Hoje é dia de comemoração e de muita homenagem. São comemorações e homenagens com múltiplos significados. Para vocês, formandos, o início de um novo ciclo. Para os pais, a alegria e a sensação do dever cumprido. Para a Fundação Getúlio Vargas, mais uma meta atingida. Para os homenageados, a satisfação pela escolha. Para mim, e, certamente, para o Claudio, uma emoção forte por esse momento especial.
De início, é necessário destacar que compartilhar essa homenagem com o também pernambucano Paulo Freire é uma grande honra. E esse é um compartilhamento que tem muitos sentidos pessoais e históricos.
Lembro que no início dos anos 1960, eu, estudante secundarista em Recife, acompanhava, entusiasmadamente, a batalha que Paulo Freire travava com os educadores mais tradicionais. Ele insistia: “não basta saber ler Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com a produção da uva.” Dessa boa briga resultou um dos mais belos movimentos culturais do país: o MCP, o Movimento de Cultura Popular. Pouco tempo depois, considerado persona não grata pela ditadura implantada no Brasil em 1964, Paulo Freire foi preso e expulso do país, mas seu método de ensinar saiu de Recife e ganhou o mundo. Hoje, ele é reconhecido internacionalmente como um dos maiores pensadores no campo da educação do século XX.
Sabemos que compreender os processos sociais e entender o sentido das ações humanas é objetivo dos cientistas sociais. Portanto, mesmo de uma forma bem breve, cabe refletir sobre os sentidos presentes nesse momento ritual, presentes nessa homenagem.
Ainda que com intensidade variada e por motivos diversos, 2013 foi um ano que marcou o país, o Cpdoc da Fundação Getúlio Vargas, a vida de vocês, a minha vida e a vida de Claudio.
Foi o ano que movimentos sociais explodiram em diversas cidades do Brasil; foi o ano que a luta contra a tortura, uma luta muito cara para mim, ganhou maior expressão na sociedade brasileira; foi o ano que vocês, os formandos de 2013, exerceram o direito de se indignar e com criatividade e firmeza enfrentaram práticas institucionais autoritárias incongruentes com as mais básicas lições de convívio democrático. Assim, vocês mostraram, como costumava dizer Paulo Freire, que “mudar é difícil, mas é possível”.
Foi ainda com Paulo Freire que aprendi, e espero ter conseguido passar isso para vocês nas minhas aulas, que ensinar não é apenas transmitir conhecimento, mas é, sobretudo, criar as possibilidades para a própria produção do conhecimento. Como vocês bem sabem, produzir conhecimento exige investigação, análise e capacidade crítica. Como estudantes, vocês fizeram uso da crítica como arma para cobrar coerência e enfrentar o autoritarismo. Com isso, vocês marcaram a história do Cpdoc. Essa e outras experiências fora da sala de aula somadas ao aprendizado adquirido na sala de aula, certamente farão de vocês bons profissionais. Profissionais que compreendam os processos sociais e entendam o sentido das ações humanas, sabendo que o trabalho intelectual para ser eficaz, assim como uma vida para ser bem vivida, exige dedicação, abnegação e vocação. Profissionais que saibam perguntar e estabelecer diálogos como um método de investigação eficaz para desvendar os sentidos dos pensamentos e práticas que movem a sociedade. Profissionais sempre dispostos a se renovar, a se submeter e a promover contínuos aprendizados.
Com essa perspectiva, antes de concluir, quero prestar aqui duas homenagens. A primeira é para meus amigos e ex colegas de trabalho Lucia Lippi, Maria Celina D’Araújo, Marly Motta, Dora Rocha, Helena Bomeny, Mario Grynszpan, Cristiane Jalles, Angela Castro Gomes e Claudio Pinheiro, que saíram ou foram demitidos do Cpdoc e com quem tanto aprendi. Não sei quantos de vocês foram seus alunos. Os que estão ingressando na Escola de Ciências Sociais da FGV, escola que esses profissionais dedicados, abnegados e vocacionados ajudaram a construir, lamentavelmente, não terão mais esse privilégio.
A segunda homenagem é para os alunos de História e Ciências Sociais da FGV, muito especialmente para Aline, Gabriela, Felipe, João Pedro, José, Layssa, Marcelle, Thiago, e Victor, os formandos de 2013. Segundo o dicionário Aurélio, patrono é sinônimo de padroeiro, padrinho, advogado. E naquela batalha travada em setembro de 2013 quando eu e Claudio, considerados personas não gratas, fomos demitidos do Cpdoc, vocês entraram na briga de corpo e alma e atuaram como nossos padrinhos, nossos padroeiros, nossos advogados. Enfim, nesse sentido, vocês foram nossos patronos.
Por tudo, mas, sobretudo, pela ela boa briga e pela corajosa homenagem, meu muito obrigada.
Dulce Pandolfi
21/2/2014
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