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quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Publicado há 65 anos, "O velho e o mar" foi redenção literária de Hemingway


Publicado há 65 anos, ‘O velho e o mar’ foi redenção literária de Hemingway
Ernest Hemingway em Cojimar Harbor, Cuba, em 1952 (Alfred Eisenstaedt/Time Life Pictures/Getty Images)26


Em 1950, Ernest Hemingway era considerado pela crítica um escritor “acabado”. Morando em Cuba há dez anos, não publicava nada desde seu último romance de sucesso, Por quem os sinos dobram (1940). Uma década mais tarde, seu retorno literário com Na outra margem, entre as árvores (1950) foi mal recebida pelo público e pela crítica.
As constatações de que se tratava de um romance muito emocional, estático e sem a precisão estilística característica de Hemingway magoaram o autor, que então se dedicou a escrever sua “obra-prima”. No ano seguinte, junto com os originais de O velho e o mar (1952), ele enviou um bilhete ao seu editor, em que dizia: “Eu sei que isso é o melhor que posso escrever na minha vida toda”.
Hemingway não estava enganado. Publicado há 65 anos, no dia 1º de setembro de 1952, O velho e o mar garantiu o Pulitzer ao autor em 1953 e, no ano seguinte, o Prêmio Nobel de Literatura. “É um consenso crítico que O velho e o mar pode ter sido o ‘canto do cisne’ de Hemingway, sua obra-prima depois de um longo período sem boas recepções”, afirma Daniel Puglia, professor do Departamento de Língua Inglesa da USP.
Último romance do autor publicado em vida, a narrativa é centrada na história de Santiago, um velho pescador cubano. Após 84 dias sem conseguir uma presa, mas instado por um jovem companheiro a continuar tentando, o velho pesca um descomunal peixe Marlim de quase 700 quilos. Depois de horas de luta, Santiago consegue atracar a pesca em seu barco e parte para a costa cubana. Ao chegar em terra, constata que o peixe fora devorado no trajeto, sobrando apenas sua carcaça.
Apesar da brevidade narrativa, a história do velho Santiago tem sido interpretada como uma metáfora do processo artístico do autor e, em última instância, da própria condição humana. “A obra é vista como uma alegoria da dificuldade de alcançar o almejado, o sonho do que seria uma grande obra, reconhecida pelos outros”, afirma Puglia. “Ao mesmo tempo, é uma realização cheia de dor, cheia de pavor, de percalços, do medo de chegar na praia e só encontrar o esqueleto da obra”.

Hemingway posa com um Marlin em Havana Harbor, Cuba, em julho de 1934 ( John F. Kennedy Presidential Library and Museum/Ernest Hemingway Collection)
Hemingway posa com um Marlin em Havana Harbor, Cuba, em julho de 1934 (John F. Kennedy Presidential Library and Museum/Ernest Hemingway Collection)

No plano existencial, O velho e o mar seria uma metáfora de uma vida de riscos, de investimentos que, no final, resultam em solidão ao lado de uma carcaça sem valor. Para o tradutor e doutor em linguística pela USP Caetano Galindo, trata-se de um texto no qual “cabe de fato um mar, um sem fim de possibilidades e sentimentos em torno de uma história simples, direta”. O próprio Hemingway, no entanto, negava essas interpretações alegóricas. “O mar é o mar. O velho é um velho. Todo simbolismo do qual as pessoas falam é besteira”, escreveu em uma carta ao crítico Bernard Berenson.
Independentemente de simbolismo, as relações autobiográficas contidas no livro são latentes: Santiago provavelmente foi inspirado em Gregorio Fuentes, amigo do autor e capitão do seu barco de pesca, Pilar. Como o personagem, o companheiro de pesca do escritor era experiente, magro, tinha olhos azuis e nasceu nas Ilhas Canárias.
Nesse sentido, é possível que O velho e o mar reflita os últimos anos de vida de Hemingway, marcados pela paixão que nutria por Cuba: o autor de O sol também se levanta (1926) mudou-se para uma fazenda a 25km de Havana em 1939, com a terceira esposa, a jornalista e escritora Martha Gellhorn, e os 12 gatos do casal. Escalado para cobrir a Segunda Guerra Mundial, ele passou metade da década de 1940 vivendo na Europa, mas voltou à ilha em 1946, dessa vez com a sua quarta esposa Mary Welsh, também jornalista e escritora.
Lá viveram até 1959, quando a eclosão da Guerra Fria e o rompimento entre Cuba e Estados Unidos obrigaram a família do escritor a se mudar para seu país de origem. Em entrevista ao The New York Times em 1999, o filho do escritor, Patrick Hemingway, relatou que deixar Cuba foi um dos motivos da depressão do pai, que culminou em seu suicídio em 1961.
A influência de Cuba em Hemingway não foi menor que a do escritor na ilha. Seus livros são vendidos em lojas oficiais do governo, seu nome batiza drinks, sua fazenda se tornou um museu e os descendentes do velho Fuentes costumam levar turistas para passear no antigo barco do autor.
Para além dos aspectos biográficos e alegóricos, a obra ainda guarda uma grande atualidade, na opinião do escritor, jornalista e crítico literário José Castello. “O romance trata da solidão – e, apesar da alta tecnologia que nos conecta, nunca estivemos tão sozinhos. Trata de uma luta desesperada. Num tempo de guerras, êxodos forçados e ameaças atômicas, também o desespero exige de nós uma grande abnegação”, afirma. “Trata, enfim, da experiência da derrota, e num país que se desmonta, num mundo que parece prestes a explodir, poucas vezes nos sentimos tão vencidos.”

(Publicado originalmente no site da revista Cult)

Charge! Benett via Folha de São Paulo

Benett

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Charge! Renato Aroeira

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Casos como o "Queermuseu" devem ser tratados como desafios educacionais, diz crítico de arte

                                           


Casos como o ‘Queermuseu’ devem ser tratados como desafios educacionais, diz crítico de arte
‘Cruzando Jesus Cristo com Deusa Schiva', de Fernando Baril, 1996; obra estava em exposição na mostra ‘Queermuseu’ (Divulgação)





Quase um mês antes do seu encerramento oficial, a exposição Queermuseu – Cartografias da diferença na arte brasileira, do Santander Cultural de Porto Alegre, foi cancelada depois de receber acusações de apologia à pedofilia e à zoofilia. Com curadoria de Gaudêncio Fidelis, a mostra tinha a intenção de debater temas como direitos LGBT, racismo e violência religiosa.
A seleção trazia 270 obras de 85 artistas como Lygia Clark, Leonilson, Portinari e Adriana Varejão, e estava à mostra desde 14 de agosto. No último final de semana, vídeos de trabalhos considerados ofensivos viralizaram nas redes sociais, levando a ataques virtuais – e físicos – incentivados pelo Movimento Brasil Livre (MBL). Uma agência do Santander foi pichada com a frase “Banco Santander apoia a pedofilia”.
As ações levaram ao fechamento da exposição pelo Santander Cultural. Em nota, o banco pediu desculpas “a todos aqueles que enxergaram o desrespeito a símbolos e crenças na exposição Queermuseu” e afirmaram reconhecer que “infelizmente a mostra foi considerada ofensiva por algumas pessoas e grupos”.
Sobre o assunto, a CULT conversou com o crítico de arte Luiz Camillo Osorio, ex-curador do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, que já enfrentou uma situação semelhante em 2011. Atual Diretor do Departamento de Filosofia da PUC-Rio e especializado na área de Estética e Filosofia da Arte, Osorio fala sobre a arte como expressão do que é tabu, sobre as razões do incômodo causado pelas obras do Queermuseu e sobre os cuidados que as instituições privadas deveriam ter quando lidam com cultura – especialmente aquelas amparadas pela Lei Rouanet.
“‘A’, Not ‘I’”, de Cibelle Cavalli Bastos, 2016
‘A’, Not ‘I’, de Cibelle Cavalli Bastos, 2016; obra estava em exposição na mostra ‘Queermuseu’ (Divulgação)
CULT – Considera censura o que aconteceu com a exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira?
Luiz Camillo Osorio – Acho que fechar uma exposição por conta de protestos sobre o conteúdo das obras é um ato extremo e uma forma de censura. Especialmente neste caso, em que questões relacionadas a gênero e sexualidade estavam sendo trabalhadas pela curadoria. É parte do papel da arte abrir debates sobre formas não canonizadas de comportamento e as instituições devem tomar estas situações como desafios educacionais. Para isso, em vez de fechar a exposição, [o banco] deveria assumir e convocar o dissenso, abrir o debate com as várias vozes e os diferentes tipos de abordagem das questões que estão em foco. Fazer isso com respeito às sensibilidades mais tradicionais. A liberdade de expressão é um princípio constitucional. As instituições culturais deveriam ser as primeiras a lutar por isso e buscar ouvir as vozes discordantes.   
Historicamente, casos semelhantes são comuns. Um exemplo famoso é a exposição dos artistas “degenerados”, durante o nazismo na Alemanha de mais de 70 anos atrás. Acha que existe o perigo de um retrocesso tão grande a ponto de a arte se perder, especialmente no contexto de desvalorização da cultura que vivemos atualmente?
Não acho este exemplo bom pois é um outro contexto e uma situação bastante diferente. Eu aproximaria este caso da exposição da Nan Goldin [em 2011] que, antes da abertura, a Oi Futuro decidiu que seria impróprio para seus visitantes (e clientes). Esta exposição acabou indo para o MAM-Rio. Na época, eu era o curador do MAM e ao abrir a exposição recebemos um oficial de justiça com um processo pedindo o fechamento por crime de pedofilia. Conseguimos manter a exposição e a justiça acabou arquivando o processo, garantindo ao museu o direito de manter a exposição.
O que marcou neste caso? Algo pode ser aprendido e reaplicado na questão do Queermuseu?
No arrazoado muito bem feito pelo Procurador encaminhando o arquivamento, ele indica algo que me parece fundamental neste debate jurídico: “A maior demostração de amadurecimento institucional, em uma sociedade democrática e plural, é acomodar as divergências numa moldura de tolerância e reconhecimento da diversidade, até porque o dissenso depende da liberdade tanto quanto a concordância”. Este parecer da Justiça em defesa do museu e da exposição da Nan Goldin deveria servir como jurisprudência em casos de arbitrariedade institucional como a que estamos vendo agora.
‘Is a feeling’, de Cibelle Cavalli Bastos, 2013
‘Is a feeling’, de Cibelle Cavalli Bastos, 2013; obra estava em exposição na mostra ‘Queermuseu’ (Divulgação)
É benéfico que um banco abra espaço para uma exposição de arte como a Queermuseu
Um banco investir em uma exposição como esta acho ótimo. O problema é fechar por conta de pressão conservadora. Também acho preocupante que o Estado esteja investindo menos em cultura. Além disso, acho também muito preocupante que o Ministério da Educação esteja inibindo o debate sobre educação sexual nas escolas. Este debate é fundamental para a cidadania e para a pluralidade democrática.
A exposição, embora tenha sido fechada, captou R$ 850 mil via Lei Rouanet. Como vê isso?
Situações como esta evidenciam que centros culturais, mesmo quando bancados por empresas privadas, se recebem apoio via Lei Rouanet e renúncia fiscal, deveriam ter mais cuidado antes de fechar uma exposição e abrir um debate público mais plural e não apenas decidir segundo suas diretrizes de marketing. O centro poderia não ter aceito o projeto, mas fechar uma exposição parece-me uma violência à liberdade de expressão.
Há quem diga que a arte contemporânea pode parecer hermética, inacessível para a maior parte do público. Essa percepção favorece acontecimentos como esse? 
Não acho que haja esta relação. Se a arte fosse mesmo tão hermética, pelo contrário, não incomodaria tanto. Se incomoda a ponto de fecharem arbitrariamente a exposição, é porque a arte toca em pontos delicados e que ficam represados como tabus. No século 21, fechar uma exposição por conta de questões de sexualidade é um retrocesso. Até a novela da Globo fala de transgêneros e de comportamentos sexuais não convencionais – o que é saudável para abrir o debate, falar do que tem que ser falado e desreprimir a expressão da sexualidade. Censurar uma exposição alimenta uma cultura de violência – que é retrato de uma época que dá as costas ao processo civilizatório que vem desde a década de 1960 buscando incluir e dar voz às minorias.
Há como evitar ou prevenir esse tipo de censura? 
Seria o caso de pressionar para que o centro volte atrás e que, em vez de censurar a exposição, abram o debate dentro dela – convidem educadores, sociólogos, psicólogos, psicanalistas, advogados, artistas, curadores, o cidadão em geral para discutir os assuntos mais delicados que estão em exposição. Afinal, uma exposição é para expor, e expor é abrir-se, abrir-se ao debate, ao conflito, à pluralidade e ao respeito às diferenças.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Bem-vindos, leitores canadenses!

Os canadenses nunca estiveram entre os nossos leitores mais regulares. Este quadro, no entanto, vem sendo alterado nos últimos dias, sobretudo com a leitura, por parte dos estimados leitores canadenses, de postagens nossas mais relacionadas à defesa do meio-ambiente, notadamente os editoriais, como aquele que denunciou o massacre de trabalhadores rurais de Pau D'Árco, no Pará, assim como aquele que tratava da privatização das águas do Rio São Francisco, ambos inseridos num contexto de uma nítida agenda regressiva hoje adotada no país, tendo como objetivo o desmonte do Estado, incluindo aqui, inclusive, seus ativos ambientais. 

Já comentei aqui com vocês que este blog possui ainda alguns grandes desafios, como a penetração em países de língua espanhola, embora, nos últimos dias, tenhamos registrados a presença de leitores de países como a Argentina, o México, a Colômbia, o Equador e a Espanha. A anarquista Ucrânia é que nos tem honrado com uma leitura frequente de nossas postagens. No continente africano, ainda continuamos com um ilustre desconhecido. Mas isso será por pouco tempo. 

O editor.


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quarta-feira, 13 de setembro de 2017

O xadrez político das eleições estaduais de 2018, em Pernambuco: Um imbróglio chamado Fernando Bezerra Coelho

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José Luiz Gomes da Silva

Cientista Político



No dia de ontem,12,  o Deputado Federal Jarbas Vasconcelos(PMDB-PE ocupou a tribuna da Câmara dos Deputados para fazer um duro pronunciamento acerca da atabalhoada entrada do senador Fernando Bezerra Coelho no PMDB pernambucano, naquilo que poderia ser traduzido como uma intervenção da Executiva Nacional no Diretório Regional, comandado pelo vice-governador Raul Henry(PMDB-PE), um afilhado político de Jarbas. Até bem pouco tempo, as especulações em torno de um possível ingresso do senador no PMDB estava sendo muito bem administrada pelos peemedebistas pernambucanos, que já pensavam em inclui-lo na lista de convidados para o próximo "Cozido". Tanto Jarbas quanto Raul estavam dispostos a abrirem um diálogo nesta direção com o senador Fernando Bezerra Coelho, a quem elogiaram de público. 

 
O problema se deu nessa transição, acertada em Brasília, com a cúpula do partido, que, praticamente, dissolveu o Diretório Regional, entregando a legenda ao senador, com o propósito de que ele candidate-se ao Governo do Estado nas próximas eleições, previstas para 2018. O fato deixou os peemedebistas pernambucanos enfurecidos, dispostos a tomarem todas as medidas cabíveis no sentido de barrar a entrada do senador no grêmio partidário. O imbróglio está formado. O "acerto Jucá" não deixou apenas descontentes os peemedebistas pernambucanos, mas parece que repercutiu entre parlamentares da legenda de outros Estados, que teriam manifestado solidariedade ao discurso de Jarbas, assim como às tratativas de Raul Henry com a Executiva Nacional do partido. Estuda-se a possibilidade de se recorrer à justiça, no sentido de barrar a manobra. Há jurisprudência a esse respeito, mas sabe-se que a justiça costuma imiscuir-se dessas brigas intestinas dos grêmios partidários. 


Os adjetivos utilizados para qualificar a atitude do senador, em alguns casos, são até impublicáveis, mas traidor e oportunista são recorrentes. O apoio a FBC está concentrado em Brasília. Aqui na província, até peemedebistas de seu reduto político, a cidade de Petrolina, se mostraram insatisfeitos com esta manobra. Difícil saber como este impasse será equacionado, uma vez que a Executiva Nacional do partido tem planos para o senador. Aliás, a manobra integra um projeto maior, como a construção das bases para uma candidatura peemedebista nas eleições presidenciais de 2022, conforme observou Jucá durante a cerimônia de filiação do senador. O problema, como diria o craque garrincha, é que isso precisaria ser combinado com o Diretório Regional, hoje aliado ao Palácio do Campo das Princesas, engajado no projeto de reeleição do governador Paulo Câmara(PSB). 

Fernando Bezerra Coelho está num equilíbrio bastante instável, pois recebe rebordosas de ambos os lados. Dos ex-companheiros socialistas e dos ainda improváveis futuros companheiros peemedebistas, onde ele passou a ostentar uma alta taxa de rejeição depois das últimas atitudes, consideradas como  de corte autoritário. Em sua fala, o deputado Jarbas Vasconcelos voltou a invocar aquele PMDB de tempos idos, das lutas pela redemocratização do país, do qual ele é um dos fundadores. Este é um legado que até mesmo os maiores críticos da legenda não podem negar. Ao longo dos anos, porém, o partido descaracterizou-se completamente. Hoje a Polícia Federal investiga uma espécie de "Quadrilhão Peemedebista". Já pensaram? Nessa onda de desgaste dos grêmios partidários, a primeira coisa que vem à mente dos reformuladores é retirar exatamente o "P".É... talvez fosse mesmo o caso de mudar essa letrinha.

O PMDB, na realidade, é uma federação de partidos regionais, comandados por lideranças em cada Estado da Federação. Em Alagoas ele é o PMDB do senador Renan Calheiros; No Pará, o PMDB de Jáder Barbalho; No Maranhão, o PMDB dos Sarney; em Pernambuco, o PMDB de Jarbas Vasconcelos. Aqui e ali eles convergem em alguns pontos, mas divergências, até então, não eram toleradas, sem punição. Neste sentido, o que nos parece é que as motivações da cúpula nacional da legenda não foram no sentido de aplicar alguma punição ao ex-governador Jarbas Vasconcelos, mas engrenar uma estratégia política de olho, de fato, nas eleições presidenciais de 2022. Mataram dois coelhos(ops!) de uma cajadada só, é verdade, mas a prioridade seria, de fato, a perspectiva de poder do partido a médio prazo. Vamos aguardar qual será a solução para este imbróglio, mas a situação do senador FBC ficou bastante complicada num cenário como este. 

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Drops político para reflexão: Onde erramos?




"Alguém comentou que, nos momentos de descontração com os amigos - aqueles verdadeiros "amigos", registre-se - o ex-ministro José Dirceu, entre uma taça e outra de vinho, costuma perguntar onde erramos, numa referência ao período em que o PT ocupou o Palácio do Planalto. O PT cometeu vários equívocos e um deles foi essa malfadada conciliação de classes, que Lula, erroneamente, tenta reeditar em suas caravanas pela região Nordeste. O PT governou com próceres representantes dessas elites - ligadas ao capital e à política - não mexendo nos seus privilégios históricos, a despeito das concessões ao andar de baixo da pirâmide social. Nesse jogo - quase sempre de soma zero - vão sempre prevalecer os interesses dessas elites. O campo de luta de esquerda precisa ser repensado, reavaliado, no sentido de que não sejam cometidos os mesmos equívocos do passado, que permitiram que as forças do campo conservador retomassem o controle do processo político e aplicassem medidas até mais drásticas do que as adotadas em outros períodos nebulosos da vida política do país, como a erosão dos direitos sociais e trabalhistas; o massacre de índios e assentados; a agressão violenta ao meio-ambiente, em nome dos interesses do agronegócio, patrocinados pelo apoio da bancada ruralista ao governo"

(José Luiz Gomes, cientista político, em editorial publicado aqui no blog)  

Polícia investiga massacre de índios isolados, enquanto ruralistas avançam sobre a Amazônia

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Thomás Chiaverini
Um genocídio pode estar em curso no país, sem que a maioria dos brasileiros sequer tome conhecimento. Desde terça-feira (29), a Polícia Federal, a pedido do Ministério Público do Amazonas, está investigando o massacre de cerca de 20 índios isolados, pertencentes a um grupo conhecido como Warikama Djapar.
Atualmente uma expedição da Funai está na terra indígena Vale do Javari – a segunda maior do país – e vai tentar confirmar as mortes. Elas teriam acontecido no começo do ano e há indícios de que não tenham sido as primeiras.
Segundo o coordenador técnico da Funai em Eirunepé, Arquimimo do Amaral Silva, há cerca de dois anos índios encontraram ossadas humanas perto da área do suposto massacre. A instituição começou a investigar, mas o processo não foi adiante, por falta de recursos. Ainda segundo Silva, a suspeita é de que esses grupos tenham sido vítimas de um bando de caçadores que vive e atua na região.

Área do tamanho de Portugal

O território do Vale do Javari, no oeste do Amazonas, é do tamanho de Portugal. Tem a maior concentração de povos isolados do mundo, muitos deles com línguas e culturas ainda desconhecidos do restante da civilização. Apesar disso, a área está praticamente abandonada pelo poder público, conta com apenas dez agentes da Funai e vive conflitos constantes.
Uma situação que, a depender do governo Temer, refém da bancada ruralista, tende a piorar. Para o ex-presidente da Funai Antônio Fernandes Toninho Costa, exonerado em maio por não concordar com a contratação de 25 cupinchas do agronegócio, nossos políticos querem acabar com a fundação. O que não é muito diferente de dizer que querem acabar com os índios.
(Publicado originalmente no site do Intercept Brasil)

Quem foi Mary Wollstonecraft, autora de um dos documentos fundadores do feminismo


Quem foi Mary Wollstonecraft, autora de um dos documentos fundadores do feminismo
Retrato de Mary Wollstonecraft sobre obra 'Liberdade guiando o povo', de Eugène Delacroix (Arte Revista CULT)



Mary Wollstonecraft entrou para a história como mãe de Mary Shelley, a célebre autora de Frankestein. Mas essa não foi sua única marca histórica. Ainda no século 18, a filósofa produziu registros históricos da Revolução Francesa, publicou comentários políticos que respondiam a pensadores homens, escreveu romances e livros infantis que questionavam a ordem sexual e de gênero, além de defender os direitos das mulheres à educação e à igualdade no casamento. Hoje, 220 anos após sua morte, Wollstonecraft é celebrada principalmente como uma das fundadoras do feminismo.
Mais de um século antes de Simone de Beauvoir, Wollstonecraft já elaborava os primeiros pensamentos sobre a opressão estrutural das mulheres e suas raízes. “Desafortunada é a situação das fêmeas, educadas de acordo com a moda, mas deixadas sem fortuna alguma”, escreveu ela, em 1787, no livro Thoughts on the Education of Daughters (“pensamentos sobre a educação das filhas”) – um dos primeiros, senão o primeiro escrito em que uma mulher abordava a situação feminina na Europa.
Desde então, Wollstonecraft defendeu que elas deveriam ter o mesmo direito à educação que os homens, que não estudassem apenas para se tornarem “esposas ideais”. Em A reivindicação dos direitos das mulheres (1792), publicado no Brasil pela Boitempo, escreveu: “É assim, por exemplo, que a demanda por educação tem por objetivo exclusivo permitir o livre desenvolvimento da mulher como ser racional, fortalecendo a virtude por meio do exercício da razão e tornando-a plenamente independente”.
Nascida em Spitalfields, na Inglaterra, em 1759, Wollstonecraft era a segunda de sete filhos de uma família rica que empobreceu e faliu ao longo do tempo. Para se sustentar – e ajudar a mãe e as irmãs a sobreviverem ao pai alcoólatra e violento -, trabalhou como governanta em casas de famílias abastadas, de onde tirou grande parte de suas observações sobre a educação deficitária das mulheres da época. Em cima dessas experiências, publicou os romances Mary: A Fiction (1788), Original Stories from Real Life (1788) e o póstumo The Wrongs of Woman, or Maria (1798).
Frontespício gravado por William Blake e página inicial da edição de ‘Uma reivindicação pelos direitos da mulher’, 1791 (Reprodução)
Frontispício de ‘Uma reivindicação pelos direitos da mulher’, por William Blake, e página inicial da edição de 1792 (Reprodução)
Incomodada principalmente com a falta de opções de carreiras para mulheres no campo, Wollstonecraft se mudou para Londres, onde aprendeu sozinha a falar alemão e francês, passando a trabalhar como tradutora e resenhista no periódico Analytical review, de Joseph Johnson. Começou a frequentar jantares na casa do novo chefe, onde entrou em contato com iluministas como o político Thomas Paine, o filósofo William Godwin e o artista Henry Fuseli. Ali, debatia de igual para igual sobre política e literatura, por exemplo, tendo sempre como foco o principal acontecimento da época, a Revolução Francesa.
Integrada ao ambiente urbano e politizado de Londres, Wollstonecraft se tornou defensora ferrenha da igualdade, da liberdade e da fraternidade, conceitos que emanavam da França pós-revolucionária. Em 1790, leu as críticas à revolução do conservador Edward Burke, publicadas sob o título Reflexões sobre a Revolução na França, e, enfurecida, escreveu uma rápida resposta, inicialmente publicada de forma anônima.
Intitulado “A reivindicação dos direitos dos homens”, o texto defendia a revolução como uma “chance gloriosa de obter virtude e felicidade”. Quando a segunda edição foi publicada, dessa vez assinada, Wollstonecraft se tornou instantaneamente famosa em Londres. Mudou-se para a França, onde dois anos mais tarde publicou sua obra mais famosa: A reivindicação dos direitos das mulheres.
Tido como um dos documentos fundadores do feminismo, o livro denuncia a exclusão das mulheres do acesso a direitos básicos no século 18, colocando a educação feminina como base para o fim das desigualdades. Também escreve sobre a importância do voto feminino e a paridade no casamento – em especial em relação a bens da esposa, à tutoria dos filhos e até ao divórcio -, e defende que crianças estudem em escolas mais livres, menos rígidas, que ensinassem aos dois sexos o mesmo “amor ao lar” e às tarefas domésticas.
Em 1794, publicou ainda An historical and moral view of the french revolution, uma retrospectiva dos primeiros estágios da revolução, com uma abordagem original, do ponto de vista de pessoas comuns, que haviam endossado os acontecimentos políticos no cotidiano. Apesar do sucesso incomum para uma mulher da época, o fim da vida de Wollstonecraft foi trágico. Em maio daquele ano, ela deu à luz sua primeira filha, Fanny, e tentou ir a Londres em busca do marido que a rejeitou – levando-a a tentar suicídio duas vezes. Aos poucos, retornou ao círculo de Joseph Johnson, onde reencontrou William Godwin, com quem se casou e teve outra filha: Mary Shelley.
Wollstonecraft morreu aos 38 anos, de infecção pós-parto, deixando como legado cerca de 20 livros que incluem romances e análises sobre política, história e direitos das mulheres. Hoje, a filósofa tem sido recuperada por historiadoras feministas e estudiosos da Revolução Francesa, conquistando cada vez mais o título de fundadora do feminismo na Europa.
(Publicado originalmente no site da revista Cult)

Charge! Laerte via Folha de São Paulo

Laerte

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

O xadrez político das eleições estaduais de 2018, em Pernambuco: Paulo Câmara pode ser rifado?


Foto: Flávio Japa/Divulgação


José Luiz Gomes da Silva

Cientista Político


O governador Paulo Câmara(PSB), a rigor, fazia parte de uma estratégia política montada pelo ex-governador Eduardo Campos. Possivelmente com o objetivo de não atrapalhar os planos sucessórios da nucleação familiar dos Campos, assim como constituir-se uma peça importante em seu projeto de torna-se presidente da República. Uma escolha que se constituiu, logo depois, num problema, em razão da morte do ex-governador. Em alguns momentos, o próprio Paulo Câmara admitiu que gostaria de governar com "ele", certamente ouvindo-o em relação à gestão do Estado, e, principalmente, nas decisões políticas a serem tomadas. A morte de Eduardo Campos criou um imbróglio político de difícil solução para o grupo socialista, seja do ponto de vista interno, seja no contexto da correlação de forças políticas do Estado. Como disse antes, a movimentação do grupo oposicionista coloca os socialistas na retranca, acossados, na defensiva, acuados diante das circunstâncias políticas, hoje marcadamente adversas.

É neste contexto político que faz sentido as especulações que circulam em torno de uma possível substituição do nome de Paulo Câmara como candidato do PSB nas próximas eleições estaduais. Na boca do palco, ele reafirma a disposição de ser candidato à reeleição. Nas coxias, no entanto, o que se comenta são as especulações em torno de uma candidatura mais competitiva, patrocinada pela família Campos, em face das dificuldades associadas ao governador, que conta com um alto índice de desaprovação de sua gestão. O "apetite" político da chamada "Conspiração Macambirense" pode indicar que os políticos profissionais já farejaram a excelente oportunidade de reconquistar o Palácio do Campo das Princesas. Em artigo publicado aqui no blog,  o cientista político Michel Zaidan, baseado num blog local, informa que a chapa que estaria sendo pensada seria encabeçada pelo secretário Felipe Carreras, tendo como puxador de votos o filho do ex-governador, João Campos, que seria candidato à Câmara Federal.

No artigo em lide, o professor Michel Zaidan invoca os problemas inerentes a este projeto de sucessão familiar no Estado, muito pouco compatível com aquilo que se espera de um ambiente político de corte republicano. Estamos num período fértil de especulações. Neste caso, os filtros tornam-se absolutamente necessários. As especulações em torno da substituição do nome do governador como candidato do PSB, no entanto, merecem a necessária atenção, se considerarmos as circunstâncias políticas adversas de mantê-lo como inquilino do Campo das Princesas, assim como o interesse da oligarquia em manter-se hegemônica no Estado. Se eles perceberam que essa hegemonia pode ser comprometida com o projeto de reeleição de Paulo Câmara, não tenham dúvida, poderão procurar alternativas com melhores perspectivas de êxito.

Pelo lado da oposição, o discurso indica que eles resolverem esconder o jogo sobre o nome de consenso entre eles. O senador Fernando Bezerra Coelho(PMDB)já fala nas potencialidades e qualidades do rebento, o ministro das Minas e Energias, Fernando Filho(PMDB), ao passo que este, por sua vez, observa a potencialidade de outros atores políticos que integram a aliança de oposição ao governador Paulo Câmara, deixando alguma margem, ainda, ao senador Armando Monteiro(PTB), relativamente ofuscado pela ascendência de Fernando Bezerra Coelho(PMDB-PE). Este último, aliás, reafirmou a sua disposição de conversar com o Deputado Federal Jarbas Vasconcelos(PMDB), acerca do imbróglio criado em torno da intervenção da Direção Nacional do PMDB na regional peemedebista. O cenário indica que será um diálogo difícil, uma vez que o Deputado Federal Raul Henry, legitimamente eleito para a direção do diretório estadual, já disse que tentará a revogação da decisão nacional em todas as instâncias possíveis.

Como dizem os evangélicos, a oposição conseguiu plantar a semente da discórdia no ninho socialista. Eles, por sua vez, continuam firmes naquele propósito já explicitado por aqui. Na semana passada, em Brasília, segundo comenta-se, estiveram reunidos o ministro da Educação, Mendonça Filho(DEM), o ministro das Cidades, Bruno Araújo(PSDB-PE), e o senador Armando Monteiro(PTB). No cardápio, certamente, a sucessão estadual de 2018. Já esta semana, por sua vez, na missa do Vaqueiro, realizada na cidade de Canhotinho, estiveram presentes a Deputada Estadual Priscila Krause, do DEM, o senador Armando Monteiro e o ministro das Minas e Energias, Fernando Filho(PMDB-PE). Antes de marcar presença no evento, o ministro das Cidades, Bruno Araújo, assinou convênios de repasses da ordem de R$ 88 milhões para a cidade de Petrolina,reduto político da família Coelho. Segundo fomos informados, da conversa em Brasília, resultou uma certeza. Nem o DEM, tampouco o PSDB farão o caminho de volta ao palanque situacionista.

Le Monde: A democracia no Brasil ou a (des)esperança equilibrista

A democracia no Brasil ou a (des)esperança equilibrista

A “democracia” brasileira encontra-se na “corda bamba equilibrista”: de um lado, o autoritarismo enevoado pelas formalidades legais falsamente democráticas, desestruturadoras dos direitos políticos, sociais e trabalhistas; de outro, a luta dos trabalhadores e dos pobres em busca destes
por: Francisco Fonseca
4 de setembro de 2017
Crédito da Imagem: Daniel Kondo

equilibrio 2
O trecho acima, da letra da canção O bêbado e o equilibrista, de 1978, expressa como nunca o Brasil de hoje, em que o impedimento da presidenta Dilma Rousseff significa, em verdade, o impedimento da democracia no Brasil.
Grande parte da cultura de resistência política nas mais diversas manifestações artísticas que marcaram a oposição à ditadura militar é hoje vigorosamente contemporânea. Em outras palavras, passados menos de trinta anos da “transição para a democracia”, supostamente consolidada na Constituição de 1988, o país revive a ditadura e sua (des)esperança equilibrista! De modo similar a 1964, deu-se a repaginada interrupção da democracia política e social, “velha” como aquela em seus métodos e intuitos.
Personagens semelhantes de ontem e de hoje assumiram o protagonismo do golpe de Estado desfechado em 31 de agosto de 2016, após amplo, complexo e articulado – nacional e internacionalmente – processo de desestabilização política, econômica e ideológica: agências estatais norte-americanas;1 capital transnacional; fração rentista do capital externo e interno; grande empresariado interno desnacionalizado articulado a grupos e corporações internacionais; Poder Judiciário, atuante como partido político sem voto; classes médias superiores zelosas pelo retorno e aprofundamento da “Belíndia” (Bélgica para as elites e Índia para a imensa maioria dos pobres, terminologia adotada até o governo FHC); desprezo pelas “regras do jogo democrático” por parte significativa do sistema partidário – PSDB à frente, como revivescência da UDN –; meios de comunicação oligopolistas e golpistas, atuantes como outro partido sem voto; entre outros.
Portanto, todos esses personagens se amalgamaram, não sem contradições, num consórcio golpista responsável pela instauração do ódio (à igualdade, à democracia, aos pobres, à esquerda, ao PT, a Dilma e a Lula) e consequentemente do golpe de Estado que nos legou, desde o ano passado, o profundo estado de exceção em que a mínima “segurança jurídica” deixou de existir.
Deve-se notar que, mesmo considerando as definições minimalistas de democracia, como as de Norberto Bobbio (aceitação das regras do jogo em torno da maioria eleitoral com respeito às distintas minorias) e de Robert Dahl (garantia da contestação política e da participação nas decisões governamentais), a interrupção daquilo que se chamou de “democracia brasileira” contou com o escancarado escárnio das elites e das instituições políticas pelos princípios elementares da “democracia”!
Do ponto de vista institucional, a facilidade com que setores do Ministério Público (Federal e de algumas seções estaduais), do Supremo Tribunal Federal e da força-tarefa da Lava Jato, entre outras instituições judiciárias, além da Polícia Federal, têm suplantado a Constituição, os códigos de direito e processo penal, as leis de delação, grampo e “vazamento” de informações, entre inúmeras outras, tem colocado o país de costas para a mais elementar concepção de “estado de direito democrático” e de país adepto ao respeito aos “direitos humanos”. Neste caso, o desrespeito aos tratados internacionais tem isolado fortemente o país da chamada “comunidade internacional”.
Para além dos inúmeros erros políticos cometidos pelos governos Lula e particularmente Dilma – sobretudo vinculados à conciliação entre as mais distintas classes sociais, eximindo-se consequentemente de enfrentar grandes poderes –, nada justifica o golpe de Estado à luz da teoria democrática e sobretudo da legitimidade do voto. O pretexto das – midiaticamente chamadas – “pedaladas fiscais” e do “combate à corrupção” nada mais representou que “cortinas de fumaça” ocultadoras de interesses do grande capital mancomunados com as elites políticas/sociais e com as instituições:2 a imposição de governo e agenda plutocráticos.
Uma possível explicação para o golpe remonta às insuficiências e contradições da transição para a “democracia” – tomada, nos anos 1980, quase como um “consenso” de que estaríamos caminhando rumo à “democracia” –, que na verdade geraram um “monstro” de certa forma imperceptível, mas essencialmente útil. Afinal, uma arquitetura político/econômica/ideológica antidemocrática foi estruturada desde a “transição”, associada a instrumentos provenientes da ditatura militar, tendo permanecido até os dias de hoje, sem alterações significativas, como veremos a seguir.
O sistema político tutelado pelas elites3
A “transição democrática” do final da década de 1980 foi marcada, como se sabe, pelo “alto”, cujo velho mote do conservadorismo se fez inteiramente: “Alterar para não mudar efetivamente”. Sem que se tenha pretensão de esgotá-las, as seguintes características marcaram a aludida arquitetura, cuja ideia de “transição lenta, gradual e segura” da década de 1970 se mantém curiosamente como fator explicativo para o golpe de 2016.
O financiamento empresarial de campanhas e partidos
Embora formalmente o financiamento político seja misto (público, via fundo partidário, e privado, por meio de doações de empresas e de pessoas físicas), na prática sempre foi largamente privado/empresarial, tendo em vista o chamado caixa dois. Mas, mesmo o financiamento privado legal, regido por leis e controles, é, por princípio, ilegítimo, em razão da assimetria econômica que impõe à representação política. Em outras palavras, a vida pública tornou-se, desde a “redemocratização”, essencialmente organizada pelo poder privado do capital; além disso, a própria dinâmica do poder implica relações ocultas – que permanecem, mesmo com os avanços nos processos de transparência –, por meio da ampla rede de fornecedores privados e da participação vigorosa dos agentes privados nas políticas e na administração públicas. Isto é, o financiamento privado ilegal não ocorre apenas em períodos eleitorais, pois tende, sobretudo após a “emenda da reeleição” – verdadeiro golpe branco desferido contra a democracia pelo governo FHC –, a fazer parte do cotidiano de quem assume o poder, excetuados os que lutam contra a roldana do sistema.
Somente em fins de 2015 o STF, após enorme atraso provocado pelo ministro Gilmar Mendes, proibiu o financiamento privado empresarial, tendo significado talvez a única ação democrática da alta corte nos últimos anos. Não é garantia, contudo, do abuso do poder econômico, tendo em vista a fragilidade das instituições fiscalizadoras.
Multipartidarismo: extrema flexibilidade, baixa representatividade e “mercado da política”
Embora, em tese, a existência potencial de diversos partidos seja fundamental à democracia, uma vez que pode permitir a expressão de interesses e visões de mundo distintos, o multipartidarismo criado ao final da ditadura objetivava justamente a pulverização das forças políticas de oposição, de tal modo que não tivessem poder suficiente para derrotar o status quo civil-militar e promover grandes mudanças político-sociais. Consolidada a retirada dos militares da cena política, o multipartidarismo teve outros objetivos, para além da pluralidade político-ideológica demandada pela sociedade: a) a necessidade de formação de alianças eleitorais, em larga medida não programáticas, tendo em vista a soma do tempo de rádio e TV referente à propaganda eleitoral; b) a coalizão, incluindo-se partidos derrotados nas eleições, para a composição de maiorias após a vitória eleitoral, igualmente não programáticas, com vistas a constituir “base governista” ampla capaz de aprovar medidas de governo; c) o chamado “balcão de negócios”, em que barganhas dos referidos tempos no rádio e TV e na formação de alianças, assim como todo tipo de “varejo” parlamentar perante o Executivo, tornaram-se o modus operandi da vida política; e d) a fragilização dos partidos políticos como agentes de representação social popular. Isso implica a desvalorização dos partidos enquanto instituição, com a consequente personificação de indivíduos, cuja consequência é a desmobilização coletiva, bem como a pulverização e a fragmentação da representação partidária.
Tudo isso foi sintetizado na expressão “presidencialismo de coalizão”, que representou nada mais que o arranjo institucional voltado à “conciliação de classes”, no sentido de impedir maiorias populares. Os governos petistas jogaram esse jogo exaustivamente, até que, na primeira oportunidade, as elites romperam a conciliação, tanto por não mais precisarem dela como por vislumbrarem a possibilidade de desestruturação dos direitos sociais e trabalhistas.
A destituição do Parlamento como “casa do cidadão comum”
A destituição dos poderes do Parlamento quanto à proposição da “agenda política” e de políticas públicas transformadoras, em contraste ao potencial lócus de representação plural e particularmente popular, é parte do projeto “pelo alto”. A chamada “crise do Parlamento” é, dessa forma, estratégica para o jogo das elites, uma vez que o rebaixamento do Legislativo implica hipertrofia do Executivo, em que a tomada de decisão é infinitamente mais rápida, informal e sobretudo controlável.
O baixo “controle social” da sociedade politicamente organizada
Em termos institucionais, o baixo controle social dos cidadãos perante os representantes eleitos, cujo mandato se torna “propriedade” destes, faz da representação política arena de negociação distante e muitas vezes em oposição aos interesses populares. Portanto, quanto mais distante do cidadão comum, mais privatizado e elitista se torna o sistema político. De certa forma, a judicialização das políticas públicas e, mais ainda agora, a partidarização do Poder Judiciário distanciam mais ainda os interesses coletivos populares do “controle social” sobre a tomada de decisão, em benefício dos que transitam pelos gabinetes. Os avanços na institucionalização da participação ocorridos parcialmente a partir de Lula foram bruscamente interrompidos.
A oligopolização oligárquica da mídia
O sistema midiático permanece oligopolizado e oligárquico, notadamente a rede concessionária de TVs e rádios, porém articulada a jornais, revistas e ao mundo digital, que atuam como “aparelhos privados de hegemonia”. A mídia é ator político paraestatal, com grande poder de influenciar tanto a percepção social da vida política como os comportamentos. É claramente partícipe do jogo político, embora estrategicamente seu discurso o oculte. Deve-se, dessa forma, considerá-la parte do sistema político, o que implica necessariamente sua reforma, à luz, por exemplo, do que ocorreu na Argentina por meio da Ley de Medios. Não regulamentá-la e não controlá-la põe por terra qualquer possibilidade democrática.
A corda bamba da democracia
Apesar de claramente disfuncional para a representação dos interesses populares, essa arquitetura tem sido justificada no debate político e pela ciência política dominante como garantidora da chamada “governabilidade”, isto é, das condições de obtenção de maioria para governar, com vistas à consecução dos objetivos da coalizão de governo… notadamente o impedimento das mudanças profundas. Portanto, implica essencialmente a proteção dos proprietários (de diversas frações do capital) em detrimento da maior parte dos cidadãos. Afinal, tanto para se elegerem (reitere-se o papel do financiamento privado, mesmo que informal, e das coligações para obtenção de tempo no rádio e na TV) como para governarem (“dívida” para com os financiadores e necessidade de maioria parlamentar para ter “governabilidade”), os partidos políticos que chegam ao poder necessitam, inescapavelmente, negociar compromissos assumidos durante as eleições e o próprio “programa” de governo. Governar implica, portanto, não contrariar grandes interesses e consequentemente estabelecer políticas apenas “incrementais”.
A “democracia” brasileira encontra-se, portanto, na “corda bamba equilibrista”: de um lado, o autoritarismo enevoado pelas formalidades legais falsamente democráticas, desestruturadoras dos direitos políticos, sociais e trabalhistas; de outro, a luta dos trabalhadores e dos pobres em busca desses, entre outros, direitos. Quanto às instituições, pouco se espera delas, uma vez que enlameadas no golpe e fortemente facciosas.
Os “artistas” aos quais se refere a canção da epígrafe são, portanto, os trabalhadores, os pobres e um sem-número de militantes, partidos de esquerda e progressistas, organizações sindicais, movimentos sociais, mídias alternativas, entre tantos anônimos: são a grande esperança de que, ao ocuparem as ruas e os mais diversos espaços, revertam a trágica correlação de forças que se abateu sobre o país.
Tarefa árdua, mas “o show tem de continuar”…
*Francisco Fonseca é professor de Ciência Política da FVG-Eaesp e da PUC-SP.
[Texto publicado na edição 120 do Le Monde Diplomatique Brasil – Julho de 2017]


1 É fundamental ressaltar que o que veio a público por meio dos “vazamentos” expostos por Julian Assange e do WikiLeaks acerca da bisbilhotice internacional do governo dos Estados Unidos aos e-mails e telefones do governo brasileiro – entre outros governos –, incluindo-se extensa espionagem das autoridades da Petrobras, deixa claro que eram de amplo conhecimento daquele país o pré-sal e as decisões estratégicas a serem tomadas pela estatal, entre outras. Não se trata de “teoria da conspiração”, mas simplesmente de conspiração seguida de desestabilização!
2 A Operação Lava Jato, que tem produzido supostos “heróis nacionais”, paradoxalmente nada mais significa que a criminalização do modus operandi da vida política e de um modelo específico de desenvolvimento econômico/social: trata-se de um partido político derivado do partido maior, o aludido “Partido do Judiciário”. Faz política sem voto, com consequências brutais ao Estado, à sociedade e ao sistema político. Pretende, na esteira da Ação Penal 470, capitaneada por Joaquim Barbosa, “limpar o Brasil”. Seu resultado tem sido a devastação do estado de direito democrático – naquilo que se aproximava dele – e do desenvolvimento econômico e social, rebaixando o país a patamares da década de 1980/1990. Tudo isso para o gáudio dos grandes players e governos internacionais.
3 Esta seção é baseada no artigo de minha autoria publicado neste jornal (out. 2014), antes das eleições presidenciais, em que chamei atenção para a lógica e a dinâmica do sistema político, uma vez que voltado à proteção das elites. A análise das características apontadas foi atualizada e adaptada. Após quase três anos de sua publicação, pareceu premonitório, incluindo-se o título (“A que(m) serve o sistema político brasileiro?”), embora não tivesse essa pretensão.
 
(Publicado originalmente no site do Le Monde Diplomatique)

 

Michel Zaidan: A cozinha da Casa Grande

 
 
 
Segundo as informações de um conceituado blog da cidade do Recife, a viúva (e pessoa sempre presente nos atos da atual administração de Estado de Pernambuco)  teria tomado a decisão de candidatar o filho mais velho ao mandato de deputado federal e o secretário de Turismo,  Felipe Carreras, à sucessão de Paulo Câmara, nas eleições do próximo ano. A se confirmarem essas informações, a solução para os problemas políticos e sociais do Estado continuarão  "caseiras", tomadas por um "petit comitê",  chefiado pela matriarca da família Campos.  Solução que conta naturalmente com o apoio da avó, com a oposição do tio, e com a aceitação tácita dos amigos e seguidores da oligarquia ora dominante. Desde o cortejo fúnebre do ex-governador, esposo, pai e filho de Ana Arraes, que essa pré-candidatura foi alimentada no bojo da construção de uma falsa e pretendida legenda política em Pernambuco: o avô, o pai...e agora, o neto. Uma linhagem familiar nos padrões da política patrimonialista do nosso Estado, onde os cargos e mandatos parecem prebendas ou privilégios de membros de certas famílias ilustres, que nasceram para governar.
 
Descontando a  receita preparada no interior da cozinha da Casa Grande, é preciso atentar para as características do momento político que ora atravessamos, seja no Estado ou no país. O destino político incerto dessa oligarquia em relação à sucessão presidencial, e o governo ruinoso e impopular do atual gestor da capitania (hereditária?). O nome deste gestor já vem sendo objeto de muitas especulações, no sentido de sua troca ou pelo nome do atual prefeito da capital e, agora, do secretário de turismo. Pelo visto, quem decide  a política estadual é a viúva e seu seus  conselheiros, à revelia dos interesses da população de Pernambuco.
 
Curioso é o destino das alianças do PSB, nas próximas eleições estaduais e nacionais. O  partido parece está dividido entre o PSDB paulista  e o PT de Lula. A opção da oligarquia estadual pela aliança com o PT teria que enfrentar a tendência do partido em São Paulo de se compor eleitoralmente com o PSDB, apoiando Alckmin ou Doria  em troca da sucessão estadual paulista. O que pode significar uma ruptura do grupo pernambucano com o PSB nacional. Por outro lado, a possibilidade de  uma aliança com o PT, aqui no Estado, causaria arrepios e calafrios  nos opositores  (do próprio partido) à ação desagregadora produzida pelo PSB no campo da esquerda pernambucana.É difícil  engolir os sapos da administração socialista, com as perseguições, as denúncias, a incúria na gestão dos negócios públicos etc.
A esquerda tem um enorme desafio político pela frente:  reconstruir o seu campo e a seu programa, sem se comprometer - de um lado ou de outro - com projetos políticos meramente eleitorais e estratégicos, cujas as alianças ajudam a desacreditar os seus princípios e o seu programa. Mais ainda num terreno minado como esse daqui do nosso Estado. É preciso pensar que há objetivamente  o fim de um ciclo político-partidário no nosso país e a necessidade de construção de um novo tempo político. 
 
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE