pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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domingo, 9 de agosto de 2015

Tijolinho do Jolugue: Existe alguma equação política para um país chamado Brasil?




José Luiz Gomes


Hoje li um artigo muito lúcido do cientista político Wanderley Guilherme dos Santos. Tivemos a oportunidade de conversar com ele, por alguns poucos minutos, há alguns anos atrás, antes de sua palestra no antigo Seminário de Tropicologia da Fundação Joaquim Nabuco, ainda sob o comando do sociólogo Sebastião Vilanova. Depois, em razão de nossa dissertação de mestrado utilizar algumas referências teóricas concebidas por ele, voltamos a manter alguns contatos pontuais. Wanderley é o autor da tese de Lei de Ferro da Competição Eleitoral, que, literalmente, centrifuga as mais nobres aspirações das agremiações partidárias, mediante o jogo pragmático da competição pelo voto, que estabelece suas regras próprias, inexoráveis. Alguns partidos, sobretudo os orgânicos como o PT, nascem pequenos, conquistam os eleitores ideologicamente orientados, mas, no decorrer do tempo, precisam acenar para outros contingentes eleitorais, concretizar alianças, formalizar coalizões de governo e é exatamente aqui que mora o perigo. O ideal seria se esses partidos, depois que chagassem lá, pudessem se livrar dessas forças auxiliares - conforme recomendava Maquiavel - mas nem sempre isso é possível. 

O PT, de certa forma, também foi vítima disso. Para chegar lá, precisou compor alianças com forças conservadores; fazer concessões demasiadas aos setores da elite; conviver com a corrupção dentro do seu quintal, atingindo, inclusive seus membros de caráter mais frágil. Com bastante lucidez, o professor Wanderley Guilherme, em linhas gerais, advoga que esse foi o preço a ser pago pelo partido ao adotar as políticas sociais que favorecerem o andar de baixo,  em suas gestões.À medida em que essas políticas se ampliavam, na mesma proporção, ampliavam-se as necessidades de novas e perniciosas permissividades aos setores conservadores da sociedade brasileira. Conservadores e não menos corrupto. Eis aqui uma equação bastante complicada.

Esse jogo, segundo o cientista político, levou a esse impasse político ou crise institucional gravíssima que estamos vivendo no momento. É... isso não poderia dar muito certo mesmo. A dimensão do problema é perceptível pelos atores políticos envolvidos nessas falcatruas. Tudo indica que teremos um suspiro de república na próxima segunda-feira. Rodrigo Janot, que foi reconduzido ao cargo de Procurador-Geral da República - numa atitude louvável da presidente Dilma Rousseff - deve denunciar nada menos que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha(PMDB), Renan Calheiro(PMDB), presidente do Senado Federal, e o senador Fernando Collor de Mello, que o tratou de filho da puta recentemente. Os três, em tese, são "aliados" do Governo Dilma. Vejam que confusão estamos metidos. 

Nos raros momentos em que a república atua, tem que cortar na própria pele. Num debate recente, o também cientista político, Claudio Gonçalves Couto, da FGV, que inciou seus estudos acadêmicos com uma dissertação sobre o Partido dos Trabalhadores, também se declarou pessimista sobre o rumo do país. Essa profunda hierarquização do país, cindindo em polos opostos, o andar de cima e o andar de baixo, constitui-se, de fato, num gravíssimo problema. Infelizmente, talvez não tenhamos mesmo solução para isso. Quando houve a "libertação dos escravos", já naquela época, o abolicionista Joaquim Nabuco alertava sobre a necessidade de construirmos mecanismos de inclusão social para os recém-libertos, homens e mulheres desprovidos de educação formal, sem terra, sem teto, sem família, num quadro de profunda fragilidade social. 

Os anos se passaram e a situação mudou um pouco, mas muita coisa ainda precisaria ser feita pelo andar de baixo. Ao se confirmarem a tese do professor Wanderley Guilherme, essa concessões ao andar de baixo só podem ser materializadas através dessas negociatas, em última análise, lesivas aos interesses republicanos, já que envolvem "liberalizações" para malversações de recursos públicos e corrupção desenfreada dos seus agentes. Algo que só temos a lamentar profundamente. Parece não haver um denominador comum ou uma equação política para um país chamado Brasil. Pelo andar da carruagem política, vamos continuar cindidos, sem aquele encontro fundamental entre os andar de cima e o andar de baixo.   

Nada mais ilustrativo desse quadro descrito pelo professor do que a foto acima, publicada por um jornal de grande circulação, sobre o famoso "Panelaço" promovido pelos coxinhas contra o Governo Dilma Roussef, durante o programa do PT.  Não temos mais nada a dizer sobre as nossas elites, que já não tenha sido dito. Continua escravocrata, preconceituosa e com um grau de insensibilidade social fora do comum. Esse é legado de 365 anos de escravidão, como dizia o professor Paulo Henrique Martins, da UFPE. Hoje se dissemina um ódio voraz contra um partido que ousou quebrar esse paradigma, mesmo com esse alto custo. Para ser mais fiel ao professor Guilherme, ódio aos seus eleitores, vítimas preferenciais desses algozes. No final do texto, Guilherme faz até um apelo a presidente Dilma Rousseff no sentido de defender os seus eleitores. Eles não tem culpa de nada.

O resultado é este que estamos presenciando cotidianamente. Um partido que, numa busca desenfreada pelo poder, meteu os pés pela mão - como diria nossos avós -; oligarquizou-se e afastou-se dos movimentos sociais que sempre lhes deu suporte; e, no final, capitulou-se a um receituário de corte neoliberal, comprometendo as políticas de inclusão social e subtraindo direitos dos trabalhadores. Estudo o partido dos Trabalhadores desde as suas origens, na histórica reunião do Colégio Sion, em 10 de fevereiro de 1980. Sinceramente, não gostaria de estar escrevendo isso no dia dos paisA julgar pelo que diz o professor Wanderley Guilherme, no contexto da quadra política brasileira, talvez não houvesse mesmo outra saída. É triste chegarmos a essa conclusão. Observem que a senhora apenas medita sobre o comportamento da patroa, que bate panela atrás dela. Como nós gostaríamos de saber o que ela estaria pensando. 

A Lava Jato e o Partido dos Trabalhadores


 novidade política da Lava Jato é a revelação de que o Partido dos Trabalhadores cedeu à tentação de patrocinar e se beneficiar das relações espúrias entre interesses de grupos privados e iniciativas públicas. Faz parte da história intestina de todas as sociedades acumulativas o víruS da predação, do suborno, do saque, da extorsão e da violência em busca de vantagens além dos méritos competitivos. O Império inglês foi assim construído, incluindo associações clandestinas com piratas e corsários, no século XVIII, e escândalos internos sem fim desde o XIX; a riqueza das cidades hanseáticas e italianas que financiaram os jardins artísticos do Renascimento, seus pintores, arquitetos e escultores, essa riqueza foi obtida mediante fraude e corrupção de bandidos inescrupulosos e violentos, organizados em poderosas companhias de negócios. A grande arte flamenga e espanhola é rebento da generosa dissipação de recursos de ladrões e assassinos em versão marqueteira de mecenas. O extraordinário progresso material norte-americano a partir de meados do XIX colocou na galeria cívica do país os “robber barons”, sabidos e consabidos corruptos, genocidas, paradigmas das administrações libertinas e extorsivas das grandes cidades contemporâneas como Chicago, Nova York, Los Angeles ou Kansas City, sempre com a cobertura midiática de campanhas moralizadoras. As fraudes eleitorais são discutidas tão abertamente quanto o financiamento de campanha e não é segredo que a vitória democrata de John Kennedy contra Richard Nixon nada teve de católica (acobertada pela patranha midiática de que Nixon perdeu por causa do último debate na televisão), com os Republicanos dando troco na roubalheira da Flórida que deu a vitória a Bush Junior sobre Al Gore. Tudo supervisionado pelas autoridades eleitorais. Ninguém chia, trata-se de assunto exclusivo entre eles: dos roubos econômicos aos roubos eleitorais. O vírus está lá, agora protegido nos portfólios do sistema financeiro mundial.

A história recente do Brasil não fica a dever.  A começar pelas obras marcantes da ditadura, de onde brotaram progresso material, liquidação física dos opositores e mágicos milionários, de sucesso inexplicável. Da tolerância democrática de José Sarney restou a criminosa entrega da propriedade pública das comunicações a um prático monopólio de golpistas centenários, corruptor de jornalistas, escritores, artistas, políticos. O monopólio das comunicações é atualmente o único poder irresponsável no País, exercido com brutalidade e a ele se curvam os demais, inclusive o poder judiciário. Fonte de corrupção permanente, manteve como assunto inter pares os escândalos financeiros do governo Fenando Henrique Cardoso, as trapaças das privatizações e a meteórica transformação de bancários em banqueiros, tendo o BNDES como rampa de lançamento. Assim como guarda no porão do noticiário a ser mobilizado, caso necessário, os rastilhos da política tucana em Minas Gerais e em São Paulo. Todos, juízes, ministros, políticos, procuradores, cantores, atrizes, narradores de futebol, são todos terceirizados do Sistema Globo de Comunicação.
Nesse País, por surpreendentes acasos, todas as investigações envolvendo os companheiros da boa mesa, pecaram por vícios de origem e devidamente esquecidas. Menos a Lava Jato, que segue aparentemente de acordo com as rigorosas regras judiciais, de que dá testemunho o Ministro Teori Zavaski. Qual é a novidade?
A novidade não é o roubo nem as relações ilegítimas entre agentes privados e públicos. Todos os consultores, projetistas, jornalistas, escritórios de advocacia econômica, todos que fingem ultraje ao pudor sempre foram não só cientes como, no todo ou em parte, beneficiados pelo sistema virótico da sociedade acumulativa brasileira. Enriqueceram e vivem como parasitas do sistema nacional de corrupção. A novidade é que o Partido dos Trabalhadores entrou como sócio, apresentando como cacife os milhões de votos daqueles que nunca foram objeto de atenção. Candidatou-se ao suicídio.
A caça ao intruso foi imediata. A cada política em benefício dos miseráveis, mais se acentuava a perseguição ao novo jogador, insistindo em reclamar parte do botim tradicional da economia brasileira. A penetração do PT na associação das elites predadoras era encoberta pelo compromisso real de muitos de seus quadros com o destino dos carentes. E assim como os grandes capitães de indústria, pelo mundo a fora, os nossos também cobraram uma exploração extra, uma vantagem desmerecida, uma nova conta na Suiça em troca dos empregos criados, da produção aumentada, do salário menos vil. Mas assim também como os operadores tradicionais, os petistas se entregaram à sedução da sociedade acumulativa: o roubo com perspectiva de impunidade.
A Lava Jato revelou a tragédia da vitória do capitalismo sobre a liderança dos trabalhadores. Os grandes empresários e as grandes empresas, ao fim e ao cabo, vão se safar, com os acordos de leniência e as delações premiadas, reservas que fazem parte de suas mochilas de sobrevivência. Serão nossos “robber barons” do futuro. Não assim a destroçada elite petista, à qual não resta senão acrescentar o opróbrio da traição à vergonha da confissão.
A vítima ensanguentada dessa caçada é o eleitorado petista. Muito além dos militantes, todos aqueles que saudaram e apoiaram a trajetória de crescimento de um partido que, claramente, era o deles. Os que suportaram os preconceitos, que resistiram às pressões e difamações e que viam nas políticas sociais o cumprimento de promessas nunca realizadas. Esses estão hoje expostos à brutalidade dos reacionários e fascistas, ao escárnio, aos xingamentos e ofensas. O eleitorado petista não é criminoso, criminosos são os fascistas que os perseguem nas ruas, nos lugares públicos, sem que as autoridades responsáveis tenham a decência de garantir-lhes a inocência.
Presidente Dilma Rousseff: é de sua responsabilidade e de seu Ministro da Justiça sair desse palácio de burocratas e meliantes suspeitos e garantir, e fazer governadores e prefeitos garantirem, por atos enérgicos, a integridade física e moral dos milhões de brasileiros inocentes que acreditaram na sinceridade dos membros do seu Partido. Os ladrões estão no seu Partido, não entre os eleitores que a elegeram.
Wanderley Guilherme dos Santos
(Publicado originalmente no site Segunda Opinião)


sexta-feira, 7 de agosto de 2015

O xadrez político das eleições municipais de 2016, no Recife: Enquanto Geraldo Júlio acomoda o meio-de-campo, os tucanos continuam divididos.

 
 
José Luiz Gomes

Creio que o grande momento político da semana, depois da prisão do ex-ministro José Dirceu, foi mesmo as recentes pesquisas divulgadas sobre a avaliação do Governo Dilma Rousseff. Não vejo motivo para desacreditar dos números do Instituto Datafolha, sobretudo se considerarmos o mal momento vivido pelo Governo Dilma. Aliás, um momento bastante delicado, admitido até mesmo pelo seu coordenador político, o vice Michel Temer(PMDB). Embora tenha testado todas as peças possíveis para o meio de campo da articulação política, ainda assim, o Governo se encontra perdido, amargando as primeiras derrotas da pauta cinzenta de agosto. Aqui na província, pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau também observou a erosão do capital político do Partido dos Trabalhadores entre os eleitores.

Lula ainda é o político mais admirado, mas já não ostenta os números auspiciosos de outrora. Antes já havíamos falado sobre o "efeito coxinha", ou seja, essa articulação de caráter antipetista, e seus possíveis reflexos nas eleições municipais de 2016. Creio que, embora as eleições municipais tenham um caráter mais "cotidiano", mesmo assim, essa campanha de erosão da imagem do PT terá alguns reflexos, sobretudo nos perímetros urbanos, nas grandes capitais, onde a classe média tradicional e setores da elite se encarregarão de fazer seu barulho - não necessariamente de panelas - contra aquela agremiação partidária. Aqui no Estado, as lideranças do partido prometem que irão cuidar de reorganizar a agremiação. 

As pesquisas do Datafolha colocam Dilma na rabeira das avaliações, com apenas 8% de percentual entre bom e ótimo, num patamar até mesmo inferior ao do ex-presidente Fernando Collor de Mello, nos seus piores momentos, um pouco antes do impeachment. O PT, como um todo, incluindo aí os atores pernambucanos da legenda, perdeu muito capital político. O nome mais cotado da legenda numa eventual candidatura às eleições municipais de 2016, João Paulo Lima e Silva, hoje na presidência da SUDENE, aparece apenas com um ponto percentual quando o quesito é admiração. Pelo andar da carruagem política, muito coisa precisa ser reorganizada na agremiação. Fala-se muito nos problemas de natureza econômica, mas, outro dia, o próprio Lula, numa entrevista, deixou escapar que essa sangria de capital político não seria estancada nem se os problemas da economia fossem equacionados.  

No campo governista, Geraldo Júlio(PSB) mexeu numa das peças do tabuleiro, abrindo possíveis espaços para a acomodação de aliados na máquina. Os aliados, na realidade, nunca estão satisfeito com os "nacos" de poder ofertado. Querem sempre mais, sempre com justificativa, imaginem, de servir ao interesse público, tendo uma participação maior na concepção e execução de políticas públicas. Na realidade, essa história é bem outra, mas não vamos nos deter nisso agora. Basta lembrarmos, conforme alertava o filósofo alemão Friedrich Nictzsche, que todo discurso é uma fraude. O fato concreto é que o PROCON, comandado por José Neves(PSD), que era uma diretoria, ganhou status de Secretaria Executiva de Defesa do Consumidor - ligada à Secretaria de Assuntos Jurídicos. Nas coxias, comenta-se que fazia tempo que o senhor José Neves pleiteava esse objetivo, o que permitirá maior desenvoltura na atuação do órgão e, consequentemente, maior visibilidade política. 

Com a manobra, Geraldo Júlio procura aprimorar a coesão de sua base de sustentação, além de abrir espaços maiores para os aliados da base governista. Nem uma outra medida além dessa foi anunciada, mas comenta-se que essas intervenções administrativas pontuais poderão não ficar por aqui. No nosso último artigo comentávamos sobre as dificuldades de condução política do Governo Municipal. Geraldo é um gerente, um executivo. Por força das circunstâncias, foi jogado na política. Mas política não é o seu mitiê, conforme a engenharia política montada pelos neo-socialistas no Estado. 

A presidente Dilma Rousseff é outro caso emblemático. Não sabe, não gosta e não quer aprender. Até nas indicações da articulação política tem errado sempre. Nem mesmo o Michel Temer conseguiu contornar esse meio de campo. Desconfiamos que Geraldo também não queria se meter nessa não.Em todo caso, já está metido até a medula e agora terá que se virar sozinho, sem os conselhos daquele ex-governador dos olhos verdes, o mandachuva político do grupo. Por falar nele, agora, no próximo dia 13 de agosto, estão previstas inúmeras homenagens ao aniversário de um ano de seu falecimento. 

Os tucanos recifenses estão bastante divididos em relação à gestão municipal do prefeito Geraldo Júlio. Alguns deles integram a base aliada, enquanto outros se propõem a uma oposição ferrenha e pleiteiam uma candidatura própria nas próximas eleições municipais. Para o vereador André Régis, essa é a única forma do partido crescer e consolidar-se no Estado. O staff de Geraldo Júlio acredita que se trata apenas de arroubos. Não apostam na possibilidade de uma candidatura própria tucana, quando eles estão na base da administração municipal. No plano nacional da legenda, alguns tucanos de bico-fino já manifestaram o desejo de uma candidatura própria no Recife. Penso que tanto Geraldo Alckmin quanto Aécio Neves já se manifestaram sobre o assunto. Vamos aguardar um pouco mais para observar se, de fato, alguma dessas aves emplumadas está mesmo disposta a alçar voo rumo ao Palácio Antonio Farias.  

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

A fraude nas redes sociais


Um engraçadinho, possivelmente um coxinha muito mal-intencionado, convidou milhares de pessoas para um evento, o Fora Cunha, e depois, matreiramente, trocou o nome do evento para as manifestações contra o Governo da presidente Dilma Rousseff, programadas para ocorrerem no dia 16 de agosto. Prestem muita atenção a essa fraude. O meu nome, assim como o nome de dezenas de companheir@s que jamais iriam as ruas para defender essas manifestações estão lá listados. A fraude já foi comunicada ao Facebook, aguardando-se as providências a esse respeito.

Crônicas do cotidiano: Os anos de ouro de Areia ou uma vida sem wi-fi





José Luiz Gomes
 
Nos festivais de inverno "Caminhos do Frio", frequentemente, circulo pela cidade de Areia, na microrregião do Brejo Paraibano. Essa belíssima região da paraíba é composta de umas poucas cidades, todas muito próximas, facilitando bastante a vida dos visitantes. O trajeto de Areia para Bananeiras, por exemplo, é feito, de carro, em 15 minutos. Bananeiras ainda possui as melhores condições de hospedagem. Em muitas ocasiões, como nesses festivais ou na Rota dos Engenhos, as pessoas costumam ficarem hospedadas em Bananeiras e, de carro, se dirigem às outras cidades do circuito do festival. Mas não é apenas essa facilidade geográfica que atraem milhares de pessoas, todos os anos, para curtirem aquela região. Há muitos outros atrativos, como as manifestações culturais e religiosas, a gastronomia, as atividades esportivas, as rotas pelas matas e cachoeiras, além, claro, daquele friozinho gostoso que entra pelas fendas das paredes, nos finais de tarde, uivando bastante, mesmo antes de agosto chegar, sem os temidos presságios. 


Em alguns momentos, logo cedinho, a cidade amanhece com uma neblina densa, que deixa os corpos encolhidos nos agasalhos de frio. É a hora de um chocolate quente ou de uma pinga de aguardente, entre as inúmeras opções existentes. Naquela região, hoje, são fabricadas as melhores cachaças brancas do Brasil, superando, inclusive as concorrentes mineiras. Um dos momentos que mais curto são as visitas aos tradicionais engenhos da região. Aliás, bem próximo a Areia, já em Serraria, é possível se hospedar num dos antigos engenhos do apogeu do ciclo da cana-de-açúcar na região, o Engenho Laranjeiras.

Há alguns anos atrás, a notícia de que poderíamos nos hospedar num antigo engenho do século XVI, do período do apogeu do ciclo econômico da cana-de-açúcar, confesso, nos causou um grande entusiasmo. Com raízes bem fincadas na zona rural, o fato, certamente, não espantaria a ninguém. O antigo engenho proporciona tudo o que a vida no campo oferece: riachos para pescaria; piscinas naturais; gastronomia regional feita no fogão à lenha; trilhas pelas matas; o canto dos galos de campina, rouxinóis, canários da terra , logo cedinho; belíssimos jardins para se namorar; o friozinho da Serra da Borborema. Por vezes, penso que nós precisamos um pouco desse sossego. Um pouco é pouco. Precisamos muito. 

Outro dia, li nas redes sociais os posts de dois  colegas  professores sobre as agruras da vida nas metrópoles. Um deles é pernambucano, aqui de Olinda, e o outro é da  Paraíba, precisamente do Bairro de Cabo Branco, em João Pessoa, cidade que no último dia 05 completou 430 anos. Um deles desabafou que dirigir no Recife estava se tornando um negócio para corno, após constatar que, em certos momentos, o indivíduo ficava "retido" nos automóveis. O outro, inconformado, alegava que estava sendo "interditado" de chegar à sua residência, todas as vezes em que ocorriam eventos no Bairro de Cabo Branco. 

Ao se despedir temporariamente do Facebook, o jornalista Roberto Numeriano escreveu uma bela crônica sobre os contatos estéreis proporcionados pelos celulares. As pessoas se sentavam na mesa de um bar, dizia ele, mas cada qual com seus equipamentos, pareciam desprovidas de afeto, jogando ou falando constantemente com pessoas longe daquele círculo restrito. Estavam naquele espaço apenas fisicamente, mas absortos. Pois bem. Outro dia, examinando os comentários das pessoas sobre as avaliações de hotéis - a pesquisa foi num desses sites de viagem conhecido - observei uma coisa curiosa. Um bom sinal de Wi-Fi, hoje, pode ser mais importante do que uma ducha quente, a limpeza dos quartos, a troca das toalhas, o atendimento, se o ar-condicionado funciona, se é possível dormir bem. 
Como informa Numeriano, convém repensarmos algumas atitudes, alguns comportamentos. Essa fixação nesses aparelhinhos está virando uma verdadeira nóia, comprometendo alguns aspectos importantes da vida. Essa pousada, até recentemente, não possuía sequer televisão nos quartos. Frequentei-a quando ela ainda era virgem. Não sei se os proprietários já cederam às imposições da vida moderna. A pousada Engenho Laranjeiras fica na cidade de Serraria, na microrregião do Brejo Paraibano. É um equipamento completo, sem os luxos das terras civilizadas, como diz o cancioneiro popular.Já estamos com saudade, e, essa saudade, ontem foi atiçada pela chegada do livro da economista Zélia Almeida, sobre os tempos de ouro da cidade de Areia.
Mesmo longe do apogeu de outrora, Areia ainda é a cidade mais bem equipada culturalmente da região. Há equipamentos museológicos; o casario antigo, que se parece muito com Olinda ou Ouro Preto, referências importantes na artes e na literatura; antigos engenhos de fogo morto ainda em funcionamento, produzindo cachaças e rapaduras; e o inegável charme de cidadezinha do interior, para se curtir com a pessoa amada, no finalzinho de tarde. É o torrão natal do pintor Pedro Américo, dos famosos quadros sobre a Independência e a Inconfidência, e do escritor José Américo de Almeida, da Bagaceira.

O livro de Zélia explica, em linhas gerais, como a cidade se transformou numa das mais prósperas do Estado. Teria contribuído para isso, o apogeu da economia da cana-de-açúcar; a tradicional escola de agronomia - a única que não perdeu status, mantendo-se, ainda hoje, como referência nas ciências agrárias; o tradicional colégio fundado pelas carmelitas, uma grande referência de ensino, o que levava as famílias tradicionais do Estado a enviarem seus filhos para estudarem em Areia; enfim, esse conjunto de fatores favoráveis que carreavam investimentos na cidade. A decadência veio em razão da própria decadência do apogeu do ciclo econômico concentrado nos engenhos. 






quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Michel Zaidan Filho: Ventos de agosto

 
 
 
Há um romance épico sobre a saga  do povo gaúcho chamado  O tempo e o vento. Neste romance o personagem "Bibiana" faz uma imprecação contra os ventos do mes de agosto, dizendo que eles trazem sempre um mau presságio, uma desgraça, uma catástrofe, coisa assim. E existe mesmo uma frase do autor, Érico Veríssimo, indagando se no paraíso tem ventos. Independentemente do que pensam os gaúchos sobre os augúrios do mes de agosto e seus ventos, este mes costuma ser lembrado como um período de desgraças, basta recordar o suicídio de Getúlio ou a morte de Arraes.  Pois foi exatamente no dia 13 de agosto de 2014 que "desapareceu" em São Paulo o ex-governador de Pernambuco, com a explosão de um "avião fantasma" de titularidade até agora não esclarecida.O político pernambucano estava em plena campanha presidencial e era um trunfo importante nas eleições estaduais. 
 
A sua morte, em agosto do ano passado, em circunstâncias trágicas e nunca elucidadas, alimentou uma espécie de messianismo atávico que, em situações como estas, tende a produzir uma taumaturgia política que beneficia sempre os aliados, os protegidos, a família do falecido.É preciso dizer que o nosso povo é pródigo em alimentar mitos e mitologia, às vezes de pés de barro e fortemente reforçado pela grande mídia. Há também, entre nós, uma jurisprudência penal curiosa:a morte (mais ainda em circunstâncias trágicas e desconhecidas) redime todos os malfeitos, os ilícitos penais, os crimes contra a República. Existe no Brasil, como na história do Cristianismo, os bons ladrões e os maus ladrões. No geral, os bons ladrões estão mortos, embora possam ser beneficiados (ou os seus) pelos ilícitos cometidos. Os maus ladrões são os "bodes expiatórios", as "genis", os "judas" da vida, expostos todos os dias pela televisão, as revistas e os jornais, a sanha execradora e vindicativa da população mais pobre e pouco escolarizada. Os que morrem têm sempre o benefício da dúvida, a presunção de inocência ou a compaixão dos vivos. Os que ficam cumprem o papel de ajudar exorcizar a raiva, o descontentamento, a frustração dos vivos.
 
Esse preâmbulo foi escrito em razão de uma sentença absolutória proferida pelo sr. Sérgio Moro, sem nenhum alarido da mídia, sobre os implicados aqui de Pernambuco nos escândalos das operações da "Lava-a-Jato". O Excelentíssimo juiz-vingador público alegou que com a morte de dois ilustres políticos do grupo de suspeitos,  apontados, nas delações premiadas do senhor Paulo Roberto Costa, por ocasião da construção da refinaria Abreu e Lima, o processo se extinguiria, pois não havia como processar, denunciar e sentenciar que já morreu. Pronto, resolvido o assunto. Era só esperar o Juízo Final, para ver quem ia direto para o inferno ou quem alcançaria, pelo menos, o purgatório, já que para o céu dificilmente ninguém iria. Havia entre esses, políticos ligados ao PSDB, ao PSB e o PMDB. Mas os jornais solicitamente silenciaram sobre o caso, como continuam calados.
 
Muito bem. Quem morreu, morreu. Mas há muita gente viva, vivíssima, querendo usar o capital político, o patrimônio moral e material dos falecidos para se eleger a isso, àquilo, a esse cargo, àquele cargo etc. Houve até uma procissão, com a estampa reproduzida em estandarte com a figura impoluta do falecido, em ato nitidamente eleitoral. Os apaniguados, cupinchas, afilhados, protegidos ou mesmo os aventureiros que farejam o que podem ganhar se aproximando desse cortejo, estão utilizando e vão utilizar a memória do morto como trunfo político, como se os eleitores fossem destituídos de qualquer forma de discernimento político ou moral. Crentes ou fiéis desse neo-messianismo familiar, que acham que os mortos não têm defeito algum e que é de péssimo costume falar  acrimoniosamente de quem já se foi.
 
Aqui é onde entra a necessidade de um julgamento póstumo, como em outros romances realistas fantásticos de Érico Veríssimo. Os mortos ressuscitam para ouvirem uma condenação pelo que fizeram ou deixaram. Sobretudo pela eleição de gestores incompetentes, midiáticos, que transformaram o Estado e a cidade numa imensa cratera moral, alimentada por taxas, contribuições e impostos, que não produzem nenhum retorno social. É necessário fazer esse julgamento - com todo respeito pela tragédia do falecido - porque a memória de um político é um ativo disputado a tapas pelos acólitos,  pelos epígonos, pelos puxa-saco e coisa que o valha. Interessa à sociedade passar a limpo o que produz e o que constitui essa memória, para que o embuste, a fraude política não se perpetue, através dos paus mandados, e continue a prejudicar ao povo de Pernambuco.
 
                                Pode ser que, assim, o falecido descanse em paz.
 
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da UFPE e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Tijolinho do Jolugue: Dirceu preso: Tudo muito perigosamente previsível.




O ex-ministro José Dirceu foi preso mais uma vez. Seus advogados tentaram um habeas-corpus preventivo, que foi negado. Pareciam antever que a sua prisão seria decretada mais uma vez. Aliás, uma dedução lógica, em face da justiça seletiva que conduz as investigações e prisões da Operação Lava Jato. Os petistas se tornaram os alvos preferenciais, enquanto os tucanos estão definitivamente blindados. O que está em jogo aqui não é a inocência ou a culpa do senhor José Dirceu, mas as ações de corte nada republicanos que conduzem essa operação. Estamos cada vez mais convencidos que ela integra uma peça da engrenagem com o propósito de desmoralizar e criar as condições de afastar o PT do Governo. Um fato curioso é que essa "seletividade", com o apoio ostensivo da mídia golpista, já atinge a opinião pública, o que contribui para a erosão da imagem pública do partido, dos seus filiados e simpatizantes. Tudo conforme um script previamente traçado. 

As poucas pessoas com as quais conversei sobre o assunto afirmaram que Dirceu tinha mais é que esta preso mesmo. Ele tornou-se o símbolo da corrupção no país. E, em essência, todos sabemos que isso não corresponde à verdade. O problema da corrupção no país é endêmico e estrutural. Poderia encerrar essa postagem mencionado as centenas de políticos de todos os partidos e matizes ideológicas, envolvidos em caros escabrosos de corrupção, e que estão soltos como um rouxinol nas campinas, comendo lagartas e recolhendo gravetos para o ninho. Se há indício de envolvimentos do senhor José Dirceu em algum tipo de ilicitude, isso tinha mais é que ser investigado e punido. O que nos intriga é essa seletividade e espetacularização de uma prisão, programada para ocorrer justamente num mês onde estão previstos uma série de atos contra o Governo de Coalizão Petista, a começar pelas mobilizações de setores sociais que desejam o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Tudo muito perigosamente previsível. 

Para completar esse enredo nebuloso, nos vem a informação de que estariam tentando envolver o ex-ministro José Dirceu, mais uma vez, numa espécie de segundo mensalão. A princípio, a Operação Lava Jato, estaria investigando licitações viciadas com a estatal Petrobras, recebimentos irregulares de doações de campanhas, tráfico de influências etc. Agora, mais uma vez, volta-se às possíveis compras de parlamentares. De imediato, uma vitória política: tiraram Cunha do olho do furacão e colocaram o PT nas cordas.  

A charge acima é do chargista Renato Aroeira, publicado em seu perfil do Facebook

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O fascismo não chegará. Ele já está!


Por Alberto Kopittke, no site Carta Maior:

Observação inicial: escrevo esse texto “inspirado” pelo vídeo de um jovem que agoniza baleado no chão sendo xingado e que está disponível na minha página do Facebook. O vídeo possui centenas de comentários de apoio e celebração.

O fascismo não é a chegada de um líder de massas ou um Partido, com um projeto totalitário ao poder. Ele é antes de tudo um estado de espírito da sociedade.

As imagens de Hitler e dos campos de concentração têm a importância fundamental de nos alertar até onde uma sociedade pode chegar, independente do seu chamado “grau de desenvolvimento” cultural. No entanto, essas imagens fortíssimas de seres humanos sendo exterminados em massa acabam por encobrir as formas menos “agudas” dessa faceta do comportamento humano.

Hannah Arendt sempre chamou a atenção que o mais perigoso do fascismo era a forma como as pessoas – sejam elas juízes, políticos, jornalistas, professores ou de qualquer outro tipo de profissão – aceitam passivamente a escalada de ódio, até que começam a participar dos seus mecanismos, como se não houvesse alternativas entre silenciar ou aderir.

O fascismo se manifesta no cotidiano de formas muito mais tênues, que não precisam de homens vestindo uniformes e marchando pelas ruas, e não é dirigido apenas contra judeus. Ele é a implosão da capacidade de dialogar sobre os problemas da sociedade e da capacidade de conviver com as diferenças. Em seu lugar entram o que Zaffaroni chamou de discursos justificadores, que justificam e preparam o ambiente para as manifestações de ódio e extermínio contra os “inimigos”.

O pior resultado da atual crise política, é que o Brasil vive, mais uma vez, uma clara escalada do sentimento fascista. As pessoas sentem ódio, crescem os linchamentos públicos e aumenta o apoio a atitudes de “justiçamento” e tortura praticadas pelo aparato público.

Todas as forças democráticas têm responsabilidade sobre isso.

O PT e o Governo Dilma têm responsabilidade por ter interrompido as políticas públicas de prevenção a violência que estavam em curso e no seu lugar não ter colocado nenhum programa de grande escala ao longo de cinco anos. Com isso, as forças autoritárias passaram a se apresentar como alternativa para a redução da violência do Brasil.

FHC, os tucanos e o alto empresariado têm responsabilidade ao aceitarem partilhar a oposição ao PT com segmentos assumidamente fascistas e autoritários.

Ambos têm responsabilidade por não denunciarem o perigoso crescimento dos setores que misturam discursos religiosos fundamentalistas com ocupação de espaços políticos.

A grande mídia tem responsabilidade por não denunciar claramente o discurso do ódio e muitas vezes o difundir nos seus programas sensacionalistas e na falta de qualidade no debate sobre Segurança Pública.

A discussão sobre o fascismo não tem nada a ver com ser de esquerda ou de direita. Em ser liberal ou socialista. Em ser petista ou tucano. Em ser cristão ou ateu. Todas as linhas ideológicas e religiosas já serviram, num lugar ou outro, de justificativa para a barbárie. Trata-se de demarcar claramente a defesa dos princípios do estado democrático de direito e denunciar todos os discursos que justificam sua violação.

É absolutamente incerto o futuro político do Brasil. Nessa incerteza, os comportamentos de ódio ocorrem livremente no cotidiano, com cada vez mais apoio e aplauso. Quem demonstra contrariedade com as diversas manifestações de barbárie é chamado de fraco, de defensor de bandidos e passa a ser ameaçado.

Não é preciso que algum facínora suba a rampa do Palácio do Planalto, pelo voto ou pelas armas, para que o fascismo chegue no Brasil.

O fascismo não chegará. Ele já está.

domingo, 2 de agosto de 2015

Morre, aos 87 anos, o escritor Gilvan Lemos.




Morre, aos 87 anos, o escritor Gilvan Lemos. Gilvan tinha uma personalidade tímida, profundamente retraída. Natural da cidade de São Bento do Una, Agreste do Estado, projetou-se nacionalmente para a literatura brasileira a partir do momento em que ganhou um concurso literário, promovido por uma revista mineira. Tornou-se celebridade em sua terra natal. Veio morar no Recife, onde residia sozinho, num apartamento da Avenida Boa Vista. Suas aparições em público eram raras e obtidas com muita diplomacia. Ele não gostava de aparições em público. Nos raros momentos em que encontrei Gilvan Lemos, foi na antiga Livraria Livro Sete, onde Tarcísio oferecia uma batida de cachaça aos visitantes, num ambiente criado para esta finalidade, sempre abraçado a um novo livro. Um raro momento em que trocávamos um dedinho de prosa sobre alguns dos seus livros. O que dizer? uma perda inestimável para os amig@s e para a literatura brasileira.

O xadrez político das eleições municipais de 2016, no Recife: Uma nova reedição da União por Pernambuco em versão tucana?






José Luiz Gomes



Ontem, publicamos aqui no blog um artigo do professor da UFPE e cientista político, Michel Zaidan Filho. Numa almoço de confraternização, uma fonte ligada aos neo-socialistas locais desde os tempos de militância estudantil, revela detalhes da engenharia política montada pelo ex-governador Eduardo Campos no Estado. Talvez não houvesse pessoa mais indicada para ter acesso a essas informações do que o professor Zaidan. Michel já estuda essa engrenagem política a um bom tempo - tendo produzido artigos e livros sobre o assunto - além de possuir uma aguçada capacidade de interpretação dos fatos políticos da província e do país. Um outro dado preponderante - observado pelo professor - é que essas revelações nos fornecem elementos para analisar com mais clareza o quadro político das próximas eleições municipais de 2016, no Recife, além dos possíveis desdobramento da correlação de forças políticas no Estado.


A morte prematura do ex-governador Eduardo Campos deixou, entre os neo-socialistas tupiniquins, uma espécie de sentimento de orfandade, agravada pela ausência de consensos sobre quem, na realidade, deveria herdar o espólio do ex-governador. Numa declaração recente, o irmão Antonio Campos, numa resposta a uma indagação sobre a sua disposição em entrar para política partidária/eleitoral, teria afirmado que as famílias Campos e Arraes não poderiam ficar de fora da quadra política do Estado. O problema maior é que existem muitos aspirantes a essa liderança e poucas possibilidade de construção de consensos. Falta aos neo-socialistas no Estado uma liderança agregadora, com vaselina política suficiente para superar os obstáculos e argamassa para juntar as pedras, permitindo os rejuntes necessários para a flexibilidade da dilatação, contribuindo para evitar a implosão do grupo. 


A rigor, a liderança política e estratégica do grupo era exercida pelo ex-governador. Com a sua morte, ficaram no exercício do cargo público os seguidores com perfil executivo, os gerentes, homens de fidelidade canina ao chefe, mas que até preferiam atuar nos bastidores, coxias políticas, sem o menor traquejo para o manejo político. Tanto o atual prefeito do Recife, Geraldo Júlio(PSB), assim como o governador do Estado, Paulo Câmara(PSB), se enquadram nesse perfil. Com Eduardo, não morreu apenas um homem, mas o estrategista do núcleo de poder dos neo-socialistas locais. Alguém com capacidade aglutinadora, de formulação política, capaz de soldar as alianças, estabelecer as estratégias, escolher (não seria determinar?) os nomes, vencer as eleições. 


Morto prematuramente, também não houve tempo do ex-governador preparar alguém para assumir essa tarefa, que recairia, muito provavelmente, entre um dos seus filhos, fiel à tradição do familismo amoral. Já faz algum tempo que os neo-socialistas locais estão batendo cabeça, embora não se soubesse, com precisão, os reais motivos. Agora já se sabe. Compreende-se agora porque Geraldo Júlio encontra-se num campo minado, enfrentando problemas de condução política entre aliados e opositores. O caboclo não é do ramo.


Alguém já informou que a estratégia política do senhor Geraldo Júlio consiste, tão somente, em esvaziar possíveis candidaturas que possam atrapalhar seus planos de continuar como inquilino do Palácio Antonio Farias. Não nego que, em certa medida, isolar as pedras mais competitivas do tabuleiro adversário seja uma estratégia que possa produzir seus efeitos positivos, mas ele irá precisar muito mais do que isso. Isola-se esses adversários no contexto de uma estratégia onde fique claro qual será o lance a seguir. Com Geraldo Júlio, certamente isso não vem ocorrendo. Ele parece desconhece os próximos lances, permitindo a penetração nos seus flancos. 


Como não existe vácuo de poder que não seja ocupado, nesta semana, duas das mais expressivas raposas políticas do PSB foram a um encontro com o Deputado Federal Jarbas Vasconcelos (PMDB). Em tese, o ex-governador João Lyra e o senador Fernando Bezerra Coelho teriam ido conversar sobre a conjuntura nacional, posto que o nome do deputado passou a ser ventilado, caso venha a ocorrer um possível afastamento do senhor Eduardo Cunha(PMDB) da presidência da Câmara dos Deputados. Além, evidentemente, das especulações em torno de uma possível pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, onde o pernambucano já assumiu uma posição claramente contrária. Um passarinho nos contou, entretanto, que a conjuntura dos arranjos políticos locais também teria entrado nas discussões. 

A blogueira Noélia Brito, durante a semana, informou que poderia estar sendo articulada uma chapa envolvendo os nomes dos deputados Jarbas Vasconcelos(PMDB), na cabeça, e do também deputado Daniel Coelho(PSDB) na vice. Segundo se diz, seria uma chapa invencível. Caso isso se materialize, estaríamos diante, quem sabe, de uma reedição da União por Pernambuco, inclusive com um "escalonamento" de poder previamente acertado entre os atores. Da primeira vez, a entrada em cena de um ator como o ex-prefeito João Paulo(PT), hoje na presidência da SUDENE, precipitou a implosão do grupo. O problema aqui é o da imprevisibilidade política, ou seja, como advertia o saudoso Mané Garrincha, é preciso "combinar" antes com os adversários. A primeira eleição de João Paulo para prefeito do Recife, desmontou o planejamento do grupo, ampliando os problemas internos daquela coalizão política.

Observem bem que foram duas lideranças com experiência política que procuraram o senhor Jarbas Vasconcelos, o que pode indicar que, de fato, reside aqui o maior problema dos socialistas locais, embora, do ponto de vista "gerencial", a cidade do Recife também apresente sérios problemas. O núcleo político comandado pelo ex-governador, diante da ausência de sua liderança aglutinadora, pode estar apresentando, hoje, indícios mais consistentes de possíveis "fissuras". Nunca foi muito integrado, essa é que a realidade. Os dois atores políticos que procuraram Jarbas, inclusive, já tiveram sérios problemas no contexto das correlações de forças internas.

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Michel Zaidan Filho: De gestores e estrategistas



sábado, 1 de agosto de 2015

Crônicas do cotidiano: O "desnudamento" dos operários da Companhia de Tecidos Paulista.





José Luiz Gomes


Estamos lendo o livro do professor José Sérgio Leite Lopes, "A Tecelagem dos Conflitos de Classe na Cidade das Chaminés", uma tese de doutoramento sobre as relações sociais de produção na Companhia de Tecidos Paulista, na cidade do mesmo nome, localizada na região metropolitana do Recife. O trabalho é o resultado de algumas pesquisas realizadas pelo professor, e outros pesquisadores, acerca das condições de trabalho nas fábricas têxteis mantidas pelo Grupo Lundgren. Não fosse suficiente o interesse do trabalho de José Sérgio, ao abordar o "sistema paulista" - algo que nos estimulou bastante, em razão de um trabalho que estamos produzindo sobre a vida nas vilas operárias - José Sérgio ainda dedicou parte de suas pesquisas aos operários canavieiros do Estado, muitos deles aliciados para o trabalho têxtil nas fábricas da família Lundgren. 

Quanto mais nos aprofundamos nesses estudos, mas descobrimos fatos curiosíssimos, como a engrenagem montada no processo de recrutamento de funcionários para a tecelagem. Curioso não é o adjetivo mais adequado. Pavoroso e assustador se aplicam melhor à situação descrita por José Sérgio. Através de suas lojas de varejo de tecidos espalhados por todo o Estado, a Companhia de Tecidos Paulista conhecia a realidade social e econômica de alguns vilarejos do interior, locais que se constituíam como alvos preferenciais para o início do processo de recrutamento. Através dos seus agentes, o pessoal era previamente selecionado, envolvendo até mesmo algumas situações de clandestinidade, ou seja, algumas dessas famílias literalmente fugiam das condições precárias de trabalho nas usinas dos Estados de Pernambuco e da Paraíba. 

Até geograficamente, era possível delimitar a área de abrangência desse recrutamento inicial. Esses trabalhadores eram literalmente "desnudados", saíam de uma situação precária para entrar numa outra, quiçá, ainda pior. Eram transportados num ônibus com o nome de sopa, um veículo que não oferecia o mínimo de dignidade aos seus passageiros. Ao chegarem na cidade de Paulista, cumpria-se o ciclo das instituições totais, bem ao estilo descrito por Goffman e Foucault. Separados por sexo, em alojamentos ou "depósitos", eram mantidos numa espécie de quarentena, esperando que sua sorte fosse determinada pelo Coronel Frederico Lundgren. Entrevistada pelo autor do trabalho, uma cidadã descreve bem aquela situação, ao se referir ao momento da alimentação: Não tinha refeitório não. A gente comia até na mão mesmo, sentado por riba das camas. A comida era própria nas mãos, era assim mesmo. Era assim como um hospital mesmo.

Sérgio atenta para o cumprimento de um rito - para outros, possivelmente Pierre Bourdieu, uma "teatralização da dominação" - onde eram consolidadas as relações de poder. A começar pela Jardim do Coronel, ou a Casa Grande, mantida pela família no centro da cidade, numa arquitetura milimetricamente planejada com o objetivo de lhes facultar observar todo o andamento dos trabalhos na CTP. Era aqui, e não nas dependências ou escritório da Companhia de Tecidos, onde os operários eram selecionados. Impressionante como essa arquitetura se reproduz em todo conglomerado de indústrias têxteis que se instalaram em Pernambuco. A seleção era feita pelo próprio coronel, pessoalmente, que, a partir da textura das mãos dos futuros operários(e os olhos) determinava o local onde eles seriam locados. "este vai para as caldeiras"; "este aqui vai para o escritório"; "este será vigia". O controle sobre a vida dos operários era onipresente, absoluto. Além do trabalho, os operários recebiam uma chave para residirem numa das casas da vila operária, que, no seu apogeu, chegou a ter 06 mil casas, possivelmente a maior vila operária da América Latina. Um vínculo orgânico, de absoluta dependência, centrado no binômio fábrica/vila operária. 

Alimentos eram adquiridos em armazéns também mantidos pela companhia. parafraseando Gilberto Freyre, ao se referir aos senhores de engenhos do Estado, no livro Nordeste, na época do apogeu do ciclo da cana-de-açúcar, os Lundgrens eram donos das terras, das águas, das matas, das máquinas, das casas, do porto, do aeroporto e das melhores mulheres. Havia uma indisposição política entre Agamenon Magalhães e a família Lundgren. A princípio, em alguns momentos, o grupo de Agamenon e da família Lundgren apoiaram candidaturas distintas no Estado, o que talvez explique, em parte, essas indisposições. Essas divergências se transformariam em ódio, nutrido pelo "China Gordo" em relação à família Lundgren. A matriz disso penso ser mesmo uma idiossincrasia proporcionada pela relações de poder de ambos. Agamenon era o "carrasco de Vargas" no Estado. Em Paulista, os Lundgrens mandavam em tudo, possuindo, inclusive milícia armada e uma grande quantidade de armas. Era um "Estado Paralelo", de porteiras fechadas, onde a lei que prevalecia era a lei da família Lundgren. 

O jornalista Sebastião de Neri comenta que Agamenon pediu o auxílio de um dos filhos - que estudava na Faculdade de Direito do Recife - no sentido de escolher um promotor para aquela cidade. Queria o melhor aluno da turma e um cabra de coragem, de sangue nos olhos, disposto a impor a Lei naquele feudo familiar. Não sabemos se o coitado do promotor foi bem-sucedido em sua empreitada. Mais adiante, quando se pleiteava a emancipação do distrito, que pertencia à cidade de Olinda, o China Gordo ainda tirou uma casquina com a situação. Vamos fazer primeiro uma reforma agrária nas terras dos Lundgrens. Como vamos emancipar uma cidade cujas terras pertencem a uma única família?   

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Michel Zaidan Filho: De gestores e estrategistas





Em recente almoço de confraternização,  desfrutei de uma oportunidade rara: receber  uma verdadeira aula sobre o atual grupo no poder hoje em Pernambuco. E de uma fonte interna ao grupo dominante, desde a época de diretório estudantil. Em primeiro lugar, uma distinção didática e muito clara sobre a divisão de trabalho que deveria ter se estabelecido no interior dessa oligarquia local, entre os  assim chamados "estrategistas", ganhadores de eleição, e os "gerentes", os que deveriam ocupar os cargos depois da competição eleitoral. Os  primeiros constituem naturalmente a liderança política, dotada de capacidade aglutinadora, formulação política,  soldar aos alianças, escolher os nomes de confiança e garantir sua eleição. 

Os segundos,  os mandatários escolhidos - a dedo, segundo uma fidelidade canina - para executar o plano, a estratégia dos formuladores ou líderes. Aqui, o chefe ou o líder era, como se sabe, o ex-governador de Pernambuco, falecido em avião "emprestado" pelo sócio, o fazendeiro e presidente da Coopergás. Os prepostos, o atual governador (casado com a prima da ex-primeira dama) e o atual prefeito. A banda deveria tocar assim: um manda e os outros executam,ou obedecem, até porque, na condição de auditores, não tinham a menor experiência política ou  de ocupação de cargos públicos, como gestores municipais ou estaduais. Mas o critério de escolha era outro: a fidelidade canina ao chefe. 

Morto misteriosamente em desastre aéreo, até hoje não esclarecido, os gerentes tornaram-se, num passe de mágica, em políticos. De meros ajudantes, em mandantes ou ordenadores de despesa, num grave contexto de restrições fiscais e orçamentárias e em oposição ao Governo Federal. Começou a tragédia administrativa no Estado de Pernambuco:  Arena condenada, túneis inundados, obras da mobilidade inacabadas, hospitais de referência caindo aos pedaços, greve na educação, greve nos transportes públicos, a farsa do Pacto Pela Vida, crise no judiciário. Como não tinha ninguém para ocupar o lugar do chefe, a não ser a viúva, os filho , o cunhado e a mãe, as criaturas passaram a ganhar vida e ensaiar uma política que nunca tiveram ou foram capazes de fazer. Estabeleceu-se aos poucos uma autofagia  interna entre os membros da "entourage". 

Cada um querendo tomar o lugar do outro, a vaga de senador, de deputado, de prefeito. Sem o chefe, todos aumentaram o seu cacife político, por conta própria, dando início a desagregação do grupo político. Aliados de ontem já ensaiam candidatura própria para as eleições de 2016. E bem a propósito de eleições, a matriarca resolveu dar um recado, para dizer o quanto não está sendo  bem considerada na atual situação política do Estado: vem estimulando a candidatura de um dos filhos a  uma prefeitura municipal vizinha, para dizer que está vivíssima e disposta a dar sua modesta colaboração pele progresso de Pernambuco. Pelo visto, o espólio político de ex-governador tornou-se alvo de uma dura disputa entre seus correligionários e familiares, que só começa.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da UFPE e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE. 

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Belo Monte: modelo para aniquilar os povos tradicionais


A vida real em Altamira e região não é uma história sobre o desenvolvimento e o progresso. É uma história de destruição e abandono da população local.



Najar Tubino
Regina Santos/ Norte Energia
É um método requintado, aprimorado durante a construção da terceira maior hidrelétrica do mundo, que atinge quase 40 mil pessoas em uma população original de 100 mil, caso da cidade de Altamira. São oito mil casas destruídas, sendo que cinco mil já foram abaixo. Parte da população, chamados de beiradeiros, porque vivem na beira do rio e trabalham dentro da floresta, é obrigada a optar: urbano ou rural. Escolhe qual situação vai aderir, ou fica sem nada. Esta a opção da terceirizada da Norte Energia S.A., a sociedade de propósito específico, responsável pela usina. O Instituto Socioambiental (ISA) elaborou um Dossiê sobre Belo Monte.
 
Por um motivo fundamental: em fevereiro desse ano, a empresa entrou com o pedido de Licença de Operação, o que praticamente encerra o poder de barganha da população atingida, de conseguir amenizar seu sofrimento. São 202 páginas abordando a questão em várias áreas – educação, saúde, Terras indígenas, Unidades de Conservação, condicionantes não cumpridas-, mas o principal são as Vozes do Xingu, em forma de depoimento de pessoas que participam diretamente da questão, como um defensor público, uma militante do SUS e uma conselheira tutelar. É a vida real em Altamira e região, contada detalhadamente. E não é uma história sobre o desenvolvimento e o progresso. É uma história de assombração, onde uma balsa destruidora percorre o rio Xingu atrás de moradias dos moradores nas ilhas e nos beiradões para derrubar.
 
Documentos preenchidos somente com a digital
 
Um trecho do depoimento do defensor público federal, Francisco Nóbrega:
 
“- Testemunhar esse processo brutal de remoção compulsória da população urbana de Altamira, conduzido pelo empreendedor ao arrepio de inúmeras determinações do licenciamento e sem fiscalização efetiva do IBAMA, é tarefa difícil, em certos momentos desesperadora. O fosso entre o poderio do empreendimento e a capacidade de resistência da população é atroz e a sensação de impotência, em alguma medida é inevitável. Contudo, se há algo de belo nesse monte de atrocidades é a coragem e a determinação do povo em lutar pelos seus direitos.”
 
Nas duas primeiras semanas de trabalho da defensoria pública federal foram atendidas 400 famílias, elas já realizaram 700 procedimentos jurídicos e têm agendado centenas de outros casos. A maior parte: indenizações abaixo do valor, famílias que não estavam incluídas no cadastramento socioeconômico da terceirizada da Norte Energia, uso de papel em branco, com apenas a digital do atingido para ser preenchido posteriormente e por aí vai. Grande parte da população atingida é analfabeta e são inúmeros os casos de documento preenchido nos escritórios da empresa. Sem contar um tal Caderno de Preços, que foi fixado unilateralmente pela Norte Energia, responsável direta pelo surto epidêmico de especulação imobiliária na região.
 
Na realidade o grande problema das grandes obras de infraestrutura é que não existe canal entre o responsável privado – o mercado – e os órgãos oficiais com os atingidos diretamente. Quanto mais longe a obra, pior para as populações atingidas. IBAMA e FUNAI não são órgãos em condições de fiscalizar uma obra do porte de Belo Monte. Aliás, o IBAMA tem sete analistas ambientais exclusivos para atender o licenciamento ambiental da hidrelétrica, mas eles trabalham em Brasília e fazem visitas semestrais. O grande informante, a fonte primária, sobre o andamento das obras das condicionantes obrigatórias na área socioambiental é a própria empresa.
 
Ribeirinhos sem o rio
 
Dois exemplos importantes: os reassentamentos urbanos coletivos, chamados de RUCs, onde milhares de famílias estão morando. Todos na periferia da cidade, ao contrário dos bairros antigos, ficavam perto do centro. As casas foram montadas, não construídas, porque a estrutura é de laje de concreto pré-moldada. A mudança ocorreu sem nenhuma infraestrutura de transporte público, posto de saúde, escola ou delegacia. É um amontoado de casas, sem uma área de lazer e um pé de arvore, longe do rio. Na Amazônia o rio é a essência das pessoas, porque dele tiram seu sustento, comem, se deslocam, se divertem, enfim, fazem tudo.
 
Quase duas mil famílias de atingidos são da zona rural, e não há assentamento rural construído, a não ser 30 lotes já demarcados no Travessão 27, na beira da rodovia Transamazônica. Muito mais grave: os ribeirinhos conseguiram nos últimos anos demarcar três Reservas Extrativistas (Resex) no rio Xingu, no Iriri e no Riozinho do Anfrísio. Lá eles coletam castanha e seringa e pescam. Outros moram em ilhas e nas margens dos igarapés e plantam suas roças, criam animais e também pescam. O pessoal da Resex tem o que eles chamam de casas de apoio na cidade, casas coletivas, que atendem o pessoal que sai do mato e vai resolver problemas na cidade. Eles levam de dois a 10 dias, dependendo da embarcação e da época, para chegar a Altamira.
 
É claro que a Norte Energia não aceitou esta classificação. A Casa de Apoio da Resex do Iriri atendia 70 famílias na cidade, que agora superlotam a Casa de Apoio da do Riozinho do Anfrísio, que fica no centro e não será alagada. As empresas de energia elétrica, mesmo que companhias mistas controladas por governos estaduais e o federal, não reconhecem o modo de vida desse povo. Na verdade não querem pagar indenização, ou colocam o máximo de empecilho, para ver se os atingidos desistem. No Brasil, mais de um milhão de pessoas foram atingidas por barragens, sendo que a média é de 70% para os que não recebem indenização.
 
Aumento da gravidez de crianças de 12, 13 e 14 anos
 
A cidade de Altamira inchou de 100 mil para 150 mil habitantes. Em 2012, 24.791 alunos frequentavam as escolas do ensino fundamental e médio, dois anos depois, o número passou a 27.486. Claro, a empresa entregou salas de aula, escolas reformadas, mas ela conta cadeiras e estruturas físicas – cozinha, sala dos professores e de leitura não constam na lista – dos prédios. Pior: os números do INEP apontam para o aumento na taxa de reprovação de 40,5% no ensino fundamental e 70,5% no ensino médio no período 2011-2013. A violência cresceu, o número de assassinatos subiu de 44 para 66, apenas por arma de fogo- entre 2011 e 2014 o número total de assassinatos cresceu de 48 para 86. O número de homens circulando, consequência natural da obra, acarretou num aumento no número de partos – de 1.928 em 2009 para 2.751 em 2014. O enfermeiro do Hospital Municipal São Rafael, Odilardo Júnior, que está entre os depoimentos das Vozes do Xingu declarou o seguinte:
 
“- Estamos percebendo um índice maior de crianças de 12, 13 e 14 anos grávidas, que passam por complicações. As adolescentes de 16 aos 20 anos também têm engravidado mais. Muitas relatam que conheceram barrageiros, que depois foram embora e as abandonaram grávidas. Para mim, entre as principais consequências da obra está o aumento no número de gestantes, principalmente adolescentes, que serão mães solteiras dos ‘filhos da barragem’”.
 
A rede de esgoto não está conectada
 
O número de atendimentos nos hospitais cresceu de 266.475 em 2009 para 536.258 em 2014, com um crescimento de 228% de vítimas do trânsito, principalmente motociclistas que não usam capacete. Claro, a empresa construiu um hospital em Altamira, que está pronto, só falta decidir quem vai gerenciar e pagar a conta. Também construiu uma rede de coleta e esgoto e de água. A coleta de esgoto tem um problema básico, precisa ser conectada. Quem paga e quem será o responsável? Não decidiram. O Xingu já está bloqueado, depois o lago da usina será abastecido com água do rio, que recebe o esgoto da cidade e arredores. Nos acertos das condicionantes que a empresa cumpre parcialmente, o IBAMA diz que sem conectar a rede de coleta às casas, não tem licença de operação.
 
Isso é apenas uma amostra do Dossiê Belo Monte. No próximo texto: a situação dos araras que estão sendo roubados na TI Cachoeira Seca, a terra indígena mais desmatada no Brasil em 2013. Por que o BNDES responsável pelo financiamento de R$25 bilhões, não libera o acesso aos dados da auditoria independente, que analisa a implantação da construção e da compensação ambiental e social? E a inspeção de representantes do MPF, FUNAI, IBAMA, Defensoria Pública Federal e Estadual, além de pesquisadores da USP, UNICAMP e UFPA em 15 ilhas e beiradões em junho desse ano.   

(Publicado originalmente no Portal Carta Maior)  
 

terça-feira, 28 de julho de 2015

Michel Zaidan Filho: Quanto pior, pior





O repórter do JC perguntou o que achava da atitude do ex- presidente Fernando Henrique Cardozso em rejeitar o convite de Lula para uma conversa sobre a crise política que ora atravessamos no país. Repliquei que, em outros países, existe uma espécie de um Conselho da República, que reúne notáveis e velhos políticos, que se reúnem em situações como essas para discutir os problemas e ver o que é o melhor para o país, independentemente de partidos, ideologias ou interesses particulares. Infelizmente, no Brasil, não existe algo semelhante. Quando se instala uma crise política, como a atual, ela parece o fim dos tempos. Há algo de messiânico e apocalíptico na cultura política brasileira. Ou seja, uma crença de que quanto pior, melhor. Do caos, sai a luz. Da desorganização, sai uma nova forma de organização do universo. 

Esta tese - muito a gosto dos pescadores de águas turvas e candidatos a messias politico - é um enorme equívoco. Quanto pior, pior. A política brasileira mais parece um abismo sem fim e a profundidade da queda acarreta mais malefícios à sociedade. Que FHC critique o caráter privado, esquivo, quase clandestino do encontro pretendido por Lula, alegando que se parece com um "conchavo" e o que tiver ser feito, tem de ser feito, no fundo é uma aposta irresponsável pelo pior, achando ele e os seus que o PSDB (e os brasileiros) teria algo a ganhar com o afastamento da Presidente Dilma do cargo. Primeiro, o beneficiado é o PMDB e o vice-presidente da República, Michel Temer. Segundo, esses acontecimentos são imprevisíveis na cena política brasileira. Ninguém - com certeza - pode prever a dimensão, o desfecho ou vulto que as coisas poderiam tomar, caso se concretizasse a aposta do PSDB. 

Acima de tudo, é irresponsável, pouco sensato, despojado de magnanimidade e interesse público desejar o aprofundamento de uma crise política, apenas por vingança, retaliação ou interesses partidários. Além do que, a crise não é só política, embora a política influencie a crise econômica. Ela é também econômica e parece se aprofundar cada vez mais por conta das especulações, intrigas e manobras dos partidos da oposição a Dilma. Não se dão conta os oposicionistas que suas manobras conspirativas não abalam só o prestígio ou a popularidade da atual titular da Presidência da República brasileira.  Prejudicam sobretudo ao país, aos brasileiros. Parte da crise econômica é de responsabilidade da instabilidade política, da crise de governabilidade no Congresso, da baixa popularidade da Dilma e dos boatos em torno de seu eventual impedimento, em razão dos processos nos tribunais superiores.
                           Nada disso faz bem ao Brasil e os brasileiros. Espera-se que as instituições judiciais e policiais funcionem com absoluta normalidade, sem pré-julgamento de suas ações. Aguarda-se um julgamento técnico das contas da Presidente e o pronunciamento do Congresso Nacional, livre de paixões ou espírito de facção. O que tiver de ser feito, será. Mas torcemos pelo melhor para o Brasil. Quanto melhor, melhor e não o contrário.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da UFPE e coordenador no Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Marcos Nobre: A política em rota suicídia




- Valor Econômico


• Não se sabe quem está no jogo e quem está fora


Por que o sistema político não se mexe, seja para que lado for? Por que está limitado à reprise de novelas mais do que conhecidas? Por uma razão bastante simples: porque ninguém sabe ao certo quem está no jogo e quem está fora dele. A fonte da incerteza vem da Operação Lava-Jato, que não permite razoavelmente prever quem vai para o paredão.

Enfim uma fonte de incerteza positiva, para variar. Só que o ineditismo traz também um problema novo. Em uma democracia, o direito impõe que se espere cinco, dez, quinze anos até uma decisão. Quando essa temporalidade longa do Judiciário domina, quando se torna a temporalidade de todo o sistema político, o sistema trava. Com a Lava-Jato, o tempo do Judiciário se tornou o tempo da política. Esse o nó da situação atual.
Em 2005, no mensalão, conhecia-se com razoável precisão o raio de abrangência das investigações. A crise política não afetou a economia. O tempo do Judiciário não se impôs como a temporalidade dominante. Mesmo tendo sido necessários mais de dois anos até a instauração da ação penal, mesmo decorridos mais de sete anos até o início do julgamento da ação.

Em 2015, a política, a economia e as ruas passaram a medir sua hora pelo relógio da Lava-Jato. E, até o momento, a operação chegou apenas parcialmente a instâncias superiores. Os procedimentos de leniência de empresas junto ao CADE e à CGU não param de se multiplicar. Indiciamentos, denúncias e mesmo condenações convivem com investigações que estão ainda em seus estágios iniciais. O caminho completo do conjunto de ações penais resultantes da operação deve ser ainda mais longo que o do mensalão.

O distintivo do momento atual é que nada mais bloqueia a visão, nem mesmo o ajuste fiscal de Sísifo que o sistema político produziu. A Lava-Jato domina, soberana e inconteste, a cena. Mas isso é também indício de que foi alcançado o limite de tolerância para que a política, a economia e as ruas continuem a se submeter à temporalidade do Judiciário. A instabilidade permanente que se vê é o produto direto de um choque estéril entre o tempo longo do Judiciário e o prazo curto dos interesses políticos imediatos.

A necessidade inadiável de uma estabilização do sistema ficou escancarada quando o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, anunciou seu rompimento com o governo. O aspecto racional de suas atitudes é o de alguém que advoga a necessidade da contenção e da limitação da Lava-Jato para que o sistema político volte a funcionar nos termos em que operou nos últimos vinte anos. Mas, até o momento, Eduardo Cunha não encontrou aliados de peso nessa estratégia de autoproteção radical.

Não apenas porque as investigações estão avançadas demais, tecnicamente impecáveis demais. Porque houve o julgamento do mensalão, em 2012. Porque parte significativa da energia de Junho de 2013 como que se transferiu para a Justiça Federal de Curitiba. Por tudo isso, em vista da impossibilidade de conter politicamente a Lava-Jato, cresce a probabilidade de que o impeachment se apresente como o último recurso dessa estratégia de autodefesa do sistema político.

O que apenas põe às claras o fato de que a bandeira do impeachment não passa de nova cortina de fumaça a encobrir o que realmente importa, que é, ontem como hoje, a Lava-Jato. Poderá conferir alguma sobrevida a peças hoje ameaçadas de exclusão imediata do tabuleiro, a começar por Eduardo Cunha. Mas não fará com que o sistema político recupere condição operacional, não afastará o domínio que a temporalidade do Judiciário adquiriu.

Porque o problema não é Dilma e sua popularidade de terceiro volume morto, mas a desorganização judicial do sistema político. As peças se mexem muito, mas sem qualquer estratégia identificável para além da autodefesa descoordenada. Conseguem apenas passar a impressão de que ainda estão no jogo, de que ainda não foram excluídas definitivamente. Giram em falso. E a situação tende a se arrastar assim pelo menos até que se tenha ideia do quadro geral de denunciados.

Seria razão de alento poder identificar nessa crise permanente o horizonte de uma reorganização em patamar superior do sistema político. Mas não há nenhuma indicação nesse sentido até agora, infelizmente. O máximo que se pode razoavelmente esperar nas condições atuais é uma estabilização que recuse tanto o caminho antidemocrático da contenção da Lava-Jato quanto a via diversionista do impeachment. Esse passo significaria a celebração de um pacto, explicitamente provisório, que pudesse permitir ao sistema político voltar a operar, mesmo que em nível de energia baixo. Um acordo cuja validade expiraria com a aceitação de todas as denúncias contra políticos no âmbito da Lava-Jato.

Um pacto assim não tem nada que ver com "governabilidade". A situação é muito mais grave que isso. O que está em causa não é um governo, mas o estabelecimento e a aceitação por parte das forças políticas mais importantes de um programa mínimo. Seus dois primeiros itens seriam necessariamente a garantia de que todas as dimensões da operação Lava-Jato serão esquadrinhadas com liberdade de ação e o compromisso de abrir mão do recurso ao impeachment.

É claro que as cláusulas de um compromisso como esse podem incluir itens de política econômica ou de proteção social, por exemplo, desde que possível e desejável. Mas o fundamental é garantir o retorno do tempo da política sem que isso prejudique o tempo da Lava-Jato. Só assim seria possível recompor minimamente a capacidade de negociação dos atores.

O dramático do momento atual é que, tomadas pelo pânico da exclusão do jogo ou pela expectativa de um benefício imediato com o aprofundamento da crise, as principais forças políticas seguem em rota suicida. Políticos não implicados na Lava-Jato aceitam o abraço de afogados que lhes é oferecido pelos futuros indiciados na operação. Seguem paralisados, limitando-se a reencenar as mímicas surradas dos últimos vinte anos. Como se nada tivesse mudado. Como se fosse uma mera crise de governo e não a crise sistêmica que ameaça o país.
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Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.