pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Editorial: Estamos no limite, diz DaMatta.


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O programa Canal Livre, do último domingo, transmitido pela Rede Bandeirante, entrevistou o antropólogo Roberto DaMatta, um dos estudiosos que mais entendem de Brasil. Alguns críticos dizem que ele sofreu uma espécie de "massificação", tornando-se, hoje, muito próximo ao status quo do pensamento conservador vigente, o que ofuscaria suas grandes reflexões do passado. Pode ser até que seus críticos tenham alguma razão, mas o fato é que ele continua com uma percepção bastante aguçada do momento político delicado que atravessamos, constituindo-se, ainda, numa grande referência, quando se está em jogo pensar o país. Uma pena mesmo não ter acompanhado a sua entrevista desde o início. Mas, já no finalzinho do programa, ele falou duas coisas importantes. Quando questionado sobre a crescente onda de intolerância que se observa no país, observou que o "mal sempre volta" e que "estamos no limite". Torna-se necessário, portanto, que construamos algum consenso e repactuemos os padrões de convivência social, sob pena de sucumbirmos de vez.

Os reflexos dessa crise institucional já se tornaram perceptíveis em todos os momentos do nosso cotidiano. No altíssimo número de desempregados - que engrossam o mercado dos vendedores ambulantes, dos moradores de rua; no escárnio de nossa classe política - um desses políticos, mais recentemente, ao ser acusado mais uma vez pela PGR, informou que o procurador parecia ter fetiche pelo seu bigode; nas temporadas de caça aos deputados - para livrar o mandatário do prosseguimento de  mais uma denúncia de crime que pesa contra ele, cujas faturas são regiamente cobradas, com um ônus altíssimo ao erário; mais preocupantes ainda são a onda de agressões- movidas pela intolerância - que se sucedem por todo o país. Parece-nos que devemos adotar aqui a técnica do descaramento ou do cinismo, na medida em que o povo brasileiro - ao cobrar a lisura na condução do negócios públicos - são acusados de pregaram o atraso, serem partidários de uma agenda negativa e até de anti-patriotismo.

De uma certa forma, ele tem razão ao se colocar assim, uma vez que, como se sabe, essa "agenda" ultraliberal se sobrepõe a tudo. Nunca esteve entre as preocupações dos seus proponentes as "qualificações" ou "condutas ilibadas" dos seus executores. O ônus, como sempre, deve ser pago pelo cidadão comum, aquele brasileiro que ainda consegue pagar os seus impostos, vítima constante do assédio aos seus direitos. Como nunca se descuidaram dos seus interesses essenciais, já estão articulando um "novo" agente político para dar continuidade a esse projeto. Trata-se o atual prefeito de São Paulo, João Dória Jr.(PSDB), que já afirmou que não irá à convenção do partido para bater chapa com o seu padrinho, Geraldo Alckmin(PSDB), concorrendo á indicação dos tucanos como candidato presidencial nas eleições de 2018. Até a ex-presidente Dilma Rousseff sabe que, apesar dos pesares, Geraldo Alckmin(PSDB) ainda é  um mal menor do que o engomadinho, de figurino preparado sob medida pelos operadores dessa elite econômica, que o trata com todas as pompas e fanfarras por onde quer que ele passe. O que não falta para ele são partidos de aluguéis dispostos a bancarem a candidatura do "ungido". 

Vale a observação do antropólogo DaMatta, de que o "mal sempre volta'. Há alguns anos atrás, quem poderia imaginar que teríamos um retrocesso político dessa magnitude? de consequências nefastas para o tecido social? seguido dessa onda de intolerância? Já são mais de 14 milhões de desempregados; crescem assustadoramente o número de pessoas em situação de rua no país. Para atender às demandas dos ruralistas, o cara, numa canetada só, desabilita uma reserva ambiental do tamanho do Estado do Espírito Santo., no coração da Amazônia. Ainda bem que apareceu um juiz federal que entendeu que isso precisava ter um limite. Precisamos, porém, de outros limites, sob pena de o país ser conduzido a um caminho sem volta. Como observa DaMatta, chegamos ao limite. Isso precisa parar.  

Um prefácio, um aplauso, um abraço

                                           
Tarso de Melo:

Um prefácio, um aplauso, um abraço
O crítico literário Carlos Felipe Moisés (Divulgação)


Era abril de 2015 quando recebi uma mensagem do poeta Carlos Felipe Moisés (1942-2017) dizendo que havia preparado uma segunda edição, revista e ampliada, para seu livro Poesia & Utopia: sobre a função social da poesia e do poeta (Escrituras, 2007). Segundo ele, com sua alta exigência, dos livros sobre poesia que escreveu, era o que mais “merecia ficar”. Não concordei com ele, mas aceitei o surpreendente convite para escrever um prefácio para a nova edição, a que ele acrescentara dois novos capítulos, além de aprofundar um ou outro aspecto dos textos da primeira edição.
Levei mais de dois meses para me desincumbir da tarefa – a responsabilidade era muito grande e me embaraçava tanto quanto minha agenda. Não sabia por onde entrar naquela floresta de questões que Carlão, com uma leveza incrível, conseguia enfeixar em seus artigos críticos. E muito menos sabia como sair dali com um prefácio à altura do livro. Quase toda semana mandava para ele um e-mail pedindo desculpas pelo atraso (além de comentar a campanha do Corinthians e combinar pizzas na Urca). Quando entreguei o texto, que eu ainda considerava como primeira versão, ele, generoso como sempre, disse que havia gostado muito e que não me deixaria mexer em nada. Assim ficou.
O Poesia & Utopia de 2007 era o ponto culminante de uma reflexão que vinha de longe, passando por A multiplicação do real (1970), Poesia e realidade (1977), Poética da rebeldia (1983), Poesia não é difícil (1996) e O desconcerto do mundo (2001). No entanto, quando Carlos Felipe organizou a segunda edição, sua reflexão já havia dado outras voltas incríveis, nos livros Poesia faz pensar (2011), Tradição & ruptura (2012) e Frente & verso (2014). E todas essas reflexões se enfeixam no novo Poesia & Utopia, mas maturidade, em Carlos Felipe, nunca era ponto de chegada: era novo ponto de partida.
Não duvido que, de 2015 para cá, tenha reescrito ou ampliado ainda mais o livro (por mais que, desde então, tenha enfrentado justamente o período mais atribulado de sua vida pessoal). Nem perguntei muitas vezes para ele qual o destino editorial daquela reedição, mas me disse que estava procurando um editor, entre vários outros projetos em andamento. Sempre e sempre. Espero que o livro venha a público em breve, mas publico aqui o prefácio que pude fazer, como elogio e homenagem ao Carlos Felipe e também como um tímido agradecimento diante do tanto que ele deu a seus leitores. Ter podido ser um destes, além de seu amigo, é motivo de imensurável gratidão.
Prefácio ao POESIA & UTOPIA de Carlos Felipe Moisés
Recebo de Carlos Felipe Moisés a missão – dificílima como toda missão tão honrosa – de dialogar, num prefácio, com as ideias do livro que agora está nas mãos dos leitores. Passo semanas sobre os originais e hesito sobre quais os principais aspectos da reflexão trazida neste livro que deveriam ser colocados em destaque. Hesito muito, mas a resposta estava na sua face mais evidente. Sim: na capa.
Poesia & Utopia: o encontro dessas duas palavras na capa do livro já é, por si só, um evento. E uma provocação. Nessas duas palavras está concentrado, de alguma maneira, tudo o que mais precisamos hoje em dia. Ao pronunciá-las e escrever sob seu manto, Carlos Felipe congrega toda a reflexão sobre poesia e sociedade que o absorveu durante seus mais de 70 anos de vida, a maior parte deles dedicada a estudar, lecionar, escrever, debater, traduzir, enfim, fazer poesia em todos os sentidos.
O que temos em mãos agora é a segunda edição – revista e ampliada – de Poesia & Utopia: dentro do projeto sólido que a obra já apresentava na edição anterior, de 2007, o autor encaixou novas reflexões que apenas confirmam o potencial multiplicador da forma como sua inteligência investe nas grandes questões que, de Platão à era das redes sociais, rondam persistentemente a escrita e a leitura de poesia.
Impressiona saber que este livro, repleto de reflexões tão profundas, densas, assentadas sobre um vasto conhecimento da história, da teoria e das grandes e pequenas obras da poesia de várias épocas e culturas, passa longe de se apresentar como o ponto final – ou estável – de uma “carreira”. Pelo contrário, Carlos Felipe vem aqui justamente usar todo seu conhecimento para impedir que cicatrize qualquer uma dessas grandes questões que enfrenta no livro. E se traz algum conforto ao leitor é o de mostrar-lhe que tais questões, antes de serem uma etapa a ser vencida durante o amadurecimento como leitor e/ou escritor, são próprias da poesia em seu movimento na história – no passado, no presente e no futuro. Manter tais questões vivas talvez seja a razão de ser da poesia e dos poetas em cada contexto em que surgem e atuam.
Lembro-me de Murilo Mendes, autor de um livro chamado Poesia Liberdade (1974), afirmar que entre essas duas palavras não caberia nem mesmo uma vírgula. Entre as palavras do título deste livro de Carlos Felipe talvez fosse conveniente suprimir qualquer sinal intermediário, mas a conjunção pela qual optou o autor nos remete à necessidade de promover esse encontro-enlace entre poesia & utopia, condição tanto para uma quanto para a outra se realizarem em nossas vidas. (A propósito, o símbolo que conhecemos como “e comercial”, em determinadas famílias de fontes, tem mesmo a aparência de uma fita solta e esvoaçante aguardando um laço – ou não.)
Ao repor, por perspectivas variadas, a questão-chave do livro – “Para que serve a poesia?” –, Carlos Felipe provoca o leitor a acompanhar os labirintos de um raciocínio que é antes fiel à poesia que ao intento aparente de descobrir sua função “prática” no mundo em que vivemos – e mesmo noutros mundos possíveis. A pergunta, portanto, serve antes como um instrumento para desvendar ainda mais poesia do que respostas diante da constatação recorrente de que submeter a poesia a uma função – ainda que esta possa enriquecê-la aos olhos de quem não liga para poesia – é antes negá-la do que afirmá-la. É antes afastá-la do que enlaçá-la à necessária utopia.
Aliás, Carlos Felipe não coloca em primeiro plano a questão complementar que seu leitor talvez busque: “Para que serve a utopia?”. E não é sem propósito ou por descuido. Ao associar poesia e utopia na capa do livro, antecipando ao leitor o tipo de abraço que pode encontrar nas páginas deste livro, o autor já está nos ajudando a (não) responder à questão sobre a “utilidade” da poesia. Posso dizer: o que aprendemos nas páginas deste livro é que a poesia, se serve para algo, é para nos alimentar de utopia(s). E é por isso que esta resposta não pode se apresentar como uma “solução” da questão, porque dizer que “a poesia serve à utopia” está longe de ser a pacificação de nossos conflitos. Pelo contrário: é o reinício deles, ainda mais intensos, porque agora não nos contenta mais descobrir a função de um objeto artístico feito de palavras, mas sim investigar que energias nele são capazes de alterar a forma como vivemos.
Nas páginas e páginas de convite à meditação – e à poesia, claro, e à utopia, também – que se seguem estamos diante de nossas mais indisfarçáveis fraturas, porque cada linha aqui nos acusa de alimentar uma vida em que, estranhamente, é necessário perguntar qual é o lugar da poesia e, mais ainda, uma vida em que o presente só se justifica pelo quanto sejamos capazes de fazer para dele se afastar, ou seja, pelo quanto de utopia sejamos capazes de cultivar – contra o que somos.
Carlos Felipe, com a elegância dos grandes, não vem dar broncas ou opor o “alto nível” da poesia a um mundo menor em que nos desencaminhamos. Suas reflexões antes se ocupam de mostrar que dedicar-se à poesia é algo como escavar, no mundo em que estamos, o mundo que queremos: “Quanto mais certeza tivermos de que só nos resta a Utopia, mais a Poesia insistirá em alimentar o espírito que nos move”.
No seu mais recente livro de poemas, Disjecta membra (Lumme, 2014), Carlos Felipe dedica a seção final a uma série de aforismos sob os austeros títulos “O poeta”, “O poema” e “A poesia”, que ecoam muito da sabedoria que é revirada em Poesia & Utopia. Se o aforismo, isoladamente considerado, dá um peso excessivo à “verdade” que enuncia, basta passear pelo conjunto deles para perceber que, lá e cá, Carlos Felipe é antes um “perguntador” que um “respondedor”, antes perturbador que pacificador. Num desses aforismos, a propósito, o autor crava: “A verdadeira vida dispensa a poesia”. E não temos como evitar a pergunta: o que seria a vida verdadeira? E por que chegar a ela dispensaria a poesia? A poesia, então, é uma forma de estarmos ligados não à vida (falsa) em que estamos, mas a uma vida (a verdadeira) que pretendemos?
Admiramos as pessoas que passam a vida fazendo poesia, mas é provável que tenhamos ainda mais o que admirar nas pessoas que passam a vida fazendo perguntas. Ou naquelas que, com sua poesia, nos levam a fazer mais e mais perguntas. Carlos Felipe Moisés, com seus livros e com seu exemplo, é a cada dia mais alguém que leva seus leitores e alunos (não há palavra melhor para dizer como me sinto diante dessa figura que dedicou toda sua vida a ler e escrever poesia, pensando e fazendo pensar a partir dela) muito além do ponto em que se encontravam antes de conhecê-lo. E não é porque os carrega de um canto a outro, mas porque os convida a passear por lugares para os quais não tem mapa, talvez apenas o tíquete raro da poesia.
Se a utopia é o lugar que (ainda) não existe e o mundo que queremos e devemos criar, saímos deste livro absolutamente tomados pela urgência de mergulhar noutras tantas páginas de poesia até que a vida se revele, delas para fora, mais digna. Ou a mergulhar nas fraturas da vida sem receio de se afogar na poesia que pode haver por lá. Encorajar-nos a tanto é o que faz de Poesia & Utopia um livro de livros, ocupando aquele raro lugar na estante em que ficam os que gostaríamos não apenas de ter escrito, mas principalmente de estar à altura da entrega que suas palavras merecem.
TARSO DE MELO (1976) é poeta, autor de Poemas 1999-2014 (Dobradura, E-galáxia, 2014) e Íntimo desabrigo (Alpharrabio, Dobradura, 2017).

Cartum!

Le Monde: Dois minutos de ódio ( ou o perigo de ignorar os ressentidos)

 

Com a crescente maré conservadora e autoritária global, ondas de ódio tem atingido a sociedade brasileira com frequência horrenda. Não levar seus impulsionadores a sério é um risco e não intervir pode ser um equívoco danoso, capaz de dar espaço à efervescência de discursos fascistas.
por: Pedro Carvalho Oliveira
25 de agosto de 2017
Crédito da Imagem: Foto: Fiesp/cc

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Cresce no Brasil um velho conhecido tipo de medo e a insegurança. Não nos referimos aqui ao aumento no número de assaltos, sequestros e afins. São problemas aos quais se somam esses outros, cada vez mais frequentes em nosso país: as investidas agressivas de parte considerável da sociedade contra cidadãos defensores dos direitos humanos, politicamente alinhados a partidos ou movimentos progressistas, bem como a discursos contra o autoritarismo e o conservadorismo. Esses tem sido alvo de brasileiros aptos a bradarem seu ódio com base apenas em convicções morais ou apelos a argumentações frágeis, quando estas existem. Indivíduos que executam práticas fascistas sem mesmo compreenderem isso. Sujeitos que se consideram na linha de frente da política nacional, dotados do poder de derrubar governantes supostamente corruptos e agredir quem se mostrar minimamente associado a eles. Um tipo de violência extremada conhecida nos meios virtuais cada vez mais próxima de se materializar.
Disseminando o ódio
Na célebre obra “1984”, escrita por George Orwell, nos deparamos com um futuro distópico onde o Estado controla cada passo de uma sociedade e, por meio disso, impõe sua ideologia. Aqueles que não se submetem a ela são considerados inimigos. Nessa atmosfera, os inimigos do Estado são agredidos violentamente não apenas de forma física, sendo presos, mortos ou exilados, mas também de forma simbólica. A ficção nos mostra o seguinte: em um determinado momento do dia, parte da população gerida pelo chamado Grande Irmão interrompe todas as suas atividades e se volta a uma tela, na qual o rosto de algum inimigo nacional é exposto por um par de minutos. Nesse tempo, os indivíduos apoiadores da ditadura instaurada ou os que desejam não sofrer as sanções por ela empreendidas devem xingar o inimigo ininterruptamente, inclusive proferindo ofensas proibidas. São os “Dois Minutos de Ódio”.
Trata-se, portanto, de um momento no qual as pessoas, com o aval de uma autoridade maior e protegidas por ela, expressam seu ódio a alguém. Deixemos de lado as pessoas forçadas a se manifestarem visando não serem punidas e foquemos nos apoiadores do regime, cujas manifestações de ódio são reais. Eles direcionam suas ofensas e desejos de morte a símbolos de sua fúria, opositores do mundo que consideram ideal e supostas ameaças ao sistema que defendem, pois esse sistema os representa. Normalmente, os indivíduos mostrados na tela dos “Dois Minutos de Ódio” são considerados subversivos por defenderem políticas rejeitadas pelo Estado. Orwell criticava o stalinismo e sua perseguição política a dissidentes.
A forma como os apoiadores do regime extravasam seu ódio contra os inimigos no livro é bem semelhante a uma prática comum à era digital de hoje. Quando alguém compartilha nas redes sociais uma notícia de algum site, jornal ou blog, na qual um debate polêmico aparece, é comum vermos o seguinte alerta: “não leiam os comentários”. Trata-se das sessões destes sites voltadas à opinião dos leitores, nas quais eles podem se manifestar abertamente em relação ao que foi noticiado. O alerta normalmente é feito por pessoas que, intencionalmente ou não, defendem causas progressistas ou a equidade mesmo de forma tímida; no mínimo, são sensíveis ao ódio disseminado inescrupulosamente pelos internautas.
Em junho de 2017, um jovem tentou roubar a bicicleta de dois rapazes em São Paulo. As vítimas do roubo conseguiram evitar o crime, apreenderam o ladrão e o levaram à pensão onde estavam hospedados. Lá, uma das vítimas, um tatuador de 27 anos, usou seu equipamento para escrever “sou ladrão e vacilão” na testa do assaltante. O site do G1 publicou no mesmo mês uma matéria reportando a internação do adolescente em uma casa de recuperação particular, onde seria tratado por ser dependente de drogas[1]. Na página de comentários logo abaixo da notícia, lemos as seguintes palavras de um leitor: “se fosse eu não teria tatuado, teria dado um balaço nas testas (sic) mesmo..”. Mais adiante, outro comentário: “Nojo… vergonha… repulsa…agora só falta virar herói nacional e aparecer no Faustão”.
O mesmo portal noticiou em 17 de março de 2016 o caso de agressão sofrido por um adolescente que defendia Dilma Rousseff em São Paulo, quando as manifestações contra a então presidenta petista estavam em seu auge, pouco antes de sofrer o impeachment que a destituiu do cargo[2]. O jovem foi agredido por manifestantes na Avenida Paulista pelo simples fato de defender uma posição política divergente, como se estivesse numa briga de torcidas. Nos comentários, um leitor disse: “Amanha (sic) irei na rua para bater num vermelhinho….. eu e a turma da academia…..”.  Outro disse: “Ahhh mas uma porradinha não faz mal. Ainda mais para um filhote de petista”.
Nos dois casos há demonstrações explícitas de violência e ódio. No primeiro, o tradicional ódio brasileiro contra os criminosos, instituído frente a uma dicotomia cultural e histórica profundamente enraizada em nossa sociedade. Para a maioria dos brasileiros, existem os bandidos e as pessoas de bem. Como num filme, os bandidos são maus do começo ao fim e quase sempre promovem uma verdadeira cruzada contra o bem estar dos bons. As razões para alguém se tornar um criminoso não são expostas, levando as pessoas a acreditarem se tratar de má índole ou moral deturpada, de algo intrínseco ao seu sangue, à sua natureza. Dessa forma, apenas a punição pode resolver o problema, não reformas sociais, uma vez que os bandidos são vistos como uma espécie de aberração, incapaz de ser outra coisa. No linguajar da direita ressentida brasileira, criminalizadora da pobreza, reformas sociais “passam a mão na cabeça de bandido”. Para ela, “bandido bom é bandido morto”.
No segundo caso, o ódio é manifestado contra o Partido dos Trabalhadores (PT) e seus representantes, principalmente Lula e Dilma, mantidos no governo do país pela vontade popular desde 2001. Após o fervor proporcionado pela Operação Lava Jato, cuja atenção dada pela imprensa foi exaustiva, as acusações de corrupção feitas aos dois políticos, junto a muitos outros, levaram os brasileiros a “descobrirem” a corrupção no país. No entanto, essa corrupção foi atribuída tão fortemente ao PT, em consequência de interesses escusos, que o partido se tornou quase tão detestado quanto o comunismo em tempos anteriores. Para termos ideia, os manifestantes contrários ao PT acusavam o partido de ser comunista, ligado a Cuba e defensor de políticas antinacionalistas. No Brasil, pessoas de baixa renda frequentando aeroportos, empregadas domésticas protegidas pelas leis de trabalho ou negros no ensino superior e comunismo parecem ser a mesma coisa. É a permanência de um discurso que, além do anticomunismo frequente entre a classe média e seu entorno, evidencia a fragilidade do nosso sistema educacional.
A prática não se resume aos portais de notícias e se estende às redes sociais. Uma conta do Twitter denominada “Culpa do Nordeste” tratou de reunir postagens de ódio aos nordestinos a fim de denunciar os responsáveis por elas. Dos 443 tweets reunidos pela página até 20 de agosto de 2015, 81 relacionam a culpa pela reeleição da presidenta Dilma Rousseff aos nordestinos que, supostamente miseráveis, votaram massivamente na candidata a fim de manterem benefícios como o “Bolsa Família”, considerado pela oposição como instrumento eleitoral para tornar a população fiel ao PT. As mensagens compartilhadas também fazem uso de estereótipos que imaginam generalizadamente os nordestinos como pobres, ignorantes e incapazes de tomar decisões políticas importantes. Em alguns casos os internautas desejam a morte dos nordestinos, responsabilizados por um sem número de tensões sociais.
Esses são poucos exemplos perto dos quais podem ser encontrados na Internet. Trata-se de um ritual baseado na premissa de que os praticantes estão protegidos pela tela do computador ou smartphone, confortáveis em seus lares e longe de qualquer possibilidade de punição. Se fizermos uma analogia com a obra de Orwell, os indivíduos responsáveis por esses discursos têm os seus “Dois Minutos de Ódio” particulares, ofendendo sem restrições a quem se destinam a sua fúria descontrolada. Normalmente, os que assim se comportam são indivíduos ressentidos com grupos sociais ou movimentos políticos progressistas cujos esforços arrefeceram (menos do que o ideal) o politicamente incorreto e abriram espaço, com muita luta, para os excluídos falarem.
O problema é que, usando um jargão “memético” da Internet, “parece que a mesa virou”. Durante os últimos anos muitos políticos, artistas, jornalistas, entre outros, sentiram-se fortemente prejudicados pelo modesto, porém notável, avanço de uma forte onda de discursos progressistas que penalizavam, formal ou informalmente (por meio da execração pública nos meios virtuais, por exemplo), as piadas com negros, as ofensas aos homossexuais, o machismo, a rejeição aos direitos humanos e por aí vai. Pouco a pouco a compreensão e a empatia pareciam ganhar intensa visibilidade e aceitação nas classes favorecidas, de forma nunca antes vista. Agora, com o avanço conservador em diferentes âmbitos da política brasileira, esses indivíduos ressentidos, responsáveis pelo impulso dessa “maré de ódio” ao progressismo, se sentem mais à vontade para recuperar tudo que lhes foi tirado. Pior: parecem sedentos por propagarem todo o ódio silenciado e acumulado.
Até onde o ressentimento pode nos levar?

A história nos mostra o que ressentimento e ódio podem fortalecer em termos políticos. Muitas vezes nos negamos a acreditar nisso por se tratar de “um fantasma do passado”, algo já superado, mas não devemos nos enganar, pois os fascismos dão as caras diariamente e em nossa sociedade suas práticas são instrumentalizadas diariamente sem que sequer sejam percebias como tais. Como dito por Fernando Horta[3], o fascismo se inicia com a conjuminância de diferentes fatores, sendo um deles, na nossa opinião o mais importante aqui, por meio de um “fortalecimento do ideal punitivista jurídico ou físico, sempre resguardando o fascista como ‘reserva moral’ do mundo”. Nesse sentido, “o fascista crê que está certo, que sua moral é superior à dos outros, que ele é o único que trabalha e que preza pelos ‘valores tradicionais’”, sendo raro usarem argumentos, mas quase sempre a força bruta, física. “E ataca tudo o que é diferente disto. Tudo vira ‘corrupção’. Todos são ‘farinha do mesmo saco’”. Qualquer semelhança com nossa atual realidade pode não ser mera coincidência.
Isso pode ser só o começo. Se a tradicional e predominante cultura política autoritária brasileira continuar sendo a guia de indivíduos que a nutre e por ela é nutrido, é possível estes buscarem um representante que não apenas interrompa as diminuições nas diferenças sócio-econômicas, ou governe em favor dos ricos empresários ávidos por destituir os trabalhadores de seus direitos; esse representante pode surgir como alguém capaz de dar aval aos desejos mais grotescos daqueles que veem no diferente o seu inimigo. Daqueles cuja visão sobre os negros assassinados pelas autoridades em números abundantes diariamente é a de que “se morreu é porque fez coisa errada, pois no Brasil não existe racismo”. Daqueles que se regozijam ao ver um homossexual sendo agredido. Ou mesmo daqueles incapazes de suportarem a ideia de ver uma mulher desejando não mais se submeter, pois “hoje em dia tudo é machismo para essas feminazis”. Os “Dois Minutos de Ódio” podem ficar cada vez mais longos e corriqueiros para além dos muros virtuais. Encerro com um apelo: leiam os comentários. A dor nos mostra que algo não está certo.
*Pedro Carvalho Oliveira é mestre em História Política pela Universidade Estadual de Maringá. Integra o Laboratório de Estudos do Tempo Presente da mesma universidade e é colaborador do Grupo de Estudos do Tempo Presente, da Universidade Federal de Sergipe.


[1] Ver “Adolescente tatuado na testa é internado em clínica particular de recuperação, diz advogado” – Disponível em <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/adolescente-tatuado-na-testa-e-internado-em-clinica-particular-de-recuperacao-diz-advogado.ghtml>. Acesso em 16/08/2017, às 12h20.
[2] Ver “Adolescente é agredido em protesto contra o governo na Paulista” – Disponível em <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/03/adolescente-e-agredido-em-protesto-contra-governo-na-paulista.html>. Acesso em 16/08/2017, às 12h20.
[3] Ver “O fascismo nosso de cada dia… ou quem será comido primeiro? – Disponível em < http://jornalggn.com.br/blog/blogfernando/o-fascismo-nosso-de-cada-dia-ou-quem-sera-comido-primeiro-por-fernando-horta>. Acesso em 16/08/2017, às 14h30.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

O xadrez político das eleições estaduais de 2018, em Pernambuco: Tem cenoura no "Cozido"?

Resultado de imagem para Jarbas Vasconcelos/Fernando Bezerra Coelho

José Luiz Gomes da Silva

Cientista Político



Sempre que pode, o ex-governador Jarbas Vasconcelos tenta minimizar suas divergências com a direção nacional do PMDB. Esta postura tem sido mais observada nos últimos dias, quando ele vem tratando as especulações em torno de uma possível intervenção nacional no diretório regional do partido como parte de uma onda de fofocas que varrem o país. Depois, como ele chegou a enfatizar, se a punição tivesse partido de um homem com a estatura moral de um Ulisses Guimarães, de fato, talvez houvesse algum motivo para preocupação. Hoje, a legenda é presidida pelo senador Romero Jucá, que dispensa maiores apresentações. Em todo caso, o ex-governador o recebeu para tratar de algumas questões delicadas, como um possível ingresso na legenda do senador Fernando Bezerra Coelho(PSB), que se encontra descontente com a legenda socialista.   

Há muitas especulações em torno da engenharia política que está sendo montada no Estado, a partir de grandes interesses políticos nacionais, o que nos aconselham cautela ao tratar do assunto. Possíveis arestas, no entanto, estão sendo aparadas, como um desembarque - de preferência sem traumas - dos Coelho na legenda peemedebista, permitindo-se que o partido continue sob o controle do grupo jarbista, além de ser assegurada a sua candidatura ao Senado Federal, desta vez pelo bloco oposicionista. Como disse antes, existem muitos morubixabas nessa tribo de oposição, tornando-se difícil precisar a escalação de uma provável chapa. A despeito da intensa movimentação, especula-se que o senador Fernando Bezerra Coelho, na realidade, trabalha em prol do filho, o ministro Fernando Filho, a quem Jarbas Vasconcelos já trata como uma "boa surpresa". Fernando Bezerra Coelho poderia não ser candidato. Ainda assim, como acomodar atores políticos com o capital de João Lyra(PSDB), Bruno Araújo(PSDB), Armando Monteiro(PTB), Mendonça Filho(DEM), André Ferreira(PR)? 

Sabe-se, no entanto, que, quando os interesses maiores do grupo estão em jogo, eles acabam construindo um consenso. A direita não briga no "essencial", uma característica mais identificada com a esquerda. Depois, quando essas frentes se formam, descortinam-se em seus planos um projeto de poder de longo prazo. A União por Pernambuco, por exemplo, quando foi formada, previa-se que obtivesse uma hegemonia de poder de, pelo menos, 20 anos,onde não apenas o Palácio do Campo das Princesas estava nos seus planos, mas o Palácio Antonio Farias. Por isso não causa estranheza que alguns desses atores trabalhem com a perspectiva de apear do poder o prefeito Geraldo Júlio(PSB), nas próximas eleições municipais.Numa das possibilidades de composição vazada, o atual ministro da Educação, Mendonça Filho, se candidataria a uma vaga na Câmara Federal, em 2018, e ficaria aguardando, na fila, a sua pretensão majoritária. É preciso lembrar, no entanto, que o Recife, como dizia raposa Agamenon Magalhães, é uma cidade cruel. Noutros tempos, João Paulo, do PT, melou planos semelhantes.  

Uma colunista de política local informou que os senadores Romero Jucá(PMDB) e Fernando Bezerra Coelho foram vistos abraçados e sorridentes, após o manda-chuva peemedebista manter uma conversa reservada com o deputado federal Jarbas Vasconcelos. Não sei se há algo programado, mas convém ficar de olho no próximo "Cozido" oferecido por Jarbas Vasconcelos, em sua residência do Janga, um termômetro político das articulações aqui na província. Vamos ver se os Coelho aparecem, atraídos pelas cenouras, um dos ingredientes do prato. Essas movimentações políticas, apesar de intensas, ainda não chegaram na fase do prego batido de ponta virada. Recentemente, numa entrevista, Jarbas Vasconcelos afirmou serem nulas as chances de um rompimento com o Governo Paulo Câmara(PSB). Fernando Bezerra Coelho, por sua vez, negocia com a cúpula partidária uma saída para o impasse criado com a ameaça de punição ao filho, Fernando Filho, Ministro das Minas e Energias. Pouco provável que o impasse seja contornado, mas também aqui vale a máxima de Paulo Guerra: Em política não existem nunca nem jamais.   

Le Monde: Vem aí um novo golpe?

 
O fato de Lula liderar as intenções de voto para 2018 cria um impasse para os donos do dinheiro que afastaram o PT do governo. Eles não deram um golpe para assistir, pouco mais de dois anos depois, à vitória de Lula e à volta do PT. Assim, abre-se um novo leque de possibilidades.
por: Silvio Caccia Bava
30 de agosto de 2017
Crédito da Imagem: Claudius

claudius-122-2018 VEM AI
O recurso que deve ser apresentado pelos advogados de Lula ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª região, em Porto Alegre, sobre a condenação sem provas de que o ex-presidente seja dono do tríplex do Condomínio Solaris, no Guarujá, pode, eventualmente, anular sua condenação e deixá-lo em condições de disputar as eleições de 2018. Mas, se os juízes Leandro Paulsen, Victor Luiz dos Santos Laus e João Pedro Gebran Neto, tidos como linha-dura e com a mesma perspectiva de Sérgio Moro, reafirmarem a sentença deste último, Lula se tornará ficha-suja e ficará de fora das eleições do ano que vem.
No cenário em que Lula pode ser candidato a presidente nas eleições de 2018, ele tem grandes chances de ganhar se observarmos os dados da última pesquisa Vox Populi/CUT, realizada no fim de julho, que o coloca na liderança das preferências do eleitorado com larga margem de vantagem sobre todos os demais candidatos pesquisados e crescendo em relação à pesquisa anterior. Na sondagem espontânea, isto é, sem apontar candidatos, Lula tem agora 42% da preferência do eleitorado. Bolsonaro, 8%. Marina, 2%. Moro, 1%. Ciro, 1%. Joaquim Barbosa, 1%. Doria, 1%. Alckmin, 1%. Aécio, 0%. Brancos e nulos, 16%. Não sabe/não respondeu, 25%.1 É importante observar o quanto a população está desacreditando nas eleições ou não sabe quem escolher. Se somarmos brancos e nulos e não sabe/não respondeu, teremos 41% dos entrevistados.
Essa situação cria um impasse para os donos do dinheiro que afastaram o PT do governo. Eles não deram um golpe para assistir, pouco mais de dois anos depois, à vitória de Lula e à volta do PT. Assim, abre-se um novo leque de possibilidades. A primeira delas é manter a condenação de Lula de qualquer jeito, mesmo sem nenhum crime, como foi feito com Dilma. Mas isso não assegura que o resultado das eleições mantenha a oligarquia financeira no controle da máquina pública. Mesmo impedido de disputar as eleições, Lula será um grande eleitor, e é preciso considerar que as políticas antipovo do governo Temer e a falta de uma forte liderança de direita levam a população a votar na oposição.
Outra possibilidade, já aventada no Congresso, é que, em nome de uma economia de recursos, a reforma política unifique as eleições municipais com a eleição federal, empurrando tudo para 2020. Os atuais mandatos seriam prorrogados. Mas aí fica o problema do que fazer com Temer, que poderia ser substituído por Rodrigo Maia (DEM-RJ), o atual presidente da Câmara dos Deputados. Na avaliação dos mesmos conservadores, Maia não tem perfil para cumprir essa missão.
A alternativa mais recente é a de Gilmar Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que encaminhou aos presidentes da Câmara e do Senado proposta para introduzir o parlamentarismo no Brasil. Neste cenário, Lula pode ganhar, mas não governa.
Por fim, resta a via de reforçar o autoritarismo, simplesmente adiando as eleições de 2018, para quando não se sabe.
Todas essas possibilidades, arquitetadas pelas elites endinheiradas e seus representantes na política, não dão conta da complexidade do momento político brasileiro. A polarização produzida pelas políticas antipovo, o verdadeiro ataque aos direitos das maiorias, mudou o cenário. O atual governo não conta com apoio de mais de 5% da população, e não são só os trabalhadores que estão bravos em razão das reformas trabalhista e da Previdência, do corte nas políticas sociais e nos salários; as classes médias estão enfurecidas com a perda de seu poder aquisitivo, com o medo do desemprego, por terem sido manipuladas, embarcado num movimento anticorrupção e terem sido enganadas. Tudo isso até o momento está represado. Essa tensão toda ainda não encontrou seu canal de expressão.
Seria um erro das oposições, daqueles que defendem a democracia e os direitos, apostar todas as fichas na eleição do ano que vem. E se não houver eleições? Outro erro seria manter uma política de conciliação com aqueles que estão esfolando o povo.
O verdadeiro desafio para as oposições é buscar o contato com as pessoas comuns, mergulhar na sociedade e disputar a hegemonia apresentando as alternativas de como podemos sair da crise e construir um Brasil que coloque a economia a serviço do bem-estar de todos, assegure boas condições de vida e apresente um futuro promissor para os jovens, garantindo emprego, salário, saúde e educação.
O esforço de mobilização da sociedade já começou. As caravanas de Lula fazem parte dessa disputa. A iniciativa Vamos!, da Frente Povo Sem Medo, vai no mesmo sentido.2
O jogo está sendo jogado e a participação de cada um será determinante para sabermos o resultado…
Silvio Caccia Bava, diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil
{Le Monde Diplomatique Brasil – edição 122 – stembro de 2017}


1 Pesquisa Vox Populi/CUT. Disponível em: <www.cartacapital.com.br/politica/cut-vox-populi-sentenca-de-moro-impulsiona-lula-candidato>.

 

Eduardo Saron: Investir na diversidade pode ser a resposta para a crise da cultura no Brasil

                                          


Eduardo Saron: Investir na diversidade pode ser a resposta para a crise da cultura no Brasil
O diretor do Itaú Cultural, Eduardo Saron (Itaú Cultural / Divulgação)

 
Nesta segunda (28), o diretor do Itaú Cultural, Eduardo Saron, falou à imprensa sobre a 18ª edição do programa Rumos, edital bienal de fomento à cultura cujo objetivo é financiar projetos culturais de todos os estados brasileiros – e que abre inscrições nesta terça (29).
Para o diretor, investir na diversidade e atrair artistas de fora da região sudeste para a gestão de projetos culturais grandes como o Rumos – que atrai cerca de 15 mil inscritos por edição – “pode ser uma resposta à crise da cultura no Brasil”.
Embora exista há duas décadas, só nos últimos seis anos o projeto tem apostado de fato na diversidade, uma postura que, segundo Saron, foi cobrada tanto pelo público quanto pela imprensa. 
Hoje, o foco do edital são as regiões do país que, em geral, têm “menos voz” em projetos culturais de âmbito nacional, como o Norte e o Nordeste, mas outras formas de diversidade além da regional também permeiam o projeto – a de gênero, a racial e a étnica são algumas delas.
As “diversidades” devem aparecer “diluídas” na forma de uma comissão composta de mulheres, negros, LGBTs e outros grupos vulneráveis, e principalmente por meio do esforço para reunir projetos sobre e de autoria desses grupos. “Se a arte é diversa, assumir essa diversidade é essencial”, diz Saron.
Rui Moreira, ex-bailarino do Grupo Corpo e parte da comissão de seleção do Rumos, vê o foco na diversidade como “a única forma de olhar a cultura no Brasil”: “A dimensão continental do país demanda essa visibilidade. É um ato de soberania”, aponta.
Segundo ele, quanto mais as pessoas se identificam com a arte, mais percebem a importância da cultura em suas vidas, como algo não só da esfera do lazer, mas da necessidade. Isso, diz, só é possível se o público notar que sua cultura regional tem representação em nível nacional. “Em momentos de extrema desvalorização da arte, ter esse apoio das pessoas é fundamental.”
A atriz e produtora acreana Karla Martins, que também faz parte da comissão, concorda. Para ela, sem levar em conta a diversidade, fica “impossível incentivar a cultura no país”.
“Só o Acre tem 22 municípios, mas apenas quatro com acesso de avião. O resto, só via rios. A cultura, que é extremamente rica, fica restrita em lugares como estes, pois é difícil a entrada do Ministério da Cultura e de outros editais e prêmios”, diz, citando a cultura indígena como uma das mais afetadas pelo “isolamento cultural”: “Roraima, por exemplo, tem muita cultura, mas poucos recursos para mostrá-la em nível nacional”, coloca.
Excluídos do Rumos desde 2012, estados do Norte e do Nordeste, como o Piauí e o Amazonas, agora terão “atenção especial” do edital: “Não se trata de privilegiar, mas de trazer oportunidades iguais àquelas que o Sudeste tem”, justifica a atriz.
“Outros ‘Brasis'”
A diversidade regional no Rumos, segundo Saron, deve ser alcançada por uma série de viagens da comissão avaliadora do edital, formada por integrantes do Itaú Cultural e artistas do país inteiro. Durante a seleção, os avaliadores passarão por 17 capitais do Brasil, para ouvir produtores culturais e artistas locais em discussões gratuitas e abertas ao público sobre a situação cultural de seus estados. “Não ligamos tanto para o Sudeste, que já tem representação. Achamos importante revelar estes outros ‘Brasis’”, diz Saron.
Com um orçamento de aproximadamente 15 milhões de reais, o Rumos investe em projetos que variam entre a criação, a pesquisa e a documentação – entre os contemplados já estiveram desde um documentário sobre Wilson das Neves até a Orquestra de Violinos dos índios Chiquitano, por exemplo. Diferente de edições anteriores, agora não haverá limite de orçamento para cada projeto: segundo o diretor, “o mais importante é a força da proposta, e não o orçamento”.
No fim do processo de seleção, que vai de agosto a maio do ano seguinte, apenas 100 projetos são aceitos pelo Rumos. “A ideia não é que os projetos sejam uma propaganda do Itaú. Queremos uma parceria mais do que um patrocínio”, coloca o Saron.
No entanto, uma das exigências já na inscrição é a “maleabilidade” do artista em relação a mudanças em seu projeto: “O proponente precisa estar aberto para alterações para viabilizar o próprio projeto”, diz. 
Apesar da dualidade entre a menor liberdade do artista e a garantia de um financiamento para o projeto cultural, Saron garante que o objetivo do edital é apenas “viabilizar a cultura em tempos de crise”: “O Rumos pode ser uma resposta à carência que o Brasil vive hoje em relação às artes.”

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

O xadrez político das eleições estaduais de 2018, em Pernambuco: Conspiração Macambirense come o mingau quente da política pelas beiradas.



Foto: Reprodução/Facebook


José Luiz Gomes da Silva

Cientista Político



Quem já comeu mingau quente sabe que não se pode fazê-lo pelo centro, sob pena de queimar-se. Recomenda-se fazê-lo pelas beiradas, de preferência assoprando-o, e de devagar. Essa tem sido uma das estratégias utilizadas pela Frente das Oposições - aqui tratada como Conspiração Macambirense" - no sentido de obter a capilaridade política necessária para chegar ao Palácio do Campo das Princesas, nas eleições de 2018, derrotando o seu atual ocupante, o governador Paulo Câmara, do PSB. Ainda nas eleições municipais passadas, o então senador Fernando Bezerra Coelho(PSB) tratou de metropolitanizar-se, ou seja, costurou apoios a diversos candidatos a prefeitos da região metropolitana do Recife, entre eles, Anderson Ferreira(PR), em Jaboatão, Júnior Matuto(PSB), em Paulista, Antônio Campos(PSB), em Olinda. Seja qual for o espaço reservado a ele nesta "frente", o fato concreto é que ele já não é um ator político desconhecido do eleitorado da região, o que se constitui num trunfo, principalmente se considerarmos as análises que dizem que a eleição do próximo ano será decidida nessa região.

Uma das presenças mais festejadas no "ato administrativo" do programa Minha Casa, Minha Vida, ocorrido recentemente na cidade de Caruaru, foi justamente o prefeito Lula Cabral, da cidade do Cabo, ainda filiado ao PSB. De parte a parte, pelas redes sociais, tanto o prefeito quanto os ministros que o recepcionaram, notadamente Bruno Araújo(PSDB), se derramaram em elogios, não observando constrangimento algum no encontro. Soma-se isso o fato de o PTB, de Armando Monteiro, manter um equilíbrio de forças na região, praticamente empatado em número de prefeituras com o Palácio do Campo das Princesas. Um dado a ser observado é que, em última análise, as mobilizações das oposições estão emparedando o governador Paulo Câmara(PSB), contingenciado a tomar algumas decisões e iniciativas, um pouco antes do previsto, como o encontro com FBC para reafirmar seu projeto de reeleição. Embora a cidade de Petrolina fique muito distante do Recife, é como se o abraço ao baobá, dado pela frente de oposição, estivesse se concretizando, jogando o PSB na retranca. Quem entende um pouco de futebol, sabe que não é uma boa estratégia para quem deseja ganhar o jogo.

Hoje, um colunista de política de um jornal local, enumerou os possíveis equívocos cometidos pelo governador Paulo Câmara(PSB). Na nossa conta, esqueceu de um: a decisão em apoiar Ricardo Selva(PSB), nas eleições de Jaboatão dos Guararapes, quando o atual prefeito, Anderson Ferreira, já o havia procurado para pedir o apoio, oficialmente negado. Procedem as críticas aos possíveis "corpo-mole" dos articuladores políticos do Campo das Princesas, mas o estrago já estava consumado, uma vez que lideranças como os senadores Armando Monteiro(PTB) e Fernando Bezerra Coelho emprestaram solidariedade ao "renegado". Hoje, o Campo das Princesas tenta reconstruir essas pontes, mas já se fala que a família Ferreira está sendo convidada para o churrasco da Macambira, ou seja, pode compor a chapa da frente das oposições, indicando André Ferreira para o Senado Federal, com o pai na suplência. Eis aqui mais uma oligarquia familiar que terá um peso relevante nessas eleições.  

O diálogo dos integrantes da frente de oposição com os prefeitos socialistas continua ativo. Outro dia alguém comentou que o abrigo, no Governo Paulo Câmara(PSB), através das assessorias especiais, de lideranças políticas interioranas, talvez, em alguns casos, tenha ocorrido um pouco tarde, posto que eles aceitaram naturalmente os cargos, mas já haviam sido sondados pelos agentes da Conspiração Macambirense, tornando-se duvidoso um apoio efetivo dessas lideranças ao projeto de reeleição do governador. Este alerta pode não ser apenas um devaneio da Teoria da Conspiração. Por outro lado, as forças políticas em litígio estão equilibradas, posto que a frente das oposições também possue a tal "caneta", capaz de socorrer prefeituras em apuros pelo Estado afora. Ainda na condição de Ministro da Integração, FBC liberou recursos para a contenção do avanço das águas do mar, na cidade de Paulista, cidade governada por um socialista genuíno, encrencado com a Justiça Eleitoral. Para quem ele pedirá votos nas próximas eleições, considerando-se o fato de que suas relações com o Campo das Princesas já foram melhores?

P.S.: Contexto Político: A imagem acima foi divulgada, a princípio, pela equipe do Jornal do Commércio, no blog de Jamildo, a partir de sua publicação na rede Facebook, possivelmente por um dos perfis de um dos políticos que nela aparece.  

Editorial: Paulo Freire tornou-se o alvo principal da Escola Sem Partido

 
 
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Não são incomuns os chamados linchamentos morais, sobretudo nesses momentos bicudos de crise institucional que o país atravessa. Método sórdido utilizado para isolar e "desmoralizar" opositores, os linchamentos morais e a intolerância, no Brasil, assumiram contornos inimagináveis no bojo dessa crise política ora em curso. Até recentemente, um grupo de direita organizou um protesto aqui no Recife, onde tratou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como o maior ladrão que o Brasil já teve. Conforme afirmamos, em editorial anterior, a classe média foi induzida a apoiar o "impeachment" contra a ex-presidente Dilma Rousseff(PT) sob o "argumento" furado do combate à corrupção. Um pano de fundo da pior cueca - dessas vendidas pelos camelôs nas pontes do Recife - com todo o respeito aos camelôs - uma vez que os artífices desse golpe institucional estão muito mais enlameados e cometeram crimes e delitos em proporções superiores aos supostos delitos cometidos por integrantes da legenda petista. Agora, como se sabe, existe uma manobra que atenta contra as investigações da Operação Lava Jato. Os protestos, hoje, se limitam a alguns gatos pingados, que desejam atirar tomates naquele ministro da Corte Suprema.

Amaldiçoam um líder popular como o ex-presidente Lula e enaltecem figuras de proa da repressão política  instaurada no país com o golpe civil-militar de 1964. Por vezes fico me perguntando o que se passa pela cabeça desses jovens, que deveriam estar preocupados em empregar suas energias na defesa dos princípios democráticos, das liberdades civis, do Estado de Direito, da defesa do patrimônio nacional e do meio-ambiente, sob ameaça velada do grupo que tomou o poder no país. Ontem me deparei com uma sórdida campanha movida nas redes sociais contra o educador pernambucano, Paulo Freire. Paulo, em razão de sua proposta de educação libertadora e problematizadora, parece ter se tornado o alvo preferencial daqueles que defendem uma "Escola Sem Partido". Na realidade, uma escola de partido único, que suprime o debate democrático de ideias, susceptível à diversidade de opiniões e orientações sexuais.  Certamente, Paulo Freire encarna a antítese do que essa gente deseja para a educação brasileira. Daí ele ser o alvo principal dos ataques. Já andaram acusando-o até de plágio num desses sites vinculados a esses grupos.

A perseguição a Paulo Freire é típica dos tempos de obscurantismo que estamos vivendo. Por razões análogas, em 1964, ele também foi vítima desse mesmo processo, tendo que se exilar no Chile, ainda sob o Governo de Salvador Allende. Pernambucano do país de Casa Amarela - como diria o padre Reginaldo Veloso - Paulo passou a ter uma preocupação maior com o problema do analfabetismo da população adulta através do trabalho desenvolvido junto ao Movimento de Cultura Popular, um movimento criado no Estado, durante o período em que Miguel Arraes era o Prefeito da Cidade do Recife. Paulo desenvolveu um método único de alfabetização de adulto, aplicado com grande êxito na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte. O feito chegou ao presidente João Goulart que o incluiria na então proposta de Reformas de Base, com o objetivo de erradicar o analfabetismo no país. O resto da história todos conhecem. Goulart caiu, vitima de um golpe civil-militar, e Paulo Freire foi convidado a deixar o país.

A elite brasileira é cruel e o país tem dessas coisas. O cara cria o melhor método de alfabetização de adultos do mundo e não consegue aplicá-lo no seu país. Hoje o Brasil ocupa a 10º posição entre os países com o maior número de analfabetos adultos. São 13 milhões deles. Um número vergonhoso até mesmo para os padrões dos países latino-americanos, como observou a UNESCO. Em sua maioria, são mulheres, nordestinas, idosas e empobrecidas, evidenciando-se, também, um componente de gênero. Nos governos da coalizão petista - mesmo que timidamente - ainda foram criados programas como o Brasil Alfabetizado, recentemente extinto. Seriam assuntos como esses que deveriam conduzir esses jovens às ruas, para protestarem. Não para achincalhar cidadãos que tentaram mudar a face injusta de um país construído sob o signo do trabalho escravo, cujas consequências são visíveis até hoje.  

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Inteligência não teve sequer um real no orçamento da segurança pública do Rio de Janeiro em 2016


Rubem Berta
DESDE QUE FOI feito o anúncio do envio de tropas federais para tentar combater a violência no Rio de Janeiro, uma palavra voltou a ficar na moda: inteligência. Em várias entrevistas, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou que essa seria a base das ações de segurança no estado. O que se vê até agora, porém, é que a teoria não está funcionando na prática. Num grande mais do mesmo, o que houve de mais emblemático foi uma sequência de tiroteios durante operações da polícia no Jacarezinho que deixaram sete mortos, milhares de crianças sem aulas e moradores clamando por paz.
Um olhar no orçamento do Estado do Rio nos últimos anos traz um ingrediente a mais para entender a estratégia (ou a falta de estratégia) da Segurança Pública fluminense. Levantamento feito por The Intercept Brasil nos relatórios de contas consolidadas do governo estadual mostra que os gastos com a única função específica de “informação e inteligência” caminharam de valores ínfimos até simplesmente chegarem a zero no ano passado.
Em 2014, ano em que Luiz Fernando Pezão assumiu o governo após a renúncia de Sérgio Cabral, foram gastos na rubrica R$ 39,8 mil. Em 2015, foram R$ 21,6 mil. Nestes anos, os orçamentos totais da Segurança Pública no estado foram respectivamente de R$ 7,6 bilhões e R$ 8,6 bilhões. Em termos percentuais, os valores já haviam sido próximos de zero.

Nada para formação de recursos humanos

O orçamento do Rio confirma que o grande foco foi o investimento pesado em pessoal, deixando pouco espaço para outras ações complementares, estrategicamente importantes. No ano passado, apesar da crise econômica, os gastos com a Segurança Pública foram de R$ 9,1 bilhões (em 2015, haviam sido de R$ 8,6 bilhões). Deste total, quase R$ 7,68 bilhões (83,86%) foram para “administração geral”, basicamente para pagamento dos policiais.
Por outro lado, além de “informação e inteligência”, não foi gasto nem um real com as rubricas de “formação de recursos humanos”, “tecnologia da informação” e “fomento ao trabalho”.
É delicado falar sobre inteligência, porque sempre pode se alegar que há algum investimento secreto ou algo do tipo. Mas, como pesquisadora, o que vejo é que realmente parece que, no Rio, nunca os governos investiram tão pouco nessa área quanto nos últimos dez anos. O que se viu foi um investimento pesado em contratação de policiais para as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), deixando de lado a investigação e a inteligência no combate às grandes quadrilhas. Agora, lideranças estão saindo da cadeia e voltando para as mesmas áreas onde atuavam, com zero de capacidade de um trabalho de prevenção, de antecipação e de neutralização deste retorno”, analisa Silvia Ramos, uma das coordenadoras do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec).

“Preservação da vida e dignidade humana”

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública não nega o baixo investimento em inteligência, mas alega que “mesmo em um cenário econômico antagônico, sem custos aos cofres públicos, criou medidas estruturantes como o Grupo Integrado de Operações de Segurança Pública (GIOSP), no Centro Integrado de Segurança Pública (CICC), e a delegacia especializada para o combate ao tráfico de armas, a Desarme, para atacar as causas da letalidade violenta”.
A secretaria ainda afirma que “tem como principais diretrizes a preservação da vida e dignidade humana, o controle dos índices de criminalidade e a atuação qualificada e integrada das polícias”.
A secretaria também confirmou a concentração dos gastos em pessoal, já citando os números referentes a este ano:
“O orçamento previsto para a Secretaria de Segurança, em 2017, que inclui valores da própria secretaria, da Polícia Militar e da Polícia Civil foi de R$ 7,4 bilhões, aproximadamente. Destes, foram liberados, até o momento, R$ 2,3 bilhões, o que representa um contingenciamento de 59% para o orçamento da Segurança Pública. Do total previsto, o detalhamento das despesas prevê a utilização de, aproximadamente, 96% com despesas de pessoal (folha salarial), 2,7% com custeio e menos de 1% restantes para utilização em investimentos”.
Ou seja, no que depender de dinheiro, a inteligência parece que continuará ficando em segundo plano.
(Publicado originalmente no site do Intercept Brasil)

Comissão recomenda expulsão de alunos da UFPE e entidades estudantis criticam criminalização da Ocupação


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Comissão recomenda expulsão de alunos da UFPE e entidades estudantis criticam criminalização da Ocupação
por Laércio Portela

A comissão de inquérito administrativo formada para investigar denúncia de danos patrimoniais e furtos durante a ocupação do ano passado do Centro de Artes e Comunicação (CAC) da UFPE recomendou ao reitor Anísio Brasileiro a expulsão de seis alunos da graduação. O advogado de defesa de cinco dos jovens, André Barreto, criticou fortemente o documento por não apontar a conduta individualizada de cada aluno e, segundo argumenta, utilizar a “teoria do domínio do fato”, sem embasamento no direito brasileiro, para responsabilizar os jovens enquanto supostas lideranças da ocupação. Entidades estudantis de todo o Brasil assinaram manifesto acusando a comissão de “perseguição política e criminalização” do movimento.
Com base em vistoria realizada logo após a desocupação do CAC, em dezembro de 2016, o relatório indica que houve “destruição de mobiliário (com arrombamentos), conspurcação de imóvel público (paredes e pisos pichados, inclusive com frases de baixo calão e de caráter difamatório), vandalismo, furto a equipamentos tombados (computadores, projetores, máquinas fotográficas), ameaça a funcionário responsável pela segurança do imóvel… desaparecimento de material acadêmico e outros atos ilícitos…”.
O relatório final da comissão de inquérito, datado de 5 de maio deste ano e assinado por quatro servidores da UFPE, começou a circular nas redes sociais no final da semana passada. Na página oficial do Movimento Ocupa UFPE no Facebook foi publicado o manifesto Contra a Criminalização do Direito de Lutar. O Ocupa acusa a Comissão de atuar no âmbito político para enfraquecer vozes dissonantes dentro da universidade, seguindo tendência nacional do Poder Judiciário.
“A Comissão responsável por elaborar um parecer entendeu pela expulsão desses alunos e alunas – sem quaisquer provas ou documentos, sem individualização das acusações – meramente por associá-los às ocupações e danos ao patrimônio público. Essa política, portanto, se alinha à política do judiciário brasileiro como um todo, que atua ativamente na criminalização dos movimentos sociais, sindicais, estudantis e lideranças populares; que condena sem provas, baseando entendimentos meramente em convicções, e que defende a expulsão de estudantes engajados politicamente”, critica o manifesto do Ocupa assinado por 126 entidades, a grande maioria estudantis.
Além da perícia realizada após a saída dos alunos do prédio do CAC, os titulares da comissão de inquérito administrativo ouviram seis testemunhas, entre servidores técnicos administrativos, terceirizados e professores. Segundo o relatório, os representantes legais dos estudantes informaram à comissão que estes não prestaram depoimento porque “se recusaram a reconhecer a legitimidade da comissão para julgar o ato político de resistência dos estudantes na luta em defesa da universidade pública”. A comissão alega que garantiu o direito de ampla defesa aos jovens.
De acordo com o relatório da comissão, “os discentes denunciados assumiram a responsabilidade e o risco pelos atos praticados durante a ocupação do CAC–UFPE, notadamente quando forçaram a saída dos funcionários responsáveis pela segurança patrimonial do edifício e permitiram o ingresso de pessoas estranhas à Universidade durante o período do movimento”. Diz que os estudantes devem ser responsabilizados civil, administrativamente e penalmente pelos danos causados ao patrimônio, apontando prejuízo no valor de R$ 100 mil.
Para o advogado de defesa dos jovens, André Barreto, integrante da Frente de Juristas pela Democracia, não há nada no relatório que comprove a conduta específica de qualquer um dos estudantes mencionados em atos de danos ao patrimônio ou furto de equipamentos. “Não há a individualização da conduta de nenhum dos estudantes citados. Eles não podem ser acusados porque supostamente são lideranças do movimento por terem participado de reuniões de negociação com a Reitoria. Outros estudantes também participaram. A ocupação do CAC envolveu dezenas de estudantes. Estão aplicando a teoria do fato, que não está contemplada no direito brasileiro”.
A teoria do domínio do fato tornou-se conhecida no Brasil durante o julgamento da ação penal 470 no Supremo Tribunal Federal, mais conhecida como “mensalão”, quando foi utilizada para incriminar o ex-ministro José Dirceu. Segundo a teoria, são passíveis de culpabilização por um ato ilícito não apenas aqueles que praticaram o ato em si, mas também os agentes que teriam autoridade hierárquica sobre os autores materiais do ato. Para muitos juristas, a teoria do domínio do fato coloca em xeque o princípio legal da presunção de inocência.
André também questiona a citação de vários equipamentos que teriam sido furtados durante a ocupação, como notebooks, data shows, aparelhos de som, impressoras, entre outros, sem que estejam devidamente registrados os números de tombamento de cada um deles. “Não está dito lá como chegaram ao valor de R$ 100 mil, sem descriminar o número de registro de cada equipamento, o que comprova sua existência como patrimônio público, e nem está claro o valor de cada um deles. Isso é uma exigência jurídica”. Um dos professores que prestou depoimento citou equipamentos que teriam sido furtados ou danificados quantificando o valor aproximado deles, inclusive com alguns detalhes técnicos, mas no documento não constam os números de tombamento do material.
O advogado criticou também a citação no relatório de artigo da lei antiterrorismo, utilizada para enfatizar a gravidade dos atos relatados, muito embora esteja claramente explicitado no documento elaborado pela comisão que ela “não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais… direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios”. “Essa lei aparece no relatório da comissão como um fantasma. Sua citação diz muito sobre as intenções do documento”.
A assessoria de comunicação social da UFPE informou que o relatório da comissão de inquérito administrativo chegou ao Gabinete do Reitor no dia 28 de junho, tendo sido encaminhado à Procuradoria Jurídica da universidade neste mesmo dia. O relatório foi distribuído, no dia 10 de agosto, para um procurador que fará um parecer jurídico sobre o caso. Cabe à Procuradoria avaliar se foi seguido o devido processo legal na comissão, tendo sido garantido, por exemplo, o amplo direito de defesa aos estudantes. O parecer da Procuradoria deverá então ser encaminhado ao reitor Anísio Brasileiro, a quem caberá a decisão sobre o caso. Ele pode aceitar a recomendação e expulsar os alunos, optar por uma pena menos severa (advertência, repreensão ou suspensão) ou arquivar o processo. Seja qual for a decisão, os estudantes ainda podem recorrer em última instância interna ao Conselho de Administração da universidade.
A professora do campus Ageste da UFPE, Allene Carvalho Lage, coordenadora do Observatório dos Movimentos Sociais na América Latina, publicou nas redes sociais uma carta aberta ao reitor pedindo que ele rejeite o parecer que recomenda a expulsão dos estudantes do Centro de Artes. Ela defende a legitimidade da ocupação estudantil em defesa das universidades públicas e contra a emenda do teto de gastos e associa o pedido de punição a atos praticados sob um regime de exceção. “Esta decisão vem punir violentamente estudantes que passaram vários dias em uma exaustiva ocupação, pela defesa da manutenção dos recursos públicos que garantissem o funcionamento integral da UFPE. E, nesta perspectiva, entendemos que este parecer fere os princípios democráticos, que desde sempre têm sido um valor em todos os setores da UFPE, só encontrando ecos esse tipo de expulsão nos tempos da ditadura civil militar”.
Outros dois processos administrativos estão em tramitação na UFPE: um relativo à ocupação do Centro de Filosofia e Ciência Humanas (CFCH), onde são investigados também danos ao patrimônio público, e outro que apura agressões a professores durante reunião do Conselho Coordenador de Pesquisa, Ensino e Extensão, que discutia a adequação do calendário acadêmico no pós-ocupação.

(Publicado originalmente no site do Jornal GGN)