Confesso aos nossos leitores e leitoras que nunca fomos muito simpáticos aos chamados "cálculos da democracia", ou seja, àqueles índices que tentam predizer quais seriam as condições ( ou números e indicadores) ideais para viabilizar um regime democrático, seja do ponto de vista político ou econômico. Mas, nos últimos anos, tenho lido bastante os trabalhos do cientista político polonês, Adam Przeworski, e, inevitavelmente, acabamos por ter que lidar com esses números ou indicadores, pois o cientista é simpático à Teoria dos Jogos.
terça-feira, 12 de outubro de 2021
Editorial: Democracia do osso e do pé de galinha
segunda-feira, 11 de outubro de 2021
domingo, 10 de outubro de 2021
Editorial: Como prender Jean-Paul Sartre?
Sartre, aliás, passaria alguns meses no Brasil, pois a situação política na França não era das melhores, uma vez que, na condição de intelectual engajado, o filósofo defendia, em praça pública, a luta do Exército de Libertação Argelino, que lutava para libertar a Argélia do colonialismo francês. Ciceroneado por Jorge Amado, fez um périplo pelo Estado da Bahia, conhecendo diversos regiões e manifestações culturais do povo baiano, inclusive os principais terreiros de religiões de matriz africana.
Sartre era um grande ativista político, ao ponto de incomodar profundamente os assessores do então presidente Charles de Gaulle, que recomendaram a sua prisão. Comenta-se que, ao ouvir tais conselhos, De Gaulle teria respondido: Eu até entendo o quanto o filósofo incomoda as ações do Governo Francês, mas como prender Voltaire? Numa referência ao filósofo iluminista François-Marie Arouet, um dos principais ícones da liberdade de expressão, autor da frase: " Não concordo com o que dizes, mas defendo até a morte o direito de o dizeres.'
As reflexões filosóficas de Sartre sempre estiveram ancoradas sob a necessidade de se assumir responsabilidades sociais coletivas, daí seu incansável engajamento político, erguendo barricadas e bandeiras dentro e fora da França, em alguns desses momentos cruciais, acompanhado pelo amigo Michel Foucault. Como um exemplo bem acabado de intelectual total, sua produção literária não fugia a esta regra, pois afirmava que a literatura era uma forma de intervir politicamente na produção da sociedade.
Essas reflexões vem a propósito sobre o quanto é difícil - e até criminalizável - o exercício da crítica política aqui no Estado de Pernambuco, cuja elite política e econômica ainda vivem sob o estágio do obscurantismo oligárquico, da saudade do regime escravagista, do elogio da dominação. Os expedientes para coagir ou assediar os desafetos são os mais escabrosos possíveis, passando por ações judiciais, distribuição de materiais apócrifos, disseminação de calúnias, utilizando-se, para tanto, em alguns casos, dos instrumentos do aparelho de Estado - nada institucionalizados - para perseguir seus opositores.
Se não existe nada, eles "inventam", 'plantam", de onde se conclui que as chamadas fake news não é algo assim tão recente ou que se possa atribuir, tão somente, ao chamado Gabinete do Ódio. Antes do gabinete do ódio, temos aqui fartos exemplos do gabinete da inveja, da intriga, das práticas persecutórias muito bem instrumentalizadas, atingindo os desafetos em suas diferentes áreas de atuação. Isso vem a propósito dos inúmeros casos registrados aqui na província de perseguições veladas a cidadãs e cidadãos, motivados pelos delitos de opinião. o último diz respeito a um estudante que mantinha uma página de sátiras nas redes sociais. Seria um pouco demais imaginar que os homens públicos pernambucanos, com honrosas exceções - cevados nos expedientes de uma sociedade tacanha em termos de práticas republicanas - tivessem a mesma estatura de um De Gaulle, que entendia que Sartre incomodava bastante, mas era, por outro lado, um patrimônio intelectual do país.
quinta-feira, 7 de outubro de 2021
Reforma psiquiátrica e a violência nos manicômios
Manicômio de Barbacena, em Minas Gerais, em 1979 (Foto: Jane Faria/Estado de Minas)
Essa é uma história entre tantas outras, senão fosse a singularidade de uma vida perdida em anos de internação psiquiátrica e somente os últimos 6 anos de volta à cidade. Esse é um texto sobre as violências que uma mulher sofre ao ser confinada em um hospital psiquiátrico por dezenas de anos, mas também um texto para pensarmos a importância dos 20 anos da lei 10.216, completados neste ano – promulgada em 2001, a lei dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, com internação de pacientes somente indicada quando todos os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. E, por fim, serve para mantermos os olhos atentos e evitarmos os retrocessos impostos pelo atual governo, que flerta sistematicamente com a volta dos hospitais psiquiátricos.
Será que inicio esse texto pela fragilidade de um corpo negro ou pela força desse mesmo corpo sustentado por uma senhora de 73 anos, com aproximadamente 1,55 m de estatura e peso não superior a 45 kg? Foi assim que encontrei, pela primeira vez, Dona Cida, moradora de uma Residência Terapêutica na região oeste de São Paulo, casa que existe desde 2009, uma das primeiras casas destinadas a egressos de hospitais psiquiátricos na cidade de São Paulo. No meu primeiro dia fui recebido por ela, na sala de jantar, com um sorriso sem dentes e as palavras: seja bem-vindo! E me senti bem em cada dia em que estive com ela, nas brincadeiras e nas reclamações das dores nas pernas que ela carregava. Uma senhora de nome Aparecida, grande parte do tempo deitada em seu quarto, enrolada em três ou quatro cobertores, com a janela fechada, e que era aberta assim que ela me via entrando no quarto. Nesse momento, ligava também a televisão que ela mesma escolheu na loja, depois de muita luta para convencê-la a gastar um pouco de sua poupança – conquistada nos anos em que morou nessa Residência Terapêutica – adquirida através do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e do Programa Volta Para Casa (PVC) – garantidos aos usuários de saúde mental egressos de hospitais psiquiátricos que têm documentos de identidade. Na realidade, Dona Cida odiava gastar dinheiro, e quando informava o quanto tinha na poupança, vinha com a resposta firme: dinheiro acaba, meu nego!
Nas atividades da casa, ela ajudava a lavar as louças nas terças e quintas- feiras – de acordo com a escala realizada em uma roda de conversa com todos os moradores, tarefa que fazia com gosto. Descia sorrateiramente do quarto por volta das onze horas da manhã, colocava a toalha na mesa de almoço, os pratos e talheres na bancada da cozinha. Conversava um pouco, verificava o andamento do almoço e logo subia para o quarto. Descia novamente, por volta do meio dia, quando algum morador gritava ao pé da escada que o almoço estava na mesa. Olhava as panelas e, vez ou outra, complementava seu almoço com um ovo frito, feito por ela mesma.
O subir e descer os degraus da escada me causava apreensão. Suas pernas frágeis pareciam sofrer nessas descidas e, algumas vezes, perguntei se ela gostaria que fizéssemos um quarto no andar inferior, para que não precisasse das escadas, o que ela negou de pronto, informando gostar do seu quarto. A bengala, nunca usava. Dona Cida falava pouco, mas se posicionava sempre nas discussões da casa: sobre o almoço, a festa de fim de ano, a cerveja sem álcool que não podia faltar, a contratação da nova faxineira…
Durante o almoço, sentada à mesa, fazia questão de que todos os moradores também se sentassem e, quando algum dizia não querer – informando que a mesa era pequena –, ela mostrava o incômodo que lhe causava, solicitando que a obedecessem; ato que, mesmo a contragosto – e apertados no pouco espaço disponível –, era prontamente realizado. Um dia, conversando sobre a casa e os móveis, ela me perguntou se poderia comprar uma mesa maior, já que na mesa existente não cabiam todos os nove moradores e os dois cuidadores que trabalham no regime de plantão. Foi assim que saímos à procura de uma nova mesa. Ao entrarmos na loja, ela foi procurando entre os modelos disponíveis, com seus critérios de cor da madeira e assento de espuma. Saímos da loja com uma mesa nova, grande, bonita. Depois da compra, não havia mais desculpas, todos se sentavam à mesa!
As dores nas pernas eram a fala cotidiana, que me fazia solicitar-lhe que fôssemos ao médico ou procurássemos um fisioterapeuta, ou ainda, que buscássemos uma atividade física. Ela sorria e dizia: meu nego, estou acostumada, eu tenho dores há quarenta anos! Mas eu sei que tô morrendo, então não se preocupe. As falas sobre morte eram constantes. Os exames de rotina indicavam que ela estava com uma saúde boa. Mas eu sabia que as dores dela não eram simplesmente das frágeis pernas… ela viveu anos confinada nos muros manicomiais!
Acostumada ao quarto, acumulava vestidos que nunca usava, em um guarda-roupa que ela não aceitava que quase ninguém abrisse. Vez ou outra sumiam panos de prato, cinzeiros, fósforos, e sabíamos onde encontrar as peças perdidas. Ela sorria e dizia: eu falei para não abrir meu armário. A vida seguia num passo certo em pernas frágeis…
As conversas com ela, sempre agradáveis e no quarto, me emocionavam no cotidiano, e remetiam a histórias de uma época em que ela não morava no hospital. Uma menina negra de 7 anos, que dizia não se lembrar de sua família. Uma menina que aos 7 anos trabalhava em cafezais, que não se lembra como foi parar lá mas sabia que não queria lá ficar. Uma menina que depois foi morar na cidade e trabalhar como babá, em Andradina, no interior de São Paulo. A fuga para a cidade grande, quando ela diz ter seduzido o marido, um moço que passava na porta de sua casa indo para o trabalho. O pedido para que viessem morar na Penha – bairro de São Paulo – veio logo depois. Casada aos 10 anos, com um homem 8 anos mais velho. Os filhos não vingaram. A antiga babá perdeu três filhos, dois no nascimento e um atropelado, coisa que só descobri depois. Quando eu tentava algum assunto que ela não queria, a resposta era categórica: eu sofro de esquecimento, eu faço de conta que esqueci de tudo!
A festa dos 74 anos aconteceu em uma tradicional pizzaria no bairro do Bixiga. Pizza, cerveja sem álcool e poucos convidados. Não queria bolo, mas, finalizado o jantar, pediu uma sobremesa ao garçom, que veio emendada numa fala: hoje é meu aniversário! Surpresa com a vela em cima da sobremesa, cantamos parabéns. Dona Cida, emocionada, levantou-se, encheu os olhos d’água e sorriu.
Logo veio o fim de ano, as festas e uma notícia ruim… Numa tarde de domingo, meu telefone tocou e a cuidadora de plantão informou que Dona Cida não estava conseguindo levantar da cama. Aquela mulher negra, frágil, que tinha uma força incrível, não conseguia se erguer. Cheguei logo depois na casa e pedi que ela fosse até o pronto-socorro. E mesmo a contragosto, ela sabia que precisava… Voltou no mesmo dia para casa e retornou ao hospital no dia seguinte. Veio a internação por anemia. Fui visitá-la, conversar com os médicos, que me informaram que ela permaneceria internada mais um dia para uma transfusão de sangue. Pedi para vê-la e fui informado de que ela estava agitada e tinha sido contida no leito. Quando entrei na enfermaria, ela sorriu e pediu-me que não a deixasse ali, que nunca tinha sido amarrada depois que saiu do último Hospital Psiquiátrico onde morou por 10 anos. Expliquei que seria somente uma noite, que eu falaria com a enfermeira sobre a não necessidade de ela ser amarrada e que no outro dia voltaria para buscá-la. Dona Cida olhou em meus olhos e disse que não queria ficar ali, mas que me esperaria no outro dia, e que estava fraca demais, com suas dores de muitos anos. Saí de lá com a médica explicando, de acordo com os protocolos do hospital, que a alta seria na manhã seguinte, assim que ela ficasse um pouco mais forte.
No dia seguinte, 31 de dezembro, cheguei ao hospital mais tarde, fora do horário de visita. Guardava em mim uma sensação ruim quando não consegui entrar para vê-la, sendo informado que ela não havia recebido alta e que eu poderia esperar o fim do dia para falar com a médica. Não consegui esperar, entrei e fui atrás da médica, a mesma que no dia anterior tinha me dito sobre a anemia e a alta. A médica, emocionada, disse-me que não sabia o que havia acontecido, que chegou no plantão, viu o resultado positivo com hemoglobinas normalizadas, foi até o leito e encontrou Dona Cida utilizando respiração mecânica. Eu, perdido com a situação, só escutei a pergunta da médica: quero saber de você se investimos ou não no quadro dela. Pedi para falar com ela, me despedir, caso a morte – tantas vezes mencionada – tivesse chegado para aquela mulher negra e agora mais frágil que antes.
Quando cheguei ao lado dela, trocamos nosso velho olhar… por uma fração de segundos, antes que o apito da morte soasse. Ela me esperou como havia prometido! E eu não deixei que ela morresse sozinha…
“Falar da Dona Cida é querer dormir por um ano”, foi essa frase que escutei quando voltei para casa e tive que contar para os outros moradores sobre o que havia acontecido. Choramos todos um pouco, antes de uma outra fala: ela morreu, agora precisa descansar! Os moradores se levantaram e, mesmo cabisbaixos, seguiram sua rotina… Eu tinha me esquecido que a morte era uma grande conhecida dentro do hospital. A força daqueles moradores me fizeram entender algo: Dona Cida viveu seus últimos 6 anos em uma casa. Ela teria um enterro digno, uma foto na lápide e velas acesas para ela. Dona Cida era uma vida reconhecida por nós, que viveríamos o luto pela perda de uma das mulheres mais fortes que eu conheci.
Após o enterro, o retorno para casa… o almoço na mesa que era dela. A cerveja gelada foi aberta por um morador e a frase: Seu José, eu abri a cerveja porque a Dona Cida quer que a gente viva como ela viveu! Bebemos todos…
Alguns dias mais tarde, era a hora de abrir seu guarda-roupa. Ao meu lado, alguns moradores e, ao final…
Cadeados fechados/ cadeados abertos/ chaves/ cinzeiros/ pentes/ fotos/ carteira de trabalho/ carteira de trabalho do marido morto/ holerites do marido/ certidão de nascimento de um filho/ certidão de natimorto de outro/ certidão de batismo de um terceiro/ vaselinas (algumas)/ mais cinzeiros/ mais fotos/ moedas antigas/ fotos antigas/ japoneses crianças/ japoneses adultos/ declarações de amizade em fotos/ notas de real/ bolsas/ carteiras/ isqueiros/ orações/ sacos plásticos… Como falar da memória?
Relatar um pouco sobre a história de Dona Cida é, ao contrário do sofrimento, a possibilidade de sabermos o quanto a vida dela foi possível de ser retomada após os anos de internação no Hospital Psiquiátrico. A saída daquele hospital e o retorno a uma casa na cidade foi potencializador para que pudéssemos encontrar de novo a mulher cidadã e não a “louca” do manicômio. A morte digna e reconhecida, com um ritual de passagem, se deu somente pela possibilidade de compreensão de que essa vida era passível de luto. A missa marcada na igreja do bairro, trinta dias após sua partida, foi solicitação dos moradores. Aos que assistiam à missa não cabia saber quem foi Dona Cida, mas em mim havia a certeza de que uma vida foi ali vivida. Dona Cida morava com mais 8 pessoas, todas elas também egressas de longos anos de confinamento manicomial, a maioria sem ideia de onde estão seus familiares.
Ainda hoje, quando algum morador diz não querer se sentar à mesa, a imagem de Dona Cida é retomada, quase sempre seguida da fala sobre essa frágil-forte mulher ter deixado um presente, uma herança para a casa: uma mesa! A própria imagem da mesa está presente em nossa cultura como o lugar dos encontros, onde as famílias se reúnem para comer, mas, acima de tudo, para as conversas. As rodas de conversa com os moradores acontecem em volta da mesa, com café e lanches. É nesse contexto que a apropriação da cidade começa a existir. É na mesa que surgem as ideias de passeios coletivos ou individuais, as decisões sobre quais moradores querem ir em algum aniversário em outra Residência Terapêutica, assuntos sobre as festas no Centro de Atenção Psicossocial –CAPS e também as discussões entre moradores ou sobre o quanto algum morador está deixando de fazer alguma atividade de rotina na casa.
Ao longo desses anos morando em casa, em um bairro de classe média, os móveis não são mais os mesmos. Hoje, eles têm a cara de seus donos: dois sofás grandes escolhidos por eles, além de almofadas, televisão de 40″, tapetes, redes, bancos de madeira, cinzeiros, geladeira que acomoda as latinhas de cerveja, aquário, escrivaninha e a mesa, escolhas do melhor lugar para determinado móvel e, acima de tudo, cantos particulares e coletivos, alterados conforme o tempo ou o humor de cada um. Assim, recuperamos o conceito de casa, para além da moradia, como um lugar onde habita: um lar. E fora da casa, pessoas que gostam de andar pelo bairro, comprar o pão na padaria da esquina, fazer a barba no barbeiro escolhido, comprar sorvete no mercado próximo, sair para jantar no restaurante da infância, passear na estação de trem… enfrentando hostilidades, buzinas de carros, na resistência em se colocar como cidadãos na cidade.
Esse conto para Dona Cida pode ser compreendido como um respiro para o cotidiano dessa casa, mas é fundamental analisar o enfrentamento diário, por vezes difícil. A equipe precisa de uma força imensa, inclusive para entender que suas práticas precisam ser revistas a todo instante, porque morar em uma casa não é garantia antimanicomial. E a casa precisa ser posta para o lado de fora, no portão que abre e fecha de acordo com o desejo de cada morador. E para que o morador queira sair de casa, precisa ter certeza que conseguirá enfrentar as violências da cidade, mas não as violências por ele ser um usuário do serviço de saúde mental.
E para que todo o trabalho seja realizado, ou para que esses cidadãos possam existir, uma rede de saúde mental, bem como uma rede social precisam existir de forma concreta. A apropriação da cidade só é possível se tivermos a garantia constante de pessoas que ajudem nos enfrentamentos cotidianos. Se hoje os moradores dessa Residência Terapêutica conseguem se sentir donos de uma casa, isso só foi possível, e ainda é, através da implicação constante da equipe, da rede e da possibilidade de reconhecimento da comunidade. Compreendo essa experiência, que partiu do conto construído, como fundamental para que sigamos nosso trabalho contra as internações psiquiátricas; mas não confundam com algo estabelecido… isso é apenas o início de um processo complexo, no qual precisamos reconhecer a existência dos loucos na cidade.
Para tanto, é fundamental nos aproximarmos da necessária Reparação de Danos para as pessoas que tiveram suas vidas perdidas nos anos de internação hospitalar. A Reparação de Danos articula-se com a exclusão social, ampla e fora dos antigos muros que protegiam a sociedade do louco, mas que, também, o protegiam das cotidianas e sutis violências a que muitos outros, mesmo sem serem loucos, estão expostos. O que podemos enfatizar é que, em termos da exclusão social, essas pessoas se somam também a outras parcelas da sociedade, que têm no cotidiano de suas vidas seus direitos obstaculizados e, tantas vezes, negados. Aqui, esses problemas convergem na compreensão de uma sociedade excludente para com muitos de seus habitantes, todos sem voz, seja pelos seus delírios, seja pela negação do seu discurso: loucos, travestis, transexuais, população em situação de rua, refugiados, negros, gays, lésbicas, usuários de álcool e outras drogas e tantos outros.
Em suma, são ex-moradores de hospitais psiquiátricos, mas muitas vezes são loucos, negros e pobres que, por vezes, denunciam os absurdos obscurecidos pela rotina, violências sutis presentes nas buzinas quando, distraídos, andam fora da calçada, numa cidade que não para e cujos códigos de sobrevivência são mais rígidos do que se imagina. Assustam, gritam, choram sem pudor, soltam gargalhadas sentados em um banco de praça, andam pelas ruas, cumprimentam os vizinhos, falam sozinhos em voz alta, desconhecem o código de civilidade que demarca a vida urbana, do anonimato, da cordialidade discreta, dos limites em relação ao espaço do outro. São pessoas como todas os outras que frequentam os mesmos espaços, porém, carregam no corpo a precariedade, que o restante da população não reconhece como fundamental e que requer um esforço de negociação mínima e respeito para com esta existência singular.
A Reparação de Danos exige reconhecimento para que possa ser operada na sociedade em um enfrentamento da condição de vida das parcelas socialmente vulneráveis e na sua concreta inserção na sociedade como cidadãos de direito, reconhecidos como sujeitos. Esbarra-se, aqui, num problema mais amplo, denominado cultura, cuja historicidade demarca uma constante dificuldade em lidar com as diferenças sem ser na base da classificação, hierarquização e segregação. Trata-se de uma cultura narcísica, pautada pelo encontro e reverência ao que espelha ela própria.
José Alberto Roza Júnior é doutor em Psicologia do Desenvolvimento Humano (IP-USP), professor da Universidade São Judas (SP), psicólogo clínico, pesquisador nas temáticas de exclusão social, gênero, raça e sexualidade e militante de movimentos sociais.
(Publicado originalmente no site da Revista Cult)
domingo, 3 de outubro de 2021
Tijolinho: Marília pé na estrada.
Como antecipei, difícil dizer qual o destino político de Marília Arraes nas eleições de 2022. Seja qual for este destino, no entanto, não podemos deixar de reconhecer os méritos de sua cruzada democrática, debatendo os problemas e as soluções para os grandes gargalos de desenvolvimento enfrentados pelo Estado, construindo alternativas de intervenções de políticas públicas efetivas para enfrentá-los. Uma lição que a cúpula do PT local deveria levar em conta. Será este seu cálculo político?
Editorial: "Sua família não é melhor que a minha"
Conforme calendário definido pelo senador Omar Aziz(PSD-AM), a CPI da Covid deverá apresentar seu relatório final em meados de outubro, com algumas conclusões já antecipadas pelo seu relator, o senador Renan Calheiro(MDB-AL). Tudo indica que vem chumbo-grosso por aí, envolvendo conluios - de corte nada republicanos - com a participação de agentes públicos e privados, o que pode respingar sobre as ações ou omissões do Executivo Federal. O mais assombroso a constatar é que, se o país tivesse adotado medidas sanitárias preventivas ou se antecipasse à compra de vacinas logo no início - quando laboratórios confiáveis as ofereceram - milhares de mortes poderiam ter sido evitadas. Há aqui, inegavelmente, mais uma queda de braços entre os poderes Executivo e Legislativo, o que pode azedar ainda mais a relação entre ambos. Os senadores da situação já estariam elaborando a confecção de uma espécie de relatório paralelo, como forma de se contrapor aos efeitos do relatório oficial da CPI da Covid-19. Vamos aguardar o eco daquelas intervenções tão estridentes durante os trabalhos da pandemia. Concordamos com eles apenas num ponto: os desvios de recursos nos estados e capitais deveriam ter sidos investigados, pois também são responsáveis diretos por perda de vidas durante esta pandemia.
Esta reta final da CPI da Covid-19 foi marcada por um episódio emblemático, quando o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) repreendeu um dos depoentes, em razão de postagens de caráter homofóbico contra a sua pessoa. Aliás, não apenas contra a pessoa do senador, mas em relação à comunidade LGBTQI+ do Brasil e do mundo. Ainda na semana passada, em editorial aqui no blog, estávamos comentando o quanto a legislação em relação a este assunto avançou no país, constituindo-se num dos pilares das regras de convivência e tolerância em relação à orientação sexual. Este foi um dos indicadores, inclusive, que contribuiu para fortalecermos o nosso tecido democrático, sobretudo durante os governos da coalizão petista, onde esses direitos, assim como os direitos das comunidades indígenas e quilombolas foram amplamente reconhecidos, assumindo status de ministério.
Ainda bem que, do ponto de vista institucional, o reconhecimento desses direitos foram transformados em leis, o que pune com rigor seus violadores. O próprio senador Fabiano Contarato observou, durante a interpelação ao seu agressor, que o crime de ofensa homofóbica é um dos poucos crimes imprescritíveis e inafiançáveis do país. Uma pena, que a partir de 2016, tenhamos descido a ladeira da intolerância racial e sexual, com agressões frequentes a negros e homossexuais por todo país. São registradas pelo menos uma morte por dia em razão da intolerância sexual. A ruptura institucional de 2016 contribuiu bastante para facilitar o recrudescimento de grupos de orientação neofascista, com sua agenda nefasta, excludente e intolerante.
Na prática, isso quer dizer que somos um país com um alto índice de preconceito sexual e racial, a despeito dos avanços da legislação a este respeito. Ainda na mesma semana, depois da aula de cidadania ministrada pela senador Fabiano Contarato - de inegável impacto pedagógico sobre o país - uma pessoa LGBTQI+ foi agredida, em via pública, por um guarda municipal, salvo melhor juízo, nas proximidades da Cracolândia, em São Paulo. Vão aqui a nossa solidariedade e cumprimentos ao senador Fabiano Contarato.
domingo, 26 de setembro de 2021
Paulo Freire faz 100 anos
(Foto: Divulgação)
Para quem conhece a trajetória e a obra de Paulo Freire, livros, artigos e intervenções públicas das e dos seus intérpretes e defensores do seu legado, ao encontrar mais um texto sobre ele, corre o risco de se deparar com aspectos já suficientemente enfatizados. Para os iniciantes nesse percurso, a gama de ofertas é imensa e inesgotável. Apresentamos algumas veredas que, esperamos, possam contribuir com iniciados e iniciantes.
I
O documentário Paulo Freire, um homem do mundo de Cristiano Burlan é amplo, original e adequado para os mais diversos públicos. Os testemunhos de estudantes de graduação de diferentes cursos e de uma nova geração de pesquisadoras e de pesquisadores, após assistirem esse documentário, são contundentes e emocionantes. De forma geral, elas e eles enfatizam que Paulo Freire alicerça alternativas políticas, artísticas e pedagógicas no enfrentamento dos negacionismos, revisionismos e totalitarismos, não só em sociedades carentes de democracia como a brasileira e a de outros países latino-americanos, mas também em países cambaleantes nos seus discursos de guardiões dos direitos humanos universais, da civilização e da liberdade. Nesse contexto político, social e cultural contemporâneo, algumas questões pairam no ar: 1. O que propõe Paulo Freire que o faz ser estudado nas mais prestigiosas universidades do mundo, assim como nos cursos mais modestos das mais carentes faculdades privadas do Brasil profundo? 2. O que torna Paulo Freire uma referência de escolas privadas situadas em sofisticados bairros de São Paulo ? 3. O que faz que professoras e professores nas escolas das periferias encontrem em Paulo Freire um alento para continuar o seu trabalho cotidiano?
II
Uma tentativa de responder às questões acima nos leva a argumentar que Paulo Freire, com a sua práxis contundente, insistente e incansável pela justiça, pela cidadania, pelo respeito aos diversos conhecimentos (incluindo os conhecimentos excluídos dos conteúdos escolares) e pela extensão dos direitos mais elementares aos deles completamente desprovidos, conseguiu aglutinar pessoas, grupos e profissionais que não se silenciam, nem são indiferentes ao que se encontra diante de seus olhos e de suas mãos. Entre esses direitos amplamente reivindicados se encontra o acesso à educação: o direito a uma educação que não marginalize as e os já marginalizados nos seus direitos sociais, econômicos, culturais e políticos. Portanto, reduzir Paulo Freire a um método de alfabetização elaborado nos anos 1960, como tantos fizeram e ainda o fazem, é ignorar a sua contribuição e empenho na construção de uma teoria política e pedagógica, impregnada das experiências e mazelas da vida cotidiana nas “quebradas do mundaréu”, como diria Plínio Marcos.
III
Por essas e muitas outras contribuições comemora-se, pelo mundo afora, os seus 100 anos com diferentes protagonistas, discursos e linguagens: inúmeros dossiês em revistas acadêmicas publicadas no Brasil e no exterior, lives e conferências em diversos idiomas, novas traduções e edições de seus livros e uma infinidade de publicações sobre e ou com ele. Essa série de homenagens teve início no segundo semestre de 2019 e a programação pelo menos, até o final de 2021, passou e passará por: Angicos, Berlim, Bogotá, Caiacó, Cidade do México, Evanston (Chicago), Fortaleza, Genebra, Hamburgo, Havana, Macau, Paris, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Santiago do Chile, Salzburgo, Teresina, Toulouse, Uberaba, Veneza, Vitória, etc. Esses eventos trazem ao espaço público uma nova geração de ativistas, professoras e professores, pesquisadoras e pesquisadores, que ressignificam e revitalizam a pedagogia freireana. Nessa série de homenagens uma iconografia se evidencia, na qual Paulo Freire é apresentado distante da imagem padrão (do homem de barba branca e gestos atenciosos) e em cenários pouco convencionais. Nela se encontra interpretações e releituras pictóricas de Paulo Freire, menos previsíveis, em desenhos, pinturas, grafites, lambe-lambes, caricaturas, cartazes, camisetas, muros, transporte público (em Helsinque ou em Lins, interior de São Paulo) e nas redes sociais. Paulo Freire é (re)apresentado andando de bicicleta; fumando seu cigarro (da marca Minister); alegre e em cenários tropicais; saboreando suas frutas preferidas em feiras agroecológicas; falando japonês em Kagoshima; ou ainda provocando os mais recentes clones de sanguinários ditadores. Surgem também no espaço público: fotos dele com Abdias do Nascimento, Antonia Darder, Aldo Vannucchi, Darcy Ribeiro, Davi Kopenawa, Heinz Peter Gerhardt, Ivan Illich, José Lutzenberger, Luiza Erundina, Márcio D’Olne Campos, Patativa do Assaré, Valdeck de Garanhuns e com pessoas não tão conhecidas como as citadas que evidenciam algumas das andanças de Paulo Freire pela Austrália, Belém do Pará, Campinas, Cuernavaca, Guiné-Bissau, Hiroshima, Piracicaba, Ponta Grossa, Sorocaba e nos assentamentos do MST.
IV
O nomadismo, os debates, os seminários, as entrevistas, as intervenções públicas, a experiência de Paulo Freire como secretário da educação no governo de Luiza Erundina na prefeitura de São Paulo e a vida que ele e Nita Freire decidiram levar juntos (amplamente documentada no livro dela, Nós dois: crônicas, fotografias e cartas de amor) terão impacto decisivo na construção da pedagogia freireana que se evidencia em Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Este é o último livro publicado em vida de Paulo Freire, direcionado às professoras e aos professores, questionadores das injustiças, conscientes da pertinência política do seu trabalho e de suas práticas sociais cotidianas nas quais o afeto (“amorosidade”) é um elemento fundamental das relações sociais voltadas para a consolidação da democracia, dos direitos, do respeito à alteridade e às diferenças (étnicas, de raça, de gênero e de orientação sexual) e da responsabilidade ecológica, coletiva, frente à indiferença com a destruição e aniquilamento da vida. A interlocução de Paulo Freire com Nita Freire, nos últimos 10 anos da vida dele, resultará em uma elaboração teórica de ampla acolhida e recepção no crescente movimento “dos afetos” nas artes, nas humanidades, nos movimentos sociais e na política.
V
A arqueologia em torno dos 100 anos de Paulo Freire possibilita evidenciar os documentos e registros de seus estudos realizados na Faculdade de Direito do Recife trazidos pela pesquisadora Tania Aversi na sua tese de doutorado ou a carta que Paulo Freire escreveu ao diretor do Centro de Educação de Adultos da Tanzânia, apresentando o cantor e compositor Taiguara quando ele decidiu morar naquele país. Outros preciosos documentos sãos as inúmeras cartas que Paulo Freire recebeu e que se encontram nos arquivos do Conselho Mundial da Igrejas em Genebra, sem falar das cartas que ele trocou com alguns dos mais conhecidos teólogos (da Libertação). Quando Nita Freire foi recebida em audiência no Vaticano pelo Papa Francisco, ela solicitou-lhe que intermediasse o acesso dela às cartas em mãos de dominicanos, salesianos e beneditinos, para que pudesse ter acesso a essas cartas.
VI
O que pode ter sido apenas um encontro casual de exilados brasileiros no exterior, mas que é mais do que isso, foi a presença de Geraldo Vandré e de alguns músicos brasileiros na virada do ano de 1970 para 1971 na casa de Paulo Freire em Genebra. Cantaram? Se sabe que Paulo Freire adorava cantar. Sobre o que conversaram? Ficaram em silêncio se oferecendo um cigarro, uma bebida, um petisco, sem precisar trocar palavras, pois estava tudo no olhar e nos gestos?
VII
Um grafite num dos muros da PUC-SP mostra Paulo Freire, uma imagem da tortura (pau-de-arara), um tanque do exército e uma cena do filme Terra em Transe de Glauber Rocha, em que um intelectual coloca a mão na boca de um representante do povo na hora que este ia falar, impedindo-o de fazer tal coisa. No Pedagogia do oprimido, um livro escrito para os intelectuais e militantes, Paulo Freire chama a atenção da necessidade de não se falar em nome do povo, mas com ele. Ele observa a necessária atenção (política e pedagógica) de se ouvir mais. O que Marta Catunda, décadas depois, chamaria de “escuta sensível”. O grafite expõe e explora possibilidades de conexões entre linguagens e argumentos que marcaram a oposição à ditadura civil-militar e os riscos físicos e morais que o regime autoritário colocava em ação contra as pessoas e grupos que lutavam contra ele. Paulo Freire dedicou esse livro “aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam”. A tradução em francês dessa dedicatória destaca a solidariedade com os oprimidos. Solidariedade é “palavra-asa” (Marta Catunda) na obra freireana e integra o título de um dos seus livros póstumos, em parceria com Nita Freire e Walter Ferreira de Oliveira.
VIII
Quando Ai Weiwei esteve no Brasil e aqui realizou trabalhos em conexão com o contexto brasileiro, o pernambucano foi uma de suas interlocuções. Trata-se de uma série de 12 obras que Weiwei “criou utilizando couro de vaca marcado por ferro em brasa. Frases, letras de músicas e poemas de pensadores brasileiros, como Paulo Freire, foram gravados no couro. A tipografia é o alfabeto armorial de Ariano Suassuna”, como registrado em Pedagogia da solidariedade. A frase de Paulo Freire , escolhida por Ai Weiwei foi: The opressor consciousness tends to transform everything surronding it into an object of its domination (Raiz Weiwei, 2018).
IX
A capacidade e a legitimidade de indignar-se diante do inadmissível atravessam um dos últimos textos de Paulo Freire. Em abril de 1997, um assassinato escandalizou o país: jovens atearam fogo num homem que se encontrava num ponto de ônibus após uma manifestação dos povos originários em Brasília. Seu nome: Galdino Jesus dos Santos. Ficou conhecido como Galdino Pataxó. A contundente indignação de Freire frente a esse crime foi publicada no livro póstumo, organizado por Nita Freire, Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. Décadas após o assassinato de Galdino Pataxó, os povos originários continuam enfrentando todo tipo de violência, inclusive a praticada e ou apoiada por governos eleitos. A pedagogia da indignação vai se transformando em “pedagogia da raiva” (Rodrigo Barchi). Os povos originários resistem como sempre resistiram. Denunciam e reivindicam, com inúmeras vozes e linguagens, seus direitos. Ampliam suas redes de solidariedade. Estão presentes nas universidades, centros culturais, museus e galerias de arte contemporânea, nas ruas, esquinas e avenidas. O cacique Raoni foi recebido em audiência no Vaticano. O papa Francisco quebrou o protocolo e o abraçou. As novas gerações dos povos originários enfrentam, com arte e astúcia, a maquinaria da produção de ausência de sentidos dos poderes coloniais, colonizados e colonizadores. Oferecem banquetes anticoloniais. Um nome entre tantos possíveis: Arisanna Pataxó.
Marcos Reigota é professor do Programa de Pós-graduação em Educação e do Colegiado de Filosofia da Universidade de Sorocaba. Pesquisador do CNPq. Doutor pela Universidade Católica de Louvain.
(Publicado originalmente no site da Revista Cult)
Tijolinho: Os Coelho mudam de toca partidária.
Editorial: O "hábito" da democracia
Por razões óbvias, a democracia brasileira passou a ser uma preocupação frequente entre os analistas políticos. E até mesmo fora deste círculo restrito, posto que, um revés aqui e todos pagaremos as duras consequências de viver sob um regime de governo que se caracteriza pelo tolhimento das liberdades individuais e coletivas. Como deixamos claro no último editorial, sua saúde inspira cuidados, embora alguns advoguem que ela vai muito bem, a despeito dos últimos arroubos autoritários. E olha que não foram poucos esses arroubos, com alguns atores extrapolando os limites de sua atuação, para dizer "o que deve ser feito' e "como deve ser feito", numa clara demonstração de ingerência indevida nas instituições regulamentadoras desses procedimentos.