento Brasil Livre (MBL). Uma agência do Santander foi pichada com a frase “Banco Santander apoia a pedofilia”.
As ações levaram ao fechamento da exposição pelo Santander Cultural. Em nota, o banco pediu desculpas “a todos aqueles que enxergaram o desrespeito a símbolos e crenças na exposição Queermuseu” e afirmaram reconhecer que “infelizmente a mostra foi considerada ofensiva por algumas pessoas e grupos”.
Sobre o assunto, a CULT conversou com o crítico de arte Luiz Camillo Osorio, ex-curador do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, que já enfrentou uma situação semelhante em 2011. Atual Diretor do Departamento de Filosofia da PUC-Rio e especializado na área de Estética e Filosofia da Arte, Osorio fala sobre a arte como expressão do que é tabu, sobre as razões do incômodo causado pelas obras do Queermuseu e sobre os cuidados que as instituições privadas deveriam ter quando lidam com cultura – especialmente aquelas amparadas pela Lei Rouanet.
“‘A’, Not ‘I’”, de Cibelle Cavalli Bastos, 2016
‘A’, Not ‘I’, de Cibelle Cavalli Bastos, 2016; obra estava em exposição na mostra ‘Queermuseu’ (Divulgação)
CULT – Considera censura o que aconteceu com a exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira?
Luiz Camillo Osorio – Acho que fechar uma exposição por conta de protestos sobre o conteúdo das obras é um ato extremo e uma forma de censura. Especialmente neste caso, em que questões relacionadas a gênero e sexualidade estavam sendo trabalhadas pela curadoria. É parte do papel da arte abrir debates sobre formas não canonizadas de comportamento e as instituições devem tomar estas situações como desafios educacionais. Para isso, em vez de fechar a exposição, [o banco] deveria assumir e convocar o dissenso, abrir o debate com as várias vozes e os diferentes tipos de abordagem das questões que estão em foco. Fazer isso com respeito às sensibilidades mais tradicionais. A liberdade de expressão é um princípio constitucional. As instituições culturais deveriam ser as primeiras a lutar por isso e buscar ouvir as vozes discordantes.   
Historicamente, casos semelhantes são comuns. Um exemplo famoso é a exposição dos artistas “degenerados”, durante o nazismo na Alemanha de mais de 70 anos atrás. Acha que existe o perigo de um retrocesso tão grande a ponto de a arte se perder, especialmente no contexto de desvalorização da cultura que vivemos atualmente?
Não acho este exemplo bom pois é um outro contexto e uma situação bastante diferente. Eu aproximaria este caso da exposição da Nan Goldin [em 2011] que, antes da abertura, a Oi Futuro decidiu que seria impróprio para seus visitantes (e clientes). Esta exposição acabou indo para o MAM-Rio. Na época, eu era o curador do MAM e ao abrir a exposição recebemos um oficial de justiça com um processo pedindo o fechamento por crime de pedofilia. Conseguimos manter a exposição e a justiça acabou arquivando o processo, garantindo ao museu o direito de manter a exposição.
O que marcou neste caso? Algo pode ser aprendido e reaplicado na questão do Queermuseu?
No arrazoado muito bem feito pelo Procurador encaminhando o arquivamento, ele indica algo que me parece fundamental neste debate jurídico: “A maior demostração de amadurecimento institucional, em uma sociedade democrática e plural, é acomodar as divergências numa moldura de tolerância e reconhecimento da diversidade, até porque o dissenso depende da liberdade tanto quanto a concordância”. Este parecer da Justiça em defesa do museu e da exposição da Nan Goldin deveria servir como jurisprudência em casos de arbitrariedade institucional como a que estamos vendo agora.
‘Is a feeling’, de Cibelle Cavalli Bastos, 2013
‘Is a feeling’, de Cibelle Cavalli Bastos, 2013; obra estava em exposição na mostra ‘Queermuseu’ (Divulgação)
É benéfico que um banco abra espaço para uma exposição de arte como a Queermuseu
Um banco investir em uma exposição como esta acho ótimo. O problema é fechar por conta de pressão conservadora. Também acho preocupante que o Estado esteja investindo menos em cultura. Além disso, acho também muito preocupante que o Ministério da Educação esteja inibindo o debate sobre educação sexual nas escolas. Este debate é fundamental para a cidadania e para a pluralidade democrática.
A exposição, embora tenha sido fechada, captou R$ 850 mil via Lei Rouanet. Como vê isso?
Situações como esta evidenciam que centros culturais, mesmo quando bancados por empresas privadas, se recebem apoio via Lei Rouanet e renúncia fiscal, deveriam ter mais cuidado antes de fechar uma exposição e abrir um debate público mais plural e não apenas decidir segundo suas diretrizes de marketing. O centro poderia não ter aceito o projeto, mas fechar uma exposição parece-me uma violência à liberdade de expressão.
Há quem diga que a arte contemporânea pode parecer hermética, inacessível para a maior parte do público. Essa percepção favorece acontecimentos como esse? 
Não acho que haja esta relação. Se a arte fosse mesmo tão hermética, pelo contrário, não incomodaria tanto. Se incomoda a ponto de fecharem arbitrariamente a exposição, é porque a arte toca em pontos delicados e que ficam represados como tabus. No século 21, fechar uma exposição por conta de questões de sexualidade é um retrocesso. Até a novela da Globo fala de transgêneros e de comportamentos sexuais não convencionais – o que é saudável para abrir o debate, falar do que tem que ser falado e desreprimir a expressão da sexualidade. Censurar uma exposição alimenta uma cultura de violência – que é retrato de uma época que dá as costas ao processo civilizatório que vem desde a década de 1960 buscando incluir e dar voz às minorias.
Há como evitar ou prevenir esse tipo de censura? 
Seria o caso de pressionar para que o centro volte atrás e que, em vez de censurar a exposição, abram o debate dentro dela – convidem educadores, sociólogos, psicólogos, psicanalistas, advogados, artistas, curadores, o cidadão em geral para discutir os assuntos mais delicados que estão em exposição. Afinal, uma exposição é para expor, e expor é abrir-se, abrir-se ao debate, ao conflito, à pluralidade e ao respeito às diferenças.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Bem-vindos, leitores canadenses!

Os canadenses nunca estiveram entre os nossos leitores mais regulares. Este quadro, no entanto, vem sendo alterado nos últimos dias, sobretudo com a leitura, por parte dos estimados leitores canadenses, de postagens nossas mais relacionadas à defesa do meio-ambiente, notadamente os editoriais, como aquele que denunciou o massacre de trabalhadores rurais de Pau D'Árco, no Pará, assim como aquele que tratava da privatização das águas do Rio São Francisco, ambos inseridos num contexto de uma nítida agenda regressiva hoje adotada no país, tendo como objetivo o desmonte do Estado, incluindo aqui, inclusive, seus ativos ambientais. 

Já comentei aqui com vocês que este blog possui ainda alguns grandes desafios, como a penetração em países de língua espanhola, embora, nos últimos dias, tenhamos registrados a presença de leitores de países como a Argentina, o México, a Colômbia, o Equador e a Espanha. A anarquista Ucrânia é que nos tem honrado com uma leitura frequente de nossas postagens. No continente africano, ainda continuamos com um ilustre desconhecido. Mas isso será por pouco tempo. 

O editor.


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quarta-feira, 13 de setembro de 2017

O xadrez político das eleições estaduais de 2018, em Pernambuco: Um imbróglio chamado Fernando Bezerra Coelho

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José Luiz Gomes da Silva

Cientista Político



No dia de ontem,12,  o Deputado Federal Jarbas Vasconcelos(PMDB-PE ocupou a tribuna da Câmara dos Deputados para fazer um duro pronunciamento acerca da atabalhoada entrada do senador Fernando Bezerra Coelho no PMDB pernambucano, naquilo que poderia ser traduzido como uma intervenção da Executiva Nacional no Diretório Regional, comandado pelo vice-governador Raul Henry(PMDB-PE), um afilhado político de Jarbas. Até bem pouco tempo, as especulações em torno de um possível ingresso do senador no PMDB estava sendo muito bem administrada pelos peemedebistas pernambucanos, que já pensavam em inclui-lo na lista de convidados para o próximo "Cozido". Tanto Jarbas quanto Raul estavam dispostos a abrirem um diálogo nesta direção com o senador Fernando Bezerra Coelho, a quem elogiaram de público. 

 
O problema se deu nessa transição, acertada em Brasília, com a cúpula do partido, que, praticamente, dissolveu o Diretório Regional, entregando a legenda ao senador, com o propósito de que ele candidate-se ao Governo do Estado nas próximas eleições, previstas para 2018. O fato deixou os peemedebistas pernambucanos enfurecidos, dispostos a tomarem todas as medidas cabíveis no sentido de barrar a entrada do senador no grêmio partidário. O imbróglio está formado. O "acerto Jucá" não deixou apenas descontentes os peemedebistas pernambucanos, mas parece que repercutiu entre parlamentares da legenda de outros Estados, que teriam manifestado solidariedade ao discurso de Jarbas, assim como às tratativas de Raul Henry com a Executiva Nacional do partido. Estuda-se a possibilidade de se recorrer à justiça, no sentido de barrar a manobra. Há jurisprudência a esse respeito, mas sabe-se que a justiça costuma imiscuir-se dessas brigas intestinas dos grêmios partidários. 


Os adjetivos utilizados para qualificar a atitude do senador, em alguns casos, são até impublicáveis, mas traidor e oportunista são recorrentes. O apoio a FBC está concentrado em Brasília. Aqui na província, até peemedebistas de seu reduto político, a cidade de Petrolina, se mostraram insatisfeitos com esta manobra. Difícil saber como este impasse será equacionado, uma vez que a Executiva Nacional do partido tem planos para o senador. Aliás, a manobra integra um projeto maior, como a construção das bases para uma candidatura peemedebista nas eleições presidenciais de 2022, conforme observou Jucá durante a cerimônia de filiação do senador. O problema, como diria o craque garrincha, é que isso precisaria ser combinado com o Diretório Regional, hoje aliado ao Palácio do Campo das Princesas, engajado no projeto de reeleição do governador Paulo Câmara(PSB). 

Fernando Bezerra Coelho está num equilíbrio bastante instável, pois recebe rebordosas de ambos os lados. Dos ex-companheiros socialistas e dos ainda improváveis futuros companheiros peemedebistas, onde ele passou a ostentar uma alta taxa de rejeição depois das últimas atitudes, consideradas como  de corte autoritário. Em sua fala, o deputado Jarbas Vasconcelos voltou a invocar aquele PMDB de tempos idos, das lutas pela redemocratização do país, do qual ele é um dos fundadores. Este é um legado que até mesmo os maiores críticos da legenda não podem negar. Ao longo dos anos, porém, o partido descaracterizou-se completamente. Hoje a Polícia Federal investiga uma espécie de "Quadrilhão Peemedebista". Já pensaram? Nessa onda de desgaste dos grêmios partidários, a primeira coisa que vem à mente dos reformuladores é retirar exatamente o "P".É... talvez fosse mesmo o caso de mudar essa letrinha.

O PMDB, na realidade, é uma federação de partidos regionais, comandados por lideranças em cada Estado da Federação. Em Alagoas ele é o PMDB do senador Renan Calheiros; No Pará, o PMDB de Jáder Barbalho; No Maranhão, o PMDB dos Sarney; em Pernambuco, o PMDB de Jarbas Vasconcelos. Aqui e ali eles convergem em alguns pontos, mas divergências, até então, não eram toleradas, sem punição. Neste sentido, o que nos parece é que as motivações da cúpula nacional da legenda não foram no sentido de aplicar alguma punição ao ex-governador Jarbas Vasconcelos, mas engrenar uma estratégia política de olho, de fato, nas eleições presidenciais de 2022. Mataram dois coelhos(ops!) de uma cajadada só, é verdade, mas a prioridade seria, de fato, a perspectiva de poder do partido a médio prazo. Vamos aguardar qual será a solução para este imbróglio, mas a situação do senador FBC ficou bastante complicada num cenário como este. 

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Drops político para reflexão: Onde erramos?




"Alguém comentou que, nos momentos de descontração com os amigos - aqueles verdadeiros "amigos", registre-se - o ex-ministro José Dirceu, entre uma taça e outra de vinho, costuma perguntar onde erramos, numa referência ao período em que o PT ocupou o Palácio do Planalto. O PT cometeu vários equívocos e um deles foi essa malfadada conciliação de classes, que Lula, erroneamente, tenta reeditar em suas caravanas pela região Nordeste. O PT governou com próceres representantes dessas elites - ligadas ao capital e à política - não mexendo nos seus privilégios históricos, a despeito das concessões ao andar de baixo da pirâmide social. Nesse jogo - quase sempre de soma zero - vão sempre prevalecer os interesses dessas elites. O campo de luta de esquerda precisa ser repensado, reavaliado, no sentido de que não sejam cometidos os mesmos equívocos do passado, que permitiram que as forças do campo conservador retomassem o controle do processo político e aplicassem medidas até mais drásticas do que as adotadas em outros períodos nebulosos da vida política do país, como a erosão dos direitos sociais e trabalhistas; o massacre de índios e assentados; a agressão violenta ao meio-ambiente, em nome dos interesses do agronegócio, patrocinados pelo apoio da bancada ruralista ao governo"

(José Luiz Gomes, cientista político, em editorial publicado aqui no blog)  

Polícia investiga massacre de índios isolados, enquanto ruralistas avançam sobre a Amazônia

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Thomás Chiaverini
Um genocídio pode estar em curso no país, sem que a maioria dos brasileiros sequer tome conhecimento. Desde terça-feira (29), a Polícia Federal, a pedido do Ministério Público do Amazonas, está investigando o massacre de cerca de 20 índios isolados, pertencentes a um grupo conhecido como Warikama Djapar.
Atualmente uma expedição da Funai está na terra indígena Vale do Javari – a segunda maior do país – e vai tentar confirmar as mortes. Elas teriam acontecido no começo do ano e há indícios de que não tenham sido as primeiras.
Segundo o coordenador técnico da Funai em Eirunepé, Arquimimo do Amaral Silva, há cerca de dois anos índios encontraram ossadas humanas perto da área do suposto massacre. A instituição começou a investigar, mas o processo não foi adiante, por falta de recursos. Ainda segundo Silva, a suspeita é de que esses grupos tenham sido vítimas de um bando de caçadores que vive e atua na região.

Área do tamanho de Portugal

O território do Vale do Javari, no oeste do Amazonas, é do tamanho de Portugal. Tem a maior concentração de povos isolados do mundo, muitos deles com línguas e culturas ainda desconhecidos do restante da civilização. Apesar disso, a área está praticamente abandonada pelo poder público, conta com apenas dez agentes da Funai e vive conflitos constantes.
Uma situação que, a depender do governo Temer, refém da bancada ruralista, tende a piorar. Para o ex-presidente da Funai Antônio Fernandes Toninho Costa, exonerado em maio por não concordar com a contratação de 25 cupinchas do agronegócio, nossos políticos querem acabar com a fundação. O que não é muito diferente de dizer que querem acabar com os índios.
(Publicado originalmente no site do Intercept Brasil)

Quem foi Mary Wollstonecraft, autora de um dos documentos fundadores do feminismo


Quem foi Mary Wollstonecraft, autora de um dos documentos fundadores do feminismo
Retrato de Mary Wollstonecraft sobre obra 'Liberdade guiando o povo', de Eugène Delacroix (Arte Revista CULT)



Mary Wollstonecraft entrou para a história como mãe de Mary Shelley, a célebre autora de Frankestein. Mas essa não foi sua única marca histórica. Ainda no século 18, a filósofa produziu registros históricos da Revolução Francesa, publicou comentários políticos que respondiam a pensadores homens, escreveu romances e livros infantis que questionavam a ordem sexual e de gênero, além de defender os direitos das mulheres à educação e à igualdade no casamento. Hoje, 220 anos após sua morte, Wollstonecraft é celebrada principalmente como uma das fundadoras do feminismo.
Mais de um século antes de Simone de Beauvoir, Wollstonecraft já elaborava os primeiros pensamentos sobre a opressão estrutural das mulheres e suas raízes. “Desafortunada é a situação das fêmeas, educadas de acordo com a moda, mas deixadas sem fortuna alguma”, escreveu ela, em 1787, no livro Thoughts on the Education of Daughters (“pensamentos sobre a educação das filhas”) – um dos primeiros, senão o primeiro escrito em que uma mulher abordava a situação feminina na Europa.
Desde então, Wollstonecraft defendeu que elas deveriam ter o mesmo direito à educação que os homens, que não estudassem apenas para se tornarem “esposas ideais”. Em A reivindicação dos direitos das mulheres (1792), publicado no Brasil pela Boitempo, escreveu: “É assim, por exemplo, que a demanda por educação tem por objetivo exclusivo permitir o livre desenvolvimento da mulher como ser racional, fortalecendo a virtude por meio do exercício da razão e tornando-a plenamente independente”.
Nascida em Spitalfields, na Inglaterra, em 1759, Wollstonecraft era a segunda de sete filhos de uma família rica que empobreceu e faliu ao longo do tempo. Para se sustentar – e ajudar a mãe e as irmãs a sobreviverem ao pai alcoólatra e violento -, trabalhou como governanta em casas de famílias abastadas, de onde tirou grande parte de suas observações sobre a educação deficitária das mulheres da época. Em cima dessas experiências, publicou os romances Mary: A Fiction (1788), Original Stories from Real Life (1788) e o póstumo The Wrongs of Woman, or Maria (1798).
Frontespício gravado por William Blake e página inicial da edição de ‘Uma reivindicação pelos direitos da mulher’, 1791 (Reprodução)
Frontispício de ‘Uma reivindicação pelos direitos da mulher’, por William Blake, e página inicial da edição de 1792 (Reprodução)
Incomodada principalmente com a falta de opções de carreiras para mulheres no campo, Wollstonecraft se mudou para Londres, onde aprendeu sozinha a falar alemão e francês, passando a trabalhar como tradutora e resenhista no periódico Analytical review, de Joseph Johnson. Começou a frequentar jantares na casa do novo chefe, onde entrou em contato com iluministas como o político Thomas Paine, o filósofo William Godwin e o artista Henry Fuseli. Ali, debatia de igual para igual sobre política e literatura, por exemplo, tendo sempre como foco o principal acontecimento da época, a Revolução Francesa.
Integrada ao ambiente urbano e politizado de Londres, Wollstonecraft se tornou defensora ferrenha da igualdade, da liberdade e da fraternidade, conceitos que emanavam da França pós-revolucionária. Em 1790, leu as críticas à revolução do conservador Edward Burke, publicadas sob o título Reflexões sobre a Revolução na França, e, enfurecida, escreveu uma rápida resposta, inicialmente publicada de forma anônima.
Intitulado “A reivindicação dos direitos dos homens”, o texto defendia a revolução como uma “chance gloriosa de obter virtude e felicidade”. Quando a segunda edição foi publicada, dessa vez assinada, Wollstonecraft se tornou instantaneamente famosa em Londres. Mudou-se para a França, onde dois anos mais tarde publicou sua obra mais famosa: A reivindicação dos direitos das mulheres.
Tido como um dos documentos fundadores do feminismo, o livro denuncia a exclusão das mulheres do acesso a direitos básicos no século 18, colocando a educação feminina como base para o fim das desigualdades. Também escreve sobre a importância do voto feminino e a paridade no casamento – em especial em relação a bens da esposa, à tutoria dos filhos e até ao divórcio -, e defende que crianças estudem em escolas mais livres, menos rígidas, que ensinassem aos dois sexos o mesmo “amor ao lar” e às tarefas domésticas.
Em 1794, publicou ainda An historical and moral view of the french revolution, uma retrospectiva dos primeiros estágios da revolução, com uma abordagem original, do ponto de vista de pessoas comuns, que haviam endossado os acontecimentos políticos no cotidiano. Apesar do sucesso incomum para uma mulher da época, o fim da vida de Wollstonecraft foi trágico. Em maio daquele ano, ela deu à luz sua primeira filha, Fanny, e tentou ir a Londres em busca do marido que a rejeitou – levando-a a tentar suicídio duas vezes. Aos poucos, retornou ao círculo de Joseph Johnson, onde reencontrou William Godwin, com quem se casou e teve outra filha: Mary Shelley.
Wollstonecraft morreu aos 38 anos, de infecção pós-parto, deixando como legado cerca de 20 livros que incluem romances e análises sobre política, história e direitos das mulheres. Hoje, a filósofa tem sido recuperada por historiadoras feministas e estudiosos da Revolução Francesa, conquistando cada vez mais o título de fundadora do feminismo na Europa.
(Publicado originalmente no site da revista Cult)

Charge! Laerte via Folha de São Paulo

Laerte

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

O xadrez político das eleições estaduais de 2018, em Pernambuco: Paulo Câmara pode ser rifado?


Foto: Flávio Japa/Divulgação


José Luiz Gomes da Silva

Cientista Político


O governador Paulo Câmara(PSB), a rigor, fazia parte de uma estratégia política montada pelo ex-governador Eduardo Campos. Possivelmente com o objetivo de não atrapalhar os planos sucessórios da nucleação familiar dos Campos, assim como constituir-se uma peça importante em seu projeto de torna-se presidente da República. Uma escolha que se constituiu, logo depois, num problema, em razão da morte do ex-governador. Em alguns momentos, o próprio Paulo Câmara admitiu que gostaria de governar com "ele", certamente ouvindo-o em relação à gestão do Estado, e, principalmente, nas decisões políticas a serem tomadas. A morte de Eduardo Campos criou um imbróglio político de difícil solução para o grupo socialista, seja do ponto de vista interno, seja no contexto da correlação de forças políticas do Estado. Como disse antes, a movimentação do grupo oposicionista coloca os socialistas na retranca, acossados, na defensiva, acuados diante das circunstâncias políticas, hoje marcadamente adversas.

É neste contexto político que faz sentido as especulações que circulam em torno de uma possível substituição do nome de Paulo Câmara como candidato do PSB nas próximas eleições estaduais. Na boca do palco, ele reafirma a disposição de ser candidato à reeleição. Nas coxias, no entanto, o que se comenta são as especulações em torno de uma candidatura mais competitiva, patrocinada pela família Campos, em face das dificuldades associadas ao governador, que conta com um alto índice de desaprovação de sua gestão. O "apetite" político da chamada "Conspiração Macambirense" pode indicar que os políticos profissionais já farejaram a excelente oportunidade de reconquistar o Palácio do Campo das Princesas. Em artigo publicado aqui no blog,  o cientista político Michel Zaidan, baseado num blog local, informa que a chapa que estaria sendo pensada seria encabeçada pelo secretário Felipe Carreras, tendo como puxador de votos o filho do ex-governador, João Campos, que seria candidato à Câmara Federal.

No artigo em lide, o professor Michel Zaidan invoca os problemas inerentes a este projeto de sucessão familiar no Estado, muito pouco compatível com aquilo que se espera de um ambiente político de corte republicano. Estamos num período fértil de especulações. Neste caso, os filtros tornam-se absolutamente necessários. As especulações em torno da substituição do nome do governador como candidato do PSB, no entanto, merecem a necessária atenção, se considerarmos as circunstâncias políticas adversas de mantê-lo como inquilino do Campo das Princesas, assim como o interesse da oligarquia em manter-se hegemônica no Estado. Se eles perceberam que essa hegemonia pode ser comprometida com o projeto de reeleição de Paulo Câmara, não tenham dúvida, poderão procurar alternativas com melhores perspectivas de êxito.

Pelo lado da oposição, o discurso indica que eles resolverem esconder o jogo sobre o nome de consenso entre eles. O senador Fernando Bezerra Coelho(PMDB)já fala nas potencialidades e qualidades do rebento, o ministro das Minas e Energias, Fernando Filho(PMDB), ao passo que este, por sua vez, observa a potencialidade de outros atores políticos que integram a aliança de oposição ao governador Paulo Câmara, deixando alguma margem, ainda, ao senador Armando Monteiro(PTB), relativamente ofuscado pela ascendência de Fernando Bezerra Coelho(PMDB-PE). Este último, aliás, reafirmou a sua disposição de conversar com o Deputado Federal Jarbas Vasconcelos(PMDB), acerca do imbróglio criado em torno da intervenção da Direção Nacional do PMDB na regional peemedebista. O cenário indica que será um diálogo difícil, uma vez que o Deputado Federal Raul Henry, legitimamente eleito para a direção do diretório estadual, já disse que tentará a revogação da decisão nacional em todas as instâncias possíveis.

Como dizem os evangélicos, a oposição conseguiu plantar a semente da discórdia no ninho socialista. Eles, por sua vez, continuam firmes naquele propósito já explicitado por aqui. Na semana passada, em Brasília, segundo comenta-se, estiveram reunidos o ministro da Educação, Mendonça Filho(DEM), o ministro das Cidades, Bruno Araújo(PSDB-PE), e o senador Armando Monteiro(PTB). No cardápio, certamente, a sucessão estadual de 2018. Já esta semana, por sua vez, na missa do Vaqueiro, realizada na cidade de Canhotinho, estiveram presentes a Deputada Estadual Priscila Krause, do DEM, o senador Armando Monteiro e o ministro das Minas e Energias, Fernando Filho(PMDB-PE). Antes de marcar presença no evento, o ministro das Cidades, Bruno Araújo, assinou convênios de repasses da ordem de R$ 88 milhões para a cidade de Petrolina,reduto político da família Coelho. Segundo fomos informados, da conversa em Brasília, resultou uma certeza. Nem o DEM, tampouco o PSDB farão o caminho de volta ao palanque situacionista.