pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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quinta-feira, 7 de maio de 2015

Relatório da UNESCO sobre educação na América Latina: Ainda a nódoa do analfabetismo entre adultos no Brasil.

 

José Luiz Gomes escreve:
 
Não faz muito tempo, a Fundação Joaquim Nabuco divulgou uma pesquisa realizada com os alunos egressos da expansão do ensino superior público pelas cidades do interior da região Nordeste. Os governos de coalizão petista, Era Lula/Dilma, serão identificados, no futuro, como aqueles que mais contribuíram para o ingresso de jovens empobrecidos, entre 18 e 24 anos, no ensino superior público, através de programas como o Reuni.


Essa política de oportunizações envolvia, não apenas a ampliação física das unidades de ensino superior pública, sobretudo em cidades do interior, mas, igualmente, os Institutos Federais – as antigas escolas técnicas, que contou com uma expansão expressiva. Outros programas de incentivo à formação técnica – caso do Pronatec – também são desse mesmo período. Talvez por isso o Governo brasileiro fique tão incomodado com os números apresentados pelo relatório da UNESCO, que nos colocam numa situação vexatória, na condição de um país que cumpriu apenas 02 das metas traçadas na última reunião do grupo, a da universalização do acesso ao ensino básico e a meta da igualdade de gênero.


Sob certos aspectos, de fato, ocorreram avanços dos mais significativos na educação brasileira nos últimos anos. Basta considerarmos os dados apontados acima. Por outro lado, além desses indicadores não constarem das grandes metas traçadas pelo órgão, ainda fomos reprovados em 04 delas, inclusive uma que indica os graves problemas de mantermos os altos índices de população adulta analfabeta, uma estimativa que aponta para um pouco mais de 13 milhões de pessoas, um escore considerada alto, mesmo para os padrões latino-americanos.


Não vamos aqui brigar com os números, como o Governo Brasileiro insiste em fazer com os dirigentes da UNESCO. Esse procedimento de pedir revisão da nota – os professores sabem disso – nem sempre resulta em resultados satisfatórios. Até porque, se voltarmos à pesquisa da Fundação Joaquim Nabuco, vamos constatar um dado que apenas nos facultam a entender as duas faces do problema. Se por um lado avançamos – e isso é verdade – por outro não há como negar que deixamos de fazer o dever de casa em relação à população adulta analfabeta, entre outras questões.


De acordo com essa pesquisa, 83% dos pais desses alunos que concluíram sua formação superior no bojo da expansão e interiorização das IFES não tiveram a oportunidade de fazer uma faculdade. Sempre costumo afirmar – no tocante aos aspectos positivos – que fizemos uma verdadeira revolução. Por outro lado, mesmo com governos que demonstraram profunda sensibilidade social para o problema da educação, as políticas de educação para a população adulta ficaram muito aquém do esperado. Ou seja, as políticas públicas de educação supletivas para a população adulta sempre foram consideradas como de segunda categoria, como informou um pesquisador ouvido sobre o assunto. 

O EJA, para citarmos um exemplo, sempre viveu uma profunda crise de identidade. Seus problemas mais nevrálgicos nunca foram devidamente enfrentados. O currículo é improvisado – se parecendo uma colcha de retalhos formada por conteúdos emprestados do ensino fundamental; o perfil do alunado também dificulta bastante o trabalho dos professores, já que alunos “fora de faixa” do ensino tradicional acabam ingressando no programa. Os problemas estruturais de programas como o EJA refletem, em última análise, o caráter de menor importância concedido às políticas de educação destinadas à população adulta. Mesmo nos governos de coalizão petista, este cenário parece que não foi alterado, a julgar pelo expressivo contingente de analfabetos adultos ainda existentes no país. 


Analfabetismo e pobreza são irmãs siamesas. O perfil do analfabeto adulto brasileiro é: mulher, negra, idosa. As regiões Norte e Nordeste do país sempre concentraram um percentual maior da população adulta analfabeta. Ocorre no Brasil um fenômeno curioso - mais um. Nos últimos anos, 22 milhões de pessoas saíram da linha de extrema pobreza, em razão das políticas redistributivas de renda, embora não fossem verificados, como denuncia os dados, avanços significativos no combate ao analfabetismo entre a população adulta do país. 


Aponto a questão apenas como “curiosa”, uma vez que precisaríamos aprofundá-la através de pesquisas específicas. Recentemente, Dilma entregou ao professor Roberto Mangabeira Unger, ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos, a missão de elaborar o programa “Brasil, Pátria Educadora”. Já tivemos a oportunidade de falarmos sobre este assunto numa outra postagem. Nenhuma surpresa ao se constatar que a prioridade seja a educação básica. 


Não vai aqui necessariamente uma crítica, mas penso ser um descaso abandonarmos essa população adulta à sua própria sorte. Quando o professor Fernando Freire assumiu o comando da Fundação Joaquim Nabuco e estávamos (?) naquele dilema sobre como nos inserir nas políticas públicas do Ministério da Educação, tratamos, em e-mail, sobre este assunto. Infelizmente, em nosso país, é muito complicado envolver-se com essa questão. Parece que perdemos o timming com aquele “aborto institucional” ocorrido na década de 60, com o golpe civil-militar, onde até então a UNE se envolvia com essa problemática do analfabetismo. 


Observo que até mesmo as nossas postagens tratando deste assunto aqui no blog dão poucos acessos. Parece não haver demanda para a causa da população adulta analfabeta. E, em sendo assim, governos e partidos parecem empregar a máxima utilizada pelo professor Clóvis de Barros, da USP, num curso de Ciência Política que estamos acompanhando. Ou seja, “não adianta uma oferta sem demanda.” Preocupar-se ou investir nesse contingente não dá retorno. Simples assim? 

P.S do Realpolitik: Desse percentual de 83% dos pais desses alunos que não concluíram uma faculdade, apenas esse dado nos é informado. Não se sabe - e penso que a pesquisa não se preocupou com isso - qual o percentual deles, por exemplo, eram alfabetizados, concluíram o ensino fundamental ou o ensino médio. Em todo caso, reafirmo aqui a nossa tese sobre o descaso. O professor Sérgio Abranches, da UFPE, afirma que realizou uma palestra para um grupo desses alunos e, ao final, teve a curiosidade de perguntar aos pais - que estavam na plateia - quem ali os pais haviam concluído um curso superior. Ninguém levantou a mão.  
  

                  

                     

                     

                   

                   

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Vladimir Safatle: Não seja professor




Folha de São Paulo, 5 de maio de 2015


Quem escreve este artigo é alguém que é professor universitário há quase 20 anos e que gostaria de estar neste momento escrevendo o contrário do que se vê obrigado agora a dizer. Pois, diante das circunstâncias, gostaria de aproveitar o espaço para escrever diretamente a meus alunos e pedir a eles que não sejam professores, não cometam esse equívoco. Esta "pátria educadora" não merece ter professores.
Um professor, principalmente aquele que se dedicou ao ensino fundamental e médio, será cotidianamente desprezado. Seu salário será, em média, 51% do salário médio daqueles que terão a mesma formação. Em um estudo publicado há meses pela OCDE, o salário do professor brasileiro aparece em penúltimo lugar em uma lista de 35 países, atrás da Turquia, do Chile e do México, entre tantos outros.
Mesmo assim, você ouvirá que ser professor é uma vocação, que seu salário não é assim tão ruim e outras amenidades do gênero. Suas salas de aula terão, em média, 32 alunos, enquanto no Chile são 27 e Portugal, 8. Sua escola provavelmente não terá biblioteca, como é o caso de 72% das escolas públicas brasileiras.
Se você tiver a péssima ideia de se manifestar contra o descalabro e a precarização, caso você more no Paraná, o governo o tratará à base de bomba de gás lacrimogêneo, cachorro e bala de borracha. Em outros Estados, a pura e simples indiferença. Imagens correrão o mundo, a Anistia Internacional irá emitir notas condenando, mas as principais revistas semanárias do país não darão nada a respeito nem do fato nem de sua situação. Para elas e para a "opinião pública" que elas parecem representar, você não existe.
Mais importante para elas não é sua situação, base para os resultados medíocres da educação nacional, mas alguma diatribe canina contra o governo ou os emocionantes embates entre os presidentes da Câmara e do Senado a fim de saber quem espolia mais um Executivo nas cordas.
No entanto, depois de voltar para casa sangrando por ter levado uma bala de borracha da nossa simpática PM, você poderá ter o prazer de ligar a televisão e ouvir alguma celebridade deplorando o fato de o país "ter pouca educação" ou algum candidato a governador dizer que educação será sempre a prioridade das prioridades.
Diante de tamanho cinismo, você não terá nada a fazer a não ser alimentar uma incompreensão profunda por ter sido professor, em vez de ter aberto um restaurante. Por isso o melhor a fazer é recusar-se a ser professor de ensino médio e fundamental. Assim, acordaremos um dia em um país que não poderá mais mentir para si mesmo, pois as escolas estarão fechadas pela recusa de nossos jovens a serem humilhados como professores e a perpetuarem a farsa.

(Publicado originalmente em sua página do Facebook)


José Antonio Lima: Aprovação da PEC da Bengala na Câmara mirou Dilam e o PT


publicado em 06 de maio de 2015 às 16:24
pec da bengala
O Plenário da Câmara, comandado por Eduardo Cunha, durante a votação da PEC da Bengala. Foto: Gustavo Lima / Câmara dos Deputados
PEC da Bengala mirou Dilma e acertou a democracia
A estabilidade constitucional ficou sujeita à perversa conjuntura política atual
A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 457/05, conhecida como PEC da Bengala, é bem mais que uma derrota do governo Dilma Rousseff e do PT diante de uma Câmara cada vez mais hostil. Ao tentarem atingir o petismo na noite de terça-feira 5, os 333 deputados que votaram a favor do texto acertaram outro alvo: a credibilidade da democracia brasileira.
O teor da PEC da Bengala é bastante simples. O texto eleva de 70 para 75 anos a idade de aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), dos tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União (TCU). Parece bastante razoável pessoas de 75 anos contribuírem com o País, mas, sem regras complementares, como tempo específico de mandatos, a mudança pode eternizar magistrados em seus cargos e diminuir a renovação dos tribunais. Pior é a sinalização para as instituições.
Ressuscitada na atual legislatura, a PEC da Bengala influenciará diretamente a composição do STF, o órgão mais importante do Judiciário. Como cinco ministros do STF chegarão aos 70 anos até 2018, a regra atual daria a Dilma Rousseff a possibilidade de indicar seis ministros do Supremo antes do fim de seu mandato (Luiz Edson Fachin já foi indicado e aguarda sabatina no Senado). O cenário desagradou opositores, dentro e fora da base aliada, que decidiram restringir a prerrogativa presidencial: com a nova regra, o único ministro a ser indicado por Dilma deve ser Fachin.
Contribuiu para a aprovação da emenda o anseio da massa despolitizada batedora de panelas que trafega histericamente entre o submundo da internet – onde vicejam teorias conspiratórias sobre o “comunismo” do PT e do Foro de São Paulo –e as opiniões de jornalistas e autoridades, como Gilmar Mendes, o ministro que alertou para o risco de o “o bolivarianismo” adentrar o Brasil.
Ao alvejar Dilma, os congressistas tiraram não só da presidenta, mas da Presidência, a possibilidade de exercer um direito previsto na Constituição. Tal mudança de regras está dentro da legalidade, mas feita com a bola rolando só pode ser percebida como uma interferência ilegítima, que deixa no ar um indício golpista.
Para a sociedade e o mundo exterior, é uma demonstração de como ainda é falha a democracia brasileira. A estabilidade da Constituição, uma característica fundamental das democracias consolidadas, ficou submetida à perversa conjuntura política atual, numa demonstração de que a Câmara, sob a presidência de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), não tem qualquer tipo de compromisso com as instituições.
Não há dúvidas de que o superpresidencialismo brasileiro precisa ser contido, mas, no que diz respeito à composição do STF, os mecanismos para isso estão postos na Constituição. Cabe à presidência indicar os ministros do Supremo, mas é papel do Senado sabatiná-los e, se for o caso, rejeitar a nomeação. Não há no Senado o costume de exercer independência e rejeitar indicados que tornem o Supremo parcial ou partidário. Se fosse este o caso, talvez o STF não teria hoje um ex-advogado do PT de saberes jurídicos questionáveis ou um ministro que só desistiu de se filiar ao PSDB de Mato Grosso quando recebeu garantias de ser indicado ao Supremo.
Dilma e o PT perderam na noite de terça-feira, mas perdeu também a credibilidade do regime democrático brasileiro.
(Publicado originalmente no site Viomundo)

terça-feira, 5 de maio de 2015

Tijolinho Real: #ResisteEstelita




Penso que um dos "caras" mais ouvidos durante as manifestações das chamadas "Jornadas de Junho", no Brasil, foi o filósofo esloveno Zlazloj Zlizlek, um dos pensadores mais respeitados da atualidade. Dotado de um conhecimento e uma inteligência singular, sempre que se pronuncia sobre determinados assuntos, Zizek  produz análises consistentes e fecundas. Sobre as "Jornadas de Junho" não foi diferente. Zizek falou muitas coisas, mas, sobretudo em razão dos últimos acontecimentos do Paraná - onde a Polícia Militar do Estado reprimiu violentamente os professores - algo nos chamou atenção em sua fala: Nesses momentos bicudos, uma das possibilidades possíveis seriam o "endurecimento" do exercício do poder político. 

Durante aquelas jornadas, dois Estados da Federação se "destacaram" na repressão violenta e uso do arbítrio no combate aos manifestantes reais e "presumíveis" - criaram a figura do delito presumido. O aparato repressor do Estado ganhou um "status" inusitado de poder, para alguns analistas, típicos de um Estado de Exceção. Até hoje repercute bastante artigos nossos publicados sobre o assunto. Portanto não seria surpresa a forma como o Governo do Estado de Pernambuco vem enfrentando os movimentos sociais e as categorias de servidores grevistas,como os professores. Os neo-socialistas tupiniquins são um grupo formado por pessoas prepotentes, arrogantes, persecutórios, rancorosos, pouco afeito ao diálogo e o respeito à diversidade, que utilizam o aparelho de Estado como uma propriedade privada, uma capitania repatriada entre amigos, familiares e os asseclas de turno. 

Pelo andar da carruagem política, vamos muito mal de Governo em Pernambuco. Um bom exemplo foi o que ocorreu recentemente com a aprovação, em caráter de urgência, do Projeto Novo Recife - dizem que mudaram de nome, deram uma roupagem nova, mas ainda está longe de possibilitar o uso democrático do espaço urbano. Permanece o conluio formado entre poder público e capital, sem os canais de participação popular. Eles não tiveram sequer o pudor de respeitar os trâmites legais. Justiça, neste caso, é uma mera questão de conveniência. Ela está irremediavelmente comprometida pelos interesses do capital. A aprovação do projeto em caráter de urgência e já sancionado, de fato, soa como uma revanche aos apupos ouvidos contra a oligarquia durante o Cine PE, realizado no domingo, no Cine São Luiz. 

A enorme dificuldade de conviver e de respeitar quem pensa diferente, parece ser uma marca indelével desse grupo político. Não convivem muito bem com as críticas. Não estão preparados para o exercício do poder num clima de normalidade democrática. Perdem a compostura com a maior naturalidade. Ordenam a turma do choque baixar a lenha, ameaçam abrir processo contra os críticos, utilizam as influências, a capilaridade e o aparato do Estado para perseguir adversários. Que coisa feia, que coisa anti-republicana. Os amigos que nos escutam ficam espantados que isto esteja ocorrendo num Estado de um povo tão altivo como Pernambuco.

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domingo, 3 de maio de 2015

Tijolinho Real: Papa Francisco pede ajuda de Leonardo Boff para a nova encíclica da Igreja.


Em 1984, depois de um processo movida pela Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, antigo Santo Ofício, então presidido pelo cardeal Joseph Ratzinger, que se tornaria o Papa Bento XVI, o Frei Leonardo Boff foi afastado de suas atividades relacionadas à Igreja Católica. Foi lhe imposto um "silêncio obsequioso", que o proibia de dar aulas, fazer palestras etc. Naquele momento, Leonardo Boff era acusado de se contrapor a alguns dogmas da Igreja, através do livro "Igreja, Carisma e Poder". Acompanhamos de perto o episódio. Aconteceram alguns lances curiosos nesse processo. Profundamente estudioso, o Frei brasileiro - adepto da Teologia da Libertação, teria passado por várias instituições acadêmicas, inclusive na Alemanha, a terra de Bento XVI. Ratzinger também foi um aluno bastante aplicado, tendo chegado ao doutoramento. Boff se preparou bastante para a sua defesa. Quando foi intimado ao Vaticano, sentou-se na mesma cadeira de Galileu Galilei. Penso que deve ter lido tudo sobre o seu inquisidor. Questionado sobre alguns autores usados em seus escritos, ele respondeu que aqueles autores eram os mesmos então utilizados pelo futuro Papa em seus estudos acadêmicos. O tempo passou, Bento XVI pediu afastamento de suas funções, Francisco assumiu a direção da Igreja Católica. Agora vem a notícia de que o Papa Francisco teria ligado para Leonardo Boff, solicitando um dos seus livros para ajudá-lo na construção da nova encíclica da Igreja. É a vida.

PERIGOSOS PROFESSORES - DESCE A LETRA

Mangabeira Unger: O oráculo de Harvard será o nosso libertador da nação?


Há poucas horas tivemos acesso ao documento concebido pelo professor Roberto Mangabeira Unger, ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, com proposta para o Brasil, Pátria Educadora, o lema do segundo Governo Dilma Rousseff. Como se sabe, todo documento escrito pelo professor de Harvard exige leituras e releituras. Talvez possamos abrir aqui uma exceção para aqueles que leem o documento já com o propósito de desqualificá-lo, como alguns colunistas dos jornalecos golpista. Não é este o nosso caso. Vou ler com aquela atenção de quem, de fato, almeja por melhorias substantivas de nossa educação e quem tem o respeito necessário pelo professor Roberto Mangabeira Unger. Esse respeito vem de longas datas, de uma época em que o mesmo realizou conferências no CFCH-UFPE, penso que já na condição de ministro do Governo Lula. Trata-se de um cidadão excêntrico, polêmico, mas, independentemente desses traços de personalidade, o vejo, em diversos momentos, profundamente preocupado com os rumos do país, sobretudo no capítulo concernente ao papel a ser exercido pelo andar da baixo da pirâmide social. Antes de entrarmos na polêmica desse documento atual, ele tem uma tese que nos agrada bastante. Observando o perfil - e a insensibilidade da intelectualidade brasileira, que, historicamente provém dos estratos sociais médios - Mangabeira assegura que a verdadeira revolução social seria promovida pela chamada contra-elite, ou seja, quem mudaria a face deste país seriam os estudantes pobres que estão tendo acesso ao ensino superior. Nos governos da coalizão petista tivemos avanços substantivos nesse aspecto, com programas como o Reuni. Pesquisas da Fundação Joaquim indicam que para 83% desses jovens egressos, sobretudo no processo de expansão do ensino superior público para regiões do interior, os pais não tinham curso superior. Não custa repetir, uma verdadeira revolução. Mangabeira já se aproximou de diversos políticos brasileiros. Nos parece que a ideologia não seja muito bem o seu norte. Aliás, isso não se constitui necessariamente uma crítica, posto que o professor Clóvis em suas aulas de Ciência Política já nos informa que o termo hoje não serve sequer para definir os partidos políticos. Confessamos que ficamos preocupados com a saída de Marcelo Neri daquela Secretária, assim que Dilma tomou posse. Afinal, ninguém mais identificado com os "assuntos estratégicos" do país. Neri foi substituído por Roberto Mangabeira Unger, que, conforme informamos, já havia assumido a pasta antes, no Governo Lula. E eis que Dilma nos surpreende, solicitando a ele um plano refundador da educação nacional. E ele começa bem, para além das críticas dos jornalecos especializados em atingir o Governo Dilma. Como qualquer megaplano, irá exigir bastante negociação com a sociedade, pois pretende envolvê-la diretamente no processo. Mangabeira fala de "forças tarefas" para ajudar os pais dos alunos com dificuldades em acompanhar seu desenvolvimento na escola; agentes comunitários que se envolveriam diretamente nas atividades das escolas com baixo índice de qualidade social da educação etc. O Plano está estruturado em 04 eixos: federalismo, currículo, qualificação e valorização docente, além do aproveitamento de novas tecnologias. Atinge o principal gargalo de nossa educação: o ensino básico. Em termos de federalismo há aqui um ponto que já causou polêmica com o ex-ministro da educação e hoje senador da República, Cristovam Buarque. Na proposta de Mangabeira, não há uma preocupação com a "refederalização" ou "desmunicipalização" da educação básica, como parece ser a preocupação do senador. Há, de fato, algumas arestas políticas que precisam ser aparadas. O plano foi concebido sem a ouvida do filósofo Renato Janine Ribeiro, que hoje ocupa o Ministério da Educação. Sequer foi convidado no momento do lançamento do programa. Faltou aqui um pouco de vaselina política. Um outro aspecto a ser observado - e nisso Orlando Tombosi - o jornalista do tal jornaleco tem razão - é a pouca sintonia com o Plano Nacional de Educação. Muito aqui para nós, pensamos que Mangabeira - do alto de sua auto-suficiência acadêmica - sequer leu o plano. Um outro aspecto que nos inquieta é o aproveitamento de experiências bem-sucedidas pelos reformadores empresariais da educação, mas aqui há de se dar o desconto necessário ao nosso conhecido preconceito a tudo que vem do capital. Vamos aproveitar esse espaço aqui nas redes sociais e na blogosfera para debater as questões diretamente relacionadas ao assunto. Quem nos acompanha já deve ter observado que, nos últimos meses, o tema educação, passou a assumir uma relevância maior nas nossas discussões. Quanto às ideias tidas como inexequíveis ou politicamente inviáveis do professor Mangabeira Unger, esperamos, sinceramente, que elas se materializem e este país deixe de ser um gueto e torne-se, de fato, uma nação.

Precisa ler também:

Orlando Tombosi: O plano de Mangabeira Unger para a educação

Foto de José Luiz Silva.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

A caminhada do PSDB para a direita está completa

A caminhada do PSDB para a direita está completa

O PSDB se tornou um boneco de ventríloquo: aparelhado pelas forças sociais conservadoras, coloca a truculência policial ao dispor do reacionarismo.



Maria Inês Nassif
Aécio Neves / Flickr
A violenta repressão da Polícia Militar a uma manifestação de professores em Curitiba – que justificadamente protestavam contra o assalto do governo do Estado a um fundo de Previdência que é deles – traz preocupações que transcendem a própria violência. O perfil dos governos do PSDB nos Estados onde, teoricamente, o partido tem líderes de vocação nacional, confluem para um conservadorismo orgânico, para um modelo tucano de governar vocacionado ao fiscalismo, à visão desumanizada do servidor público e do que se considera adversários políticos, ao desprezo pela gestão pública e, fundamentalmente, para uma opção por uma política de segurança pública pautada pela força bruta.
 
Se isso for considerado no plano nacional, e numa conjuntura em que a esquerda está enfraquecida, a perspectiva futura de poder federal – se as forças no poder não se reerguerem – é de governos altamente conservadores, fiscalistas, desumanizados, alheios à função social da gestão pública e truculentos. Esse é o pior dos Brasis pensados para o futuro.
 
Os dois governos, de Beto Richa (PR) e Geraldo Alckmin (SP), fecham o ciclo da caminhada perseverante do PSDB rumo à direita. É a linha ideológica, hoje, o principal liame entre os políticos do partido e sua base partidária, e ela foi tecida de fora para dentro, já que o partido nunca conseguiu resolver uma dificuldade histórica de constituir-se em formulador ideológico e formador de quadros.
 
Na verdade, são as forças sociais conservadoras e os meios de comunicação, apoiadores incondicionais do PSDB, que têm desempenhado o papel de escolher os quadros tucanos e de definir ideologicamente a legenda. Por esse filtro, jamais a qualidade do quadro é colocado como condição para sua ascensão midiática, que por sua vez define as escolhas internas do partido: o apoio é simplesmente proporcional à capacidade ofensiva (no pior sentido) do político, nunca ao que ele pode agregar a um projeto de Brasil ideológico e consistente.
 
No momento em que se aliou a essas forças de forma radical, o PSDB acabou se tornando prisioneiro de sua própria armadilha. A estratégia de desqualificar a política institucional, usada para minimizar os ganhos eleitorais do petismo, acabou se constituindo na desqualificação de si próprio. Para as forças sociais e para os meios de comunicação aliados ao PSDB por conveniência, o partido é apenas um instrumento na guerra deflagrada para vencer a esquerda, que teve no petismo a sua principal expressão.
 
Se a esquerda institucional hoje tem sérios problemas de qualidade de quadros, a direita mais ainda. Hoje, os políticos que “repercutem” as denúncias cavadas diuturnamente pela mídia tradicional, numa estratégia perseverante de desconstrução da esquerda, têm uma condição não melhor do que o boneco no colo do ventríloquo: fala o que o dono quer ouvir. Sem condições de alçar voos pela qualidade de seus quadros, o PSDB depende hoje desesperadamente, e unicamente, de ser o escolhido pela mídia tradicional como instrumento de guerra; e de, nessa condição, ser o alvo preferencial dos financiamentos empresariais dentro da oposição. Com dinheiro e com apoio das mídias, não há condições de qualquer outro partido oposicionista concorrer com ele como aparelho ideológico preferencial da direita.
 
Como força política institucional, o PMDB, hoje, estaria muito mais apto a desempenhar esse papel – a substância ideológica peemedebista, depois de extraído o sumo da fisiologia, é francamente conservador. Mas não vai. Isso porque o PMDB de Eduardo Cunha e Renan Calheiros não é um partido nacional com chances de ser aparelhado por esses grupos, mas uma soma de chefes políticos estaduais e de grandes interesses econômicos comezinhos e particulares. Os pemedebistas sobrevivem do outro lado do balcão, o governista, com mais segurança, hoje com chances de grande autonomia, e a um custo muito mais alto para essas forças sociais do que a que impõe um PSDB sem quadros e sem personalidade própria. As fragilidades tucanas são atrativas para a direita social porque isso o torna altamente manipulável.
 
A ausência de vida interna do PSDB e o aparelhamento do partido pelos meios sociais e forças políticas conservadoras, ao longo dos últimos 12 anos, produziu um saldo desalentador. O candidato a presidente nas últimas eleições, derrotado, não consegue sequer formular uma estratégia de oposição minimamente consistente para construir uma personalidade própria, sua e do partido. A única estratégia política de Aécio Neves, presidente nacional tucano, é tirar a candidata vencedora nas eleições do ano passado do poder, a qualquer custo, e antes que cumpra o mandato para o qual foi eleita.
 
Nos Estados, Alckmin e Richa professam o conservadorismo que os apoiam usando a linguagem mais conservadora disponível: o uso da truculência policial, que se submete ao executivo estadual. No Senado, a profissão do preconceito como arma ideológica, e a mesma truculência, se consolidam. E tudo isso leva de roldão o que se considerava, há pouco mais de duas décadas, a nata da inteligência socialdemocrata do Brasil. Não é à toa que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fala, desfala e desordena pensamentos, como uma biruta numa tempestade de ventos. Este não é um cenário propício para o exercício da inteligência.

(Publicado originalmente no Portal Carta Maior)

A brutalidade contra os professores e os resquícios da Ditadura.


postado porAlyson Freire

A brutalidade estatal contra os professores do Paraná ocorreu entre o período de celebração de duas datas históricas carregadas de significado político: 30 anos da Redemocratização do Brasil e o Dia Internacional do Trabalho.  Além de toda a truculência física e política, isso torna o violento episódio ainda mais vergonhoso e brutal. Porém, de uma maneira dolorosa, ele aponta para uma reflexão premente acerca dos limites de nossa Redemocratização e os sentidos em que avançamos a propósito do respeito ao trabalho e aos trabalhadores. Desse modo, o ataque contra os professores paranaenses aporta relevantes características acerca do momento político em que estamos e os dilemas que temos de enfrentar.
Em primeiro lugar, os 30 anos da Redemocratização do país. Em 15 de Março de 1985, depois de mais de 20 anos de repressão militar, o Brasil restabelecia a democracia com a posse de um presidente civil, o vice-presidente de Tancredo Neves, José Sarney, e, assim, reabria o processo democrático com partidos políticos, convocação da Constituinte, eleições diretas, maior liberdade de ir e vir e manifestação e de expressão política.
traEm segundo lugar, o Dia Internacional dos Trabalhadores ou do Trabalho, 1 de maio. Uma data histórica que estabeleceu, no mundo, um marco civilizatório quanto às relações de trabalho e os direitos das pessoas que dele vivem; jornada de 8 horas, melhores salários, descanso semanal remunerado, direito à greve, período anual de férias. Não custa lembrar que a data é, também, uma homenagem aos trabalhadores da cidade de Chicago (EUA) que, em 1886, em 1 e 4 Maio daquele ano se mobilizaram e foram às ruas para reivindicar melhores condições de trabalho, sendo por isso brutalmente reprimidos pela polícia local. O saldo macabro da repressão foi 20 trabalhadores mortos, centenas de feridos e presos, que, depois, em julgamento foram condenados ao enforcamento. No Brasil, tivemos, historicamente, nessa data o anúncio de novas leis trabalhistas, novos salários mínimos, a criação da Justiça do Trabalho (1941), entre outras medidas de celebração e reivindicação dedicadas a melhorar as condições dos trabalhadores no país.
A ofensiva contra a mobilização dos professores, que estão protestando e lutando contra a perda de benefícios trabalhistas e previdenciários dos servidores públicos estaduais, mostra o quanto a nossa cultura e instituições políticas ainda não assimilaram plenamente o legado civilizatório das duas marcantes datas históricas evocadas acima. Como pudemos observar no cerco da Polícia Militar paranaense a Assembleia Legislativa e sentirem no corpo os professores paranaenses, a redemocratização do país não eliminou o entulho autoritário da Ditadura e sua voracidade por reprimir e marcar nos corpos dos indivíduos a força do Estado.
As atitudes do governador Beto Richa (PSDB) da Polícia Militar revelam a continuidade de diversos traços autoritários da ditadura: práticas abusivas de poder que se impõem à revelia dos interesses e bem-estar populares, o uso da violência como política de Estado e a banalização da repressão violenta contra mobilizações políticas e manifestantes. Sobre esse último ponto, dois exemplos ilustram terrivelmente a banalização da repressão violenta: primeiro, o vídeo feito da sacada da sede do governo do PR em cujo áudio podemos ouvir a comemoração e o entusiasmo com as agressões que os professores estavam sofrendo; segundo, a comunicação oficial da coordenadora de imprensa da PM paranaense que assim afirmo a respeito da ação da polícia: “Desproporcional seria o uso de armas letais”.
Estamos diante, com efeito, de um aparato de poder que assume como limite da desproporcionalidade de sua ação o limite de tirar a vida do outro,PM pr II como se tudo mais abaixo desse limite, o abuso, a violação, a truculência, o uso excessivo da força, a tortura, fossem atos aceitáveis, legítimos e proporcionais. Isso por si só já é assustador e bárbaro. O mais absurdo é que aceitemos com tamanha naturalidade essa fala estando num democracia! Esse entendimento absurdo expresso na comunicação da PM somente é possível porque a mentalidade autoritária que animava e banalizava o uso da violência durante o período da ditadura persiste entre nós. Ou seja, a violência e brutalidade estatal não apenas encontram abrigo nas instituições mas continuam sendo tratadas como um fato banal, natural ou, na melhor das hipóteses, um mal necessário que parte da sociedade aceita e, em alguns casos, celebra – como demonstra o áudio e os entusiasmos coletivos atuais da sociedade brasileira com a pena de morte na Indonésia e com a proposta de redução da maioridade penal. Tudo isso, a meu ver, revela o quanto os discursos de esquecimento das violações aos Direitos Humanos e de minimização da violência, da arbitrariedade e do trauma da ditadura brasileira desfruta de força e aceitação em nossa sociedade não importando se estamos em um regime democrático, o qual deveria, em tese, ser profunda e efetivamente contrário a qualquer tipo de mentalidade e atitude que atente contra a integridade e dignidade das pessoas.
Os abusos do governo e da PM paranaense contra a luta dos professores pelos direitos e garantias dos servidores exprimem ainda o desrespeito persistente contra os trabalhadores e suas mobilizações na tentativa de lhes impor, à força, como bem se viu, um provável futuro de insegurança socioeconômica, passando por cima, sem tergiversações, de suas expectativas e insatisfações. O que temos assistido no Paraná nos últimos meses é um projeto de retração planejada do papel de proteção social do Estado no que se refere ao trabalho – o que vem ocorrendo, também, a nível nacional, diga-se, pela ação de um congresso conservador e com a anuência de um partido que carrega “trabalhadores” em seu nome. Insegurança socioeconômica e desproteção social, duros e nefastos golpes que se somam às balas de borracha, bombas, pitbulls e cassetetes infligidos contra aqueles que, no dia-a-dia, estão acostumados somente a empunhar gizes e cartazes. Contrário a tudo, portanto, contra o que a classe trabalhadora em todo o mundo lutou ao longo dos últimos séculos. Este foi o presente dado pelas autoridades públicas aos trabalhadores do Paraná.
Portanto, que o episódio tenha ocorrido às vésperas do Dia Internacional do Trabalho e envolva diretamente questões e direitos dos trabalhadores somente agrava e confirma nossa dificuldade em eliminar heranças autoritárias e assumir os legados civilizatórios da história, como o são a Redemocratização e o Dia Internacional do Trabalho. Essa dificuldade e a resistência em lidar efetivamente com os resquícios autoritários que continuam a atuar na atualidade prolongam a sombra do Estado de Exceção e, em razão disso, coloca em questão o nosso processo de democratização e a necessidade de criar novos rumos e parâmetros para, assim, quem sabe, eliminar o que resta da Ditadura. A barbaridade, que deixou mais de 200 feridos, cometida contra os professores do Paraná não pode ficar impune em um regime democrático, pois, que característica é mais definidora de uma ditadura senão a impunidade da violência cometida? Especialmente, da violência que é realizada pelo Estado contra os indivíduos. Foi isso o que, lamentavelmente, vimos na tarde do dia 29/04/2015. As balas de borracha e bombas também feriram, gravemente, a democracia brasileira.
(Publicado originalmente no Carta Potiguar)

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Michel Zaidan Filho: Adversidade Federal de Pernambuco

 
 
 
 
Estava eu saindo da UFPE, à noitinha, procurando me esquivar dos cabos eleitorais das diversas candidaturas à reitoria, quando fui abordando por um companheiro ligado a uma das chapas que, em tom de súplica, me pediu que o ouvisse. Tudo bem: dizia que estava estarrecido diante do circo de horrores em que tinha se tornado a eleição para reitor da Instituição de ensino público. Apoiador, como era, de uma candidata que não estava na primeira linha das chapas majoritárias (pelo apoio e os recursos), passou ele a relatar as práticas escabrosas utilizadas na campanha pelos candidatos, escabrosas de fazer corar o mais atrasado chefe político do interior. Ora era o gestor/candidato que estava trocando cargos - de uma futura reestruturação administrativa da UFPE, por apoio eleitoral. Ora era o uso desbragada da máquina administrativa para arrastar diretores, chefes, coordenadores etc. 
 
Ora era a cabala descarada de votos por servidores da administração universitária, devidamente uniformizados, formando grupinhos em torno das urnas e sessões de votação, num declarado movimento de indução do voto de seus subordinados. Segundo o colega, ocorreu até mesmo o episódio do candidato/gestor comparecer ao núcleo de aulas da graduação/CFCH, para "mandar os alunos descerem para votar (nele). Será que a universidade tornou-se ela caudatária e herdeira de tudo que não presta na política partidária do país? - Ou seja, ao invés de ser um centro irradiador da mudança, da inovação, do espírito crítico, virou o museu de cera de madade tussard das velhas práticas clientelísticas dos currais eleitorais do interior? Mais lamentavel é ver colegas que se intitulam de esquerdistas, revolucionários e que tais ostentando no peito o nome de candidatos que se transformaram em meros gerentes do Governo Federal no interior da UFPE. 
 
De nada adianta argumentar que uma pessoa que chama a Polícia Militar e Federal para o campus, que privatiza a gestão do HC, que criminaliza o movimentos estudantil, jamais poderia ser eleito por uma comunidade democrática e republicana. Muito menos de docentes e acadêmicos. Mas prevaleceu o corporativismo, o troca-troca, as promessas ocultas e não reveladas daqueles que ocupam a administração universitária, prometendo o céu, a terra e o mar. Seja qual for o resultado dessas eleições, o processo está comprometido, muitas faltas foram cometidas contra a administração pública, pela partidarização, o uso da máquina, dos cargos, das hierarquias e até mesmo dos canais oficiais da comunicação universitária - usados sem cerimônia para propaganda oficial. Numa disputa como essa, só tem perdedores. Não existe ganhador. Toda vitória será de Pirro.  E as consequências do troca-troca vão se revelar depois para a vida universitária.
 
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD/UFPE. 


segunda-feira, 27 de abril de 2015

Tijolinho Real: Em Paulista, a classe operária nunca foi ao paraíso.


Fico muito preocupado com os rumos que os gestores estão imprimindo à cidade de Paulista, na Região Metropolitana do Recife. Nunca fiquei muito satisfeito com as parcerias público-privada e seus projetos de requalificação do seu centro histórico. Ocorre ali mais ou menos o que ocorre aqui no Recife, onde o capital acaba impondo seus interesses, com a conivência do poder público, onde a população sequer é ouvida sobre as intervenções no traçado urbano. Esse processo de exclusão de segmentos expressivos da população vai desde o momento da participação nas mesas de negociações até o seu alijamento literal da possibilidade de usufruir desse patrimônio, ou seja, a cidade passa a ser um espaço de alguns poucos privilegiados, aqueles que reúnem as condições econômicas de adquirir uma sala, um apartamento desses espigões de concreto, com o preço lá nas alturas. Forma-se um conluio entre poder público e iniciativa privada, extremamente danoso para alguns segmentos sociais, sobretudo os mais fragilizados. Daí ser muito comum a utilização do termo: "intervenção de caráter higienista" . Essa expressão, em certo sentido, é muito feliz uma vez que traduz o que ocorre na prática. O interesse público é totalmente subordinado às ações invasivas do capital. Não é incomum, uma vez aprovado esses projetos de intervenção urbana, depois surgirem as irregularidades corriqueiras: agentes públicos corrompidos; projetos aprovados sem uma análise consistente sobre seus impactos sociais e ambientais; segmentos sociais alijadas de participarem dos espaços urbanos. Infelizmente, a cidade ressente-se de gestores públicos sérios, de políticos rigorosamente preocupados com o bem-estar de sua população. Há muitos aventureiros, forasteiros e filhotes ou aprendizes de oligarcas. Historicamente, a cidade sempre foi muito segregacionista, isolando, de um lado, a oligarquia industrial da família Lundgren e, de um outro, os operários da Companhia de Tecidos Paulista. Um bom gestor público da cidade teria como missão primordial quebrar esses paradigmas históricos e não fortalecê-los, como nos parece ser a tendência adotada pelo atual prefeito, um preposto do ex-governador Eduardo Campos. Sabiamente, o professor Durval Muniz Jr nos recomenda muita cautela nesse discurso de "resgate histórico". Disse ele, em primeiro lugar, que quem resgata é o corpo de bombeiros ou o SAMU. Depois, há muito coisa que não vale a pena resgatar mesmo. Minha cidade é um exemplo típico disto. Que memória resgatar da opressão da família dos oligarcas industriais sobre a população mais carente da cidade? Em síntese, tanto as investidas do capital quanto aqueles que destoam dessas intervenções precisam fazer uma reflexão sobre o outro lado da história daquela cidade - que já foi um dos mais opulentos parques industriais têxteis do Brasil - mas que tem uma experiência marcada por muita opressão à classe operária.

domingo, 26 de abril de 2015

Novela Babilônia - Ester Aguir


Ester Aguiar
Beijo entre Nathália Timberg e Fernanda Montenegro - Novela Babilônia da Globo.
Beijo entre Nathália Timberg e Fernanda Montenegro – Novela Babilônia da Globo.
Venho acompanhando nos últimos dias pelas redes sociais e jornais a polêmica que se estabeleceu, em nível nacional, sobre a novela das nove horas da Rede Globo, Babilônia, escrita por Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga e dirigida por Dênis Carvalho.
Há algum tempo não vejo novelas, por opção. O que me surpreendeu foi a força da guerra de opiniões a favor e contra a novela Babilônia, fato que me levou a passar a assistir alguns capítulos da trama para entender o que se passava no imaginário coletivo, a ponto de fazer com que tradicionais críticos da Rede Globo, que participaram de movimentos para tirar o programa BBB (Big Brother Brasil) do ar, por considerar o programa amoral e imoral, declararem seu apoio incondicional à novela.
Corre nas redes sociais uma declaração do Dr. Dráusio Varella diagnosticando o conservadorismo de quem critica o comportamento sexual alheio. Ele afirma que ninguém tem nada a ver se o vizinho é casado com outro homem, ou se a vizinha é apaixonada por uma colega de trabalho. Em outro manifesto, não assinado, divulga-se a caracterização do beijo como ação genérica, que não faz referência à cor da pele, ao sexo de quem se beija, nem à idade.
Por outro lado, moralistas, principalmente liderados por evangélicos e outros religiosos, condenam a novela com argumentos de que Babilônia é um acinte à família brasileira, com depoimentos como: “A arma está em sua mão, desligue durante a Babilônia e dê o maior prejuízo a quem quer desmoralizar a família”. Feliciano, deputado federal pelo PSC-SP, chega a propor o boicote à empresa Natura, por ser uma das patrocinadoras da novela, alegando que “o silêncio dos evangélicos às vezes custa nossos valores”.
A controvérsia chegou até a Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, onde deputados se pronunciaram contra o preconceito e homofobia dos que criticam a novela. Na Câmara de Vereadores do Recife, o palpite do presbítero Adauto foi no sentido de vincular a figura de satanás, em debate sobre Babilônia.
O que provocaria este furor da opinião pública assim dividida sobre um seriado televisivo? As cenas dos primeiros capítulos, onde duas atrizes de grande porte encenam um beijo na boca, na condição de casal lésbico? As brigas em família e troca de tapas entre mãe e filha, que chegaram a provocar um aborto? O assassinato de um amante praticado por uma ninfomaníaca? O atropelamento de um jovem favelado negro por um playboy branco e rico?
Passei a ver alguns capítulos da novela. O que percebi?
Primeiro: considero que esta é apenas mais uma novela padrão Rede Globo. Cenários e atores bem posicionados, representando, sempre, papéis muito semelhantes. Os personagens extremamente caracterizados como membros de núcleos do bem e núcleos do mal. Por “coincidência” os maus são brancos e ricos e os bons são negros e pobres; exceção das homossexuais, que são ricas e brancas.
Os negros são humilhados pelos brancos, e fazem, quase sempre, o discurso do politicamente correto e críticas às condições de vida do brasileiro, especialmente, as dos negros, numa demonstração nítida de que o preconceito racial ainda é muito forte no país. Os brancos, em sua maioria ricos, usam clichês preconceituosos, especialmente com comentários contra pobres e negros, e são, quase todos, perversos e portadores de conduta social não ética. Merece destaque a exceção da personagem de uma das parceiras do casal lésbico, que é bom caráter, defensora dos pobres e oprimidos. É advogada, militou contra a ditadura, pelos direitos humanos e, hoje, é defensora da causa dos homossexuais e contra a homofobia.
Depois dessas observações, a que conclusões eu chego? Que a polêmica sobre a novela reproduz, em todos os detalhes, a polêmica que se instalou no Brasil nos últimos tempos, maniqueísta e bipolar que joga, de um lado, os defensores de uma ética, dos direitos das minorias, do discurso do politicamente correto e, do outro, os críticos das mudanças sociais e culturais, uns acusando os outros, sem que se abra qualquer espaço para o debate.
Esta tendência de ausência do enfrentamento de opiniões contrárias, quer seja enquadrado como de direita, quer de esquerda, vem tumultuando o processo democrático de discussão e debate, cada lado querendo impor o seu ponto de vista, sem que se consiga a construção de uma terceira via, capaz de produzir uma nova harmonia e a solidariedade entre grupos. Em nada isto contribui para o fortalecimento das instituições: leva a melhor quem consegue ter mais poder.
E eu, que, diante dos comentários acalorados, fui em busca de um novo Nelson Rodrigues… Em sua época, este autor foi considerado um escritor maldito, amoral e imoral, condenado pela crítica especializada e por grande parte dos leitores e frequentadores do teatro. Qual o seu defeito? Tentar mostrar, sem rodeios “a vida como ela é”.
Através das fragilidades dos homens na vida cotidiana, onde predominam ações instintivas de impulsos e paixões (coisa que qualquer terapeuta ou psicanalista conhece muito bem, ao ouvir os dramas que chegam aos seus consultórios), os personagens que ganham vida na obra de Nelson passam a apresentar conflitos derivados do desequilíbrio entre as instâncias psíquicas, e fragilidade éticas, fazendo que eles oscilem entre o real e o irreal.
Em suas obras Nelson Rodrigues privilegia os desejos inconscientes, primários. Ele trabalha com a crueza, a perversão latente e o não dito que constituem o ser humano.
Preconceito contra os negros? Nada ilustra tão bem como a sua obra “Anjo Negro”, que tem por trama central o caso amoroso entre um negro e uma branca, num relacionamento que mistura prazer e culpa. Preconceito contra o homossexualismo? Basta ler “O Beijo no Asfalto”, onde é mostrado um beijo entre dois homens e a repulsa ao ato como uma perversão, mesmo que seja em um mundo sem leis ou regras fixas, em que não existe respeito mútuo e onde, na luta de todos contra todos, vence o mais forte. Se o caso é de ninfomania, por que não lembrar “A Dama do Lotação”, cuja personagem central, mesmo sendo uma senhora de classe média abastada, sai, como “La Belle de Jour”, para encontrar parceiros nas paradas de ônibus suburbanos?
Mais a Nelson Rodrigues que a Babilônia! E vamos abrir espaço para o debate de ideias, com menos preconceitos e respeito às diferenças.

(Artigo publicado originalmente na Revista Será?

Debate; Terceirização e a PL 4330