pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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sexta-feira, 22 de junho de 2018

Crônica: De que adianta se o Recife está longe, a saudade é tão grande...





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José Luiz Gomes



Que eu até me embaraço. Umas das melhores satisfações de quem escreve é o feedback dos seus leitores. Quando publicava meus artigos de politica num jornal local, fazia questão de responder a todos que comentavam o assunto, inclusive a um deles que atendia pelo codinome de Lins, que hoje se sabe tratar-se uma pessoa escalada para bater deliberadamente nos críticos de um grupo político do Estado. Tenho um profundo respeito por esses comentários, que, críticos ou elogiosos, sempre nos ajudam no sentido de corrigir algumas imperfeições do texto, dos argumentos expostos, equívocos de informações. Por outro lado, isso também se constitui num indicador da capacidade de convivência democrática de quem escreve.

Quando tinha apenas 08 anos de idade, Gilberto Freyre, de acordo com os seus biógrafos, abandonou o bairro de Apipucos, onde vivia, e fugiu para Olinda. Depois, já adulto, escreveria um guia sentimental da cidade. Estas são as únicas informações sobre este episódio na vida do autor de Casa Grande & Senzala. Ocorreu lembrar desse episódio depois de ler, numa revista de circulação nacional, uma descrição apavorante - este é o termo - sobre o Rio Capibaribe. Ora, em épocas passadas este rio ganhou até homenagem em poema do poeta Manuel Bandeira, amigo de Gilberto Freyre. Mas, as homenagens ao rio não se limitaram ao poema de Manuel Bandeira. Grandes compositores o incluíram em suas canções, por tratar-se de um rio que se confunde com a própria cidade do Recife. Numa de nossas últimas crônicas, afirmamos que a música Recife Manhã de Sol do compositor J. Michiles, era a cara do Recife. Uma leitora discordou e a crônica de hoje é dedicada a esta leitora. 


Na realidade, ela nos critica por termos escolhido a música do J.Michiles como a música símbolo em homenagem ao Recife. Não creio ter cometido aqui alguma injustiça, leitora, embora compreenda que as músicas e os autores citados, de fato, produziram verdadeiras obras-primas em homenagem à Veneza brasileira. Tem coisa mais linda do que ouvir um Frevo nº03, de Antônio Maria, por exemplo:

Sou do Recife
Com orgulho e com saudade
Sou do Recife
Com vontade de chorar
E o rio passa
Levando barcaça
Pro alto do mar
E em mim não passa
Essa vontade de voltar
Recife mandou me chamar
Capiba e Zumba
Esta hora onde é que estão?
Inês e Rosa
Em que reinado reinarão?
Ascenso me mande um cartão


Rua antiga da Harmonia
Da Amizade, da Saudade e da União
São lembranças noite e dia
Nelson Ferreira toque aquela introdução


Ou mesmo o Frevo nº 02, do mesmo Antônio Maria, na voz de Maria Betânia.

Ai, ai, saudade
Saudade tão grande
Saudade que eu sinto
Do Clube dos Pás, dos Vassouras
Passistas traçando tesouras
Nas ruas repletos de lá
Batidas de bumbo
São maracatus retardados '
Que voltam pra casa cansados
Com seus estandartes pro ar
Quando eu me lembro
O Recife tá longe
A saudade é tão grande
Eu até me embaraço
Parece que eu vejo
O Haroldo Matias no passo
Valfrido e Cebola, Colasso
Recife tá perto de mim
Saudade que eu tenho

São maracatus retardados
Que voltam pra casa cansados
Com seus estandartes pro ar



São coisas assim que nos emocionam bastante leitora. Até te entendo, amiga, mas a escolha do Michiles não foi absolutamente injusta. 

 

Vejo o Recife prateado
À luz da lua que surgiu
Há um poema aos namorados
No céu e nas águas dos rios
Um seresteiro, um violão
Anunciando o amanhecer
Um sino ao longe a badalar
Recife inteiro vai render
Ave Maria ao pé do altar

Bumba-meu-boi, Maracatu
Recife dos meus carnavais
Não vejo mais sinhá mocinha
Á luz de um lampião de gás
És primavera dos amores
Do horizonte és arrebol
Vai madrugada serena
Traz delirante poema
Recife manhã de sol




quinta-feira, 21 de junho de 2018

Crônica: Hotel Reis Magos

 


 
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 José Luiz Gomes
 
 
Ontem, publicamos por aqui uma crônica sobre a cidade de Serra Branca, na região do Cariri paraibano, onde, nessa época do ano, é realizado o melhor São João do mundo, com um autêntico forró pé de serra. Dizia por ali, tratar-se de uma grande bobagem entrar nessa briga entre Caruaru e Campina Grande. E olha que Serra Branca é apenas um desses redutos. Existem outros, como Bananeiras e Areia, por exemplo, apenas para ficarmos nos exemplos paraibanos. Eu não vou afirmar aqui que choveram pedidos de informações dos internautas sobre a cidade de Serra Branca. Iria parecer que desejávamos super dimensionar o alcance do blog. Mas surgiram, sim, alguns leitores interessados em passar os festejos juninos naquela cidade, e, como tal, por não conhece-la ainda, ansiosos por algumas informações. No rodapé da página, informo a esses leitores como chegar até à cidade, através do meu precário GPS  e aproveitar seus melhores momentos ali. Havia esquecido até de um detalhe: o calendário dos festejos deste ano permite conhecer a feira da cidade, que ocorre no sábado. Não preciso dizer para vocês o que significa uma feira de interior.
 
Por falar em GPS, hoje resolvi voltar do trabalho através de uma dessas conduções oferecidas pelos aplicativos. Conversa vai, conversa vem, descubro que o motorista já morou em Natal, cidade que devo visitar nos próximos dias, para falar sobre um dos seus filhos mais ilustres: o folclorista Luís da Câmara Cascudo. O cara nos deu várias dicas sobre a cidade, seus bairros, seus bons restaurantes, seus equipamentos culturais, suas melhores praias. Já conhecia Natal, inclusive de uma época em que o hotel Reis Magos ainda estava em funcionamento. Já se vão longos anos, diriam os leitores. E vocês tem razão. A praia dos artistas, que já  foi o perímetro urbano mais badalado  de Natal, entrou em declínio com a construção da via costeira, que praticamente redirecionou os equipamentos de hospedagem e tudo o mais para a praia de Ponta Negra.

Mas, nos seus tempos áureos, a Praia dos Artista recebeu este nome em função do grande contingente de artistas nacionais que frequentavam o local. O Israel, motorista do aplicativo, nos informou, por exemplo, que Roberto Carlos era um assíduo frequentador daquele badalado point, onde se hospedava no Hotel Reis Magos. A decadência foi rápida. Os equipamentos de hospedagem hoje são precários e tornou-se um local inseguro, constituindo-se quase uma aventura fazer uma visita ao Forte dos Reis Magos. Durante a realização da Copa do Mundo de 2014, chegou a ser cogitada a reabertura do hotel Reis Magos, mas, por algum motivo o projeto não foi concretizado. Ao contrário, hoje se pensa seriamente em demoli-lo, com o sinal verde até do Ministério Público.  Hotel foi construído em 1965, com recursos do Estado do Rio Grande do Norte e da famigerada Aliança para o Progresso. Salvou a festa a orquestra do maestro pernambucano Nelson Ferreira.

Feito esses reparos políticos, no entanto, trata-se de um ícone da arquitetura modernista da região. Por outro lado, também foi um marco importante na consolidação do turismo regional. Há um movimento que se contrapõe à demolição daquele equipamento, intitulado #(R)existe Reis_Magos, que tem se mostrado bastante ativo nas redes sociais. Eles argumentam, por exemplo, que não existe um laudo técnico apontando comprometimento de sua estrutura física. O Reis Magos era um excepcional equipamento por dentro e por fora. Os quartos eram espaçosos e arejados, as camas daquelas que o caboclo só precisa  dar o primeiro impulso, se é que vocês nos entendem. Como naquela época, ainda não existia esse tal de Wi-Fi, o que curtimos mesmo no local foi essa boa cama para as estripulias que ainda são permitidas aos mais jovens, um bom banho em sua famosa piscina e uma farofa d'água com carnes de carneiro e guiné. Ainda hoje, quando pensamos no assunto, a boca enche d'agua...

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Crônica: O maior forró pelo que eu ouvi dizer é o de Serra Branca você pode crer





José Luiz Gomes


Todos os anos, durante os festejos juninos, trava-se uma verdadeira batalha de comunicação entre as cidades de Caruaru e Campina Grande, no sentido de se saber quem realiza o maior São João do mundo. No geral, na realidade, essas duas cidades realizam, de fato, grandes festejos juninos, embora hoje já bastante descaracterizados, em razão das atrações que se apresentam nesses eventos, sem qualquer identidade cultural com as tradições de um autêntico forró pé de serra. São os safadões da vida, que estão em todas. Do Have Metal ao velório. Não faz muito tempo, li uma postagem numa dessas redes sociais, onde o internauta citava todas as atrações de uma dessas festa, para depois perguntar: É isso que eles chamam de forró? É coisa para deixar o Ariano irritado, numa de suas aulas espetáculos, hoje ministradas num outro plano.
 
Não vou aqui me colocar como quem deseja estragar seu rala bucho, mas convém ficar atento, sim, em relação à sua segurança. A cidade de Caruaru rendeu mais de uma matéria em jornais do sul, e não foi por sua grande festa de São João, mas pelos altos índices de violência. Campina Grande vai no mesmo diapasão, uma vez que são cidades que guardam muitas semelhanças e essas semelhanças, infelizmente, também convergem no quesito insegurança, notadamente em algumas modalidades de delitos, como crimes violentos contra a vida, assim como assaltos e roubos de vans que transportam sacoleiros.
 
A confraria, todos os anos, procura fugir um pouco desses eventos estilizados, escolhendo outros espaços que, não raro, oferecem condições de diversão até melhores nessa época do ano, como é o caso, por exemplo de Serra Branca, a rainha do Cariri paraibano. A cidade, normalmente, se prepara muito bem para receber os visitantes nesse época do ano. Seu centro é relativamente pequeno: uma praça e uma torre de igreja, dessas que ofereciam as condições ideais para os ataques do bando de Lampião. Mas, a cidade também oferece os seus "escondidinhos", ou seja, espaços menos concorridos, onde se pode ficar mais à vontade, como um bom restaurante de comidas regionais, localizado em seu perímetro essencialmente rural, bem próximo à famosa pedra branca que dá nome à cidade.
 
Ali se come bem, se dança ainda melhor, no zabumba de um autêntico forró pé de serra até altas horas da madrugada. É chililique, chililique, chililique, da poeira levantar. É chililique, chililique, chililique, da poeira levantar.Se a gente quer um repique, o cabra no zabumba dá, Trio Nordestino. É para lá que vai a turma da Confraria. Arnaldo já bateu o martelo e, quando Arnaldo decide, está decidido.

P.S.: O título da crônica acima é uma licença poética da letra da música do Trio Nordestino. Serra Branca está localizada a pouco mais de uma hora de viagem da cidade de Campina Grande. Uma hora e trinta minutos para os mais prudentes. Você chega até lá pela BR 412 ou pela PB 138, esta última melhor conservada. Do lado esquerdo da igreja há uma placa indicativa sobre a rota que se deve tomar para se chegar ao restaurante que fica bem próximo à grande pedra que dá nome a cidade. É lá que tudo acontece.

 
 
 

Charge! Renato Aroeira

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terça-feira, 19 de junho de 2018

Crônica: Luís da Câmara Cascudo


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 José Luiz Gomes


Essas redes sociais...leitores! Um pernambucano, na Copa da Rússia, acha de fazer gracinha com uma jovem e já existem milhões de brasileiros e brasileiras não apenas condenando a sua atitude, mas pedindo que a sua manifestação explícita de misoginia seja severamente punida. Há algum tempo mantenho um blog de pesquisa escolar onde publicamos alguns verbetes, especialmente sobre aspectos da cultura nordestina. Exposto, recebo um convite para falar de Luís da Câmara Cascudo, numa faculdade potiguar. Tanta gente boa por aquelas bandas e eles acham de convidar este humilde cronista,  que o admira muito, mas conhece pouco do folclorista potiguar.  
Posso até estar equivocado, mas a impressão que eu tenho é que depois da morte de Luís da Câmara Cascudo e de Mário Souto Maior não surgiram outros grandes folcloristas por essas terras nordestinas. Hoje, reli uma crônica escrita pelo jornalista Aluízio Furtado de Mendonça, em 1986, por ocasião da morte do folclorista. Rebento de uma família de posses, Câmara Cascudo, em razão do seu habitus, Pierre Bourdieu, teve algumas boas oportunidades na vida. Estudou em bons colégios durante os estágios regulares, depois fez medicina na Bahia - curso não concluído - e direito na Faculdade de Direito do Recife, da Universidade Federal de Pernambuco. Aguça a nossa curiosidade, conhecer um pouco sobre a sua passagem aqui pela capital pernambucana, notadamente em razão dos possíveis círculos literários que ele, certamente, frequentou. Isso talvez agregasse algum valor à nossa fala, uma vez que os passos de Cascudo em terras potiguares devem ser bem conhecidos pelo estudantada.  
Como se sabe, mesmo formado em direito, Cascudo  se apaixonou mesmo foi pela cultura popular, sobre a qual produziu centenas de publicações. Tornou-se um especialista sobre a influência gastronômica dos africanos na formação da culinária brasileira. Quando dirigia o Instituto Nacional do Livro, o poeta Augusto Meyer o convidou para escrever o Dicionário do Folclore Brasileiro, um clássico imbatível na área até os nossos dias. Cascudo publicou sua primeira crônica - O tempo e eu - num jornal mantido pelo pai, A Imprensa. O que mais nos impressionou nesta crônica de Aluízio Furtado de Mendonça, no entanto - depois dos aspectos relacionados à biografia do folclorista - foram os seus comentários sobre a participação do escritor potiguar nos círculos literárias que se reuniam em torno do seu casarão, hoje transformado em memorial, que devemos visitá-lo nos próximos dias, quando de nossa visita à Natal.  
Esses círculos literários são curiosíssimos, Foucault. Através de um deles, que se reunia em Maceió, por exemplo, se descobre que é bem possível que Olívio Montenegro tenha exercido uma influência até maior sobre a carreira literária de Jose Lins do Rego, do que Gilberto Freyre, por exemplo. Menino de Engenho foi escrito em Maceió. Este círculo reunia uma turma da "pesada": Jorge Amado, Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz. No tocante aos círculos literários potiguares, fala-se bastante sobre o casarão da Praça André de Albuquerque, número 30,  onde residia o folclorista, sempre frequentado por jovens candidatos às letras. E o que deixa transparecer na crônica de Aluízio, é que havia sempre uma luz acesa naquele casarão, até altas horas da noite, onde Câmara Cascudo recebia com total humildade tantos quantos o procurasse para discutir literatura ou mesmo fazer uma leitura dos manuscritos, sempre entregues com aquela advertência acanhada: Veja se isso presta, veja se isso tem alguma serventia...  
Já sugerimos por aqui que, se o Mário estivesse vivo, certamente se interessaria pela lista de apelidos curiosos que os executivos da construtora Odebrecht designavam os recebedores de propinas(ops!) doações da empresa. Os apelidos são curiosíssimos, segundo eles mesmos, utilizados com o propósito de que os entregadores dos malotes não identificassem os beneficiários. Se Cascudo ainda estivesse neste plano, certamente, iria sugerir a ele ficar atento às famosas listas de compra dos palácios dos governadores, onde aparece algumas curiosidades, como a compra, realizada por uma granja oficial do Estado vizinho, de 2 mil latas de farinha láctea e quase uma tonelada de leite em pó, numa estimativa de consumo de um ano, para uma criança bastante gulosa. Um detalhe: a última criança que nasceu naquela granja foi o autor do Auto da Compadecida.

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Michel Zaidan Filho: O messianismo de chuteiras ou Deus salve a seleção



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Cada povo tem os heróis que merecem. Sobretudo os de pés de barro, mercenários, apátridas, sonegadores de impostos et caterva. Disse uma vez um antropólogo que a fantasia do herói tem a ver com a necessidade de uma projeção positiva e otimista que faz toda nação. É como dissesse: um país sem heróis, não tem auto-estima, auto-respeito ou uma identidade social positiva. Ocorre que no Brasil, os heróis são negativos. Não positivos. Não condensam ou exprimem anseios nobres ou civilizatórios. Mas têm rabo de palha, teto de vidro, os pés de barros. Notabilidades construídas pelo esforço "desinteressado" da mídia e redes sociais. Certa vez, o psicanalista Jurandy Freire disse que o povo brasileiro está sempre pronto a acreditar e apoiar determinadas cruzadas. Mas que, infelizmente, são causas e objetivos sem grandeza ou significação. O que faz dele uma excelente massa de manobra da indústria cultural capitalista.


Uma das expressões mais clara desse desejo de participar é a Copa do Mundo, antes de tudo um grande negócio para muitos. Aí o que menos conta é o espírito de nacionalidade ou de patriotismo. Uma população carente, sem esperanças ou expectativa na politica ou nos políticos, vê nesse evento uma descarga libidinal incomum. É tudo ou nada. E quando vem a frustração, é o nada. Os responsáveis pelo clima de exaltação verde amarela deviam se dá conta do que representa a fanfarronada esportiva em torno dessa seleção de jovens jogadores, que atuam fora do país. Enquanto dura o clima de fácil otimismo e de promessas de vitória. Tudo bem. Mas quando se dá um empate ou uma derrota, a casa vem abaixo. É o fim do mundo. Não se constrói uma nação com esse sentimento de derrota ou ilusão da vitória. É preciso adotar o pessimismo da inteligencia e o otimismo da vontade. A ilusão é uma espécie de neurose que nos conduz facilmente ao precipício. Mas ainda perto de uma difícil eleição presidencial, como a que se avizinha.


Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia.

 

A demonização da política

                                           
Marcia Tiburi

Demonização da política                                 
É preciso fazer com que a política pareça abominável para que as pessoas comuns se afastem dela (Foto Romerito Pontes)

Há algum tempo, a política vem sendo demonizada, ou seja, tratada como o grande mal da nação. A população, com um misto de medo, nojo e desconhecimento, afastou-se dela. Essa demonização tem origem no interesse que os donos do poder econômico têm em dominar a política. Quanto menos gente na política, melhor para as elites que querem se aproveitar dela.
É preciso fazer com que a política pareça abominável, torpe e suja para que as pessoas comuns, cidadãs e cidadãos em geral, se afastem dela. O discurso da corrupção entre nós tem tido essa função. A corrupção deixou de ser um fato concreto criminoso, que deveria ser apurado com seriedade e responsabilizado nos estritos limites legais, para se tornar um elemento de um discurso que só interessa a quem quer que as suas opções políticas, ainda que minoritárias no meio da população, prevaleçam sobre os interesses da coletividade. Isso, porém, não é novidade do Brasil. O discurso da “corrupção”, com denúncias vazias, presunções inconstitucionais e sem suporte em provas concretas, foi utilizado contra Getúlio, Juscelino, João Goulart, Brizola e vários outros políticos de maior ou menor envergadura.
Após a eleição de Lula, o discurso da “corrupção” (sempre, e apenas, a dos inimigos políticos), a criminalização de lideranças populares e a correlata demonização, cada vez maior, da política foram os instrumentos preferenciais para tentar recuperar o poder político perdido pelas elites. Poder que essas mesmas lites jamais recuperariam pelo voto popular. Comprando o discurso moralizante dos donos do poder, muitas pessoas se submetem sem parar para pensar em como são usadas pelos detentores do poder econômico. As distorções da Operação Lava-Jato, com seus presos seletivos e estratégicos, o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão absurda de Lula são exemplos para pensarmos.
A análise do interesse daqueles poucos que detêm muito dinheiro têm na política pode nos ajudar a entender melhor o nosso país e os jogos de poder que pairam sobre a cabeça das pessoas. Pessoas são exploradas e fazem o jogo do explorador porque foram impedidas, por diversas manipulações mentais, a se reconhecer como sujeitos políticos, capazes de fazer opções políticas distintas daquelas que interessam aos detentores do poder político. Só a política poderia nos defender do projeto econômico que quer nos devorar, mas o poder político, desde o último golpe, está nas mãos dos mesmos grupos e corporações que detêm o poder econômico. Para esses, o povo não deve se envolver. Deve ser mantido longe, desinteressado e alienado. Um sistema político monstruoso surge, um parlamento que não representa a cidadania brasileira nem os seus direitos e necessidades.
Sustentando a manutenção do desinteresse do povo que ajuda aos interesses das elites do atraso, como denominou-as Jessé Souza, a televisão e grande parte dos meios de comunicação. A função dos noticiários de televisão é, não raro, menos informar e mais entorpecer. Levar à inércia e impedir a reflexão. Fazer crer naquilo, e apenas naquilo, que ajuda na manutenção do sistema de exploração. Uma exploração que sequer é percebida enquanto tal. Junto à televisão e outras corporações midiáticas, a longa jornada de trabalho não dá tempo para mais nada, o transporte por horas nas vias enfartadas das grandes cidades torna o dia a dia um sacrifício ainda maior, o esforço de trabalhar para pagar os estudos, como é comum a muitos estudantes de nosso país, faz da busca por uma vida digna um fardo para muita gente. Quando não conseguimos entender o que são a política e o poder, e como eles funcionam, porque eles nos soam sofridos e pesados, parece mais fácil viver longe deles.
Carregamos a política como se ela fosse um peso insuportável do qual queremos nos livrar, mas pouco fazemos para perceber que o exercício político não precisa ser assim.
Fica visível a blindagem discursiva, imaginária e simbólica que protege os donos do poder. No entanto, quando alguém quebra a blindagem, surge do meio do povo e se orienta a defender uma ideia de sociedade em que os direitos de todos e todas estejam em cena, ele corre riscos. Assim como Lula está preso, vários políticos com orientação mais comprometida com a população do que com o capital têm sofrido acusações sem nenhum fundamento. De Fernando Haddad a Ciro Gomes, de Minc a Genuíno, qualquer um que ameace a racionalidade que busca imoderadamente o lucro financeiro, e apenas o lucro, pode ser vítima de abuso midiático e até jurídico.
Penso agora em Gleisi Hoffmann, a brava senadora que incomoda as elites do atraso e seus lacaios parlamentares. Por ser mulher, de esquerda e corajosa, sofre o mesmo ódio que antes foi destinado a Dilma Rousseff. Por ser presidenta do maior partido de esquerda do Brasil, corre o mesmo risco que Lula. Até porque Gleisi ofende, com sua luta e sua beleza, os covardes parlamentares que não são poucos.
Os últimos anos parececem revelar que, para atender ao projeto politico dos detentores do poder econômico, os limites constitucionais e legais, que impediam práticas inquisitoriais e perseguições políticas, desapareceram. Juízes, condicionados tanto pela racionalidade neoliberal quanto pelo populismo penal, tornam explícito que se afastam da lei para agradar maiorias de ocasião que, desinformadas, muitas vezes se identificam com a opinião publicada por determinados grupos econômicos que fabricam “notícias”. Processos correm mais do que o normal para prender lideranças e atender à agenda política das elites, enquanto demoram mais do que o razoável para restabelecer a legalidade e a liberdade de um homem. Doações de campanha que eram legítimas, e regularmente declaradas, se tornam “prova” apenas contra aqueles que são percebidos como inimigos políticos.
Buscam-se “delações” de pessoas presas, ou ameaçadas de prisão, para confirmar as certezas delirantes dos inquisidores. Delações por vezes conflitantes e sem qualquer suporte em provas confiáveis, que atendem a uma única certeza: se o condenado ou acusado “colaborar” falando o que o inquisidor quer ouvir, ainda que essa declaração não guarde qualquer relação com fatos, mesmo o mais culpado dos criminosos passa a ter vantagens e benefícios, por vezes, contrários à lei. Na lógica inquisitorial pós-moderna, é mais importante confirmar a hipótese que atinge a um determinado fim político do que descobrir a verdade.
A desproporção faz deconfiar. Um número imenso de figuras do campo da esquerda ou que se manifestam em nome de uma sociedade na contramão do neoliberalismo vivem hoje acusações fantasmagóricas, e um número mínimo de políticos comprometidos com a acumulação ilimitada do Capital são processados e menos ainda punidos. Parece que as regras do jogo democrático não valem para os políticos que não agradam às elites. Desde que a Constituição foi rasgada pelo golpe, e a presunção de inocência deixou de ser um princípio com força normativa, não é possível deixar de pensar no controle de ideologias que surgem como indesejadas pelas elites financeiras que estão no poder. Elas têm usado a metodologia da conspurcação de pessoas e, se for necessário, a restrição da liberdade dos inimigos políticos.
Não se pode ignorar que também na aplicação do direito há política. Um atuação política travestida de “imparcialidade”. Aliás, com o chamado “ativismo judicial”, muitas vezes, se quer esconder com roupas “jurídicas” o que não passa de pura política, ou melhor, se quer substituir as opções políticas do povo por atos de vontade política de uma corporação.
Enquanto isso, a economia é idealizada como uma ciência que atende apenas a fórmulas matemáticas. Um saber “neutro” que independe de opções políticas. Mais uma mistificação. Esconde-se a política, mais uma vez, onde ela é essencial. Não há economia desassociada de opções políticas. A grosso modo, é a política que vai definir o crescimento econômico ou a recessão, se o dinheiro estatal vai ser investido em proveito do povo ou se a politica econômica vai atender ao desejo de enriquecimento ilimitado daqueles que já são muito ricos. Subjaz a esse processo um maniqueísmo, como se a política fosse o mal e a economia fosse um bem, uma solução final.
Impoe-se resgatar a política, defender os políticos comprometidos com a defesa da democracia e devolver o Estado para o povo.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

Crônica: A pátria de chuteiras

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José Luiz Gomes
 
 
Que falta nos faz um Nelson Rodrigues nessas horas. Nas redações dos jornais cariocas, escrevendo suas crônicas esportivas, ele  tornou-se um gigante, imbatível na pequena área, que ele dominava como poucos. Rivalidade? talvez o Rubem Braga, mas este, ao que se sabe, o maior dos nossos cronistas, era, assim, um perna de pau quando o assunto era futebol.  Li muita coisa sobre este empate da seleção brasileira, em sua estreia na Copa do Mundo de 2018, mas, certamente, nada que pudesse ser comparada a uma eventual crônica do pernambucano Nelson Rodrigues, se ele ainda estivesse batendo aquele bolão entre nós.
 
Há alguns anos atrás - muito anos, aliás - quando este escriba ainda era um adolescente - os cinemas exibiam, durante os intervalos - uns filmetes do canal 100 que eram soberbos, não raro, até melhores do que os filmes exibidos. Quem já teve o privilégio de acompanhar alguns desses filmetes sabe do que estamos falando. As filmagens permitiam alguns close up impagáveis dos torcedores, flagrados em cenas hilariantes; as jogadas excepcionais, os dribles desconcertantes eram repetidos num espécie de câmara lenta para o nosso deleite; tudo isso narrado por um locutor com uma voz inconfundível. Por vezes, os caras abusavam... Liam as crônicas escritas pelo grande Nelson Rodrigues...na voz do ator Paulo César Pereio. Isso, num Fla/Flu! Haja coração! Para reproduzir aqui a única expressão tolerável daquele locutor chato da emissora do plim plim.
 
 
Infelizmente, não tenho o talento do Nelson Rodrigues para analisar mais um fiasco da seleção brasileira na estreia da copa do mundo. Em certa medida, pode até haver algum exagero aqui, mas, diante da  responsa que o técnico Tite conseguiu imprimir àquele plantel, não vejo como avaliar o quadro de uma outra forma. Em tese, a seleção estaria no ponto. Tecnicamente, psicologicamente e, o mais improvável, politicamente preparada para o embate. O técnico Tite conseguiu algo que parecia impossível: minimizou a ingerência dos cartolas do nosso futebol e devolveu a confiança dos brasileiros na seleção. Em campo, no entanto, a julgar por esta primeira partida, algo ainda não vai bem. A seleção voltou a exibir aquele momento de branco, de apagão, depois de fazer o seu primeiro gol contra os suíços. O que houve, então, depois daqueles 30 minutos inicias, Nelson Rodrigues?
 
Falta uma liderança que se imponha nesses momentos e não permita a desconcentração do grupo? Seria ainda reflexo daquele jeito moleque de jogar? A empáfia do salto alto? Ou os mimos exagerados dispensados àquele que, para os brasileiros, ainda é o nosso melhor jogador, Neymar? Para os analistas europeus, ele não é essa unanimidade.
 
 
É certo que houve um pênalti claro, não marcado pelo árbitro. O mais curioso é que o pessoal dos bastidores- aqueles árbitros de vídeo - que estão ali para corrigir essas injustiças, não se pronunciaram sobre aquele lance polêmico? Qual, afinal, a função desses árbitros que não de dirimir eventuais dúvidas que ocorrem durante as partidas, motivada pela incapacidade dos árbitros de campo acompanharem com precisão os lances durante o jogo.
 
 


 
 


Charge! Nani

Charge! Benett via Folha de São Paulo

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domingo, 17 de junho de 2018

Crônica: As palavras (in)sensatas de Michel Foucault

 
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José Luiz Gomes

Quando foi acometido por um AVC, o escritor pernambucano, Raimundo Carrero revelou o que ele mais temeu naquele momento, como consequência da enfermidade: perder a capacidade de imaginar, condição fundamental para o exercício do seu oficio: escrever. Carrero continuou escrevendo e publicando livros, num dos casos, relatando sua experiência com a doença. Lembrei deste episódio ao ler, até recentemente, um texto da professora Eliana Robert Moraes, analisando o lugar da literatura na obra do filósofo francês, Michel Foucault. Como tudo que se refere a Foucault, trata-se de uma grande viagem, uma viagem para ser feita, preferencialmente de barco, o lugar da "heterotopia", ou seja, um espaço, que mesmo sendo localizável, se configura como um lugar à parte, constituindo uma espécie de contestação ao mesmo tempo mítica e real do espaço em que vivemos, consoante com Eliana Robert. 
 
Este é o espaço privilegiado da literatura, susceptível à loucura, um tema tão caro ao autor de A História da Loucura. Os barcos são uma espécie de reserva da imaginação. Os escritores? Um bando de loucos, numa nau sem rumo. Ai das sociedades sem essa reserva criativa, o que, em algumas situações - como nos regimes autoritários - são submetidas à duras repressões. Volto a tratar desde assunto aqui com vocês, quem sabe já  nos referindo aos escritores que são citados pelo filósofo, ou, mais precisamente, sobre esses náufragos. Permitam-me a desconcentração. Daqui a pouco o Brasil entra em campo e, apesar das decepções com a canarinha, nosso coração ainda é verde e amarelo. Como diria Nelson Rodrigues, essa é a pátria de chuteiras.
 
Depois de sua morte, em 1984, foram descobertos alguns escritos ainda inéditos do filósofo francês. Somente no Collège de France, Foucault ministrou 13 cursos, dos quais nem um terço foram ainda disponibilizados ao grande público. Nossa admiração por Michel Foucault começou cedo, na adolescência, pois logo o identifiquei como o filósofo dos desvalidos, dos enfermos, dos transgressores, das prostitutas, dos "delinquentes", de todos quantos são conspurcados pelas instituições disciplinadoras. Tenho uma certa curiosidade em saber como foi a recepção de sua obra nos Estados Unidos - existem poucas publicações a respeito deste assunto - assim como a sua experiência pessoal em solo americano, nos redutos homossexuais de São Francisco. A foto acima é de uma visita que o filósofo fez ao Brasil. Não consegui mais detalhes sobre a mesma, mas, certamente, é uma das poucas onde o filósofo aparece, de certa forma, descontraído, usando uma calça do tipo boca sino. Lembram?

sábado, 16 de junho de 2018

Crônica: Lula lê?!

 
 
 
Lula lê?!
 
 
José Luiz Gomes
 
 
Quando Lula assumiu a Presidência da República pela primeira vez, convidou Fernando Lyra para assumir a Presidência da Fundação Joaquim Nabuco. Foi uma gestão importante, entre outros motivos, porque episódica ou emblemática, ou seja, representou uma cisão num controle familiar de mais de três décadas. Um aspecto que deve ser enaltecido na gestão Lyra foi o seu caráter democrático, bem condizente com um ator politico que esteve na linha de frente na luta pela redemocratização do país. Não houve contradição ou incoerência aqui, requisitos hoje tão escassos. Numa declaração polêmica, durante uma reunião com os pesquisadores da Casa, Lyra afirmou que nunca havia lido um livro. Motivações políticas levaram um dos pesquisadores a criticá-lo, num espaço que tinha num jornal local. Como disse antes, motivação exclusivamente politica, em razão de suas ligações com o ancien regime.

Numa crônica publicada neste blog recentemente - onde reconheço o papel de Lula como um dos atores políticos mais relevantes na construção de nossa democracia substantiva - afirmo, ali para as tantas, nas entrelinhas, que Lula não gostava de ler. Como se sabe, este cronista não teria nenhuma razão para emitir alguma declaração indevida sobre o ex-presidente. Muito pelo contrário, como se pode depreender pelo próprio teor daquela crônica, enaltecendo sua importância política para o país. Faço tal afirmação em razão de uma entrevista concedida pelo próprio Lula, onde ele afirma sua pouca familiaridade com a leitura.
 
Agora, através das redes sociais - que Lula, depois da prisão, passou a usar com mais freqüência - surgiu uma polêmica em relação às suas leituras na prisão. Foi anunciado que que ele teria lido 21 livros nesses meses de prisão, numa média, calculadas pelos direitistas de plantão nas redes - que se reproduzem numa velocidade espantosa - de 55 páginas por dia. Impossível,  preconceitualmente, diriam eles.  Olha, em primeiro lugar, seria muito interessante que as pessoas seguissem alguns procedimentos básicos antes de se pronunciar sobre determinados assuntos. Eu, por exemplo, vou pesquisar sobre os hábitos na prisão dos presos da operacão Lava Jato. Certamente, teríamos panos para as mangas para as próximas crônicas. Duas certezas: José Dirceu lê e escreve bastante. Tem centenas de páginas escritas, que deverão se tornarem livros de memórias posteriormente. Cabral também gosta de umas leituras. Tenho uma curiosidade enorme em saber como andam as leituras do Caranguejo. Creio que o leitor também.
 
Pelo menos o livro do sociólogo Jessé de Souza, A elite do Atraso, Lula está lendo. O fato concreto é que Lula está lendo e isso é muito bom. Essa polêmica é em razão do estágio de acirramento ideológico a que chegamos, depois do engendramento do golpe institucional de 2016. O clima é pesado e vamos nesse diapasão sabe-se lá até quando. Como tenho afirmado desde o inicio, a tessitura golpista foi muito bem planejada. Como se não fosse suficiente  a hegemonia e controle sobre a grande mídia - que de grande não tem é nada, na realidade, pequeníssima - os caras investem pesado nas redes sócias, na blogosfera, em eventos, no YouTube etc. Quer um exemplo? Quem já não recebeu no seu aparelhinho de celular propaganda daquele candidato militar? Aquele mesmo que destrata quilombolas e outro dia sugeriu medidas higienistas para o controle da natalidade. Esse papo sobre as leituras de Lula esta para lá de preconceituoso. Vamos deixar o cara ler, preparar-se melhor para os embates que ainda terá de enfrentar pela frente.

P.S.: Wilson Gomes, em artigo publicado pelo site da revista Cult, aborda este mesmo tema. Com a licença poética, Wilson, não encontrei um outro título mais adequado para esta crônica e o reproduzi aqui.


 


 

Editorial: Prorrogar a intervenção? Já vi esse filme antes...



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Num exercício de análise de discurso, fizemos algumas considerações acerca do discurso oficial sobre uma eventual intervenção militar, tema muito em voga durante a última greve dos caminhoneiros, por se constituir, estranhamente, como uma pauta de setores do movimento - possivelmente gente infiltrada, sem qualquer relação orgânica com os grevistas. Até setores do campo progressista deram pouca importância ao fenômeno, mas, o dado concreto é que brasileiros saíram às ruas para pedir uma intervenção militar, assim como já ocorrera no passado. Mas, curioso mesmo foi acompanhar, através do principal jornal de uma emissora de televisão que nunca demonstrou qualquer prurido democrático ou republicano, atores políticos estratégicos do atual governo darem declarações veementemente contra uma intervenção militar. Um deles foi tão enfático, mais tão enfático, que afirmou tratar-se de uma ofensa às Forças Armadas, a simples menção a uma intervenção militar. Se observarmos que esses atores são os mesmos que estiveram no epicentro da engrenagem que afastou a presidente Dilma Rousseff da Presidência da República, então, talvez possamos concluir não apenas por uma contradição, mas por uma falácia, Foucault, Nietzsche. 
 
Na realidade, para ser bem sincero, esse tema tornou-se a ordem do dia em alguns segmentos já faz algum tempo. Durante a greve dos caminhoneiros, por razões obvias, o tema apenas entrou na pauta do dia.Naquele texto, que preferi manter em stand by nesses dias bicudos - falava de um marechal, comandante militar, um sociólogo conceituado mundialmente, e um líder camponês, que, no final da década de 50, se reuniam para discutir, imaginem, a reforma agrária no Brasil, notadamente na região Nordeste. Alguns anos depois, o general tornou-se o primeiro presidente militar, com o golpe civil militar de 1964, o sociólogo um dos poucos intelectuais brasileiros a apoiarem o golpe. E quanto ao líder camponês? nos perguntaria os leitores. É certo que amargou um exílio forçado no Chile. Quando voltou, num entanto, numa eleição em que disputavam o Governo do Estado de Pernambuco o ex-governador Miguel Arraes, e um usineiro, este líder camponês acabou celebrando um pacto com o representante da aristocracia açucareira.

Isso nos vem à mente por ocasião de uma proposta de um dos ministros deste governo no sentido de prorrogar a intervenção no Rio de Janeiro, para preservar o seu legado, o que já seria suficiente para produzirmos algumas reflexões, através desses editoriais. A questão , no entanto, é outra: Trata-se de um dos atores que, como afirmei no primeiro parágrafo, se colocou de forma contundente contra as intervenções, mostrando que nossa dupla de analistas de discurso têm razão: "Toda palavra é uma máscara, todo discurso é uma fraude"

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sexta-feira, 15 de junho de 2018

Crônica: Marcus Accioly, um poeta na terra de Sandino.


 
José Luiz Gomes


Marcus Accioly, além de grande poeta, era um exímio contador de histórias. Menino de engenho, se estou certo, assumiu o eito ainda na juventude, com apenas 19 anos de idade, em razão da ausência do pai. Era ali de Aliança, cidade localizada na zona da mata setentrional do Estado de Pernambuco. Publicou seus primeiros poemas no suplemento literário do Diário de Pernambuco. Estreou com o livro Cancioneiro, tendo publicado algo em torno de 15 livros, alguns deles vencedores de prêmios literários. Poeta da geração 65 e integrante do Movimento Armorial, Marcus era da Academia Pernambucana de Letras. Morreu no dia 21 de outubro de 2017, aos 74 anos, na Ilha de Itamaracá.  Gostava muito de sua poesia, embora suas ligações políticas nos impusessem algumas reticências. Era, no dizer de outro poeta, João Cabral de Mello Netto - que elogiava bastante os seus poemas - um filho ilustre da açucorocracia do Estado. Marcus foi nosso professor de Teoria da Literatura, no Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco. Aluno aplicado, passamos com louvor em sua disciplina, depois de resenharmos uma de suas obras, apontando alguns aspectos que, segundo ele, para o nosso regozijo, os críticos haviam ignorado.   
Dificuldades mesmo apenas com o Latim da professora Inalda. O curso de Letras era mais exigente àquela época. Além de Latim, o aluno era contingenciado a sair do curso com duas habilitações: a língua pátria e uma língua estrangeira. Hoje, o desenho curricular, Janssen, é menos exigente. Marcus conduzia muito bem suas aulas, entremeando teoria literária, vivências e, muito importante, depois da leitura de alguma obra recomendada, normalmente, trazia o autor do livro para debates em sala de aula, o que proporcionava bons momentos de discussão. No sábado, na roda literária da Livro Sete, o diálogo era ampliado, regado às batidas de Maracujá gentilmente preparadas pelo Tarcísio. Marcus possuía uma memória privilegiada. Muitos dos seus poemas foram concebidos enquanto fazia suas caminhadas pela orla de Casa Caiada, aqui em Olinda. Foi a última vez que o vi antes de sua morte, sem esconder as marcas que a idade nos deixam.   
Suas aulas eram bastante concorrida porque ele, normalmente, fugia dos clichês acadêmicos. Claro que existiam aquelas inúmeras fãs, mas os marmanjos também gostavam de ouvi-lo. Aguçava a nossa curiosidade, os hábitos estranhos de alguns escritores, durante o ato de criação. Friedrich Schiller, por exemplo, só produzia sentindo o cheiro de maçãs podres que guardava numa gaveta de sua escrivaninha. Kafka escrevia compulsivamente, madrugada adentro, com pouquíssimas horas de sono. Truman Capote nunca começava ou terminava um trabalho às sextas-feiras, dia dedicado às outras atividades. Alexandre Dumas só escrevia ficção em papel azul e só escrevia poesia em papel amarelo. Um dia, na ausência de blocos de notas nessas cores, precisou usar papel creme e acredita que isso tenha influenciado negativamente em sua criatividade. Lewis Carol só escrevia com tinta roxa, um hábito adquirido quando dava aulas, ao corrigir os trabalhos dos estudantes. Ernest Hemingway escrevia 500 palavras por dia, somente pela manhã. Em carta, confessou a Scott Fitzgerald que, para cada página que escrevia, uma era uma obra prima e 91 páginas era porcaria que ele jogava no lixo. A lista dos tomadores de whisky durante os momentos de criação é longa e prefiro deixar este assunto para uma outra crônica.
Marcus também tinha lá seus hábitos. Nem tanto bizarros ou esquisitos. Usava sempre uma jaqueta, fosse um dia frio ou sob um calor de 40 graus. Costumava ler bastante sobre aquilo que se propunha a escrever. Creio que em razão da produção de Latinomerica, precisou viajar à Nicarágua em plena revolução sandinista. Com aqueles poucos cabelos louros, olhos azuis, seu maior temor era o de ser confundido com um americano pelos guerrilheiros da Frente Sandinista de Libertação Nacional e condenado a um pelotão de fuzilamento. Felizmente, voltou ao nosso convívio e faleceu de causas naturais, escrevendo seus versos, que era o que mais gostava de fazer.

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Crônica: Algazarra em Ouro Preto

 


José Luiz Gomes


Sempre que vamos a Ouro Preto hospedamo-nos numa pousada que, ao amanhecer, permite contemplar uma das cenas mais encantadoras daquela cidade mineira, do apogeu do ciclo do ouro no Brasil. Os leitores, certamente, irão pensar que se trata das belas paisagens da cidade - que não são poucas - tombada como patrimônio da humanidade pela UNESCO. Seu casario colonial? as igrejas? o Museu da Inconfidência? as construções que parecem subir pelas montanhas, numa arquitetura que lembra algumas cidades da Europa? as antigas minas de ouro? suas ladeiras centenárias? Nada disso. Um simples e acanhado grupo escolar, ladeados por árvores que proporcionam um grande sombreiro. É neste espaço que crianças promovem uma grande fuzarca, uma algazarra de fazer inveja a qualquer adulto que se recorde com carinho dos seus tempos de meninice.

O cronista tem ótima recordações daqueles tempos. Da sombra das paineiras, seus algodões em tempos de floração, o canto do ferreiro na casa do doutor, Banda de Pau e Corda. Das estripulias que começavam logo depois da autorização de Dona Maria José Tavares de Lima, a professora que nos ensinou as primeiras letras. Como disse antes, sem qualquer ofensa, uma morena truncada, de passos firmes e olhar penetrante. Com ela, não se podia dar moleza. Mas, uma figura doce e sensível com este escriba, a quem tolerava alguns excessos. Pela manhã, logo cedinho, quando os alunos se reúnem, mesmo antes das aulas iniciarem, a fuzarca é grande. Das maiores mesmo, capaz de acordar os hóspedes da pousada, que se aborrecem com o "incômodo". Para mim, não há incômodo algum, mas vá tentar entender esses hóspedes exigentes, que passam o tempo todo com seus celulares em mãos, em jogos e mensagens de WhatsApp.

Como acompanho com certa regularidades esses sites de viagens, outro dia fiquei abismado com uma constatação. Antes, quando se avaliava um hotel, os itens que entravam em pauta eram se o hotel servia um bom café da manhã, se havia limpeza com regularidade, se a ducha elétrica era de jato forte - e de preferência que não desse choque por vazamento de corrente - se as toalhas de banho eram trocadas, se os colchões propiciavam uma boa noite de sono...coisas assim. Nesses tempos de pós-modernidade,  leitor, um dos itens que mais determinam a satisfação dos clientes é se o hotel oferece um bom sinal de Wi-Fi, capaz de ser recepcionado não apenas nos quartos, mas em todos os recantos do hotel, dada a premente necessidade de estar usando o aparelhinho em todos os momentos.  
 

Outra mania deste cronista - além de viver preso às recordações da infância, claro - é a de associar os lugares a alguma música. Alguns desses lugares - como Porto Alegre, por exemplo - já foi homenageada pelos compositores Kleiton & Kledir. J. Michiles já deu o seu recado sobre o Recife - sem desmerecer outros tantos grandes compositores que prestaram sua homenagem à cidade - assim como Dorival Caymmi cantou os recantos da Bahia em prosas e versos. Por algum motivo associo Ouro Preto a Tavito e sua composição: Rua Ramalhete. Sempre associei esta música a Ouro Preto, particularmente às suas tardes, quando os estudantes se reúnem para namorar nas imediações bucólicas da Igreja de São Francisco de Assis, construída por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.

No muro do Sacré-Coeur,
De uniforme e olhar de rapina,
Nossos bailes no clube da esquina,
Quanta saudade!

Muito prazer, vamos dançar
Que eu vou falar no seu ouvido
Coisas que vão fazer você tremer dentro do vestido,
Vamos deixar tudo rolar;
E o som dos Beatles na vitrola.

Nessas horas, os adolescentes  lançam seus olhares de rapina sobre as minas que rondam a Praça Tiradentes, convidam-nas para tomar um sorvete de  frutas do Cerrado - já existe uma sorveteria dessas no local - e combinam, sem nenhuma dúvida, um sarro nas ladeiras escuras e íngremes que levam até a Igreja de Nossa Senhora do Pilar, a segunda mais rica em ornamentos em ouro do Brasil. Uma dica: Se você já não é um desses adolescentes, vá de carro. A descida nem tanto, mas a subida exige um bom preparo físico.  
 
 


Editorial: A roupa suja da política pernambucana

 
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Não faz muito tempo, publicamos por aqui um artigo do cientista político e professor titular da Universidade Federal de Pernambuco, Michel Zaidan Filho, onde ele aponta as graves contradições e equívocos de alguns atores da política pernambucana. Inclua-se nesse cipoal, os atores coletivos como os partidos políticos. Mesmo ainda na chamada pré-campanha, esses equívocos, erros de avaliação e contradições começam aparecer, como agora, na troca de farpas e acusações entre integrantes do governo e da oposição, indicando prognósticos sombrios sobre o nível dos "debates" daqui para frente. É no que dá juntar alhos com bugalhos, não se separar devidamente o joio do trigo, diria um clarividente Zaidan. Esta aliança que o PT fomenta com os socialistas é descabida, inoportuna, imprevidente e imoral, uma jogada de alto risco, fadada a um rotundo fracasso. Rifa seus últimos resíduos republicanos, ao aliar-se com um partido que esteve no epicentro do engendramento golpista que culminou com o afastamento da presidente Dilma Rousseff da Presidência da República, numa urdidura forjada, sem base jurídica consistente.  
 
É espantoso como líderes petistas locais já falam do sepultamento da candidatura de Marília Arraes com a maior naturalidade: depois da última resolução da Executiva Nacional - que deliberou por priorizar a aliança nacional com o PSB - a postulação de Marília está por um fio. Outro dia um colega de trabalho estava a nos perguntar como o senador Armando Monteiro havia se juntado a essa "gente". Faz algum sentido porque, afinal, Armando Monteiro(PTB) foi muito ajudado pelo PT aqui na província, tornando-se, depois, ministro da ex-presidente Dilma Rousseff. O DNA e as últimas atitudes do senador, no entanto, podem nos indicar que ele estaria voltando às suas verdadeiras origens. Quando o escolheu para disputar uma das vagas ao Senado Federal, naquelas eleições de 2012, o ex-governador Eduardo Campos fazia questão de enfatizar que ele representava os interesses do capital na composição. Pertence a uma das mais tradicionais oligarquias industriais do Estado. A rigor, possivelmente, nunca se sentiu muito à vontade na conjunto de forças da coalizão petista. Em matérias cruciais, quando, por exemplo, da votação da Reforma Trabalhista, isso parece ter ficado claro.

Mas, dilemas maiores ainda serão enfrentados pelo pessoal da chapa governista, caso se concretize a tal aliança PT/PSB, que estaria por um fio de cabelo. Como seria a convivência do senador Humberto Costa com arqui-inimigos petistas e golpistas contumazes? Numa declaração recente - pivô de um barraco político - um dos principais avalistas da chapa, ex-governador e atual Deputado Federal, afirmou que não teria nenhum problema em pedir votos para reeleger o senador petista. Um dos seus críticos, disse tratar-se de falta de vergonha na cara, uma absoluta incoerência. As "respostas" ao seu crítico, seja proferida pelo ofendido ou por um preposto seu, veio com argumentos no mesmo nível. Afirmaram que ele troca de partido como quem troca de cuecas, numa alusão à sua recente dança de cadeira.

Esse barraco político ocorre ainda na fase da pré-campanha, como disse antes, sem que as chapas sequer estejam fechadas. A oposição está em stand by, aguardando as inevitáveis defecções na base política que dá sustentação ao Governo Paulo Câmara(PSB). Vale aqui o preceito bíblico: Muitos são os chamados, pouco os escolhidos. O clã Ferreira e o grupo de Deputado Federal Eduardo da Fonte, disputam espaços na chapa. O PT entraria na composição governista - sob a chancela de sua Executiva Nacional, vale dizer Lula - na condição de que uma das disputas ao Senado seja destinada a renovar o mandato do senador Humberto Costa(PT). Aos eleitores pernambucano - que como disse em outro editorial - não terá uma opção de voto republicano nesse pleito, restará suportar este balaio de gatos se digladiando nos horários eleitorais, sujos falando de mal lavados, num espetáculo degradante daquilo que se tornou a nossa política. E essa turma ainda reclama do desencanto do eleitorado com o próximo pleito.  



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quarta-feira, 13 de junho de 2018

Crônica: Amargo regresso


 
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José Luiz Gomes
O ex-presidente Lula publicou recentemente um artigo no jornal Le Monde, onde reafirma a sua decisão de disputar as eleições presidenciais de 2018. Salvo se não ocorrer alguma fatalidade, enfatiza bem. Os leitores que nos acompanham por aqui, conhecem a nossa opinião a esse respeito. O PT optou pela via institucional para enfrentar a engrenagem golpista responsável pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff da Presidência da República, em 2016, e, de lá para cá, só amarga refregas. Golpes, na realidade, se combate nas ruas. Esta é única linguagem que os arautos do autoritarismo compreendem. Quem teve a oportunidade de acompanhar, no dia de ontem, o depoimento do escritor Fernando Morais, como testemunha de defesa, num processo envolvendo o ex-presidente Lula, se ainda havia alguma dúvida, se deu conta da insegurança jurídica que permeiam as ações movidas contra ele. Durante um determinado momento, o escritor foi acusado de fazer propaganda, ao confirmar a existência das palestras de Lula no exterior, em inúmeros países da Europa e da África. 
Lula já confessou que não gosta de ler. Isso não é nenhuma intriga da oposição. Com apenas o primário completo, não seria nenhuma surpresa que não tivesse desenvolvido o hábito de leitura. Mas, agora com muito mais tempo, segundo um blogueiro bem informado, ele teria levado um exemplar de A Elite do Atraso, do sociólogo Jessé de Souza, para ler enquanto cumpre pena na sede da Polícia Federal, em Curitiba. As teses levantadas por Jessé em seu texto se coadunam, inclusive, com as motivações que teriam levado setores da elite brasileira - consorciada com a banca - a arquitetarem o golpe parlamentar de 2016: o ódio pelos pobres, que está na raiz de uma sociedade construído sob o signo do trabalho escravo. Como se sabe, o autor entrou em rota de colisão com setores da tradicional universidade paulista, a USP que, segundo ele, teria sido a responsável por disseminar teses equivocada sobre o nosso atraso, notadamente o Príncipe dos Sociólogos brasileiros, que lança livros em série, apenas mudando a capa, porque o conteúdo é o mesmo. 
Ontem, no trajeto para a instituição, me deparei com algumas cenas apavorantes. A visão desagradável de um aumento expressivo de pessoas habitando nas ruas, pelas calçadas do Recife. O fenômeno se repete em todo o país, em cidades como Belo Horizonte, Rio, São Paulo, Salvador, Curitiba. Generalizou-se. Em Salvador, numa grande vala arquitetônica que se criou para viabilizar uma estrada elevada - que separa um bairro de pobre e um bairro de rico - que vai dar numa praça que tem sido palco para as filmagens da nova novela da emissora do plim plim, novela que, por sinal, não tem negros. Em Belo Horizonte, a maior concentração é num outro espaço ocioso criado para a construção do metrô da cidade, o que facilitou a ocupação dos sem teto. Aqui no Recife, salvo o prédio dos correios durante a noite e trechos da Dantas Barreto, parece não haver nenhum point específico, já pedindo perdão aos leitores pela brincadeira, na ausência de um termo mais adequada.  
Com essas coisas, aliás, não se brinca. Não desejamos aqui travar um debate com os economistas sobre o assunto. Sou leigo na matéria, mas, o que se comenta é que, dos 36 milhões de brasileiros que saíram da extrema pobreza durante os governos Lula, algo em torno de 15 milhões já conhecem esse amargo regresso. Intuitivamente, acreditamos que os economistas estejam equivocados. Creio que não apenas os 36 milhões já retornaram aquela estágio indigno da condição humana, mas é bem provável que tenhamos engrossado essas estatísticas, diante deste quadro recessivo que ora enfrentamos. Já disse em outras oportunidades, mas não custa repetir, Lula foi o cara que mais fez pela democracia do país. E não digo isso porque os amigos já me prometerem que irão levar esta crônica para ele ler, mas porque corresponde à verdade dos fatos. Já explico a vocês porque: 
Nossa democracia política não é lá grandes coisas. Hoje, então, encontra-se ainda mais fragilizada, diante dos assédios autoritários. Um dos fatores que contribuem para a sua precariedade são as nossas profundas desigualdades sociais. Combater essas desigualdades aqui na base, em última instância, ajuda a manter essa engenharia institucional mesmo que de baixa intensidade. É o que os estudiosos classificam como democracia substantiva ou econômica. Lula tirou 36 milhões da extrema pobreza, elevou outros milhões na classe média, e, ainda, promoveu uma revolução na educação, permitindo que nunca antes tantos pobres e pretos tivessem acesso ao ensino superior. Vale aqui destacar que este foi o único indicador em que avançamos no que se refere ao racismo estrutural renitente da sociedade brasileira nesses 500 anos, que criminaliza, mata e exclui pela cor da pele.