Autor do livro "História do PT"
(Ateliê Editorial), o professor da USP e historiador Lincoln Secco, diz
que o partido que governa o país há pouco mais de 12 anos é mais
burocrático e menos militante. Filiado a essa legenda, Secco afirma que a
maior falha dos petistas foi desenvolver a estratégia lulista: a
conciliação permanente.
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Pergunta. Como o senhor definiria o
PT hoje? De esquerda, de centro-esquerda?
Resposta. Esquerda e direita são localizações no
espaço político. Se você considerar os grandes partidos brasileiros, o
PT é a esquerda que o país conseguiu ter. É a nossa esquerda
institucional que aceita a ordem. Não é uma esquerda anticapitalista.
P. O que diferencia o PT dos demais partidos?
R. Basta olhar para a parcialidade com que a grande
imprensa trata o PT para ver que há diferenças dele em relação aos
demais. Você imaginaria alguém se preocupando com o congresso do
PMDB?
Ali não há tendências ideológicas, só conflitos de lideranças. O mesmo
vale para o PSDB. O PT hoje é um partido que possui um jogo de
lideranças ao lado da velha disputa de tendências ideológicas. Ele
continua inovador: tem 50% de mulheres na direção e proibiu a reeleição
por mais de duas vezes dos deputados.
P. Por que o partido se afastou de suas bases (sindicatos, igreja)?
R. Houve mudanças na própria base social do PT. Ela
foi desmontada nos anos 1990. As duas instituições citadas sofreram com a
terceirização e automação (no caso dos sindicatos mais importantes do
PT, bancários e metalúrgicos) e com o ataque do papado à teologia da
libertação (no caso das comunidades eclesiais de base). Ao lado disso, o
PT cresceu em importância no Estado nos anos 1990, ocupando
prefeituras, Governos estaduais e aumentando a bancada de deputados. O
resultado só poderia ser um partido mais burocrático e menos militante.
P. Há quem defenda sua refundação. Isso é possível?
Os escândalos ligados ao PT estão todos os dias na televisão. Quase não há críticas ao governo do PSDB em São Paulo
R. Não. Desde o I congresso já se falava em
refundação. A história não gira para trás. Hoje, tanto as alas
esquerdistas quanto as de direita estão atreladas aos cargos públicos
que o partido têm. O PT é grande demais para mudanças bruscas.
P. O senhor vê alguma diferença no tratamento da mídia dos Governos petistas com relação aos seus antecessores?
R. Há pesquisas conclusivas sobre isso em inúmeras
teses universitárias. O laboratório de mídia da UERJ mostrou isso. É
claro que quem está no governo é sempre mais atacado pela imprensa e com
razão. Considerando o período que o PSDB esteve na presidência
(1995-2002), ainda assim a grande imprensa foi mais desfavorável a [Luiz
Inácio] Lula. Os escândalos ligados ao PT estão todos os dias na
televisão. Quase não há críticas ao governo do PSDB em São Paulo. O
mensalão petista
levou os líderes do PT à cadeia, já o chamado “mensalão mineiro”
prescreveu. Aliás, o nome escolhido não foi “mensalão tucano”. Enfim, os
próprios jornalistas que trabalham em reportagens e precisam sobreviver
nesta imprensa sabem que seus patrões são parciais.
P. Quais as principais falhas dos governos do PT?
R. A maior foi a estratégia lulista. A da
conciliação permanente. Ela foi útil para eleger Lula em 2002, mas ao
contrário do que a direção petista acreditou, a reeleição de Lula se deu
num ambiente de polarização social e política e a de
Dilma Rousseff
também. Lula fez um governo mais à esquerda depois da crise de 2005. No
entanto, o lulismo adotou a tática de ser pragmático enquanto a
oposição se tornou radical e ideológica. O outro erro foi a corrupção.
Apesar da corrupção ser um ente do jogo político estabelecido e de eu
achar injusto condenar o José Dirceu sem provas, ou só julgar
empresários que doam ao PT e não a outros partidos, considero que foi um
erro não ter sido radical numa reforma política que diminuísse a
influência do poder econômico nas eleições. Hoje, isso é impossível. Mas
quando Lula tinha altíssima popularidade era possível. É hipocrisia
achar que uma empresa doa dinheiro a um partido por ideologia por isso
teria que ser radical no ambiente exterior para ser também no interior.
Não adianta punir seu tesoureiro se o modo de arrecadação continua o
mesmo. Você o substitui e o próximo também vai para a cadeia. O PT
poderia ter punido exemplarmente o seu tesoureiro Delúbio Soares, por
exemplo. Eu o cito porque ele é réu confesso. Fez “caixa dois”. O PT o
expulsou e, depois, o aceitou de volta. É um equívoco. Eu sei que não dá
para exigir que líderes de esquerda sejam
todos como o presidente [José] Mujica,
mas precisam ao menos ter um comportamento público melhor do que os da
direita. É sua obrigação. Não adianta dizer que todos fazem igual.
P. Quando surgiu o mensalão houve quem decretasse a
morte do PT. O que não ocorreu. Mas quais os efeitos desse escândalo, na
sua opinião?
R. Foi a maior crise da história do PT. Destruiu seu
discurso sobre ética na política, que era forte nos anos 1990 e
dirigido à própria classe média e abateu seus líderes históricos, exceto
Lula. O PT só não acabou por causa de suas políticas públicas que lhe
permitiram manter o apoio da classe trabalhadora.
P. Com a crise da Petrobras e a
operação Lava Jato, reaparecem algumas pessoas que dizem acreditar no fim do PT. O PT caminha para seu leito de morte?
R. Em condições normais, o PT será superado quando
surgir uma esquerda melhor do que ele. Ele representa uma opinião
pública enraizada na sociedade civil, milhões de simpatizantes,
movimentos sociais e a maior central sindical do Brasil. Como poderia
acabar? Só uma ruptura institucional, como impeachment poderia
derrubá-lo. O que pode acontecer no curto prazo é uma derrota eleitoral
em 2016 e em 2018. Isto poderia fragmentá-lo e levá-lo a uma situação
como a do PRD no México. Mas não seria um “fim”.
O PT montou seu governo sobre um pacto
social-rentista que melhora a vida dos muito pobres e garante
superlucros ao sistema financeiro
P. No mensalão, o partido não excluiu seu
tesoureiro, ao contrário. Agora, no caso Petrobras, também não. Por que o
PT não pune quem se envolve com corrupção?
R. O PT só pode ser eleitoralmente competitivo se
arrecadar recursos como os demais partidos. Portanto, se ele pune um, a
justiça condena o próximo. É uma situação sem saída. Para muitos antigos
petistas é um absurdo você ver dirigentes outrora socialistas se
corromperem. Mas também é absurdo eles serem punidos pelo que todos os
demais políticos fazem. Só que esta não pode ser uma desculpa para o PT.
Ele precisaria ser radical agora, mas não vai ser. Como eu disse antes,
ele não foi radical quando tinha apoio social para isso. Por que seria
agora? A ideologia do lulismo diz o contrário: ele só tinha apoio porque
não era radical. Eu posso responder: então porque, agora, com um
governo que faz tudo o que o grande capital quer, ele não tem apoio?
P. Por que há uma forte onda antipetista atualmente? O senhor acredita em um confronto entre classes?
R. O antipetismo sempre existiu, especialmente em
São Paulo. Aumentou em 2006, quando as políticas sociais de Lula
incomodaram a classe média tradicional. E agora por causa dos efeitos
retardados da crise econômica mundial. Veja que nada tem a ver com
corrupção. Esse é o discurso que justifica o antipetismo. No auge do
mensalão, Lula foi reeleito. Só que agora, ao lado do antipetismo há a
fragmentação da base social petista porque a presidenta fez um ajuste
fiscal contra sua própria base, atacando direitos sociais e
trabalhistas. O PT montou seu governo sobre um pacto social-rentista que
melhora a vida dos muito pobres e garante superlucros ao sistema
financeiro. A classe média não ganha nada com isso. Há uma base material
para sua insatisfação associada ao seu histórico medo da aproximação
com os pobres. Com a economia em recessão e com uma nova classe
trabalhadora gerada pelo próprio PT, é difícil manter a melhoria
contínua de direitos sociais. Ela também acaba se inclinando para o
antipetismo.
P. Em outras situações, alguns líderes defenderam
que o partido poderia não ser cabeça de chapa em uma eleição
presidencial. Desde a redemocratização do país, isso não ocorreu até
hoje. Isso é possível na próxima eleição?
R. Seria um erro do PT e acredito que seja difícil acontecer. Não há no Brasil algo como a
concertacción
no Chile. O Brasil não tem partidos historicamente estruturados e
ideologicamente bem definidos. O PT é uma exceção. Na direita, o PSDB é o
que mais se aproxima disso, mas jamais se aliaria ao PT.
P. A oposição tem chamado o PT de traidor do
trabalhador. Essa discussão ocorre principalmente com a votação do
pacote de ajuste fiscal. Por outro lado, os opositores, e boa parte da
base governista, tem apoiado o projeto da terceirização. Quem, afinal,
seriam os defensores e os inimigos dos trabalhadores?
R. A oposição é que não é (risos). O governo, de
fato, cometeu estelionato eleitoral. A Dilma enganou as bases sociais do
PT. É absurdo ela jogar a conta da crise no colo da classe
trabalhadora. Tinha que fazer ajuste? Tinha. Então por que não taxar
também as grandes fortunas e, especialmente, os bancos? Ela cometeu um
erro que vai ficar na sua biografia. Será o
Felipe González
do PT. No PT o líder espanhol foi sempre visto como sinônimo de
transformismo pelas alas mais à esquerda. O PT está numa situação
difícil. Não pode apoiar essas medidas, mas não pode fazer oposição à
presidenta.
O governo, de fato, cometeu estelionato eleitoral. A Dilma enganou as bases sociais do PT.
P. O PT é hoje um partido de líder único?
R. O PT teve que transferir a liderança de Lula para
Dilma porque seus principais líderes foram derrubados pelos escândalos
de 2005. Só que Dilma não é uma “petista histórica”, não tem base
organizada no partido. Isso dificultou a substituição do Lula.
P. Por que há tantas correntes diferentes dentro do PT?
R. É o resultado de sua história. Desde a fundação o
PT em 1980 admitiu a formação de correntes internas para se diferenciar
do centralismo dos partidos comunistas. Mas na maior parte do tempo
isso jamais inviabilizou a formação de uma maioria em torno do Lula.
P. Na sua opinião, Lula será candidato em 2018? Se não for ele, quem seria?
R. Difícil prever. Depende de como estará a
avaliação do governo e do próprio Lula. Se ele estiver bem, será o
candidato. Caso contrário vai apoiar outro nome. O PT tem ministros,
governadores e até o prefeito de SP. Se ele for reeleito em 2016 se
torna uma alternativa. Os que dizem que o PT será derrotado em 2018 tem
só um
wishful thinking (desejo). É até provável uma derrota petista, mas a oposição teria que ter um programa alternativo. E não tem.
(Publicado originalmente no El País)