
O romance Menino de Vila Operária recebeu o sinal verde de três editoras antes de vencer o nosso primeiro Prêmio Literário, em 2022. A primeira edição está esgotada e uma segunda edição do texto apenas em 2027, cinco anos depois, de acordo com as regras do concurso, pois os direitos autorais estão com a editora. Até recentemente, fizemos algumas mudanças pontuais no texto original, mas nada que alterasse seu sentido mais amplo. Coisa de quem escreve, que nunca fica plenamente satisfeito com o resultado do trabalho. Sempre há a possibilidade de um enxugamento, de uma lipoaspiração. No texto original, aquele que foi publicado, tivemos que fazer uma ginástica tamanha para incluir, já no final do texto, um episódio abjeto que ocorrera na Comunidade Quilombola de Cuieira, onde um delegado de polícia, a serviço da ditadura do Estado Novo, promoveu um verdadeiro massacre na comunidade. Tivemos que arranjar, de última hora, um jogo do nosso time de várzea, o glorioso Monte Castelo Futebol Clube, onde, na comunidade, o líder quilombola local faz uma explanação sobre aqueles episódios repugnantes, movidos pela intolerância religiosa.
Segundo Graciliano Ramos, precisamos submeter o texto a um processo de lavagem, enxágue e enxugamento, preferencialmente sob um sol de 40 graus, como fazem as lavadeiras do litoral alagoano. O velho Graça era tão exigente no processo de escrita que nunca ficou satisfeito com o texto de Caetés, seu primeiro romance publicado. Nem mesmo quando críticos literários do porte de um Antonio Candido apontaram qualidades no livro. Humilde, recebia as ponderações positivas, mas sempre emendava, ranzinza, que o livro não prestava. Em relação a Vidas Secas, foram tantas as reconsiderações e cortes procedidos pelo autor, que sua esposa, em determinado momento, teria comentado que, caso ele continuasse os cortes não ira sobrar mais nada.
O lançamento do seu primeiro livro também enfrentou inúmeras dificuldades. Até o original que fora encaminhado ao editor chegou a ser extraviado. Coube a Jorge Amado e Rachel de Queiroz juntar os papéis perdidos, em sua casa de Alagoas, com a ajuda de sua esposa, para reenviá-lo ao editor Augusto Frederico Schmidt. Graciliano, depois de tantos aborrecimentos, havia desistido da publicação, que não saía há três anos, jogando suas anotações fora. Começara a ponderar se tal publicação não saía em razão da pouca qualidade do texto. Na realidade, o mercado editorial, já naquela época, enfrentava algumas dificuldades. Hoje se sabe que, na realidade, Frederico Schmidit havia perdido os originais que lhes fora enviado, ficando constrangido em admitir este fato ao escritor alagoano.
Cumprida essa etapa, onde acaba passando algo que talvez nos arrependêssemos depois, a grande expectativa que se forma é em função da recepção do público e da crítica. Para nossa felicidade, o texto foi muito bem recebido pelo público, o que, afinal, é o mais importante. Ainda apresenta algumas falhas - que poderiam ter sido evitadas - mas isso faz parte do aprimoramento do processo de escrita. Ernest Hemingway escrevia 100 páginas, para afirmar, no final, que apenas cinco delas prestavam. Isso não quer dizer que desprezamos as considerações da crítica, sejam de caráter positivas ou negativas. Assim, também ficamos felizes com tais ponderações, que já começam chegar, através de pareceres dos editores que aprovaram a publicação do livro.
"A obra é uma narrativa poética sobre a vida de um menino de classe trabalhadora, que vive numa vila operária. O conteúdo se destaca pela profundidade emocional e pelas descrições vividas, que nos permitem mergulhar na história do personagem. Além disso, o autor demonstra uma capacidade de expressão notável ao abordar os mais variados temas e sentimentos como a solidão, desigualdade social e luta pela emancipação. Portanto, acredito que este livro tem potencial para tocar os corações, tendo em vista a força de sua narrativa e qualidade de sua escrita. Sem dúvida será um sucesso de vendas" Prof. Dr. Rafael Ferreira. Na condição de professor universitário, cientista político e pesquisador, textos científicos, ensaios, relatórios de pesquisa nos são familiares.
Neste caso, entretanto, procuramos usar uma linguagem mais prosaica para tratar de um assunto bastante sério: o processo de industrialização têxtil na cidade-fábrica de Paulista, localizada na Região Metropolitana do Recife, que, a rigor, se confunde com o processo de industrialização têxtil do Nordeste brasileiro, quiçá do país, uma vez que as indústrias têxteis do grupo Lundgren, ali instaladas, no período do seu apogeu, transformar-se-iam nas maiores do Brasil. O Parque Têxtil de Paulista, igualmente neste período, foi considerado o maior da América Latina. Entremeado a esse processo de industrialização, seus reflexos na vida cotidiana dos trabalhadores e trabalhadoras, o que implicou em inúmeras inferências – não menos importantes – sobre aspectos relativos à organização econômica, social, cultural e política da cidade, a partir da relação estabelecida entre a companhia e os seus operários, abrigados na vila operária.
“Menino de Vila Operária”, trata-se, portanto, de um romance histórico, memorialista, regionalista, com traços autobiográficos. O primeiro de uma série, uma vez que estamos escrevendo outros dois romances sobre o mesmo tema, abarcando, não apenas o momento de surgimento - tratado neste primeiro tomo - mas, igualmente, os momentos subsequentes, de apogeu e declínio da industrialização têxtil naquele município. O livro está dividido em três partes: Na primeira parte, fazemos um retrospecto histórico, que vai desde a chegada do comendador Herman Theodor Lundgren ao Recife até o momento dos seus investimentos no distrito, quando a cidade é transformada numa espécie de feudo, em razão do controle econômico, político e social ali imposto pela família, transformando a região numa cidade-fábrica.
A família tornou-se dona de tudo - parafraseando o sociólogo Gilberto Freyre numa referência ao domínio absoluto dos senhores de engenhos na Zona Canavieira do Estado de Pernambuco - das terras, das matas, das águas, da vila operária, das fábricas, das máquinas, do porto, da ferrovia, do campo de aviação. O mais curioso é que o monopólio do uso da força era exercido por eles através de uma milícia armada que impunha o temor para assegurar os interesses da família. Sobretudo na primeira parte do romance tratamos dessas questões, o que, como disse antes, reconstitui este recorte importante da História Regional. Na segunda parte, a partir de uma experiência pessoal e familiar, reconstituímos como era a vida na Vila Operária, uma das maiores da América Latina, chegando a ter, no seu apogeu, mais de seis mil habitantes.
Aqui, de fato, entramos nos aspectos mais "romanceados" ou ficcionais do romance, embora muito marcado pelas memórias reais – e sofridas - da infância do autor. Importante ressaltar, neste segundo momento, os elementos do padrão de relações estabelecidas entre a oligarquia industrial e os operários que residiam na Vila Operária. Embora marcadamente biográfica, esta segunda parte é mais solta, inventiva, ficcional em alguns momentos. A terceira parte é uma continuação da segunda, pois aborda o processo de fundação do nosso clube de várzea, o Monte Castelo Futebol Clube, time representante da Vila Operária em competições locais. Ao longo do texto, várias questões importantes vão sendo postas, tratadas amiúdes, como as atrocidades cometidas por essa milícia armada, que agia à revelia da lei, sem a interdição do aparelho de Estado; o já incipiente processo de degradação ambiental do município; a hegemonia econômica e política do grupo sobre a cidade e seus moradores; a luta sindical dos operários, assim como as dificuldades de o grupo Lundgren admitir a possibilidade de organização sindical ou sujeitar-se à legislação trabalhista incipiente, que começa a entrar em vigor na vigência do Estado Novo; as indisposições políticas do grupo com a interventoria do Estado Novo, representada por Agamenon Magalhães, amigo pessoal de Getúlio Vargas e um dos atores mais representativos do regime; uma eventual- e não menos polêmica - simpatia da família Lundgren pelo regime nazista; entre outros temas não menos importantes.
No seu diário Tempo Morto & Outros Tempos, o sociólogo Gilberto Freyre deixa escapar, entre outras inconfidências, que gostaria de escrever uma história dos meninos no Brasil. Amigo fraternal de José Lins do Rego, alguns estudos chegam a sugerir que o paraibano poderia ter se inspirado nesta proposta para escrever o seu Menino de Engenho. É igualmente suspeita a proximidade de publicação de Casa Grande & Senzala(em 1934) e Menino de Engenho( em 1933). É como se eles houvessem combinado algo. Em última análise, Gilberto também escreveu um texto tratando dos meninos, se considerarmos que Casa Grande & Senzala sobre um Brasil menino, pois trata de nossa origem colonial. Lemos Menino de Engenho mais de uma dezena de vezes, sempre com o mesmo encantamento. Neste aspecto, este editor foi até mais sortudo do que o escritor paraibano. Menino de Engenho foi recusado por três editoras e o autor teve que bancar a primeira edição, com tiragem de dois mil exemplares, vendidas rapidamente. O nosso “Menino” foi premiado em concurso e publicado por uma grande editora.
O historiador Durval Muniz de Albuquerque, fez uma ponderação importante, durante uma palestra na Fundação Joaquim Nabuco, sobre essa questão do resgate histórico. Há algumas memórias que precisam ser esquecidas. Quem tem fixação por resgate é o corpo de bombeiros e o SAMU. No nosso terceiro romance sobre o processo de industrialização no município, em seus capítulos finais, fazemos algumas considerações sobre este assunto. Qual é a memória que, de fato, precisa ser resgatada no município? Na nossa opinião é a memória dos trabalhadores e trabalhadoras, não alfabetizados ou semialfabetizados, deslocados de zonas do interior de estados como Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, que chagam à cidade no afã de encontrarem torneiras que, invés de água, jorravam leite; paredes de rapadura e montanhas de cuscuz. O que encontravam, na realidade, era um grande sofrimento, submetidos a turnos de até 12 horas de trabalho, dependentes de um emprego que pagava baixos salários e reféns da moradia no Vila Operária. Ao perderem o emprego, também perdiam suas casas.
Essa História, a História dos trabalhadores e trabalhadoras está resgatada em nossos três romances sobre o tema. Uma pena que alguns desses personagens já não estejam entre nós, como meus pais; os melhores amigos de infância, como Dunda, Larry e Gera; o sapateiro Cícero; o barbeiro Português; Dona Tile e Biu Boião; Tonha da Porca; Biu Doceiro; o alfaiate Borba; Mané-Vê-Dois; Severino Bucho-Azul e Totonho Papa-Figo, a quem dedicamos dois livros infanto-juvenil. Cumpridos os prazos regimentais, estamos em negociações para uma segunda edição do texto. Expirado este prazo, o texto será disponibilizado em nosso perfil na plataforma da Amazon. Salvo melhor juízo, apenas na Estante Virtual ainda é possível encontrar os dois últimos exemplares da primeira edição.