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quarta-feira, 25 de julho de 2018

Crônica: Jackson do Pandeiro

 
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 José Luiz Gomes 
 

Domingos de julho são dias para curtir a região do Brejo Paraibano. Estamos em pleno festival cultural e gastronômico Caminhos do Frio. Um bom agasalho, uma boa companhia, um chocolate quente, uma seresta e uma caninha branca, típica da região, fecha o pacote. Outro dia fiquei surpreso com o número de cachaças que são produzidas na região do Brejo. Hoje elas estão entre as melhores do Brasil. Não deixam nada a dever às tradicionais cachaças artesanais mineiras, antes hegemônicas nesses rankings.Chegamos à Alagoa Grande, a cidade de Jackson do Pandeiro.
 
José Gomes Filho, o Jackson do Pandeiro, era filho de um paraibano e uma pernambucana, cantadora de coco, que, certamente, teve forte influência em sua formação artística. Com 08 anos de idade já a acompanhava nas emboladas por Alagoa Grande, sempre ao lado de uma zabumba. A trajetória de vida de Jackson, como a de qualquer artista popular de origem humilde, é marcada por muitas adversidades. Por essa época, curtia cinema, notadamente os filmes de faroeste. Brincava com outros jovens, de pistoleiro, bandido, índio, com a alcunha de Jack Parry. Com a morte do pai, precisou largar as brincadeiras e trabalhar para ajudar a mãe a sustentar a família. Engraxava sapatos e entregava pães pelas ruas de Campina Grande.
 
Como tinha habilidade para tocar instrumentos musicais, começou se apresentando em público, como integrante de pequenas bandas, sempre acompanhado de um pandeiro. Já era, então, o Jack do Pandeiro. Daí para o Jackson do Pandeiro foi um pulo. Um pulo de Comadre Sebastiana, um dos seus maiores sucessos. Depois, já como cantor solo, chegou às rádios, um grande impulso para a sua carreira, mesmo com o grande atraso com que lançou seu primeiro disco. Ao lado de Luiz Gonzaga, tornou-se o maior representante da música nordestina. Hoje é dia da Confraria do Arnaldo prestar-lhe uma merecida homenagem, sob o comando de Paulinho, que conhece bem seu repertório. Arnaldo escolheu o bar do Chicão, que possui uma carta com as melhores cachaças do Brejo e um cupim de deixar o caboclo de orelha em pé. Quando se trata de equipamentos de hospedagem, Alagoa Grande deixa um pouco a desejar. Já de madrugada deveremos voltar para Serraria. A anfitriã já teria reservado um quarto de carneiro e algumas garrafas de Cobiçada. Será que a turma aguenta o tranco? Pode isso, Arnaldo?

Sebastiana


Convidei a comadre Sebastiana
Pra dançar e xaxar na Paraíba
Ela veio com uma dança diferente
E pulava que só uma guariba
E gritava: A, E, I, O, U, Y

Já cansada no meio da brincadeira
E dançando fora do compasso
Segurei Sebastiana pelo braço
E gritei, não faça sujeira
O xaxado esquentou na gafieira
E Sebastiana não deu mais fracasso
E gritava: A, E, I, O, U, Y


(Jackson do Pandeiro)
 


 


segunda-feira, 23 de julho de 2018

Michel Zaidan Filho: Reencantar a educação



1. A escola como palco de disputas de projetos de hegemonia


É um grande equívoco, senão má fé, conceber a escola sem partido, tal como propôs o ex-ministro da Educação, Mendocinha, junto com o MBL e o deputado responsável pelo projeto de lei no Congresso. A escola é um aparelho atravessado por uma contínua luta de projetos de hegemonia, ou de uma hegemonia dominante e de contra-hegemonias. A escola não é um quartel, uma igreja ou um curso de formação de quadros partidários. É o espaço da disputa entre diversos projetos e leituras do mundo, a partir do processo argumentativo, do diálogo discursivo entre pessoas de boa fé e verazes. Aqueles que defendem a escola sem partido querem, na verdade, impor um único projeto de hegemonia, o seu. E proibir ou censurar os outros, criminalizando-os ou demonizando-os. Numa época em que o respeito à alteridade e diferença de gêneros, orientação sexual, etnia é um imperativo moral e pedagógico, esse projeto é autoritário.
         

2. Educação para vida/educação para o trabalho

Trabalhando com educadores e educadoras de meninas de ruas, no Recife, chegamos à conclusão que o ideal pedagógico para a escola pública, em tempo de exclusão social, é uma pedagogia do desejo, não do trabalho, em razão do processo de marginalização da sociedade e da própria escola. Este projeto pedagógico - que rejeita a educação de resultados e uma concepção triunfal da história - tem como principal objetivo o resgate da autoestima dos alunos, a sua fala, a sua história de vida, seus sonhos e a valorização de seu corpo. Seu escopo é a felicidade, não o sucesso profissional, a qualquer custo. E tem no mundo da cultura seu eixo principal. Lembrar o projeto integrado de educação, cultura e trabalho

3. Neste sentido foi proposto para a secretaria de Educação de Estado, através do programa "Protagonismo Juvenil" - uma agenda pedagógica adaptada a esses nossos tempos de globalização e mundo da cultura. Seus elementos principais seriam: A oralidade como forma de expressão; a cotidianeidade como estrutura social; a sociabilidade como fator de aprendizagem; o uso expressivo da linguagem; saber ler a escrita do mundo. E conceito de cidadania planetária ou cidadania em rede, cujos pilares é o ser-do-cuidado e o respeito à diferença. Parte-se do pressuposto que o mundo da juventude é o mundo da cultura, da informação, da economia política do signo ou da palavra.

4. Um projeto para as Universidades Públicas:

1.O imprescindível financiamento público-estatal ao ensino público de qualidade. Não pensar o gasto com a educação na relação custo-benefício, mas como investimento nas capacidades humanas. A PEC da morte. E a privatização do ensino público.
2. A inadiável necessidade da interiorização da Universidade Pública. A visão cosmopolita e universalista do saber não pode dar as costas às necessidades do local, regional. O global e o local sem fetichizar as raízes locais ou regionais, utilizar a ampla formação humanística a serviço das pessoas e comunidades locais.
3. Aprofundar a cultura inter, multi, transdisciplinar, que não separe o conhecimento, da beleza e da ética. Isto implica num novo conceito (ampliado) de razão. E não apenas sua limitação à chamada racionalidade instrumental. Avançar para o campo de uma razão lúdica, sensível.

4. A universidade como lugar da Utopia, do sonho, dos projetos de alteridade social. Não de atender às demandas do mercado ou do governo. Mas ter uma agenda aberta ao imaginário da sociedade.

FONTES:
A PEDAGOGIA DO DESEJO. Recife, Pindorama, 2000
Educação. Multiculturalismo e Globalização. NEEPD, 2006
"Em defesa da Universidade Pública". Diário de Pernambuco. 23/9/1999
 
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia
 



domingo, 22 de julho de 2018

Charge! Renato Machado via Folha de São Paulo

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Crônica: "Estou aqui para ser louco"

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José Luiz Gomes
 
 
Já confessamos aos leitores a nossa admiração pelo escritor Franz Kafka. O que mais nos aproximou da obra de Kafka, além do estilo, naturalmente, foi a sua temática de cunho filosófico e político. Esse caráter esta presente em todos os percursos da obra do escritor tcheco. Também já confessei, nessas entrelinhas, ser um incorrigível colecionador de papéis, para desespero de nossa(s) esposa(s), leitores amigos. Outro dia, num papo informal, um colega nos confidenciou ter retirado de sua residência algo em torno de 15 mil exemplares entre livros, revistas e outros papéis. A esposa teria contraído câncer e responsabilizaram seus livros pelo ocorrido. Nunca ouvi dizer que livros provocasse câncer. Ao contrário, os livros, na realidade, nos proporcionam orgasmos espirituais que fazem um bem danado para a saúde.  
 
Havia algum tempo que procurava, entre esses papéis, um recorte antigo, acerca do escritor preferido de Kafka. Imagina os leitores se eu ia deixar de guardar esse recorte. Se ele era o escritor preferido de Kafka, por tabela, já despertava minha admiração e curiosidade. Encontrava de tudo, menos esse tal recorte. Não sou, assim, uma pessoa muito organizada. Em inúmeras buscas, encontrei coisas inusitadas, que suscitariam ótimas crônicas, mas o bendito recorte sobre o tal escritor, nada. Pedir o apoio da esposa nessa empreitada não seria muito prudente. Passei a suspeitar da possibilidade, inclusive, de um possível complô armado por ela. Vocês sabem do que são capazes essas mulheres naqueles dias de fúria. Apontam sua ira para aquilo que temos de mais sagrado. Uma delas, aqui na província, ateou fogo num caderno de poemas inéditos de um grande poeta. Vocês podem imaginar o dano para o infeliz?
 
Mas, mania de perseguição e teorias conspiratórias à parte, eis que, numa sexta-feira 13(imaginem!), bateu aquele insight de procurar o bendito recorte entre um amontoado de coisas mais antigas. Dei sorte. Lá estava o texto sobre Robert Walser, o escritor suíço. Walser é uma espécie de escritor para escritores. Não atingiu o grande público, mas tinha admiradores confessos como Robert Mussil, Thomas Mann, Herman Hesse e Franz Kafka, que confessava sua influência sobre a sua produção literária. É preciso ser dito, Kafka era um fã de carteirinha de Walser. De acordo com Moacyr Scliar, Walser transitou sobre vários gêneros, podendo ser considerado um gênio em alguns momentos. Os leitores teriam a oportunidade de ler de Walser, no Brasil, uma obra escrita por ele em 1907, quando o autor contava com apenas 29 anos de idade: O Ajudante.  
 
O filósofo Michel Foucault já observava que a literatura era uma espécie de barco dos loucos, um não lugar. Mais interessante ainda, Foucault, observar que Walser, em virtude de uma perturbação mental, foi transferido, a contragosto, para uma dessas instituições disciplinares: um hospital psiquiátrico. Como protesto, se recusava a escrever: Estou aqui para ser louco, não para fazer literatura. Walser, certamente, ocupa um lugar de destaque nesse barco de Foucault. Uma viagem sem âncoras - como é comum aos ditos loucos - apenas em razão de uma narrativa discursiva. Boa viagem, Walser.
 
 
 
 
 

Charge! Renato Aroeira

A imagem pode conter: planta

Charge! Benett via Folha de São Paulo

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Hely Ferreira: Presente Público.


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     O relato histórico nos diz (embora haja contestação), de que o primeiro ato de nepotismo ocorrido em terras brasileiras foi praticado por Caminha em sua carta ao rei D. Manuel. Surgindo a vulgarização da expressão “pistolão”, oriunda de epístola. Daí em diante, o nepotismo se tornou algo corriqueiro por aqui. É bem verdade, que nos últimos anos, algumas medidas foram tomadas, visando tolher a prática nefasta e anti-republicana. Acontece que vivemos em um país onde o público e o privado se confundem, onde boa parte da chamada classe política, não mede esforços para fazer um mimo aos parentes, principalmente quando o mesmo vem do erário público.

     Empregar parentes em órgãos públicos é algo “normal” na história de Pindorama. E pelo jeito, vai continuar sendo. Com todas as medidas criadas para combater a falta de espírito público no país, não é difícil se ter notícias em que os Estados e principalmente os municípios, estão abarrotados de parentes das lideranças políticas, ocupando cargos estratégicos, onde na maioria das vezes o critério não é o da meritocracia, mas o do sobrenome. Aliás, no Brasil vale muito mais do que o currículo.

     Em uma visão além do bem e do mal, as nomeações de parentes na esfera pública, em tese não sofre nenhum tipo de interpelação de quem tem competência para fazer. Pelo contrário, assiste a tudo calado em um claro retrato de omissão e de falta de compromisso com os ideais republicanos.

 

Hely Ferreira é cientista político.


P.S.: Contexto Político. Muito nos honra a sua presença e colaboração aqui no blog, Prof. Hely Ferreira. Um grande abraço!

 

terça-feira, 17 de julho de 2018

Crônica: Cachaças do Brejo Paraibano

 
 
 
 
José Luiz Gomes
 
 
 
Há alguns dias publicamos por aqui uma crônica onde mencionamos algumas cachaças produzidas na região do Brejo Paraibano. Logo em seguida, recebo alguns e-mails de apreciadores do produto, informando-nos sobre outras tantas cachaças produzidas naquela região, algumas delas de qualidade até mesmo superior às citadas naquela crônica. Já antecipo um pedido de desculpas a esses leitores, observando, no entanto, o fato de ter citado as cachaças produzidas no Brejo como as melhores do país, atestadas por rankings nacionais. Não há nenhum bairrismo aqui. Na realidade, leitores, se isso minimiza tuas críticas, devo informar de que sou mais um estudioso do que um apreciador do produto. Tomo as minhas "lapadas" justamente quando visito tua região, quase sempre acompanhado da confraria. No final de semana passado estivemos no Engenho Vaca Brava, onde apreciamos a Matuta, outra caninha branca produzida ali. Não deixa nada a dever às melhores. Se tem uma costeleta de porco para acompanhar, então...
 
Não tenham dúvidas os leitores de que há, sim, naquela crônica umas ausências notáveis, como a Triunfo, por exemplo, produzida no engenho do mesmo nome, na cidade de Areia, assim como a Cobiçada, produzida no Engenho Martiniano, em Serraria. E o que não dizer da Serra Limpa, produzida no Engenho Imaculada Conceição, na cidade de Duas Estradas? que já superou até mesmo a Volúpia, do Engenho Várzea Grande, da cidade de Alagoa Grande. Comenta o Arnaldo que o ex-presidente Lula já foi presenteado com uma Serra Limpa e fez questão de agradecer o presente pessoalmente. Na realidade, leitores, quando o assunto é gastronomia, somos muito felizes por aquelas bandas. Hoje, por exemplo, acordei com o gosto de café do Brejo na boca. Tu sabes, por experiência, que convém forrar o estômago antes de cair na bagaceira. Normalmente apreciamos a marvada acompanhada do famoso caldinho de fava. Ninguém fazia melhor do que os cozinheiros do Vale do Paraíso daqueles tempos. Mas, como disse, sou mais um estudioso do que um apreciador.

Outro dia, compramos uma briga feia porque tentaram substituí-la pelo vinho num circuito expositivo que se propõe a representar o Nordeste. Ora, a cachaça nasceu na senzala, como um subproduto utilizado, a princípio, pelos negros, com o objetivo de amaciar a carne dos caititus ou caititus, um porco do mato capturado pelos escravos. A cachaça é secular. A produção de vinho na região Nordeste é coisa recente, desses tempos dessa tal de globalização. A cachaça, ao contrário do vinho, tem uma história intrinsecamente vinculada à raça negra escravizada. Todos os grandes movimentos libertários do país, como a Inconfidência Mineira e a Revolução de 1817, em Pernambuco, foram brindados com cachaça. Em seus encontros conspiratórios na antiga Vila Rica, os conspiradores tomavam porres homéricos de cachaças mineira. Isso talvez explique os estudos tão reticentes de Kenneth Maxwell sobre aquela movimento nativista. 

Importante, leitor, é que através dessas crônicas estamos mostrando um pouco da região do Brejo Paraibano para todo o Brasil. Citada na última crônica, a Rainha, produzida no Engenho Goiamunduba, em Bananeiras, foi retirada da lista por não ser bem uma "cachaça", mas uma aguardente. A danada é muito forte. Ultrapassa o limite dos 48 de teor alcóolico exigidos. Chega aos 52. Coisa para cabra macho.  Um grande abraço deste cronista e até breve. A Confraria agradece imensamente as observações.

Charge! Laerte via Folha de São Paulo

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domingo, 15 de julho de 2018

Crônica: Tambaba

 

 

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José Luiz Gomes
 
 
Tambaba foi uma das primeiras praias de naturismo do nordeste. Talvez a primeira. Mas não desejo arriscar cometer aqui algum equívoco. Tambaba é um belíssimo recanto que se esconde no distrito de Jacumã, aqui na cidade do Conde, litoral sul paraibano. Tambaba é uma das praias mais lindas do litoral da Paraíba.  É uma praia, além de bela, tolerante e democrática. Ali convivem todas as tribos, seja os discretos banhistas, os jovens adolescentes, seja os adeptos do naturismo, que para ali se dirigem, com freqüência, para curtirem seu lazer em absoluta convivência com a natureza, muito bem à vontade.
 
Tambaba é toda bela. Não  conheco a área reservada aos naturistas, onde são adotadas regras rígidas para o acesso. Dizem que o seu espaço mais bonito foi reservado aos naturistas. Não posso confirmar a afirmação, mas pode ser intriga da oposição. A parte de cá já nos satisfaz muito bem. Uma pena que o nosso comendador Arnaldo seja um bairrista convicto. Quando reúne a turma em Jacumã, se permite apenas um link com Carapibus, por ali nas imediações do Maceiozinho. Não mais. Nesses anos todos de convivência, foram poucas as vezes em que a turma da confraria se deslocou para Coqueirinho ou Tambaba. Arnaldo alega que a turma é muito bem tratada em Jacumã. Não nego que ele tenha razão. Alguma razão, é bem verdade.
 
Tambaba permanece bela, mas já não é aquela mesma praia de algumas décadas atrás. Há uma série de empreendimentos imobiliários no local e hoje já se fala num indisciplinamento do acesso à área exclusivo de naturistas. Mas, a mística permanece. Ao ponto de movimento naturistas mundiais a elegerem como um dos points favoritos. Os americanos já fretaram um voo exclusivo dos Estado s Unidos, direto para aquela praia, todos nus no avião. Aconteceu um fato curioso. Sem infraestrutura local, os naturistas tiveram que se reunir em Jacumã. Não sei se estavam todos nus, mas faltou energia justamente no momento da reunião.

 
 
 
 

Charge! Jean Galvão via Folha de São Paulo

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quinta-feira, 12 de julho de 2018

Crônica: O Jambu, quem diria, é dos americanos!

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José Luiz Gomes


Para quem ainda duvida do golpe institucional de 2016, basta entender que uma agenda regressiva como esta que está sendo adotada no país não seria possível dentro dos marcos de um regime democrático, mesmo que precário, mesmo que de baixa intensidade. O Estado brasileiro, hoje, tornou-se apenas um fantoche a serviço dos interesses da banca internacional e dos seus operadores brasileiros. Depois do desmonte do SUS e dos milhões de brasileiros que deixaram de pagar os seus planos de saúde privada, agora é chegada a hora de satisfazer ainda mais o apetite voraz dos grupos que exploraram este nicho de mercado, com a ANS - sem ouvir os órgãos de defesa do consumidor - anunciar que irá liberar a cobrança de coparticipação e franquia dos usuários. Ou seja, mesmo pagando suas mensalidades em dia, os usuários, quando precisarem de alguma intervenção, por exemplo, terão que pagar por fora, quando não está dando nem para pagar por dentro.

Os donos dos planos sugerem que os brasileiros realizam muitas ressonâncias magnética, por exemplo. Adotando tal medida, isso poderia inibir tal procedimento. Isso significa, em última análise, leitor, que próprio usuário deverá implorar ao médico para não solicitar tal exame, criando uma situação esdrúxula, uma vez que ele não teria competência para saber se o exame seria ou não necessário. O lucro desses caras? exorbitante. Supera, por exemplo, todo os investimentos previstos para o SUS durante o ano. Em apenas dois anos, tivemos um retrocesso incomensurável. Isso significou perdas de postos de trabalho; corrosão de direitos individuais e coletivos; desmonte de políticas públicas estratégicas. Aumento mesmo apenas no tocante à insegurança pública, com  o fracasso das ações intervencionistas em Estados como o Rio de Janeiro.

Se ainda não fosse suficiente esses fatos, ao dar uma olhada no Feed de notícias no dia de hoje, eis que me dou conta que estaremos perdendo, também, o nosso jambu. Não se trata do jambo, leitor, aquela fruta tropical saborosa, degustada nos meses de Abril e Maio, quando ocorre a sua safra. Mas o jambu com u, uma arbusto da região Norte, muito usado pelos nativos, com inúmeras propriedades terapêuticas, medicinais e culinários. É usado em  pratos típicos da região, como o tacacá e o pato ao tucupi. Mas o jambu também possui um anestésico poderosíssimo, o Espilantol. Seu poder afrodisíaco, testado em ratinhos, deixou os bichinhos subindo pelas paredes.  Creio que esteja aqui o grande interesse dos americanos em relação  a esta planta. O jambu, como disse, é uma planta típica de floretas úmidas. Não dá em solo americano, o que torna ainda mais absurda essa patente. Pior do que isso é que pesquisadores brasileiros, da Universidade da Amazonas, pasmem os leitores, ficaram proibidos de continuarem suas pesquisa com a planta. O jambu agora é americano. Mais um golpe.  




Charge! Benett via Folha de São Paulo

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segunda-feira, 9 de julho de 2018

Crônica: O suicídio do Sabiá

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José Luiz Gomes
 
 
 
Rubem Braga ficaria conhecido como um cronista lírico, um escritor das borboletas e passarinhos. Foi assim que ele foi legitimado no campo literário, Pierre Bourdieu. Ele mesmo, ao escolher suas crônicas para publicação, optava por aquelas mais suaves, poéticas, carregadas de lirismo. Sua crônica mais conhecida, Um Pé de Milho, é uma bela história de um sortudo lavrador da rua Júlio de Castilhos, que, ao acordar - encontra um pé de milho que resolveu nascer num canteiro mal cuidado do seu quintal e consegue, assim, livrar-se da rotina enfadonha de uma máquina de escrever. Para quem escreveu 15 mil crônicas nessas mesmas máquinas de escrever há aqui, naturalmente, uma licença poética do Sabiá. 

O Rubem Braga combativo e engajado politicamente, preocupado com as questões sociais e as injustiças, obviamente é coisa de acadêmicos como Carlos Ribeiro, que fez seu doutorado em literatura em torno desse tema. A crônica de hoje faz alusão a um período em que o cronista Rubem Braga esteve aqui no Recife, trabalhando no Diário de Pernambuco. O próprio Carlos Ribeiro admite ser o Recife o palco principal, o campo de operações de um escritor que "abandona", temporariamente, o lirismo e engaja-se na luta social, como redator-chefe do Hora do Povo, um jornal ligado ao Partido Comunista Brasileiro.
 
Os desencontros aqui na província não foram poucos. Há uma espécie de silenciamento sobre esse período na vida do escritor capixaba. Segundo comenta-se, nem ele mesmo costumava falar sobre o assunto. Em apenas um mês, foi ameaçado de prisão três vezes. Há quem diga que nesse período ele arribou, temendo ser enviado para Brasil Novo, um presidio bastante temido na capital, da época do Estado Novo. Esses percalços também se refletiram em sua atuação profissional. A princípio depois de transferido do Rio de Janeiro, assumiu a editoria de polícia do Diário de Pernambuco. Depois, não há nada de muito confirmado sobre isso - gente do próprio jornal tergiversaram ao tratar do assunto - ele se "esconderia" na seção Fatos Diversos, onde se escrevia sobre tudo, não sendo possível identificar o que, de fato, foi produzido pelo escritor.  
 
Aqui, o Sabiá suicidou-se. Já explico. Há uma suposição de que ele tenha escrito alguns textos narrativos de pernambucanos que atentaram contra a própria vida, desistidos de viver. Uma possível matéria do jornal Folha de São Paulo informa que ele teria sido o primeiro a narrar esses fatos em jornais. Também aqui nada de muito concreto, exceto a propagação da informação através do escritor Alberto da Cunha Melo, que não pode confirmar suas fontes. É falecido. De qualquer maneira, na condição de um escritor lírico ou de um militante engajado, preocupado com as violações de direitos humanos perpetradas pelo Estado Novo, se, de fato, essas narrativas foram escritas por ele, o Sabiá cometeu suicídio.  
 
 



Michel Zaidan Filho: A condição humana


 
O famoso escritor, jornalista e ex-ministro da cultura, da França, André Maulraux escreveu uma obra prima, como correspondente de guerra na indochina, chamada A CONDIÇÃO HUMANA, narrando o genocídio dos comunistas durante o primeira revolução chinesa, patrocinada por Chian Ka Chek. Durante o massacre dos militantes comunistas, Maulraux chegou a conclusão de que a SOLIDÃO é o que caracteriza as pessoas na hora da morte. Como dizia Aldous Huxley, os cristãos entravam de mãos dadas na arena romana, mas morriam sozinhos. A condição humana dos que lutam contra as injustiças e o arbítrio parece ser mesmo a solidão.
 
Na boca de certos ativistas e militantes a defesa da liberdade e dos direitos civis e políticos, às vezes, não passa de mero retórica eleitoreira, na disputa de um cargo ou mandato. Enquanto, as pessoas enfrentam sozinhas seus dilemas, seus embates. Aprendi, a duras custas, que a liberdade é um direito coletivo, não é algo interior, subjetivo, como pensavam os estoicos e existencialistas. Só se é livre quando muitos acreditam no valor da liberdade e lutam por ela. Lutar sozinho pela liberdade, é muito bonito, mas ineficaz. Não muda as coisas. Por mais importante que seja essa ética das convicções, seu resultado prático é muito pequeno.

Morando numa província abafada, como Pernambuco, onde duas ou três oligarquias - aliadas com políticos "soi dissent" de esquerda - disputam os mandatos, não posso alimentar muitas ilusões sobre o futuro político do meu Estado. Àqueles em que confiei estão hoje de braços dados com meus inimigos. Não porque gostem deles. Apenas por mera conveniência política. Neste momento, em que temos de lutar - quase sozinho - contra o arbítrio de um reitor universitário e um ex-ministro da educação, a palavra liberdade tem que ser resignificada.
 
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE

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sábado, 7 de julho de 2018

Crônica: Champs-Élysées dos Afogados

 
 
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José Luiz Gomes
 
 
Há um documentário do cineasta Silvio Tendler onde, em determinado momento, o antropólogo Darcy Ribeiro comenta sobre o exílio imposto pela ditadura ao sociólogo pernambucano Josué de Castro, afirmando tratar-se de uma das maiores crueldades cometidas pela regime militar. À época, lembra Darcy Ribeiro, Josué de Castro já era um pesquisador reconhecido internacionalmente. Sempre que ocorria grandes catástrofes, observa Darcy, a ONU costumava consultar não mais do que meia dúzia de grandes especialistas, entre os quais o brasileiro. Expulsá-lo do pais, portanto, foi de uma maldade sem tamanho. 
 
Darcy Ribeiro tinha uma grande admiração por Josué de Castro. Sua proximidade com o presidente João Goulart permitiu que ele o apresentasse ao presidente, com um pedido de sua nomeação para um ministério, o que foi prontamente aceito pelo presidente. Recomendou a Josué manter silêncio sobre o assunto. Vaidoso, ao chegar no Recife, Josué não se conteve e contou aos amigos, inclusive do seu PTB, que seria nomeado ministro. Foi o suficiente para despertar a conhecida inveja provinciana entre seus pares, que acabou por inviabilizar a sua nomeação para o cargo. Outros tantos casos dessa natureza já ocorreram, mas vou tratar do assunto numa outra crônica. 
 
Reformas de base no Brasil não podem ser feitas, por uma decisão de nossas elites. Veio o golpe civil-militar de 1964 e Josué de Castro, assim como outros tantos grandes brasileiros, estavam na lista negra dos militares. Exilou-se em Paris. Não sei se estou completamente certo, mas é possível que tenha sido dessa época a sua experiência como professor da conceituada Universidade Sorbonne. Há vários indícios que nos sugerem concluir que Josué de Castro não foi feliz em Paris. Teria pedido formalmente aos militares que o deixasse  voltar ao Recife. Relatos de sua família sugerem que ele viajava pelo mundo todo, mas, ao voltar ao Recife, mal guardava as malas e já se preparava para aqueles passeios da saudade pelos mangues dos bairros alagados aqui da província, como Pina, Afogados. Certa vez teria declarado ter aprendido mais com os catadores de caranguejos do Recife do que em todos os  compêndios de teses da Sorbonne. 
 
Ainda neste mesmo documentário, Jorge Amado relata a Zélia Gattai que o encontrou abatido, perambulando pelas avenidas de Paris, possivelmente a Champs-Élysées. Pouco tempo depois ele morre, sem ter tido uma última oportunidade de se embrear pela lama dos manguezais do Capibaribe, acompanhado dos seus amigos catadores de caranguejos . Os jornais brasileiros foram proibidos de anunciar a sua morte. Barbosa Lima Sobrinho, que circulava nas proximidades de um cemitério no Rio de Janeiro, ao perceber certa aglomeração de pessoas, quis saber quem estava sendo enterrado. Quando soube tratar-se de Josué de Castro, incumbiu-se de fazer a saudação.
 
Seu acervo hoje está sob a guarda da Fundação Joaquim Nabuco, criada pelo também sociólogo pernambucano Gilberto Freyre. Ambos publicaram dois livros emblemáticos. Casa Grande & Senzala e Geografia da Fome. Casa Grande & Senzala foi publicado na década de trinta, precisamente, no ano de 1933, e Geografia da Fome em 1944. Ambos vaidosos, acabariam  por trocarem algumas farpas, notadamente no quesito alimentação. Já promovemos um encontro entre ambos, tratando deste assunto, na Ilha de Deus, aqui na periferia alagada do Recife, sob a arbitragem de Chico Science. E olha que nem precisamos consultar o VAR para dirimir essa pendenga. Tens que conhecer Josué de Castro, cara!

A Cidade


O sol nasce e ilumina
As pedras evoluídas
Que cresceram com a força
De pedreiros suicidas
Cavaleiros circulam
Vigiando as pessoas
Não importa se são ruins
Nem importa se são boas
E a cidade se apresenta
Centro das ambições
Para mendigos ou ricos
E outras armações
Coletivos, automóveis,
Motos e metrôs
Trabalhadores, patrões,
Policiais, camelôs
A cidade não pára
A cidade só cresce
O de cima sobe
E o de baixo desce
A cidade não pára
A cidade só cresce
O de cima sobe
E o de baixo desce
A cidade se encontra
Prostituída
Por aqueles que a usaram
Em busca de uma saída
Ilusora de pessoas
De outros lugares,
A cidade e sua fama
Vai além dos mares
E no meio da esperteza
Internacional
A cidade até que não está tão mal
E a situação sempre mais ou menos
Sempre uns com mais e outros com menos
A cidade não pára
A cidade só cresce
O de cima sobe
E o de baixo desce
A cidade não pára
A cidade só cresce
O de cima sobe
E o de baixo desce
Eu vou fazer uma embolada,
Um samba, um maracatu
Tudo bem envenenado
Bom pra mim e bom pra tu
Pra gente sair da lama e enfrentar os urubus
Num dia de sol, recife acordou
Com a mesma fedentina do dia anterior.

(Chico  Science)
 


 



Michel Zaidan Filho: Apresentação do livro do prof. Evson Malaquias




Recebi o honroso convite do professor Dr. Evson Malaquias, do Centro de Educação, da UFPE,para prefaciar/apresentar o seu mais novo livro: "Sentidos, investimentos e afetos de O Globo acerca do assassinato de Vladimir Herzog em outubro de 1975", resultante de um projeto de pesquisa que buscar estudar o imaginario dos inimigos e das manifestações de junho de 2013. O trabalho é fruto de um esforço coletivo de uma equipe de pesquisadores composta por professores e alunos. É digno de nota e  louvor essa arqueologia histórica da memória de  eventos tão trágicos na  história contemporanea,  sobretudo quando ela teima em se repetir e os atores se metamorfoseam a   todo  instante para escapar do crivo  da  posteridade e do juizo dos historiadores. O tema, oportuno e de grande relevância, encontrou em Evson e sua equipe um  estudioso preparado na interdisciplinaridade acadêmica.

O professor Malaquias agrega uma formação acadêmica multidisciplinar que conta com a História, a Ciência Política, a Sociologia Clínica de Henriquez e, de certa forma, Castoriadis, além dos clássicos da Antropologia Brasileira, e além disso, se muniu de um instrumento metodológico das ciências da comunicação.  O resultado não poderia deixar  de ser estimulante: a análise    criteriosa   do  discurso de três dos principais jornais brasileiros (O GLOBO, O ESTADÃO e a FOLHA de SÃO PAULO)  sobre a ditadura militar e o assassinato do jornalista judeu-yoguslavio Vladimir Herzog, então ligado ao Partido Comunista Brasileiro.

O estudo de Evson é tanto mais interessante porque ele conjuga- com felicidade - o melhor da Antropologia Histórica do Brasil (Roberto  da Matta, Sérgio Buarque de Holanda, Marilena Chaui, José Murilo de Carvalho) com o instrumental analítico das  ciências da comunicação,na análise dos discursos jornalísticos sobre o regime militar e seus perseguidos, sobretudo entre os jornalistas. Daí sai a tese de que a posição da mídia impressa e televisiva é guiada por uma  "mentalidade"  (para usar  uma expressão dos franceses)messianica e naturalista, com uma    pitaca do amoralismo familiar, típico do regime da Casa Grande (a   familia   patriarcal). Neste sentido, diz    ele, as idéias-guias da "mentalidade" do brasileiro são as palavras-chaves: Deus, Natureza e Família. A desqualificação do  discurso jornalistico dos desafetos e desinvestidos dos grandes jornais não têm família (brasileira), não são cristãos e nem fazem parte desta "maravilhosa" natureza pátria.

Torna-se assim fácil apagá-los e demoniza-los como ateus, comunistas, sem família e o ufanismo típico de um certo nacionalismo ingênuo que fetichiza  as belezas naturais  do país. O resultado é altamente esclarecedor: os jornalões da república brasileira não só coonestaram com o golpe militar-civil de 1964, como absorveram ou justificaram as violações dos  direitos humanos   cometidos pelos   agentes do Estado militar. Com uma variação que vai de uma certa reserva liberal do Estado de São Paulo ao total adesismo da Rede Globo, beneficiária do regime militar, a posição da   mídia impressa foi de cúmplice a omissão diante dos graves crimes perpetrados pelo regime. Tese exemplificada pela cobertura dada ao assassinato  de Vladimir Herzog, em nas dependências do DOI/CODI em São Paulo. O jornal dos Marinho silenciou- acumplicidamente - em relação  as  inúmeras  notas produzidas pelos sindicatos  e  entidades  corporativas. Outros   preferiram   dar  atenção ao turismo, as  belezas  naturais e as questões familiares comezinhas. Deixando  no silêncio  as  questões  politicas e de direitos  humanos.

 
Essa pesquisa é  tão mais oportuna porque  a Rede GLOBO  foi  diretamente interpelado pelos movimentos de rua de 2013. E resolveu fazer UMA "MEA CULPA" por ter apoiado a ditadura militar. Logo ela que, reiteradamente, criminaliza os movimentos sociais,   sobretudo quando algum profissional da imprensa é atingido por alguma bala   ou projetil no  meio da multidão. A pesquisa de Evson Malaquias e sua brilhante equipe não se encerrou. Ela continua. Brevemente teremos  novos resultados atinentes aos movimentos de 2013  e sua cobertura criminalizante feita pelos meios de comunicação. Parabéns a toda  equipe e, especialmente, ao professor Evson Malaquias.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
 


sexta-feira, 6 de julho de 2018

Crônica: A Sorbonne da Rua da Aurora

 
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José Luiz Gomes

Por razões óbvias, em regimes autoritários, chefes de polícia ou de órgãos de informação do Estado exercem um poder estratégico. Isso sempre foi assim, seja em governos assumidamente autoritário ou mesmo entre aqueles que flertam com o autoritarismo, mas que se envergonham de mostrar sua verdadeira face. Mas, nesses tempos bicudos, leitores, melhor não descer aos porões (ops!) às minúcias. Vamos fazer um recuo no tempo e nos remetermos à quadra politica autoritária do Estado Novo, ali pelas décadas de 30/40. Na realidade a ideia desta crônica surgiu ontem, ao escrevermos sobre a passagem do sabiá Rubem Braga pelo Recife, onde atuou no Diário de Pernambuco -  como responsável pela editoria de polícia -  e na Hora do Povo, como fundador e redator-chefe. Este último, um jornal ligado ao PCB. O jornal, como informado na crônica de ontem, vive aos cuidados das traças no Arquivo Público Estadual. 
Durante o período nebuloso do Estado Novo aqui no Estado, o interventor era Agamenon Magalhães, um ilustre representante das oligarquias pecuarista e algodoeira. Um rebento de Serra Talhada, assim como Virgulino Ferreira da Silva, o lampião. O que pouca gente sabe, exceção, naturalmente, para a pesquisadora Dulci Pandolfi, é que o China Gordo, como ficou conhecido, cumpriu todos os ritos acadêmicos, da graduação ao doutorado. Foi professor catedrático do Ginásio Pernambucano. Como currículo é discurso, Foucault, Agamenon ficaria mais conhecido, na realidade, em razão de sua atuação política. Getúlio Vargas se referia a ele carinhosamente como "O meu carrasco no Estado".
 
Que o diga os comunistas, os evangélicos, os praticantes dos cultos de origem afro, os moradores das palafitas dos manguezais do Recife, personalidades como Gilberto Freyre, Rubem Braga - em sua curta passagem pelo Recife - Aníbal Fernandes. Agamenon era, por assim dizer, um déspota esclarecido. Aníbal Fernandes possuía uma ampla formação, mas gostava mesmo era do jornalismo. Jornalista que exercia sua atividade profissional com competência, altivez e independência, o que, por se só, já se constitui um gravíssimo problema aqui na província, desde sempre. Até recentemente mais um jornalista foi para a degola em razão de matéria publicada, onde apontava casos de nepotismo cruzado entre órgãos da administração pública estadual. Aqui se pratica uma espécie de jornalismo da subserviência.
 
 
De sua trincheira de resistência da Pracinha do Diário, Aníbal Fernandes combateu as atrocidades praticadas pelo Estado Novo. Isso, naturalmente, não ficou barato. Foi espancado quando chagava em sua residência, em Boa Viagem, e presenciou um atentado naquela mesma pracinha, onde morreu o estudante Demócrito de Souza. Há rumores de que o alvo, na realidade, seria o sociólogo Gilberto Freyre, outro ferrenho opositor do regime. Através daquele vespertino, Aníbal Fernandes culpou diretamente o chefe de polícia à época, Etelvino Lins, pelo atentado. O jornal foi fechado e Aníbal Fernandes preso. 

O Departamento Estadual de Ordem Política e Social funcionava ali na rua da Aurora. Aníbal se referia ao DOPS como a Sorbonne da Rua da Aurora. Pesquisando sobre esses personagens, acabamos encontrando alguns fatos interessantes, que acabam alimentando novas crônicas. Uma delas, prometo, será sobre alguns locais curiosos do Recife, como o Beco da Fome, Beco do Veado, Beco da Facada. Acaso os leitores conhecem? Além da Sorbonne da Rua da Aurora, já encontramos, por exemplo, uma referência a um presídio, desta mesma fase, denominado de Brasil Novo. Outra referência é uma citação do biógrafo do Sabiá da crônica, Rubem Braga,  sobre um tal Mercado do Bacurau, no Recife, que ele possivelmente frequentava, para comer sarapatel com cachaça.




quarta-feira, 4 de julho de 2018

Crônica: Rubem Braga, um cronista na Gervásio Pires, 234

 
 
 
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José Luiz Gomes
 
 
Em razão de suas criticas à Igreja, Alceu Amoroso Lima pediu a cabeça do Rubem Braga a Assis Chateaubriand, que o enviou ao Recife, para trabalhar no Diário de Pernambuco. Aqui na província, o cronista capixaba permaneceu por apenas 05 meses, mas foram cinco meses bem agitados - ou emblemáticos - porque o cronista fundou jornal, chegou a ser preso e acompanhou a repercussão, no Estado, de movimentos importantes como a Intentona Comunista,  assim como os dias de chumbo da repressão do Estado Novo, do qual foi uma das vítimas. Na realidade, para ser bem sincero, há poucos registros da passagem do escritor em terras pernambucanas, uma lacuna biográfica que tem várias explicações, uma delas engraçada, como a razão apresentada pela família do cronista, informando que, nesse período ele era solteiro, não tinha esposa.
 
Lamentavelmente, o próprio Rubem Braga silenciava sobre o assunto. Afinal, não veio ao Recife por uma decisão pessoal, tampouco foi bem tratado aqui na província, exceção, certamente, em relação aos amigos que fez por aqui, como o sociólogo Gilberto Freyre e o compositor Capiba. Há que se considerar, igualmente, aquele apagão da história, característico de períodos obscurantistas. Mesmo diante de tantas circunstâncias adversas, esse período é tratado pelos seus biógrafos com um dos mais significativos de sua atuação política, identificada com os anseios populares. Aqui ele fundou um jornal da chamada imprensa operária - ou partidária - como o Hora do Povo, do qual foi seu editor-chefe. O jornal era uma espécie de porta-voz ou órgão oficial do Partido Comunista Brasileiro. O curioso é que nem a velha militância desse partido, ouvidos por uma jornal literário aqui do Estado, lembram do autor de Um Pé de Milho como editor.
 
O jornal, então, hoje é um acervo intocável do Arquivo Público de Pernambuco. Tornou-se tão perecível que não se aconselha o manuseio. Por ocasião das comemorações do bicentenário da imprensa, chegou-se a ser cogitada a hipótese de  uma microfilmagem da Hora do Povo, através da Fundação Joaquim Nabuco, projeto nunca viabilizado. Resultado, uma História que tende a ser perdida. Dos diversos livros editados por Rubem Braga, são raras as crônicas publicadas, escritas aqui na província. Nem ele mesmo, como afirmamos, parece guardar boas lembranças da capital pernambucana. Exceto, talvez, pelos sarapatéis com cachaça que costumava degustar no Mercado do Bacurau ou mesmo as escapadas aos cabarés recifenses, ciceroneado pelo pesquisador Odorico Tavares.
 
Quem se debruçou sobre sua passagem pelo Recife foi a jornalista Ana Luísa, que também não fala do assunto com muito entusiasmo, nitidamente, creio, que em razão das dificuldades de fontes. Havia uma possibilidade, por exemplo, de cópias dos exemplares da Hora do Povo encontrarem-se na Fundação Roberto Marinho. Mas, de acordo com a jornalista, eles não retornaram as ligações ou foram evasivos ao tratar do assunto. Comenta-se que houve um encontro entre Cristiano Cordeiro e Rubem Braga. Após ambos se abraçarem, Cristiano Cordeiro teria notado que Rubem guardava um volume desproporcional por baixo da camisa e quis saber: você está armado? ao que ele teria respondido: Não. Isso é um martelo para eu prender meu terno na cela se eu vier a ser preso.

Editorial: A isenção do plim plim

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Certamente, poucas são as pessoas que conseguem dimensionar corretamente os danos da censura para quem escreve. Violentamente perseguido e ameaçado aqui na província, pelos idos da década de 30, o grande cronista Rubem Braga, impedido de publicar suas crônicas políticas - sob a ameaça de prisão - acabou, segundo presume-se, relatando casos de suicídio nas crônicas policiais do Diário de Pernambuco. Diante das circunstâncias tão adversas enfrentadas pelo escritor capixaba aqui no Recife - salvo a amizade com Capiba e Gilberto Freyre, além das noitadas nos cabarés com Odorico Tavares, poucos registros ficaram se sua passagem pela Veneza brasileira. Regimes autoritários são, por natureza, medíocres e não suportam quem esboça autonomia de pensamento e orientam suas condutas com um mínimo de altivez e dignidade. Braga veio ao Recife depois de embates com Alceu Amoroso Lima, em razão das suas críticas a membros da Igreja Católica.  
 
Diante de tantas dificuldades enfrentadas pelos brasileiros depois do golpe institucional de 2016 - seja no aspecto econômico quanto no aspecto politico - assuntos é que não faltam para os nossos editoriais. Quatro milhões de brasileiros perderam o emprego formal nos últimos meses. Em conluio com a ANS, as entidades gestoras dos planos privados de saúde, depois das mensalidades extorsivas, agora ameaçam com a cobrança de franquia ou coparticipação. Deve ocorrer aqui o mesmo que ocorreu com as companhias aéreas, que passaram a cobrar pelas bagagens sob o argumento de que as tarifas seriam reduzidas. De concreto, além de pagarem pelo envio das bagagens, os usuários não tiveram a redução das tarifas, o que os contingenciou a andarem com bagagens de mão inusitadas, passíveis de serem acomodadas dentro das aeronaves, provocando aqueles tumultos corriqueiros e desagradáveis antes do voos.  


Mas, não me contive com um comunicado da emissora do plim plim para seus funcionários, orientando-os sobre como se comportarem na vida privada, consoante a isenção que caracteriza o padrão plim plim de atuação profissional. Há aqui, leitores, motivos para uma grande gargalhada. A motivação do comunicado teria sido em função de um posicionamento de um de seus repórteres, em perfil pessoal, numa dessas redes sociais, posicionando-se contra a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como pode um grupo que foi criado com as benesses e cevado nos estertores do regime militar falar de isenção? A quem esse pessoal sugere estar dando lições de jornalismo? Jornalista mesmo era o Rubem Braga, que deixou o Diário de Pernambuco e, por um salário bem menor, assumiu a editoria da Folha do Povo, onde, mesmo perseguido, exercia seu direito constitucional de livre expressão.   

Charge! Hubert Via Folha de São Paulo

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segunda-feira, 2 de julho de 2018

Crônica: Volúpia

 
 
 
José Luiz Gomes
 
Ainda muito jovem, ali pelos 17 anos de idade, Gilberto Freyre foi estudar no exterior. Evangélico, então vinculado à Igreja Batista, recebeu uma bolsa daquela instituição para estudar nos Estados Unidos. Seu objetivo inicial era tornar- se pastor. Um pouco antes, ainda aqui no Recife - mais precisamente nos bairros pobres da periferia - era comum ao jovem futuro sociólogo, autor do clássico Casa Grande & Senzala, um trabalho de evangelização orientado pela denominação à qual pertencia. Já nos Estados Unidos, Gilberto Freyre decepcionou-se com o tratamento dispensado pelos membros de sua igreja aos negros americanos e optou por seguir uma carreira acadêmica na universidade de Baylor, no Texas, onde concluiu um mestrado em artes liberais, consoante a estrutura acadêmica das universidades americanas.
 
Não faltou quem o estimulasse a fazer um doutorado, mas ele não quis. A academia, por incrível que possa parecer, não era bem a praia de Gilberto Freyre. Ao que se sabe, dificilmente participava dos ritos de formação, tampouco dava muito atenção aos canudos, entregues a ele posteriormente. Ao voltar dos Estados Unidos, depois de um emblemático discurso de cunho regionalista proferido no Colégio Americano Batista, de imediato, tomou as providências para realizar uma espécie de viagem da saudade, com seu amigo José Lins do Rêgo,  nas terras de engenho de sua família, na Paraíba.
 
Devo ter lido Menino De Engenho umas cem vezes, além de teses de doutorado e dissertações de mestrado abordando a questão da literatura regional, sempre à procura de subsídios para um trabalho em curso. Há de tudo. Até mesmo uma dissertação no campo da Geografia acerca do "universo" dos romances do escritor paraibano. "Universo" geográfico, naturalmente. Trata-se de um trabalho acadêmico muito bom, mas se eu estivesse na banca reprovaria o candidato. Ele esqueceu de informar que o Moleque Ricardo esteve em Paulista, possivelmente como operário da Companhia de Tecidos. Sempre que vou à Paraíba, arrumo um tempinho para visitar a cidade de Pilar, torrão onde nasceu José Lins do Rêgo. Mais precisamente ao Engenho Corredor, onde ele passou sua infância, experiência relatada em seus romances do ciclo da cana-de-açúcar e em textos memorialistas como Meus Verdes Anos. Para mim, poucas coisas se comparam a pegar aquelas estradas, numa manhã  fria de um domingo de janeiro, contemplando os frondosos pés de cajá aos quais ele fazia referência no Menino de Engenhonum passeio com a tia, em visita aos parentes. Essas árvores centenárias de sua meninice resistem até hoje.   
 
Quando estamos na região do Brejo Paraibano, respiramos engenho as 24 horas do dia. Ora é o Museu do Brejo Paraibano, em Areia, mantido pela UFPB; seus engenhos de rapadura ainda em funcionamento; a produção da cachaça Rainha, no Engenho Goiamunduba, em Bananeiras; e, finalmente, a boa mesa do Restaurante Banguê, no Engenho Lagoa Verde, onde é produzida a melhor caninha branca do Brasil, a Volúpia, uma aguardente artesanal, produzida com cana orgânica. Esses rankings de cachaças são muito polêmicos, despertam controvérsias e paixões, mas a marvada do Brejo é boa mesmo. Durante anos, a Espírito de Minas, uma cachaça também artesanal produzida na cidade de São Tiago, Minas Gerais, ocupou o primeiro lugar no ranking, mas as cachaças do Brejo paraibano evoluíram bastante. A Volúpia é produzida desde o século XIX, no engenho Lagoa Verde, em Alagoa Grande - cidade de Jackson do Pandeiro. Vocês podem imaginar degustar essas costeletas de porco da foto acima, depois de uma dose para abrir o apetite? É de dar água na boca ou não é?  




 


Charge! Duke via A Tarde

domingo, 1 de julho de 2018

Crônica: A levada da tinta


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José Luiz Gomes 
 
A crônica de hoje é dedicada às nossas  reminiscência de infância, notadamente um hábito que mantínhamos com a galera, o de observar um riacho de águas coloridas que cruzava a cidade de Paulista, aqui na Região Metropolitana do Recife. Não cometo nenhum exagero em afirmar que nem Antoine de Saint Exupéry, em seus momentos de maior inspiração, poderia imaginar coisa do gênero. Já conto isso aqui para vocês.   

O Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, hoje Fundação Joaquim Nabuco, foi criado ali pelo final da década de 40. 49 para ser mais preciso, através de um ato do Poder Legislativo, acatando - não sem muita polêmica aqui e alhures - uma proposição do então Deputado Constituinte, Gilberto Freyre. À época, mesmo contando com poucos recursos e com deficiência de estrutura física, o IJNP reuniu, por assim dizer, creio que sem algum exagero, os melhores quadros técnicos aqui da província, liderado pelo autor de Casa Grande & Senzala. Se exagero houve, isso certamente não se aplicaria à área de antropologia, que reunia pesquisadores como Renê Ribeiro e Waldemar Valente. 
Para legitimar o Instituto, Gilberto Freyre precisou, digamos assim, cortar na pele, ou seja, empreender pesquisas pioneiras, com resultados que não agradaram setores da elite nordestina. Uma dessas pesquisas pioneiras foi Os Rios do Açúcar, que apontou os graves problemas ambientais provocados pela monocultura da cana-de-açúcar, cujas usinas jogavam seus resíduos nos rios que banhavam a região, poluindo suas águas e matando seus peixes. Isso na década de 50, tendo Gilberto Freyre origem na aristocracia açucareira do Estado. Essas pesquisas obtiveram reconhecimento internacional, levando o próprio Gilberto a tratar seu Instituto como uma pequena notável nos trópicos ou uma instituição de excelência na província. Muito desse capital simbólico institucional deve-se ao próprio Gilberto, em razão de sua capilaridade em países europeus, especialmente Portugal. Apesar de ter estudado nos Estados Unidos, lamentava que o IJNPS não tivesse alcançado a mesma repercussão naquele país. 

Freyre deixou a província para estudar nos Estados Unidos ainda um adolescente, com 17 anos de idade. Desejava tornar-se pastor, o que acabou não acontecendo. Talvez em razão dessa pesquisa, atribui-se a Gilberto Freyre mais um protagonismo, o de ter usado, pela primeira vez, o termo: meio ambiente sustentável. Quando, em 1979 criou o Museu do Homem do Nordeste, autores como Durval Muniz de Albuquerque, enxergam aí uma tentativa de reconciliação com a aristocracia açucareira ou acerto de contas com suas origens.

O que que era a Levada da Tinta, afinal? Ora, a pesquisa de Gilberto Freyre bem que poderia ser estendida a outras atividades industriais que igualmente poluíam as nossas reservas de água natural, como as atividades da Companhia de Tecidos Paulista, que fazia escoar, por um riacho - sabe-se lá onde isso iria desaguar - os resíduos de tinta, sem qualquer tratamento, utilizados para tingir os tecidos. Para nós, crianças inocentes, era apenas uma grande zoeira, tentando acertar a cor da água na próxima correnteza. Brincávamos com coisa muito séria.