pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Rio, cidade insurgente


O que está em disputa no Rio é a passagem do Brasil fordista, nacional-desenvolvimentista para uma periferia global em que as bordas invadem o centro, que se reinventa não pela falta e nem pelo negativo, mas pela potência
Arte Andreia Freire
(Reprodução)
Ivana Bentes

E eis que se abriu um portal ou um minúsculo buraco de agulha por onde vão passar de enxurrada todas as expectativas do mundo, como o Aleph do conto de Borges que contém o infinito. Mas pode chamar de segundo turno das eleições municipais do Rio de Janeiro. Afinal, a cidade sempre foi umbigo e tambor do Brasil e surpreendeu ao derrotar e banir o PMDB e o candidato do prefeito Eduardo Paes nessas eleições.
Não teve Olimpíadas, não teve marketing, não teve VLT, não teve Porto Maravilha, não teve máquina e nem marketing capaz de salvar Pedro Paulo, o candidato pmdbista de Paes e Temer, que afrontou um limite ético: seu comportamento violento com a mulher.
Em meio a um momento profundamente reativo e conservador, no Brasil e na América Latina, novas dicções na política emergem, conectando o Rio de Pedro Paulo com os EUA de Donald Trump, também amargando um inferno astral nas eleições para presidente por seu comportamento de macho predador.
São muitas essas outras inflexões na política – quais os limites entre comportamento público e o privado? Por que um candidato que humilha mulheres se torna inelegível? Quem são os “ninguém” (a soma de abstenções, e dos votos nulos e brancos) que foram vitoriosos em várias capitais do Brasil? Quais os limites entre política e religião? Por que os direitos humanos ainda são considerados defesa de bandidos? Onde estão as mulheres, os negros, os gays, a periferia no parlamento?
O fato é que nas crises se abrem caminhos a fórceps, pós trauma, pós golpes, surgem “frentes” amplas e heterogêneas, partidos-movimentos, redes. Não se trata de um universo em desencanto simplesmente, mas um instantâneo significativo de que é preciso dar um sacode geral em tudo que se institucionalizou.
E o que se institucionalizou nessas últimas décadas foi a esquerda, no Brasil e na América Latina, em um ciclo virtuoso e vicioso que produziu avanços extraordinários, mas que também cometeu erros e sofreu um rebote pela direita. Se olharmos para os Fóruns Sociais Mundiais, expressão celebratória da onda democratizante que varreu o continente latino-americano, o interstício das democracias imperfeitas chegou ao teto, mas não ao fim.
A primavera democrática representada por Lula, Chávez, Mujica, Evo, Correa, Lugo e os Kirchner arrefeceu, se esgotou, foi deposta pelas forças conservadoras, mas o fato é que estamos falando de um ciclo vitorioso para a democracia no mundo. Um laboratório de novas institucionalidades e inovações sociais que não vão cessar de operar, mesmo em um terreno árido e que se tenta “salgar”.

“Não se trata de um universo em desencanto simplesmente, mas um instantâneo significativo de que é preciso dar um sacode geral em tudo que se institucionalizou”

A crise que estamos vivendo não é a crise das ditaduras, dos regimes autoritários e nem a crise do neoliberalismo, estamos diante da crise das democracias latino-americanas. É a nossa crise!
Nesse contexto, a vitória do neoliberalismo caboclo e do caviar lifestyle em São Paulo transformou o Rio de Janeiro em uma espécie de Nárnia temporária em um cenário Mad Max pós-apocalipse em que enfrentamos operações seletivas espetaculares anticorrupção, a perseguição e a derrota nacional do PT nas urnas, a emergência de um partido dos banqueiros, o Partido Novo, em uma reconfiguração da direita que força também um rearranjo das esquerdas.
São Paulo saiu na frente como a vanguarda da retaguarda, chancelando a nova velha direita do PSDB, elegendo um prefeito com cashemir enrolado no pescoço e mil empresas de lobby político e clubes de privilégios na mão.  São Paulo foi na contramão do Rio, que derrotou o PMDB e colocou Marcelo Freixo em um segundo turno com cara de final de Copa do Mundo.
A vitória do milionário João Doria Júnior em São Paulo, com sete empresas que “não produzem um parafuso”, mas organizam eventos, editam revistas como a “Caviar”, vivem do consumo de luxo e de verbas publicitárias do governo de Geraldo Alckmin, são a constatação de que os ricos, a elite conservadora e uma multidão de pobres e da classe média compraram o discurso neoliberal e privatista, anti-político e do “self made man” hipócrita de Doria.
Quem precisa de política pública, afinal? Os empresários, os banqueiros, a mídia se uniram para acabar com a “mediação”. Tiraram do governo uma presidenta eleita com 54 milhões de votos e colocaram Michel Temer, um operador do mercado e da política para fazer o desmonte do Estado e se apropriar da máquina de commons. Precisam de um Estado mínimo apenas, para privatizar com seus representantes o que é bem comum.
Por isso, o Rio de Janeiro já sai vitorioso, com uma candidatura alavancada do rés do chão, contra todas as regras do marketing eleitoral, com financiamento coletivo, com tempo ínfimo na TV. Uma candidatura que trouxe para o seu campo gravitacional todas as forças mais disruptivas desde junho de 2013. Freixo no segundo turno já é a vitória das Jornadas de Junho, a volta no parafuso dos que olham para as manifestações de junho como “o ovo da serpente” do fascismo no Brasil.
O Bispo e o Cavalo
Mas o jardim dos caminhos que se bifurcam ainda está aberto. Marcelo Freixo chega ao segundo turno para disputar a prefeitura da cidade do Rio com Marcelo Crivella, um Bispo da Igreja Universal do Reino de Deus.  O Bispo e o Cavalo, uma força de representação institucional e hierárquica da igreja de um lado e um “médium”, um meio, para a expressão e posse dos muitos.
Não se trata de um duelo maniqueísta e nem simplista entre o Escravizador de Almas versus o Exército de Libertação, mas de um embate simbólico e pedagógico que nos ajuda a entender ciclos mais longos e processos emergentes.
O Rio é disputado palmo a palmo por regimes de soberania, disciplina e controle que se imiscuem na máquina do Estado. Disputado pelo tráfico de drogas, por uma política de segurança, as Unidades de Policia Pacificadora (UPPs) que funcionam como polícia de comportamento e guerra contra os pobres, pelas milícias (forças paramilitares que “vendem” segurança e serviços), pela especulação imobiliária, de olho na “remoção” dos moradores pobres dos pontos turísticos da cidade; por projetos assistencialistas como os da Igreja Universal do Reino de Deus, empresas de turismo, ONGs, OS, por uma miríade de sujeitos sociais e políticos.
Crivella, Bispo licenciado da Igreja Universal, sobrinho do controverso Edir Macedo e sua religião de resultados, vocaliza uma das novas forças sociais e políticas mais poderosas do Brasil pós-redemocratização, a Igreja Evangélica, que multiplicou templos, pastores, bens, rebanhos, multiplicou “serviços”, em um processo de acumulação capitalista/fundamentalista selvagem, operando mudanças cotidianas na vida dos fiéis ali onde a vida coletiva, o pertencimento, o Estado falharam. Ajudando a sair do alcoolismo, encontrar trabalho, resolver conflitos entre casais, numa eficiente corrente de autoajuda espiritual.

“Freixo no segundo turno já é a vitória das Jornadas de Junho, a volta no parafuso dos que olham para as manifestações de junho como “o ovo da serpente” do fascismo no Brasil”

Licitações? Burocracia? CPMF? Lei Rouanet? Editais? Para quê? “Seja patrocinador da obra de Deus” com dízimos, doações, sessões de descarrego, compra de água benta e salvação. Tudo pode ser monetizado em uma pedagogia para as massas em total consonância com o espírito do capitalismo. E o mais terrível, a demonização do outro, a perseguição das religiões de matriz-africana e outras formas de religiosidade.
A exploração da fé só faz sentido quando muitas outras formas de cultura solidária, coletiva, redes de proteção, políticas públicas, atendimento cidadão, foram destruídas. Eis o drama da nossa frágil democracia e onde explodem os discursos de fascistização e preconceito, de ódio ao outro. Um fundamentalismo religioso (nem todas as correntes das Igrejas Evangélicas seguem a cartilha do ódio de Edir Macedo) que viria coroar séculos de escravização e higienização da diversidade cultural brasileira, uma força de diferenciação ingovernável.
Esse Estado enfraquecido, o discurso privatizante e liberal, o fundamentalismo religioso, se travestem em um assistencialismo piedoso e cuidador e dá-lhe “cimento social”, “zona franca social”, “UPPs sociais” nas palavras do Bispo deputado Crivella que olha para as favelas cariocas e só vê seu rebanho ocupando ordenadamente subempregos.
Mas é quase surreal imaginar a cidade libertária do Rio de Janeiro submetida a um fundamentalismo qualquer. O Rio de Janeiro passou por profundas intervenções nos últimos anos, uma cidade-laboratório global, com Copa do Mundo, Olímpiadas, e uma casta de empresas e empresários que enxergaram o Rio como cenário de seus negócios. Disputada por todos os tipos de corporações e corporativismos, nacionais e transnacionais, das milícias a máfia dos transportes, das empreiteiras as OS, que administram de bibliotecas a museus ao lixo da cidade. Um governo da Igreja Universal do Reino de Deus seria uma espécie de choque cultural nesta disputa do sensível.
 Em todo esse processo emergiram forças de resistência, embates decisivos entre corporações, mídia, governos e organizações da sociedade civil, redes e movimentos sociais que passaram também a vocalizar “a cidade que queremos”, com uma política territorializada, um novo municipalismo que ganha a centralidade das lutas contemporâneas.
 Periferia Global
O que está em disputa no Rio de Janeiro é a passagem do Brasil fordista, nacional-desenvolvimentista para uma periferia global em que as bordas invadem o centro que se reinventa não pela falta e nem pelo negativo (violência, pobreza, crise da cidade), mas pela potência.
Com estratégias intuitivas e paradoxais se multiplicam experiências de transição vindas dos empreendedores periféricos, os informais, o precariado, os autônomos, os movimentos sociais e culturais, apontando para novas formas de inovação social que estão hackeando o discurso do social e do cultural das empresas, dos governos, da mídia, do empreendedorismo. Hackeando e sendo hackeadas pelas corporações, mas inventando, errando e acertando, criando condições de possibilidade para o surgimento de novos movimentos e atores.

“Um governo da Igreja Universal do Reino de Deus seria uma espécie de choque cultural nesta disputa do sensível”

São apenas o lado mais visível de uma mutação subjetiva que se espalha por centenas de coletivos, Pontos de Cultura, produtores culturais, redes, grupos de DJs, rappers, formadores livres, agitadores, empreendedores, escritores, redes feministas, outros sujeitos do discurso que tomam posse da cidade.
Esse é um gigantesco capital real e simbólico, a riqueza das cidades e especificamente do Rio, as reais commodities, o bem comum. Não mais os pobres assujeitados e excluídos de certo imaginário e discurso, mas uma periferia conectada, a riqueza da pobreza (disputada pela Nike, pela TV Globo, pelo Estado) que faz da cultura da cidade os laboratórios de produção subjetiva.
O Rio de Janeiro é um termômetro da difícil e paradoxal tarefa de calibrar nosso desejos: da euforia ao desencanto com a era pós-Lula, o presidente Macunaíma que turbinou a potência dos pobres e das periferias e ao mesmo tempo governou com os “feitores de gente”, os  gestores de subjetividade que revertem e monetizam, se apropriam, da potência e da cultura dos pobres para as corporações, bancos, os agenciadores da “economia criativa” e do consumo.
O Levante
Mas o que fazer? Junto com as mudanças materiais, dos transportes, da saúde, das escolas, teremos que reinventar a política, teremos que lidar com o clima de caça aos políticos e o nojo da política; sair da ressaca anti-petista e anti-esquerdista, do furor anticorrupção que acha que todo politico é igual;  mas também do discurso da pureza; parar de falar no abstrato e trazer propostas concretas e que mudam o cotidiano das pessoas;  dialogar com evangélicos, umbandistas, católicos, com empresários, professores, juristas, petistas, ex-petistas, comunistas, psolistas, anarquistas, artistas, urbanistas, camelôs, garis, desempregados, subempregados, garotada da periferia, da madame a Dona Maria; desmontar as pautas bombas mentirosas, fundadas no medo, e o domínio dos factóides e “pós-verdades” produzidos pela mídia, pelos fascismos; sair da nebulosa negativa em que pouco importa o que se fala e diz, pois ninguém quer ouvir; resgatar os desencantados, os que votam nulo, os que não foram votar e os que ligaram o dane-se; caminhar para a zona oeste, a baixada, zona norte, as periferias; achar intolerável os machistas, os fascistas, entender que direitos humanos não são para defender bandido e que, sim, a vida dos policiais é importante, da mesma forma que a vida dos jovens negros não pode ser sacrificada cotidianamente pelo racismo da polícia e da sociedade.
Descobrimos que mesmo sem grana das empreiteiras, sem máquina, é possivel disputar um projeto de cidade com os muitos que se juntaram num dos mais impressionantes movimentos de ação e imaginação das cidades brasileiras.
Olhei de novo pelo buraco da agulha e “vi meu rosto e minhas vísceras, vi teu rosto, e senti vertigem”, como relata Borges, se não estamos diante do infinito do universo, se ganharmos ou não ganharmos, o fato é que já estamos no meio de um extraordinário levante.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Charge!Aroeira via Facebook

Editorial: O Beco da Marinete ou a pobreza de um debate?



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A julgar pelo debate ocorrido na Rádio Jornal, entre os candidatos Antonio Campos(PSB) e o professor Lupércio(Solidariedade), que disputam a prefeitura de Olinda, neste segundo turno das eleições municipais, passamos a ficar bastante preocupado sobre o que eles poderão fazer como gestores. Se considerarmos o número de assessores jurídicos ali presentes, parece até que a disputa não é pela gestão de uma cidade, mas em torno das divergências pessoais e de campanha entre ambos. Uma perguntinha óbvia se nos impõe neste momento: como ficam os milhares de eleitores que devem ter sintonizados o programa com o propósito de formarem a sua opinião sobre o candidato que apresenta as melhores condições e o melhor programa para gerir os destinos da cidade a partir de Janeiro de 2017?  

Aqui e ali, uma "pegadinha" até alimenta um debate político. Em certa medida, ela pode mostrar alguns indicadores importantes sobre o preparo do candidato que concorre à Prefeitura de uma cidade. Lembro que, num debate radiofônico - isso já faz algum tempo - salvo melhor juízo - não vão nos processar por isso - o então Secretário de Obras do Recife, João Braga, que conhecia a cidade na palma da mão, numa referência ao candidato Roberto Magalhães, teria afirmado que, se soltássemos ele no Largo Dona Regina, ele não saberia mais voltar para casa. À época, penso que ele não estaria dizendo nenhuma mentira. Até então, era bem possível que, de fato, Roberto Magalhães não conhecesse o Largo Dona Regina, ali na entrada de Nova Descoberta, onde todos os dias tem feira livre. Depois, Roberto Magalhães assumiria a Prefeitura da Cidade do Recife e, certamente, matou a curiosidade de conhecer o Largo Dona Regina. 

Aqui em Olinda, os blogs locais informam que o candidato Antonio Campos, vítima de uma dessas pegadinhas recentemente, não esperou o resultado das eleições para conhecer o Beco da Marinete, em Rio Doce, Olinda. Durante um debate do qual participou, juntamente com o seu oponente, o Professor Lupércio, este teria indagado do candidato o que ele pretendia fazer com o posto de saúde que ficaria na comunidade de Beco da Marinete. Logicamente não havia posto de saúde nenhum, mas o candidato socialista teria respondido à pergunta como se houvesse, de fato, algum posto de saúde na comunidade, o que estaria sendo editado pelo guia do candidato do Solidariedade, professor Lupércio, com o propósito de passar a ideia para os eleitores de que o candidato Antonio Campos não conhece a cidade, pois mora em Casa Forte. 

No dia seguinte, uma guerra das assessorias jurídica dos candidatos, cada qual procurando algum elemento para processar o outro, banalizando este instrumento. Penso que Antonio Campos não gostou nenhum pouco de ter sido chamado por Lupércio de candidato Casa Forte, numa alusão ao fato de que ele reside naquele bairro do Recife. O que nos estimula a estabelecer tal raciocínio é o fato de sua assessoria já ter anunciado que irá abrir um processo contra Lupércio por falsidade ideológica, uma vez que ele induz os eleitores a pensarem que ele nasceu em Olinda, quando se sabe que ele teria nascido numa maternidade do Recife, mas passado toda a sua vida na Marim dos Caetés. Se esses intramuros estivesse compondo um debate maior sobre um programa de governo para a gestão da cidade a partir de 2017, até que se poderia entender. Mas não é este o caso. As discussões começam e terminam por aí e os eleitores que sintonizam o rádio para formarem a sua opinião de voto para o dia 30 permanecem numa tremenda falta de informação sobre o que esses candidatos pretendem para a cidade.  

A coisa é tão séria que a matéria de um blog local, acerca deste assunto, tinha como título: candidatos se processam em Olinda, em razão, como dissemos no início, dos inúmeros processos que um move contra o outro. Pelo que se sabe, ainda não foi divulgada nenhuma pesquisa de intenção de votos na cidade de Olinda, nessa reta final da campanha. Desta vez, Tonca, como Antonio Campos é conhecido, passou a contar com o apoio do Palácio do Campo das Princesas, assim como o concurso de alguns parentes antes distantes do pleito, como é o caso do Chefe de Gabinete do Governo Paulo Câmara, João Campos, embora o processo de sucessão familiar de Eduardo Campos esteja apenas no começo. 

Criando um núcleo de poder paralelo no Estado - o PSB que se cuide - o ministro das Cidades, Bruno Araújo(PSDB), também manifestou apoio ao irmão de Eduardo Campos. Ontem, por ordem expressa do Ministro da Educação, Mendonça Filho, o DEM integrou-se à sua campanha. Do ponto de vista da competição eleitoral propriamente dita, o professor Lupércio cometeu uma impropriedade ao rejeitar, de imediato, qualquer apoio da candidata Luciana Santos (PCdoB), o que deve afugentar os eleitores da candidata, que poderiam tender a votar nele. No dia de hoje, 13, ocorreu o debate entre os candidatos que concorrem à Prefeitura da Cidade Jaboatão dos Guararapes. Quem acompanhou a repercussão do mesmo pelas redes sociais, sabe que sobraram xingamentos entre os candidatos, ao passo que faltaram propostas. 

Le Monde: Esperando a paz com os guerrilheiros das Farc


Em 23 de junho, Bogotá e as Farc assinaram um acordo histórico que instaura um cessar-fogo definitivo e prevê o desarmamento dos rebeldes. Após cinquenta anos de conflitos, a perspectiva de uma paz duradoura implica mudança de vida para os combatentes de base – dos quais alguns nem sequer chegaram a viver outro cotidia
por Loïc Ramirez


Há quanto tempo caminhamos por esse mar verde monótono? Meia hora? Uma hora? Duas? De repente, a lona das barracas se destaca em meio às árvores antes de chegarmos às instalações rudimentares da guerrilha. Duas horas de viagem de avião, ônibus, moto e depois a caminhada para chegar, em 29 de junho de 2016, ao acampamento da Frente 36, das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército Popular (Farc-EP), no departamento de Antioquia, noroeste do país.
“Venham, vou apresentar vocês”, lança Sigifredo, que nos guia entre as folhagens e sobre os blocos de pedra utilizados para criar caminhos em meio à lama. Atravessamos o acampamento mergulhado na sombra antes de chegar a uma imensa clareira. Cerca de quarenta jovens estão alinhados, em plena ação. Estão à paisana, com um fuzil ou um bastão de madeira sobre os ombros. Os olhares mostram curiosidade com nossa chegada, e alguns sorriem, ao perder a concentração.
Fruto do enfrentamento entre o campesinato colombiano e as elites econômicas do país durante os anos 1950, as Farc apareceram em 1964. A principal reivindicação: uma divisão mais igualitária das terras colombianas. Após 52 anos, permanecem como um dos últimos movimentos revolucionários armados ativos do continente americano. Desde 1964, os sucessivos governos colombianos tentaram derrotar a insurreição marxista, até que o presidente Juan Manuel Santos (eleito em 2010 e reeleito em 2014) iniciou em 2012 negociações com a guerrilha.1 No dia 23 de junho de 2016, as duas partes anunciaram um acordo de cessar-fogo, prévio a um acordo de paz. Nesse contexto, o conflito perdeu intensidade nos últimos meses. A Colômbia experimenta uma tranquilidade inédita, e as Farc se abrem pouco a pouco à visita de certos jornalistas; a nossa é a segunda em menos de seis meses.
Diante das tropas, o comandante Anderson Figueroa se apresenta com uma voz calma e suave, que contrasta com sua estatura imponente. Ele dirige a Frente 36, que pertence ao Bloco Efraín Guzman.2 No fim do exercício, os guerrilheiros se dirigem a nós para nos cumprimentar com um aperto de mão: “Bem-vindos às Farc!”, lançam quase sistematicamente.
São homens e mulheres jovens, claramente recém-saídos da adolescência e oriundos do campo. A maior parte conhece pouco o mundo, como demonstram algumas de suas perguntas: “Que animais existem na França?”, “O que vocês comem?”, “No país de vocês existe guerrilha?”. Têm pouco acesso a livros e em geral aprendem a ler e a escrever no seio da organização. Entre os jovens da tropa, uma morena de pouca altura, 24 anos, Maribella, ou “Mari”, como é chamada pelos companheiros. Ela passou metade da vida na guerrilha, à qual se alistou após o assassinato do pai – um trabalhador rural – pelo Exército, quando ela tinha 12 anos. Seus dois irmãos e sua irmã também são membros das Farc. “Alguns jovens entraram para a organização aos 13 anos”, declara o comandante Figueroa. E continua: “Oficialmente, é preciso ter 15 anos e sempre ser voluntário!”.
Como explicar essas exceções? O homem sorri: “Nem todos integram o movimento por razões políticas. Eu mesmo entrei para as Farc aos 14 anos, porque tinha medo dos paramilitares.3 A consciência política, adquiri depois. Enfrentamos situações em que os jovens estão totalmente desfavorecidos, seja por algum conflito ou pela pobreza. A quem podem recorrer? A nós, no seio do exército do povo! Quando chegam aos 15 anos, perguntamos se querem ficar ou partir. Alguns de fato vão embora. Não mantemos ninguém à força na organização”. Segundo ele, os menores (menos de 15 anos) vivem sob um regime específico: apenas estudam, jamais entram nos combates. “Os recém-chegados passam por um longo período de reflexão e até de retração. Há casos de pessoas que buscam a organização após uma decepção amorosa ou problemas familiares, econômicos. Se as motivações não são as certas, é importante refletir sobre isso antes que seja tarde, porque aqui é ‘vencer ou morrer’”, sentencia.

“Jamais perdoarei minha mãe”
Sobre um aparador feito com pranchas de madeira, reina uma televisão de plasma e toda a parafernália elétrica onde estão conectados tablets e computadores portáteis. “Estamos ligados à rede elétrica pública. É a primeira vez que podemos dispor desse conforto”, explica o comandante Figueroa. Mais próxima ao rio está a cozinha e, ao lado, uma tenda, onde se amontoam pacotes de arroz, de macarrão, latas de legumes, pacotes de biscoitos, óleo, sabonete etc. Cada guerrilheiro dispõe de uma caleta onde come e dorme: trata-se de uma pequena armação de madeira protegida por uma lona, em que ficam pendurados seu saco de dormir e sua arma, sempre à mão. As caletas se espalham no acampamento por pelotão, as menores unidades da organização. Sem interrupção, a segurança funciona dia e noite, em turnos de duas horas.
Na manhã seguinte, às 4h45, vozes ressoam e nos despertam. A noite ainda está impenetrável, mas na cozinha já há silhuetas em movimento. Com lâmpadas frontais na testa, guerrilheiros preparam o café da manhã. Alternadamente, em duplas, todos os membros da organização cozinham para a tropa. O resto do grupo se reúne no clarear do dia para uma sessão de exercícios físicos. Pouco a pouco, o céu se tinge de rosa e as sombras aparecem sobre a relva.
Seis horas: fim dos exercícios. Os guerrilheiros se enfileiram, todos com uniforme verde-musgo (vestidos diligentemente de manhã e à noite, depois do banho no rio) e uma braçadeira com as cores das Farc. Um oficial indica as missões a serem cumpridas e as unidades designadas: limpeza do acampamento, esvaziamento das latrinas, turnos da guarda etc. Antes do início das atividades, café é servido em xícaras de ferro brancas. A jovem Laura descasca dezenas de batatas. “Há dez anos entrei para as Farc, eu tinha 12 anos, mas já conhecia a organização. Fui criada aqui praticamente”, assegura. Sem perder o sorriso, acrescenta: “Minha mãe era da guerrilha e eu segui seus passos. Ela desertou há alguns anos, e jamais a perdoarei. Ela partiu sem mim, e seu destino já não me interessa”.
Às 7 horas, todos se reúnem sob a tenda central para o que a organização chama de “hora de estudo: resumo de romances”. Aníbal, membro do estado-maior da Frente 36, conduz o debate e convida cada combatente a evocar uma informação que leu, viu na televisão ou escutou no rádio. As intervenções são, na maior parte, similares e ressaltam aquilo que chamam de evidências políticas. São temas destinados aos visitantes, ou revelam os efeitos da formação ideológica da organização?
A questão do processo de paz e as perspectivas do futuro alimentam os diálogos. As Farc e o governo do presidente Santos chegaram a um acordo sobre a criação de 23 “zonas de concentração” no país. No seio dessas localidades, os guerrilheiros se reagrupam sob proteção das Forças Armadas mediadoras da ONU. Os guerrilheiros terão 124 dias a partir da assinatura do acordo final para destruir seus armamentos. “Sabemos que a oligarquia apenas mudou a estratégia, porque não conseguiu nos vencer militarmente”, afirma Marcelino, membro do estado-maior. “Seu objetivo continua sendo a apropriação de nossos recursos naturais. Contudo, temos a possibilidade de seguir com nossa ação sem as armas, o que sempre quisemos.”
Alguém menciona as palavras do presidente equatoriano, Rafael Correa, que teme que no fim do processo de paz alguns membros das Farc se transformem em simples delinquentes armados. Ninguém parece excluir essa possibilidade, mesmo que todos concordem que isso se reduziria a um epifenômeno. Outra intervenção evoca a chegada da empresa Uber à Colômbia e a mutação do modelo capitalista, no país e fora dele.
Às 8 horas, o café da manhã (carne e arroz) marca o fim da reunião. A manhã segue com a leitura individual de jornais, manuais de história da América Latina ou ainda de trabalhos de análise marxista. Parte das obras parece ser bastante complexa, dado o nível de leitura de alguns. Sentados sob uma tenda, dois rebeldes assistem a um curso de gramática pelo tablet.

Samba-canção, xampu e maquiagem
Sexta-feira, 1º de julho de 2016. A chuva soou nas lonas de plástico toda a noite. O raiar do dia está úmido. O chão lamacento dispensa os combatentes dos exercícios matinais. Quando os primeiros raios de sol despontam entre as folhagens, os guerrilheiros penduram as roupas molhadas em varais amarrados entre as árvores. Alguns colocam peças e sapatos nas pedras às margens do rio, para aumentar a chance de secá-las. “É a organização que nos fornece as roupas civis”, explica Jacqueline. Ela usa um colar e um bracelete de pérolas, ambos feitos à mão. Seus longos cabelos são tingidos de um rosa quase fluorescente. “Às vezes, você pode escolher a camiseta ou a calça. Também pode pedir uma ou outra cor. O mesmo acontece para os brincos, maquiagem etc. Cada um ganha um relógio quando entra para a guerrilha.”
Sigifredo conta outros detalhes: “Cada objeto que vem do exterior é verificado, porque, em um relógio ou em uma bota, o inimigo pode inserir um chip que poderia transmitir nossa localização. Essa é a razão pela qual alguns produtos são estocados, às vezes durante muito tempo, antes de serem utilizados. Às vezes também os mergulhamos na água para destruir um eventual dispositivo eletrônico de localização. Também é por esse motivo que recorremos a pessoas de total confiança para receber produtos: um camponês que conhecemos, um membro da família etc. Ninguém está autorizado a trazer qualquer coisa para o acampamento sem o conhecimento de seus superiores, por isso cada um precisa recorrer ao seu intendente sempre que precisar de algo: xampu, roupa íntima etc. A situação de cessar-fogo, contudo, nos dispensou desses controles”. E os uniformes, que tanto se parecem aos do Exército colombiano, o adversário? “Obtemos esses uniformes diretamente das lojas que vendem materiais e roupas para o Exército colombiano e para a polícia, graças à corrupção”, explica.

Depois do almoço, acompanhamos Olga, escoltada por três guerrilheiros à paisana, até a casa de camponeses. Aos 31 anos, dos quais dezesseis nas Farc, ela tornou-se enfermeira e dentista da organização. Regularmente realiza cirurgias dentárias em civis – que não têm autorização de entrar nos acampamentos. Depois de alguns minutos de caminhada, chegamos ao topo de uma colina, onde vive uma família. Em meio a galinhas e porcos, Olga desembala seu material médico, que os anfitriões dissimulam. Luvas, seringas, lâmpadas de LED, ultrassom de limpeza: o conjunto de ferramentas é impressionante e provém, diz ela, de amigos médicos e dentistas que fornecem à guerrilha.

Unidos em terna intimidade
Em um cômodo, a jovem realiza suas intervenções, enquanto os pacientes vindos dos arredores conversam do lado de fora. “Doutora Olga!”, interpela um adolescente sorridente, Dayron, de 15 anos, sentado sobre uma cama. Ele está de férias por ali; mora em Medellín. “Sei que ela é das Farc; todo mundo aqui sabe. Eles são os melhores amigos dos camponeses.” Tratamento de cáries, aparelhos dentários: Olga trabalha nisso durante toda a tarde, com Alejandra, sua aprendiz. “Eles não têm recursos para ir ao dentista e, se vão, o serviço é feito de forma que eles precisem voltar para gastar dinheiro novamente. Mas eu trabalho por ética revolucionária, e não por dinheiro. É o que me ensinaram”, insiste a jovem. Práticas como essa também garantem às Farc o apoio solidário entre a população.
Chove todas as noites. No sábado, às 5h30, os guerrilheiros se levantam e se reagrupam em quatro filas, na lama, para o chamado, como todas as manhãs. O oficial os cumprimenta, informa-se junto à tropa sobre as necessidades de higiene (Quem precisa de sabão? Talco?) e saúde (Alguém está doente? Dormiu mal?). Depois, distribui as tarefas do dia. Nesse dia, ele mobilizou todo o acampamento. A tenda central precisa ser ampliada pela chegada de outra parte da Frente no dia seguinte. Como formigas operárias, os combatentes desmontam a instalação atual, abatem uma velha árvore que reina no meio do terreno e em seguida erigem uma nova estrutura duas vezes maior. “Um acampamento desse tamanho é raro”, explica o comandante Figueroa. “Mas a situação de cessar-fogo nos permite. É recente. Estamos aqui há vinte dias. Em tempos normais, ficaríamos apenas dois, três ou no máximo quatro dias no mesmo lugar. De 1990 a 2000, nossos acampamentos duravam um mês, às vezes dois. Depois, as operações militares aumentaram.” A partir do início dos anos 2000, Washington se envolveu diretamente com o conflito por meio de seu Plano Colômbia, que previa financiamento e formação de forças militares locais para combater a guerrilha sob o disfarce de luta contra a droga.4 O envolvimento do aliado do Norte se tornou ainda mais intenso com a chegada ao poder de Álvaro Uribe, em 2002, o que permitiu certas investidas do Exército contra as Farc. Durante seus dois mandatos (o segundo até 2010), Uribe, respaldado notadamente por seu ministro da Defesa de 2006 a 2009, um tal de Juan Manuel Santos, empreendeu uma política feroz em relação à guerrilha – e de oposição à esquerda em geral. Sem resultados relevantes...
“Até há pouco tempo, os computadores precisavam ficar desligados, porque o Exército possui aviões com detectores de atividade eletrônica. Quando identificavam algo na selva, bombardeavam.” Ao nos oferecer um cigarro, Valentina, de 26 anos, rememora: “Durante os períodos de ofensiva da Armada, não podíamos fumar de noite, pelo risco de sermos vistos; nos movimentávamos sem nenhuma luz, nada”. Apoiada contra uma árvore, ela desfruta uma pausa, enquanto seus companheiros terminam de montar a tenda principal, a aula. Apesar do olhar duro, depois de onze anos de guerrilha ativa, ela possui uma nécessaire singular: de um lado, o slogan das Farc, “Vencer ou morrer!”, e, do outro, imagens de Mickey e seu cachorro, Pluto. Aristizábal, 32 anos, também se lembra dos anos de guerra sob o mandato de Uribe: “Sofremos muitas deserções, mas ganhamos em qualidade de efetivos – os que ficaram são os mais motivados. Passávamos dias escondidos atrás de trincheiras ou da vegetação. Na época, não fazíamos três refeições por dia”.
Esse tempo parece ter passado de fato. Sob nossos olhos, o acampamento respira um ar de descontração geral. Os guerrilheiros riem e, às vezes, se divertem durante as atividades. “Continuar a fazer política, trabalhar para a organização, na forma que ela terá no futuro”, ou ainda “continuar a estudar”, sem precisar o quê. Se existe, a preocupação, é perfeitamente dissimulada atrás da confiança que alguns passam em relação à “grande família das Farc”.
Fim de tarde. Alguns jogam futebol na clareira, enquanto outros terminam suas tarefas na obra. Eficazes e rápidos, os muchachos terminaram a nova aula bem na hora do jantar (18 horas). Depois, todos se reúnem na nova aula para assistir à televisão. A sessão, seja de caráter documental ou ficcional, sempre tem um intuito pedagógico, contém uma mensagem de luta ou uma crítica social. De tempos em tempos, o acampamento assiste a jogos de futebol da seleção colombiana. Enquanto o oficial procura o documentário previsto para aquela noite, os jovens zapeiam um filme de ação hollywoodiano – que os mantém entretidos até que um dos garotos conecta o dispositivo USB com o documentário daquela noite, dedicado aos conflitos agrários da América Central. Sem reclamar, o público aceita a interrupção. “Às vezes, assistimos a filmes, como os filmes soviéticos sobre a Segunda Guerra Mundial”, indica um dos jovens.
A chuva martela a lona e dificulta a visão da tela. A fila do fundo cochicha. Alguns jovens trocam sussurros e tocam-se uns aos outros. Não é fácil identificar os casais, porque as demonstrações de afeto são pudicas e dispersas: uma cabeça apoiada no ombro do companheiro, cochichos ao pé do ouvido, um braço em torno do pescoço, beliscos na cintura: sejam eles parceiros sexuais ou não, os guerrilheiros compartilham intimidade. A organização autoriza o concubinato (casais podem dormir juntos em suas barracas), mas proíbe a libertinagem. Depois do documentário, assistem ao jornal televisivo Noticias Caracol, apesar de sua hostilidade militante contra as Farc. Enfim, sob a tempestade, cada combatente vai para sua caleta.
Às 4h45 do domingo, 3 de julho de 2016, as rádios começam a funcionar. Na penumbra, cerca de quarenta guerrilheiros aparecem para cumprimentar e abraçar os primeiros despertos. São os outros membros da Frente 36 que voltaram da missão. Rapidamente, o segundo grupo se retira para começar a construção de seu próprio acampamento, a alguns metros do rio. Às 7h30, depois de tomar um tinto (café), os combatentes se reúnem por pelotão para a “reunião do partido”. Cada pelotão forma uma célula do Partido Comunista Colombiano Clandestino (PC3). Por grupos de dez ou doze, debatem uma leitura coletiva de uma coluna do comandante-chefe da organização, Timoleón Jiménez, no Voz, o jornal do PC3.
Henry anima uma das assembleias. Ele tem 31 anos (treze de guerrilha) e demonstra um domínio da oralidade que o destaca dos demais. Com entusiasmo, estimula seus companheiros de armas a tomar a palavra e expressar suas opiniões. Um por um, em geral com grande timidez, eles levantam-se e expõem suas considerações. Em um tom monótono, as intervenções se encadeiam e se parecem, sem nenhuma contradição; há pouco ou nenhum debate de ideias, nenhuma proposta divergente. A tomada da palavra se resume de forma geral a uma paráfrase das ideias principais do texto estudado. Sem dúvida, o nível desigual de educação política entre os mais experientes e os jovens recrutados explica em parte a ausência de trocas mais profundas, além da timidez de falar em público.
No fim da manhã, um grupo de guerrilheiros à paisana deixa o acampamento para seguir a pé para uma assembleia em uma comunidade rural da região. Cerca de cinquenta camponeses se abrigam sob o teto de um celeiro, em meio a uma pradaria, para discutir os problemas da comunidade. Em meio a gritos de crianças e latidos de cachorros, o presidente da assembleia introduz a sessão e anuncia a ordem do dia. Depois de algumas questões relacionadas a finanças e organização, passam a palavra às Farc, que pacientemente aguardavam ao lado. Aníbal se ergue e propõe em primeiro lugar responder a perguntas. As principais são sobre o processo de paz em curso. Um camponês interpela: “O que vai acontecer quando vocês assinarem o acordo de paz? Quem nos protegerá? Se o paramilitarismo continuar, então nós, os civis, teremos de pegar em armas!”. Com um sorriso entre os lábios, Aníbal responde: “É exatamente o que fizemos há mais de quarenta anos. Pelas mesmas razões”. Ele sublinha: “As condições reais da paz precisam existir, senão não haverá acordo final, podem ter certeza”. Leónidas, encarregado da propaganda da Frente, se levanta. Carismático, avisa ao público: “O fim da guerra não significa a vitória. Outra batalha vai começar. As multinacionais vão aparecer para tentar se apropriar do rio, dos campos, das florestas de vocês. Será preciso muita organização para se defender. Um dos problemas que nos ameaça, por exemplo, é a Lei Zidres”. Essa lei, denunciada por diferentes vozes da esquerda, favorece a instalação de empresas privadas em zonas rurais.
De todos os combatentes com quem conversamos, Leónidas e Aníbal, ambos quarentões, são os únicos que militaram na Juventude Comunista (Juco) antes de se engajarem na insurreição armada. A habilidade oratória e o conhecimento profundo da esfera política vêm sem dúvida dessa experiência. Quando terminaram suas falas, cumprimentaram a assembleia e se retiraram. No caminho de volta ao acampamento, assistimos aos preparativos que anunciam a festa da noite. Na tenda central, um grande estandarte diz “Bem-vindos à paz”, ao lado dos rostos de Manuel Marulanda Vélez, fundador histórico das Farc, e Raúl Reyes, membro do secretariado do estado-maior central (ambos morreram em 2008 – o primeiro, de morte natural, e o segundo, em um bombardeio). Para o jantar, arepas e uma bebida de chocolate.
Por volta das 19 horas, cerca de cem guerrilheiros se reúnem. Como mestre de cerimônia, Henry anima essa hora cultural, enquanto voluntários cantam, fazem repentes, recitam poemas ou contam piadas. O ambiente é de diversão. Apenas os fuzis pendurados nos combatentes lembram a realidade do conflito. Enfim, as cadeiras são colocadas em um canto para abrir espaço para a pista de dança. Até meia-noite, canções animadas ecoam em meio ao silêncio da floresta.

“Vai dizer que as Farc o sequestraram?”
Segunda-feira, 4 de julho. A chuva lavou as marcas dos passos de dança da noite anterior. Depois do café da manhã, o comandante reúne a totalidade dos guerrilheiros ali presentes; eles estão em fila, com cabelo penteado e boina, na clareira. É o momento de saudação à bandeira. Sob o sol já quente, uma centena de uniformes se alinha em diversas filas. Apresentação das armas, marcha militar: os combatentes se aplicam a responder com diligência às ordens do chefe. Três deles se destacam das filas; eles seguram uma bandeira dobrada, que logo é pendurada no mastro improvisado para a ocasião. Uma vez hasteado, o pano sacode ao vento e se desdobra no símbolo das Farc sobre as cores da bandeira colombiana, sob o olhar atento dos presentes. O hino da guerrilha ecoa por dois alto-falantes.
“Antes da visita, você tinha medo de nós? Quando você voltar para a França, vai dizer que as Farc o sequestraram?”, brinca o jovem Franki, de 24 anos (oito de guerrilha). Respondemos que sim para alimentar a brincadeira. O ambiente torna-se solene outra vez quando, durante nossa festa de despedida, Leónidas evoca o desafio do processo de paz e o “caráter universal” da luta dos comunistas e das Farc. “Venceremos!”, conclui ele no meio da tropa.
Uma chuva torrencial brinda a última noite no acampamento. A algumas semanas ou meses do que se anuncia como o fim de um conflito de mais de cinquenta anos, sem dúvida seria presunçoso tentar adivinhar como se darão os acontecimentos. A transição da vida militar à vida civil não é o único desafio que as Farc deverão enfrentar. A passagem de um ambiente totalmente voltado ao coletivo e ao grupo, para o contexto individualista que reina nos grandes centros urbanos, ameaça também desestabilizar as pessoas que encontramos aqui. “Fomos demonizados pelos meios de comunicação, mas, com as negociações de paz, as pessoas aprenderão a nos conhecer”, prevê Figueroa. E os guerrilheiros, será que eles conhecem mesmo o mundo em que estão prestes a entrar?

Loïc Ramirez
Loïc Ramirez é jornalista e autor de La Rose assassinée [A rosa assassinada], Notes de la Fondation Gabriel Péri, Paris, 2015


Ilustração: Daniel Kondo

1    Ler Maurice Lemoine, “Qui a peur de la vérité en Colombie?” [Quem tem medo da verdade na Colômbia?], Le Monde Diplomatique, dez. 2015.
2    Cada bloco é composto de pelo menos cinco frentes, e, cada frente, de mais de uma centena de unidades.
3    Ler Laurence Mazure, “Dans l’inhumanité du conflit colombien” [Na desumanidade do conflito colombiano], Le Monde Diplomatique, maio 2007.
4    Ler Hernando Calvo Ospina, “Aux frontières du plan Colombie” [Nas fronteiras do Plano Colômbia], Le Monde Diplomatique, fev. 2005.
03 de Agosto de 2016
Palavras chave: Colombiaamérica latinapazfarcquerrilhacubajuan manoel santos

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

"Não há nada nos cadernos pretos que possa indicar a adesão de Hiedegger ao nazismo".


Professor italiano estudioso dos cadernos pretos do filósofo, Francesco Alfieri defende que eles foram "instrumentalizados" a fim de provocar confusão entre a comunidade científica. Acadêmico vem a São Paulo no dia 25 de outubro para palestra no Espaço CULT
O professor italiano Francesco Alfieri, que ministra palestra no Espaço CULT no dia 25/10  (Reprodução)
O professor italiano Francesco Alfieri, que ministra palestra no Espaço CULT no dia 25/10 (Reprodução)
Amanda Massuela
Desde novembro de 2014 debruçado sobre os cadernos pretos de Martin Heidegger (1889-1976), o professor italiano Francesco Alfieri afirma estar “mais do que convencido” de que não há ligação entre o filósofo alemão e a ideologia nazista. A conclusão vem depois de quase dois anos de estudo sistemático dos cadernos, feito em parceria com o professor Friedrich von Herrmann, último discípulo vivo de Heidegger.
Para Alfieri, as acusações de antissemitismo feitas contra o filósofo são resultado de uma “estratégia engenhosamente posta em ato para gerar confusão”, fruto de insinuações feitas sem rigor científico e amplamente disseminadas pela imprensa. As constatações foram reunidas no livro A verdade sobre os cadernos pretos de Heidegger, publicado em janeiro na Itália e atualmente em fase de tradução no Brasil.
“O livro contém parte da correspondência entre Heidegger e Von Herrmann, além de algumas cartas trocadas com Hans-Georg Gadamer. São documentos que auxiliam a compreender como a instrumentalização de Heidegger não é de hoje, mas acompanha a vida do filósofo desde sempre”, adianta o professor, que no dia 25 de outubro vem a São Paulo para apresentar os resultados dos estudos.
O conteúdo das cadernetas de capa preta em que o filósofo costumava anotar seus pensamentos começou a ser publicado em 2014, com edição do filósofo Peter Trawny. Em diversas ocasiões, Trawny  defendeu, em entrevistas e artigos, o caráter antissemita de alguns escritos: “Heidegger não só adotou essas ideias antissemitas, mas as processou filosoficamente, falhando em imunizar seu pensamento dessas tendências”, disse em entrevista ao jornal inglês The Guardian.
Em entrevista por e-mail ao site da CULT, o professor Francesco Alfieri defende exatamente o oposto e afirma que as “hipóteses fantasiosas” do editor alemão, com o apoio da mídia, podem ter influenciado a opinião pública.
CULT – Você já afirmou que, logo na sua primeira leitura dos cadernos pretos de Heidegger, entendeu que eles eram “perigosos”. Por quê?
Francesco Alfieri – É verdade, e hoje confirmo o que disse em 2014. São “perigosos” porque se prestam a ser instrumentalizados por quem não conhece o itinerário especulativo de Heidegger. Por sua estrutura fragmentária, os esboços de pensamento registrados nos cadernos pretos iludem o leitor “ingênuo”, dando-lhe a impressão de que o conteúdo desses esboços é compreendido facilmente. Mas não é bem assim…
Depois de ter estudado os cadernos, você estaria convencido de que o nazismo de Heidegger é antes um mito construído, e não uma realidade?
Estou mais do que convencido de que as acusações de antissemitismo feitas contra Heidegger são o resultado de uma estratégia engenhosamente posta em ato para gerar confusão e para insinuar que finalmente foram encontradas provas tangíveis do compromisso do filósofo com o nacional-socialismo de Hitler.
Então, qual a razão para Heidegger ter mantido esses cadernos em segredo?
Heidegger nunca quis mantê-los em segredo. Essa é uma notícia fantasiosa vendida por Peter Trawny, editor alemão da obra. Heidegger queria que os cadernos fossem publicados quando se tivesse chegado à edição completa de suas obras. Não se trata, portanto, de anotações secretas, porque já se sabia da sua existência, uma vez que o próprio Heidegger remetia a elas em alguns comentários feitos nos seus trabalhos publicados pela editora Vittorio Klostermann.
 Qual a chave de leitura para entender que o nazismo de Heidegger é um mito?
Não há nenhuma chave de leitura a esse respeito porque não há simplesmente nada nos cadernos que possa dar base para afirmar uma adesão de Heidegger ao nazismo. Aliás, o termo “mito” foi empregado pelo editor alemão dos cadernos pretos, mas a fim de promover as suas próprias e fantasiosas hipóteses, que são desmentidas categoricamente por boa parte da comunidade científica.
A interpretação de Trawny pode ter condicionado a recepção dos cadernos pretos entre os intelectuais?
Sustento que as hipóteses fantasiosas do editor alemão, com o apoio da mídia, tenha influenciado a opinião pública. No entanto, há um abismo entre a opinião pública e o trabalho dos intelectuais. Muitos intelectuais preferiram ficar fora desse caos midiático.
Trawny afirma enfaticamente que, sim, há passagens antissemitas nos cadernos.Ele também afirma que, assim como muitos europeus nos anos 1920 e 1930, “Heidegger era em algum grau antissemita”, ainda que isso não tenha afetado a sua obra. Como vê essa afirmação?
O editor alemão não deu até hoje “nenhuma prova” do antissemitismo histórico-ontológico de Heidegger. Repito: “nenhuma prova”. Ele apenas insinuou que isso está presente em Heidegger, selecionando algumas passagens das anotações do filósofo com o fim de gerar uma grande confusão (confusão, aliás, alimentada com a ajuda da mídia), na qual tomou parte quem desejava a “todo custo” crer que isso era verdadeiro, sem, no entanto, dar-se ao trabalho de verificar pessoalmente se essas hipóteses eram defensáveis. Creio que o editor alemão tenha dado prova de descuido e do seu pouco rigor científico, coisas que têm ficado claras para muitos leitores atentos.
Você já afirmou que não se pode ler Heidegger ou qualquer outro autor com veemência, ressentimento ou com muita paixão, porque isso produz leituras deturpadas. Então de que maneira o leitor pode tomar a distância aconselhável para que possa fazer uma leitura apropriada dos cadernos, tendo em vista seu conteúdo tão polêmico?
Eles precisam ser estudados dentro de um contexto muito mais amplo e complexo, precisamente à luz das grandes obras de Heidegger. Não é adequado deter-se apenas nesses cadernos de anotação e isolá-los do conjunto do trabalho heideggeriano. Quem faz isso demonstra não respeitar o pensamento ontológico-histórico do filósofo. Convém entender até a raiz o conteúdo dos cadernos pretos por meio de um linguajar que se revela como acessível apenas a quem aceita entrar no conjunto da obra de Heidegger.
Parece que Hannah Arendt e tantos outros falaram do caráter difícil e perigoso de Heidegger. Concorda com as afirmações?
Hannah Arendt e outros sempre falaram da complexidade de Heidegger pelo fato de o seus escritos não serem facilmente acessíveis, em função de seu vocabulário e da criação de uma nova terminologia que impedia o acesso de “muitos” ao seu pensamento. É preciso, portanto, conhecer a fundo os combates existenciais de Heidegger com base, por exemplo, na sua correspondência. Isso permite descobrir que, se hoje há algo de “perigoso”, ele está do lado da ditadura da opinião pública, marcada pela pretensão de “comunicar sem conteúdos”, bem como do lado de alguns estudiosos que fazem suas publicações sem rigor científico. A verdadeira pesquisa, rigorosa, não está nas mãos de quem segue a lógica do consenso e do ouvir dizer: essas são estradas frequentemente percorridas por quem se serve da filosofia para atingir escopos utilitaristas.
A leitura dos cadernos pretos mudou alguma coisa na percepção da obra de Heidegger?
Creio que ela fez amadurecer uma nova consciência nos estudiosos: a “necessidade” de retornar às obras do autor e, sobretudo, a urgência de perceber que sem uma minuciosa hermenêutica, baseada em uma investigação filológica, não é plenamente compreensível o movimento de seu pensamento. Sem esse duro trabalho não se chega a lugar algum.
 Como o seu livro, escrito com o professor Von Hermann, foi recebido na Europa?
Estamos muito contentes com o fato de os especialistas, entre eles o Prof. François Fédier [filósofo francês e discípulo de Heidegger] e muitos expoentes da corrente fenomenológica mesmo fora da Europa – por exemplo, o Prof. In-Suk Cha, da Coreia do Sul – tenham encontrado em nosso livro as chaves hermenêutico-interpretativas para poder chegar a um estudo sistemático dos cadernos pretos. Recentemente recebemos com satisfação a notícia de que as edições Gallimard, com o apoio direto do próprio editor Antoine Gallimard, publicarão a tradução francesa de nosso livro, feita pelo professor Pascal David. Aliás, a tradução já está pronta.
Seu livro será traduzido e publicado no Brasil? Quando?
É muito sólida a minha intenção de que este livro seja publicado pela editora Perspectiva, porque desejo que ele seja um sinal de diálogo com a comunidade judaica, à qual fizemos questão de homenagear com a escolha da data de publicação do original italiano, em 26 de janeiro, Dia da Memória. Insisto que quem instrumentalizou os cadernos pretos de Heidegger violou indiretamente a dor da comunidade judaica. A distorção da História, produzida com a instrumentalização dos cadernos pretos, foi por nós denunciada a justo título. Donde o nosso intento de render homenagem à comunidade judaica: é a sua própria recordação de toda a dor sofrida nos campos de extermínio que não pode e não deve ser instrumentalizada.
Colaboração e tradução Juvenal Savian Filho
A verdade sobre os cadernos pretos de Heidegger, com Francesco Alfieri
Onde: 
Espaço CULT, rua Aspicuelta, 99, Alto de Pinheiros – SP
Quando: 
25/10, às 19h30
Quanto: grátis
(Publicado originalmente no site da revista Cult)

Charge! Jornalistas Livres

Editorial: Políticas públicas em tempos de #PECdoFimdoMundo






No dia de ontem me debrucei sobre os avanços das políticas de igualdade racial ocorridas durante os governos da coalizão petista. Tivemos avanços dos mais significativos, seja do ponto de vista dos direitos, do espaço de poder ocupados pelos representantes dessas etnias no governo - com status de ministérios - seja em dados concretos, como, por exemplo, o aumento do percentual de negros que tiveram acesso ao ensino superior. Nos poucos meses do Governo Temer, todas essas conquistas vieram por água abaixo e, neste ritmo, vamos voltar a um estágio que antecedeu a promulgação da constituição cidadã de 1988 ou a um cenário ainda mais grotesco, como nos tempos dos grilhões. Mas, no momento, não queremos nos aprofundar nessa questão, uma vez que se trata de um debate institucional ora em curso numa instituição de pesquisa ligada ao MEC.  

No dia de hoje, gostaria de comentar sobre a aprovação da PEC 241, em primeira votação, na Câmara dos Deputados, por 366 votos a 111, depois dos banquetes de canapés oferecidos aos deputados federais pela Presidência da República, onde a contenção de despesas parece que não foi bem o forte, posto que se calcula um gasto superior aos cem mil reais. Na cruzada movida pelo Planalto para aprovar a PEC 241, até ministros foram temporariamente exonerados, como foi o caso dos pernambucanos Bruno Araújo(PSDB), das Cidades, Fernando Bezerra Coelho Filho(PSB), das Minas e Energia. Depois do que houve com a licenciosidade do Pré-Sal para a exploração por empresas estrangeiras - que atingiu em cheio a soberania nacional - agora vem a aprovação da PEC 241, que, na prática, congela investimentos em saúde e educação pelos próximos 20 anos, além de retroagir na política de aumentos do salário mínimo que vinha sendo adotada pelos governos da coalizão petista. 

O sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro tem toda a razão ao afirmar que, somente através de um golpe, seria possível a adoção dessas medidas. Elas jamais poderiam ser negociadas por algum partido ou coalizão de partidos, através do voto livre dos eleitores, em clima de normalidade democrática. Aponta-se, aqui, então, uma das vertentes mais óbvias das urdiduras que afastaram a presidente Dilma Rousseff do poder:criar as condições políticas para promover a mais violenta erosão de direitos da classe trabalhadora. Com a aprovação da PEC 241, o SUS, que atende aquela população desassistida dos planos de saúde, ficará irremediavelmente comprometido. Na educação, então, o PNE também deverá ser profundamente afetado, inclusive no que concerne ao piso nacional dos professores. Aliás, de acordo com um determinado ministro, talvez seja o caso de cortar as "regalias" da categoria. 

Nesse clima de profunda instabilidade política e clima de terra arrasada é pouco previsível dizer o que irá restar ao longo e ao cabo deste governo. As liberdades públicas, os direitos estão sendo corroídos e o patrimônio nacional completamente dilapidado. Os comentários são de que essas medidas poderão entrar em vigor apenas em 2018, quando o presidente Michel Temer deveria deixar o poder. Eis aqui um exercício de previsão dos mais complexos antever, do ponto de vista do poder, o que poderá ocorrer até o ano de 2018 quando, em tese, teríamos eleições diretas para a Presidência da República. A começar pelo fato de que nós não acreditamos nessa possibilidade, salvo numa condição em que eles possam ter certeza sobre o resultado do jogo. 

O mais provável hoje é que haja um golpe dentro do golpe e as coisas se arranjem entre eles, entre a nucleação de poder do PMDB e o PSDB. No nosso entendimento, as forças do campo progressistas deverão amargar um longo e tenebroso inverno longe do poder. O PT está esfacelado e o PSTU ainda não possui a capilaridade política para estabelecer um contraponto a este núcleo de poder. Isso se eles ainda desejarem manter as aparências de normalidade democrática, com a existência de eleições diretas. Ainda citando o sociólogo Sérgio Pinheiro, a maldade dessas medidas não seriam possíveis de ser aplicada sob a égide de um regime de normalidade democrática. O momento político vivido é bastante delicado. Os parlamentares que aprovaram essas medidas estão brincando com coisa muito séria, como o fato de condenar alguns brasileiros à morte, como disse o Temporão. Salvo pelos sites da imprensa independente, não li absolutamente nada da "grande" imprensa condenando essas medidas extremas. Estamos no pior dos mundos. Numa única semana, como disse o editor da Opera Mundi, perdemos o Pré-Sal, o STF "relativizou" o princípio da presunção de inocência, concedeu poderes especiais a um certo juiz do Paraná e tivemos a aprovação da #PECdoFimdoMundo, em primeira votação na Câmara dos Deputados. 



A charge que ilustra este editorial é do cartunista Renato Aroeira.  


terça-feira, 11 de outubro de 2016

Manifesto de apoio à candidatura de João Paulo a prefeito do Recife ( Leia, pense e assine)



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Assistimos a uma onda de conservadorismo invadir o país, expressa na resultado eleitoral do primeiro turno. O golpe parlamentar, com forte apoio da mídia, que rasgou a Constituição e afastou uma presidenta democraticamente eleita produziu um ambiente em que políticos comprometidos com os interesses dos ricos e poderosos saíram-se vitoriosos na maioria das capitais e das grandes e médias cidades.
Por razões distintas, três capitais brasileiras transformaram-se em campos de batalha onde as forças democráticas, de esquerda e populares enfrentam os setores de centro-direita, parceiros do golpe. As eleições do Recife, Rio de Janeiro e de Belém poderão ou não eleger governos democráticos para seus habitantes e para o país como um todo.
As vitórias de João Paulo no Recife, Marcelo Freixo no Rio de Janeiro, e Edmilson Rodrigues, em Belém, interessam a todos os militantes da causa democrática e representarão a resistência democrática em nosso país.
No caso especial do Recife, acreditamos que João Paulo, que já governou a cidade por dois mandatos seguidos, saberá levar adiante um projeto em defesa da liberdade, das conquistas sociais e dos mais pobres; irá recuperar a eficiência da gestão municipal e sua integração com as demandas da sociedade. Experiência não lhe falta. João Paulo saiu da Prefeitura, em 2008, com 88% de aprovação e ainda hoje as pessoas recordam dos avanços que a cidade assistiu em sua gestão: a inversão do trânsito em Boa Viagem, o saneamento dos bairros da Mangueira e da Mustardinha, a abertura de vias, a paralela da Caxangá, a Via Mangue, a contratação de 2.650 professores, o investimento na formação dos educadores, a multiplicação das equipes de agentes da família, o Carnaval Multicultural do Recife, entre tantas outras ações e obras.
Hoje, no entanto, alguns ganhos obtidos na gestão se perderam.  Nos últimos anos, o Recife andou para trás. Um bom exemplo é a volta das palafitas. Foram retiradas quase duas mil famílias dessas habitações indignas e transferidas para conjuntos habitacionais. Na saúde, o abandono atual facilitou o aparecimento de doenças que estavam erradicadas ou eram desconhecidas. 
Sabemos que João Paulo encontra-se numa disputa eleitoral em um contexto político desigual. Além de enfrentar um governo nacional ilegítimo, vê-se diante de duas outras poderosas máquinas – as dos governos municipal e estadual. Mas há uma vigorosa resposta das ruas, um sentimento de mudança que cresce dia a dia, e estamos agora em defesa desse projeto, independente de nossas concepções do mundo e filiações partidárias. 
O que nos une é a defesa da democracia e a esperança por um Recife mais justo e solidário e a certeza de que, eleito João Paulo será um importante interlocutor das forças democráticas na conquista de um país mais justo e igual.


Charge! Com a genialidade do Renato Aroeira

domingo, 9 de outubro de 2016

Socialismo ou barbárie outra vez?

A ditadura já começou, por Luis Felipe Miguel

O novo regime busca hoje manter ao máximo a aparência de legalidade, mas a tendência é que caminhe para formas cada vez mais escancaradas de violência
Assim como sofremos um golpe de novo tipo, estamos vivendo o início de uma ditadura de novo tipo. Não será o regime de um ditador pessoal, até porque nenhum dos possíveis candidatos ao posto tem força suficiente para alcançá-lo. Não será uma ditadura das forças armadas, ainda que sua participação na repressão tenda a crescer. Provavelmente, muitos dos rituais do Estado de direito e da democracia eleitoral serão mantidos, mas cada vez mais esvaziados de sentido.
A ditadura se expressa no alinhamento dos três poderes em torno de um projeto claro de retração de direitos individuais e sociais, a ser implantado sem que se busque sequer a anuência formal da maioria da população, por meio das eleições. Entre muitos outros sinais de que ela já começou, é possível citar:
- A decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no dia 22 de setembro, concedendo ao juiz Sérgio Moro poderes de exceção. Na prática, as garantias constitucionais ficam suspensas para qualquer um que seja alvo do juiz curitibano.
- A decisão do Supremo Tribunal Federal, do último dia 5 de outubro, de permitir o encarceramento de réus sem que os recursos tenham sido esgotados. Vendida como medida para impedir a impunidade dos poderosos, amplia o poder discricionário de um Judiciário que é notoriamente enviesado em suas decisões. Apenas como ilustração, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro afirmou em nota que mais de 40% de seus recursos ao STJ têm efeito positivo. É, portanto, um contingente muito expressivo de pessoas que começariam a cumprir penas depois consideradas injustas.
- Outra decisão do STF no mesmo dia permitindo que a polícia invada domicílios sem mandado judicial.
- O aumento generalizado da truculência policial, algo que vem desde o final do governo Dilma, estimulado pelo clima político de avanço da reação - e também pela legislação que o próprio governo Dilma aprovou.
- O rolo compressor das mudanças na lei e na Constituição, com o uso inaceitável do instrumento da medida provisória (como no caso do ensino médio) ou a ausência de qualquer debate, seja com a sociedade, seja dentro do próprio Congresso. A entrega do pré-sal e a PEC de estrangulamento do investimento público servem de exemplo: a "base governista" nem tentou fingir que não estava apenas cumprindo o ritual da aprovação parlamentar, sem qualquer engajamento em discussões com a oposição.
- O avanço da censura e a imposição da narrativa única pelos oligopólios da mídia empresarial, parceiros de primeira hora da ditadura em implantação. Isso se dá em várias frentes. Há o estrangulamento econômico dos meios de comunicação independentes. Há a intimidação das vozes críticas, da qual o exemplo maior são as inúmeras decisões judiciais que penalizam qualquer um que ouse falar sobre o ministro Gilmar Mendes. E há o cerceamento à liberdade de expressão nos espaços em que ela possa ocorrer, como faz o projeto Escola Sem Partido. A comissão especial criada para discuti-lo na Câmara dos Deputados é formada quase que exclusivamente por fundamentalistas cristãos e outros direitistas extremados. Uma ação no Supremo, contra a lei que foi aprovada em Alagoas, mas que barraria iniciativas similares no Brasil todo, está parada nas mãos do ministro Luís Roberto Barroso.
- A volta da tortura a prisioneiros, com motivação política. O encarceramento por tempo indefinido, com o objetivo expresso de "quebrar a resistência" de suspeitos (pois nem réus são) e levá-los à delação, tornou-se rotina no Brasil e é uma forma de abuso de poder, de constrangimento ilegal e, enfim, de tortura. (E antes de que alguém lembre que a tortura a presos comuns nunca se extinguiu no Brasil, cabe ponderar que a extensão da prática em nada melhora a situação dos presos comuns; ao contrário, pode piorá-la.)
- A volta da perseguição política, com inquéritos farsescos contra alvos selecionados, com o objetivo de apenas encontrar justificativas para punições definidas de antemão. O cerco a Lula é o exemplo mais claro.
- A criminalização do PT e da esquerda em geral, alimentada pelos meios de comunicação empresariais e pelos poderes de Estado, com destaque agora para a campanha do governo Temer sobre "tirar o Brasil do vermelho". A agressividade crescente dos militantes da direita, produzida de forma deliberada, tenta emparedar as posições à esquerda, progressistas e democráticas, ao mesmo tempo em que a cassação de registros partidários torna-se uma possibilidade mais palpável.
O novo regime busca hoje manter ao máximo a aparência de legalidade, mas a tendência é que caminhe para formas cada vez mais escancaradas de violência. Há uma razão simples para isso. Seu projeto é a confluência de quatro eixos: (1) entrega do patrimônio nacional; (2) ampliação da taxa de exploração do trabalho; (3) retrocesso nos direitos de grupos subalternos, com a reafirmação das hierarquias tradicionais (penso nas mulheres, na população negra, em lésbicas, gays e travestis); e (4) permanência das práticas de corrupção e de saque do Estado em favor da elite política reinante. Os eixos revelam o espectro de interesses diversos que se reuniram para a deflagração do golpe.
Trata-se de um projeto extraordinariamente lesivo para a grande maioria do povo brasileiro. Graças à baixíssima educação política da maior parte da população e à campanha incessante da mídia, para muita gente a ficha não caiu. Mas os efeitos da redução dos salários, do aumento do desemprego, do subfinanciamento do Estado e do desmonte dos serviços públicos logo se farão sentir de forma plena. Para conter a inevitável reação popular, será necessária uma escalada repressiva e restrições cada vez maiores aos direitos.
Diante deste cenário, de uma luta desigual e prolongada, o campo democrático brasileiro parte atrasado e sem clareza. As eleições municipais funcionaram e ainda funcionam como uma bela armadilha para colocar as forças de esquerda, progressistas e democráticas brigando entre si, enquanto os novos donos do poder nadam de braçada. É triste perceber a falta de visão e de grandeza que faz com que lideranças e militantes do PT e do PSOL prefiram puxar o tapete uns dos outros em vez de unir forças contra o inimigo comum; é triste ver um candidato de esquerda anunciando que a campanha no segundo turno será "municipalizada" e não tocará em questões nacionais; é triste ver como a energia que devia ser canalizada para a construção da resistência é desperdiçada no conflito interno.
Há muito o que criticar na trajetória das organizações de esquerda e suas lideranças - sobretudo do PT, que foi o principal partido durante décadas e exerceu o poder. Que o PT errou, todos sabemos. Mas a discussão, necessária, sobre seus erros e seus limites não pode impedir a unidade de ação contra o golpe e sua agenda. A expressão "Frente Ampla" está na boca de todo mundo, mas para muitos ela parece designar "somente eu e meus amigos". Não. É uma frente, isto é, reúne uma diversidade de grupos. E é ampla: nela devem estar aqueles com quem eu divirjo sobre muitas coisas, desde que possamos agir juntos em relação a algo que concordamos que, no momento, é o prioritário.
E o prioritário é restabelecer a vigência das regras democráticas e impedir o recuo social. Se as lideranças da esquerda brasileira não entendem isso, não entendem nada.

(Publicado originalmente no Jornal GGN)

Charge!Aroeira via Facebook

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Editorial: PT: Como morre um partido político?



O livro Os Partidos Políticos, do sociólogo e cientista político Maurice Duverger, é um livro que parece não sofrer os efeitos do tempo. Escrito em 1951, continua um livro atualíssimo sobre o tema, sobretudo em razão de apresentar uma teoria sobre os partidos políticos, que mereceu poucos reparos ao longo desses anos. Quando trata da origem dos partidos políticos, por exemplo, Duverger vai nos apresentar uma distinção bem clara sobre os partidos de quadros, nascidos nos parlamentos, e os partidos de massa, que tem sua origem fora do parlamento, nas organizações sindicais e movimentos sociais. Os partidos de massa surgiram exatamente para representar uma demanda social, que jamais foi atendida pelos partidos de quadros. Assim, esses partidos, em função da origem e identidade com determinados segmentos eleitorais, vão apresentar características bem diferenciadas. Os partidos de quadros podem acabar, simplesmente, pela vontade dos seus caciques, dos seus donos, de acordo com as conveniências de ocasião. Já em relação aos partidos de massa, a situação é bem mais complexa, envolvendo inúmeros fatores, inclusive um divórcio com a sua base histórica de sustentação.

O senador Aécio Neves(PSDB), depois dos resultados das eleições municipais do último domingo, dia 02, soltou uma frase cheia de regozijo pelo desfecho da malograda campanha petista, que perdeu 60% das prefeituras conquistadas nas eleições de 2012: O PT foi dizimado. Certamente, alguma coisa precisa ser feita em relação ao Partido dos Trabalhadores, cotidianamente atacado por uma mídia ensandecida, com o propósito inequívoco, como mesmo disse o senador, de dizimar a legenda ou promover o seu "assassinato simbólico" no imaginário do cidadão comum. Como afirmamos num artigo sobre as eleições municipais do Recife, o eleitorado anti-petista, consolidado durante esse período, foi um dos principais trunfos das forças conservadoras nessas eleições municipais. E, pelo andar da carruagem política de Fernando Haddad, em São Paulo, que perdeu muitos votos na periferia, o que começou como uma onda da elite e dos coxinhas de classe média, começa a atingir os estratos sociais mais fragilizados economicamente.  

Se perguntamos a algum profissional de comunicação ou da área de marketing político, ele, certamente, chegará à conclusão de que, de fato, algo no Partido dos Trabalhadores está irremediavelmente dizimado. Parece-nos não haver dúvida quanto à constatação de que, do ponto de vista da comunicação, alguma coisa precisa ser feita. Suas principais lideranças no plano nacional já falam em fazer uma reformulação geral da legenda, quem sabe até mesmo mudando o seu nome.Numa campanha de comunicação muito bem-sucedida das forças conservadoras, a sigla PT, o número 13, a estrela foram "criminalizados". Claro que quando se trata de sua linha programática a conversa é bem outra. 

As "velhas" teses da legenda continuam com uma atualidade impressionante, sobretudo nesses momentos de entrega da exploração do Pré-sal à empresas estrangeiras, que é um golpe de misericórdia na soberania nacional. Enquanto do ponto de vista da coalizão petista, os recursos obtidos com a exploração do Pré-sal seriam destinados à educação e à saúde, neste governo deve alimentar os tubarões das grandes corporações financeiras internacionais. Mas isso precisa ser comunicado e o problema aqui são as barreiras criadas para essa comunicação. Como bem disse o Lula, num discurso da "virada" - que acabou não ocorrendo - em prol do candidato Fernando Haddad - o partido montou uma quadrilha para tirar 36 milhões de brasileiros da extrema pobreza. Não satisfeito ainda, o governo Temer aprovou a famigerada PEC, que contingencia recursos para essas áreas pelos próximos 20 anos.

Ou seja, do ponto de vista da democracia substantiva, o partido, ao adotar uma série de políticas públicas que oportunizaram o brasileiro a ter uma vida digna, estudarem, diminuindo as desigualdades, deu sua contribuição à consolidação de nossa democracia. Por outro lado, no que concerne à engenharia da democracia procedimental, deixou de fazer reformas importantes como a reforma política e a que propunha a democratização da mídia, acabando com a hegemonia dos grandes oligopólios familiares. Isso facilitou, em muito, como se sabe o trabalho dos seus inimigos políticos. Na realidade, os problemas que o partido enfrentou na gestão da coisa pública foram utilizados - e muito bem utilizados - pelas forças conservadoras para a retomada do poder e adoção de sua agenda pública. Que, aliás, não é tão sua assim, mas resultado de um conjunto de interesses de grandes corporações financeiras e dos Estados Unidos. 

Como bem disse o editor do Le Monde Diplomatique, Cáccia Bava, as forças do campo progressista perderam a batalha de comunicação para as forças do campo conservador.Não somos - tampouco pretendemos ser - algum analista de mídia, mas uma simples curiosidade nas redes sociais e na imprensa escrita do dia nos remetem à dimensão que a situação atingiu aqui no país. Observem a repercussão da notícia sobre o novo indiciamento, pela Polícia Federal, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estampado nas manchetes acima, assim que a notícia foi divulgada. Quanto ao novo indiciamento pela Polícia Federal, seus advogados estão questionando bastante o fato de órgãos ligados ao PIG tomarem conhecimento dos fatos -e o alardearem - muito antes dos advogados de defesa dos réus, uma "tramitação", digamos assim, curiosíssima.

Aqui no Recife, precisamente na Av. Conde da Boa Vista, havia uma senhora, numa de suas calçadas, que costumava comercializar a estrela do Partido dos Trabalhadores. Nunca mais vi aquela senhora. Não sei como se comportaram os demais candidatos em todo o Brasil, mas aqui no Recife João Paulo conduziu sua campanha carregado da simbologia petista, de camisa vermelha, estrela no peito e com Lula em seu palanque na reta final. Agora no segundo turno, embora aberto às negociações, enfrenta sérias dificuldades diante dos demais postulantes, de feições claramente anti-petista. Nomes como Priscila Krause(DEM) e Daniel Coelho(PSDB) não iriam compor com ele em nenhuma hipótese, mesmo em sabendo tratar-se de postulantes com severas críticas à gestão do senhor Geraldo Júlio(PSB). Causa estranheza, no entanto, a suposta posição de neutralidade do senhor Edilson Silva, do PSOL. João Paulo conduziu sua campanha com muita dignidade. É um vencedor independentemente do resultado do pleito. Sobretudo neste momento delicado para as forças progressistas, ninguém entendeu muito bem foi a posição do senhor Edilson Silva.

Bons tempos aqueles em que a militância petista se reunia para defender suas teses, em encontros e congressos memoráveis da legenda. Hoje é posto o dilema da própria existência da legenda, que talvez precise de ser refundada, em razão de alguns equívocos cometidos, mas sobretudo em razão de uma campanha sem precedentes de "linchamento de imagem" promovido pela mídia golpista, com objetivos bem claro.No dia de hoje, além do indiciamento de Lula ter alcançado destaque, como disse, em tradicionais veículos do PIG, também ocupou um espaço privilegiado no Trend Trip do microblog twitter. Cumprindo a tradição, aqui na província, um dos principais jornais locais dão destaque a esta notícia, conforme capa reproduzida acima. 

P.S.: Do Realpolitik: Há quem afirme que o PT acabou quando resolveu adotar uma política de conciliação de classe com as forças conservadoras da sociedade brasileira com o objetivo de viabilizar-se para chegar ao poder no plano nacional, com Luiz Inácio Lula da Silva. Logo essa política de conciliação de classe demonstraria sua fragilidade, pela absoluta incapacidade de nossa elite em permitir a construção de uma nação que incorpore o andar de baixo da pirâmide social na condição de cidadãos. Na realidade, como disse um filósofo, nós não vivemos num país, apenas ocupamos o mesmo espaço físico. Foi um momento delicado acompanhar, por exemplo, a degradação do segundo governo da ex-presidente Dilma Rousseff, se descaracterizando em concessões e concessões a essa força, segurando-se num fio de cabelo para preservar o seu mandato. Nem assim foi possível. Já que estamos falando tanto em "impossibilidades", com a debacle do PT, surge como força política de esquerda o PSOL, mas o partido, como informa o cientista político Michel Zaidan, ainda não possui a capilaridade política suficiente para formatar um conjunto de alianças políticas que o torne viável num pleito presidencial. Há de se perguntar, igualmente, se tal composição de alianças não o deixaria um partido comprometido programaticamente.  Há de se perguntar, igualmente, se tal composição de alianças não o deixaria um partido comprometido programaticamente, o que é um dado bastante relevante quando se trata de partidos de massa. Na realidade, o declínio dos partidos políticos é generalizado, indo muito além do PT. Aqui no Brasil, contribui para o esfacelamento do PT elementos relacionados às estratégias montadas para afastá-lo do poder, assim como inviabilizar suas principais lideranças, notadamente Luiz Inácio Lula da Silva, quem sabe com a sua prisão, naquilo que está sendo chamado pelos cronistas políticos de segunda fase do golpe institucional ora em curso. Mas, como disse, a morte dos partidos políticos é um fenômeno que ocorre em todos os países que adotam a democracia representativa. Como observo no primeiro parágrafo, "naqueles tempos", os partidos, como os de massa, até surgiam para representar os interesses e as demandas de determinados segmentos sociais. Os próprios núcleos sociais que participaram da formação do PT é um excelente exemplo disso, como o Novo Sindicalismo, setores progressistas da Igreja Católica, grupos que combateram a Ditadura Militar e procuravam inserirem-se na lula institucional etc. O problema é que hoje, o sistema político ruiu e passou a representar os interesses de grandes corporações, sobretudo as financeiras, deixando a representação popular absolutamente órfã. Em termos de partidos políticos, desde que o livro de Duverger foi lançado, em 1951, tivemos um retrocesso descomunal. 


Nova obra de Michel Zaidan reúne artigos sobre marxismo

 
livro “Ensaios sobre Teoria” é uma publicação do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia (NEEPD) da Universidade Federal de Pernambuco. O conteúdo é uma espécie de prestação de contas de quem, como Zaidan, trabalhou durante muitos anos em universidades brasileiras, lecionando disciplinas de Teoria da História e Teoria Política.

Chico Porto - JC Agência



Por isso mesmo, a obra traz uma coletânea de ensaios, artigos, resenhas e notas tratando de alguns dos principais pensadores da modernidade (Hegel, Marx, Engels, Bobbio, Benjamin, Habermas e outros). São textos escritos em ocasiões diversas e com finalidades muito diferentes, mas eles ganham unidade na proposta editorial do livro.
Apresentam, em geral, o marxismo numa perspectiva crítica. Buscam compreendê-lo no interior da própria história das idéias socialistas e num diálogo permanente com outros autores marxistas brasileiros, como Octávio Brandão, Leandro Konder, Carlos Nelson Coutinho, José Paulo Netto e Marco Aurélio Nogueira.
Entre a variedade de temas abordados encontram-se o marxismo heterodoxo de Walter Benjamin e sua recepção no ambiente universitário brasileiro; o pensamento de Gilberto Freyre e Octávio Brandão, “um Lênin que poderia ter acertado”.
Michel Zaidan Filho é Professor do Departamento de História da Universidade federal de Pernambuco e coordenador do NEEPD. È autor de importantes obras sobre a formação e primeiros anos do comunismo no Brasil, entre elas estão Nas origens de um marxismo nacional, O PCB e a Internacional Comunista e Os comunistas em céu aberto.

O livro pode ser adquirido diretamente no Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia (Neepd) da UFPE - endereço Avenida Prof. Moraes Rego, 1235 - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50670-901 ou do e-mail neepd@ufpe.br