pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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terça-feira, 19 de abril de 2016

Crônicas do cotidiano: Carta a uma jovem professora da minha província





José Luiz Gomes da Silva


Dizem os mais experientes que quando a gente cruza o cabo da boa esperança, ali pelos 50 anos, a ideia de finitude começa a aparecer em nossos horizontes. Acontece comigo - e creio que com outros tantos - a mania de ficar remexendo em coisas velhas - aquelas que a minha esposa permite ainda que possamos manter - como a coleção do caderno Ideia, do antigo Jornal do Brasil, o Mais, da Folha de São Paulo, duas máquinas de escrever Olivetti antigas, uma coleção de vinil - todos os discos do Chico e da Banda de Pau e Corda - o Le Monde Diplomatique, um conjunto de textos e recortes ainda preservados. Fiquei sem muito o que fazer com esses últimos, até que resolvemos disponibilizá-los para a estudantada mais jovem, através de um blog de pesquisa escolar, que passou a fazer enorme sucesso, com quase mil acessos diários. 

Uma das postagens mais acessadas é uma crônica que escrevemos sobre a cidade de Paulista, por ocasião da comemoração dos seus 78 anos de emancipação política. Nunca entendi muito bem porque do sucesso dessa crônica entre os posts acessados. Inquieto, passamos a invocar algumas possibilidades: poderia ser os antigos companheiros de peladas da Mata do Frio, ali contemplados. À época, a Mata do Frio tinha qualquer coisa de especial, com um excelente campo de várzea, muita manga espada e um bom rio para os mergulhos depois das peladas; quem sabe a rapaziada da Praça Monte Castelo; os ex-alunos e alunas do Círculo dos Operários Cristãos; talvez os ex-jogadores do Uberaba Futebol Clube, um time de craques que, em competições oficiais, nunca perdeu uma peleja nas quatros linhas. Por falar no Uberaba, que saudades do Nego Tom, um centro-avante de habilidades excepcionais. Dava gosto vê-lo jogar naquelas manhãs de domingo, de vitórias memoráveis do nosso clube do coração. Por onde anda o Nego Tom? Todas as possibilidades seriam possíveis, mas deixei de especular a esse respeito pela simples razão de não chegar a conclusão alguma sobre o assunto. 

Andei relendo a crônica, escrita há alguns anos atrás. Hoje faria muitas intervenções no sentido de melhorá-la. Começaria por excluir os acréscimos introdutório, como resultado de uma visita recente àquela cidade, por ocasião do recadastramento biométrico. Mas manteria as críticas às recentes intervenções urbanas que o município sofreu. Eis que recebo, através dos canais específico do blog, uma longa mensagem de uma professora da rede de ensino municipal daquela cidade, nos informando sobre o "mistério": a crônica está sendo utilizada em sala de aula em sua escola e em outras escolas do município, com enorme sucesso entre a gurizada. Em meio a essa tempestade perfeita que tomou conta do país - com uma crise política, ética e econômica generalizada -, professora, para nós que nos exercitamos no ato de escrever, não poderia haver notícia melhor.

A crônica relata uma Paulista "daqueles tempos", de campos de várzea; das reservas de mata atlântica e eucaliptos; de riachos de águas transparentes - cheios de peixes e camarões Pitu -; dos carrinhos de rolimãs, que desciam desembestados pelas ladeiras, fazendo a festa da gurizada; das melhores brincadeiras de crianças; da "Levada da Tinta", cujas águas mudavam de cor. Nem Saint Exupéry, com  seu gênio criativo, poderia imaginar coisa do gênero. Uma Paulista que não existe mais, espremida que foi pela urbanização de seu espaço físico, em razão da especulação imobiliária. A Levada da Tinta até secou. 

Estamos preparando uma grata surpresa, professora Maria Lúcia. Logo ela deverá está disponível para os seus alunos e alunas, assim como a todos os paulistenses. Agradeço imensamente o convite para este debate com os alunos e professores. Um forte abraço do amigo. 

  

O xadrez político das eleições municipais de 2016, no Recife: Os tucanos confirmam o nome de Daniel Coelho para a disputa.







José Luiz Gomes 

A repercussão sobre a votação do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff continua esquentando as discussões nas redes sociais. Já existe uma iniciativa popular no sentido de pedir a cassação do mandato do deputado federal Jair Bolsonaro que, ao anunciar o seu voto no último domingo, o dedicou a um conhecido torturador dos dias de trevas vividos durante a vigência do regime militar no país, o coronel Brilhante Ustra, falecido recentemente. De alguma forma era preciso encontrar um instrumento que enquadrasse este indivíduo, que assume posições anti-democráticas, misóginas, fascistas e obscurantistas. 

O mais grave é que ele conta com apoiadores. Quando esteve aqui em Pernambuco fez o maior sucessor junto a determinados segmentos sociais conhecidos. Foi recebido com festa no Aeroporto dos Guararapes e as galerias da Assembleia Legislativa de Pernambuco ficaram lotadas para ouvi-lo. O deputado estadual do PSOL, Edilson Silva, quase apanha ao tentar proferir um discurso contra a sua presença naquela Casa. Afinal um dos grandes problemas da democracia representativa brasileira reside, justamente, no nosso eleitorado, capaz de eleger uma bancada de representantes com a capacidade de protagonizarem cenas como aquelas observadas no último domingo. 

Dizem que as traições são comuns na política, mas o eleitorado não perdoa os traidores. Numa atitude até certo ponto surpreendente, o PDT expulsou dos seus quadros os 06 parlamentares do partido que votaram favorável ao afastamento da presidente Dilma Rousseff. Quando desembarcou no Aeroporto dos Guararapes, voltando de Brasília, o deputado federal dos Democratas, Mendonça Filho, foi vaiado por uma trupe que o aguardava, sob os gritos de traidor e golpista. Logo alguém informou que se tratava de gente do PT. Tenho aqui as minhas dúvidas.

Aterrissando aqui na província, depois da votação do último domingo, os atores políticos parecem dispostos a retomarem as articulações em torno das próximas eleições municipais de 2016. Até recentemente, um jornal local fez uma espécie de enquete - envolvendo questões relativas à cidade do Recife - com um conjunto de atores políticos que poderão se habilitar a concorrer àquelas eleições. Há até um número expressivo de candidatos que, creio, não são conhecidos pelo eleitorado e também nunca disputaram uma eleição majoritária. Vamos ver  se essas candidaturas vingam para fazermos as nossas considerações.

Entre aqueles nomes, os conhecidos Edilson Silva(PSOL), Sílvio Costa Filho(PTB), Priscila Krause(DEM) e Daniel Coelho(PSDB). Já falei aqui para vocês - mas não custa repetir - Daniel Coelho é uma espécie de "cuco" chocado no ninho tucano. Por não se apresentar ao eleitorado com aquele bico indefectível dos tucanos tradicionais, ele vem obtendo uma penetração bastante razoável junto ao eleitorado recifense nas últimas eleições que disputou. A vereadora Aline Mariano pediu desfiliação do PSDB por entender que a sua situação ficaria complicada na agremiação, uma vez que apoia o projeto de reeleição do prefeito Geraldo Júlio, do PSB. 

Com o seu desligamento do grêmio partidário tucano, ficava ali configurado que o PSDB parecia mesmo disposto a bancar uma candidatura à Prefeitura da Cidade do Recife. Não deu outra. No dia de hoje, ali na sua sede localizada no Bairro do Derby, com a presença de novos grãos-tucanos, como o ex-governador João Lyra, o partido anunciou uma aliança com o PSL e apresentou a chapa que deverá disputar as eleições municipais de 2016, no Recife: Daniel Coelho na cabeça de chapa e Sérgio Bivar, do PSL, na vice. Sérgio Bivar é filho de Luciano Bivar. O PSL tem dois representantes na Câmara Federal e votou fechado a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Apesar de ser um partido pequeno, percebo que há um forte interesse do mundo político pernambucano em prestigiar essa agremiação. Até recentemente, se especulou que o empresário Luciano Bivar poderia assumir uma cadeira de deputado, depois de arranjos junto ao governador Paulo Câmara, que deveria convidar para o seu Governo parlamentares, permitindo que ele, como suplente, assumisse. 









segunda-feira, 18 de abril de 2016

Michel Zaidan Filho: Dia do cão




Tive o imenso desprazer de ouvir ontem, na Rádio Jornal, onde aguardava para dar uma entrevista, duas figuras sinistras, dessas que são convidadas a fazer o trabalho sujo para os outros, enquanto se enxergam como grandes protagonistas da História: o neto-genro do coronel Chico Heráclito e genro do senador biônico Marcos Vinícius Vilaça, e o menudo e político de primeira geração, Bruno Araújo, se regozijando pelo feito de ter ajudado a empurrar para frente o cortejo fúnebre da democracia brasileira. É quando se produz a inversão típica de valores, onde a democracia parece um lamentável mal -entendido(Sérgio Buarque de Holanda): como é que acusados, réus, beneficiados por propinas de grandes empresas se tornam – num passe de mágica – em acusadores! Estaríamos assistindo a um filme surrealista, onde das profundezas do inferno, aparecessem figuras espectrais se arvorando em “anjos vingadores” com espadas apontadas para os infiéis? Esse é o quadro dantesco da política brasileira. 

A se consolidar essa imagem danada do Congresso Nacional, onde o diabo em forma de anjo ou cordeiro, aparece com a promessa de redenção, poderíamos votar uma lei geral (e não uma PEC pedindo eleições gerais) institucionalizando a bandalheira no país! Quem em sã consciência pode levar a sério esse rito diabólico de inversão? – A mídia desregulamentada e monopolizada por algumas famílias? – A plutocracia da FIESP interessada em pagar menos impostos e reduzir direitos trabalhistas? As igrejas neopentecostais, com seus bispos e pastores travestidos de políticos, com a Bíblia numa das mãos, e a bandeira do Brasil, na outra? – O judiciário acovardado? Ou um aparelho policial fora de controle?

Poderíamos usar a imagem de George Orwell: a mentira é a verdade, o roubo é a caridade, a injustiça é a justiça e assim por diante. A comunidade internacional ri do espetáculo mambembe de deputados fantasiados de papagaios, fazendo declamações de amor ao Brasil, à sua igreja, ao seu povo, enquanto passeiam impunes pelas listas de propinas das grandes empresas. Deputados “democratas” que enaltecem a Justiça, quando ela lhes convém, mas que ao mesmo tempo obstruem decisões dos tribunais superiores, quando não gostam ou não concordam com elas. O que fazer com essas criaturas grotescas que apareceram na telinha. Ensaiando o papel de “salvadores da Pátria”? – Acham que continuaram iludindo a boa-fé da nossa gente brasileira, apostando no apoio da mídia e no ativismo do senhor Gilmar Mendes? – Ou nos almoços de filé mignon patrocinados pela FIESP?


Em algum momento, vai ficar claro o descompasso entre o teatrinho dessa camarilha e os interesses do país, quando o impostor se sentar –impudicamente – na cadeira presidencial (sonhando em ser candidato em 2018). Quando começar o processo de rapina das riquezas nacionais, a destruição das políticas compensatórias, o ataque sistemático aos direitos dos trabalhadores e pensionistas, quando se abrir a carnificina interna entre os aproveitadores do botim, vamos ver o que acontecerá com a alegria e a felicidade desses vendilhões da Pátria, dos fariseus de todas as Igrejas, dos sepulcros caiados da Igreja Sara Nossa Terra. Aí, o diabo em pessoa, e de cara lisa, vai aparecer para cobrar, com juros e correção monetária, a obra realizada pelos seus empregados.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE

Michel Zaidan Filho: Dia de luto para a democracia brasileira.








Quando ocorre uma grande perda na vida de uma pessoa, os psicanalistas falam que é preciso "elaborar" a dor, a tristeza, para que ela não produza efeitos negativos na trajetória da pessoa. Os brasileiros que acompanharam com muita aflição a farsa do tribunal de exceção montado em Brasília, ainda não tiveram tempo suficiente para absorverem catarticamente os efeitos daquilo que aconteceu. A inércia da própria vida, as nossas obrigações cotidianas e as nossas necessidades nos impelem a continuar, independentemente desses acontecimentos. Mas uma coisa é certa: houve ontem em Brasília um espetáculo surrealista onde os acusados, os réus, os bandidos se tornaram acusadores. Tive de ouvir, antes de tentar dormir, as vozes de duas criaturas sinistras, daqui de Pernambuco, se regozijando com o trabalho sujo feito a pedido do chefe, Eduardo Cunha, e do principal beneficiário, o mordomo do Drácula. 

Para o meu desprazer tive de comentar as tristes declarações de ambos falando em justiça, em trabalho, em liberdade, desenvolvimento etc. Confesso que sou uma pessoal passional, não tenho sangue de barata nem a frieza de certos facínoras, quando acabam de cometer um crime e depois se fingirem de santo diante da vítima. Contudo o que se viu ontem foi uma comédia de efeitos trágicos para o país. Existem os que ganham, existem os que executam, existe a massa de manobra e, claro, os grandes interesses econômicos internos e externos, esperando a hora de "dá o bote".

O Brasil ainda precisa amadurecer muito a sua experiência democrática; sobretudo aprender que democracia não convive com monopólio desregulado de audiência televisiva. Não convive com um judiciário sem autonomia ou independência. Com um aparelho policial sem controle. E com igrejas que atentam contra a laicidade do Estado republicano no Brasil. O que isso produz é um simulacro de democracia, a serviço de interesses escusos que não ousam mostrar a cara ou pronunciar o seu nome. Desde a proclamação da República fizemos uma cópia servil do Presidencialismo norte-americano, talvez porque quiséssemos deixar para trás a herança patrimonialista portuguesa. 

Mas a utopia não reproduziu as virtudes cívicas do modelo original, a ponto de se dizer que a adoção da democracia entre nós era um lamentável mal-entendido. Um federalismo anômalo, um sistema partidário fantasmagórico, um sistema eleitoral vulnerável ao abuso do poder econômico de grandes empresas, um judiciário acovardado e um presidente da República que se não assume o aspecto de "um ditador republicano", como queriam os positivistas, torna-se refém de interesses inconfessáveis. É chantageado até a morte.

O que fazer no quadro institucional como esse? - Ceder à chantagem dos pequenos, médios e grandes partidos (e seus donos), vender a alma a eles, ou governar com o povo e sem o Congresso? - Só os messias e reformadores do Estado conseguiriam fazê-lo, usando - como disse Maquiavel - a espada e o carisma. Uns têm carisma, mas não têm a espada. Outros têm ou procuram a espada, mas não dispõe de carisma. Nós brasileiros ainda não perdemos a fé em ressuscitar D. Sebastião, ou Getúlio ou Ulisses Guimarães. Ainda esperamos por alguém que, com a espada do anjo vingador, venha nos livrar dos maus políticos, dos vendedores do templo, dos fariseus e seus sepulcros caiados, brandindo a Bíblia de um lado, e a bandeira do Brasil, de outro. Pobre República, essa que nós temos ou que tivemos nesse último domingo.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE

sábado, 16 de abril de 2016

Por que ser de esquerda, em especial nesse momento?

A conjuntura diante de nós traz um emaranhado superposto de fatos, interpretações desses fatos, atores, instituições, práticas e interesses em conflito. Põe no centro de uma crise atos de corrupção que acontecem há anos, transgovernamentais. Temos um governo legalmente constituído, representando o quarto mandato de uma aliança política longeva no processo democrático, algo nunca visto na história do país na república. Um governo que acumula ações e números que revelam mudanças importantes nas condições de vida e acesso aos direitos por parte do povo brasileiro, ainda que, por dentro e por fora do próprio governo e de sua base, política, social e acadêmica, não sejam poucas as vozes que denunciam a incapacidade dessa aliança em ter feito reformas estruturais que mexessem nos pilares mais sólidos da dominação política, econômica e financeira da história da nação, sobretudo em seus anos republicanos e, em particular, na transição do século XX para o século XXI.
Ainda no palco da conjuntura vemos instituições político-partidárias e outras, empresariais, movendo-se para todos lados, enfrentando a aliança atual eleita desde 2003, aproveitando-se de suas fragilidades programáticas, éticas, para, como salvadores da pátria, constituírem-se em alternativa ao governo da nação. Entre esses atores, há aqueles, privados, que sempre foram parceiros/hospedeiros de governos e grupos políticos no país, desde o Império, dessa vez revelados mais do que como empresas em si, também como agentes corruptores da gestão pública no país.
Como peças dessa conjuntura que se revela a cada dia, se movem o Ministério Público e o Judiciário, um mais jovem que o outro em suas atuais funções republicanas após 1988, mas, também, susceptíveis às pressões e ingerências, seja na escolha de seus componentes seja no ritmo, na direção e nas intenções de suas atuações e decisões.
A esquerda, seus atores, suas instituições e suas práticas encontram-se nesse momento numa condição desafiadora. Parte de seus integrantes está na atual aliança de governo, foram atores centrais na construção das conquistas sociais até aqui obtidas pela sociedade. Ao mesmo tempo, deixaram-se levar pela centralidade da ocupação do aparelho de estado durante o governo, abdicando da realização de reformas estruturais nos mandatos que integram. Vejo como ainda mais grave, por serem posições de esquerda, o abandono que praticaram do debate macroeconômico, revelando-se passivos ante o modo atual de acumulação do capital, seus dogmas e arquiteturas de gestão da economia, em especial da política monetária, fundamentados em certos princípios, talvez por acharem que, com sábias manobras de gestão fiscal e orçamentária no dia-a-dia, poderíamos promover políticas distributivas, enfrentar e vencer a desigualdade, por justiça social, direitos humanos e distribuição de renda. Nessa conjuntura, como afirmei antes, mais uma vez na história do país, a questão da corrupção entra em cena. Alguns entendem que se repete não só o tema, mas a velha ladainha moralista, própria de um partido do século passado, a UDN, que fazia do combate à corrupção um de seus motes principais, com viés nitidamente moralista.
Estranho que parte da esquerda pense assim, se essa esquerda se insurgiu, em governos frente aos quais foi oposição, combatendo a privatização do patrimônio público, a venda banal de empresas estatais e a abertura da economia a agentes privados internacionais nos anos anteriores aos do governo que integra hoje.
Ora, corrupção também é privatização e dessa forma tem que ser enfrentada. A venda de uma empresa pública pode ocorrer sem ilícitos, embora no nosso país a ilicitude das privatizações dos anos de FHC, embora não investigada pelos que o sucederam (sabe-se lá porque), tenha deixado rastros por todos os lados. Corrupção não só é privatização, é crime organizado, é, também, meio pelo qual se acumulam fortunas e poder para os que dela se beneficiam, reduzindo o tamanho e o universo de atuação do estado, pela subtração de suas receitas. Contudo, no conflito entre os atores denunciados nessa conjuntura e aqueles que tentam vencê-los de todas as formas, ser de esquerda é defender a legalidade que sustenta os atuais mandatos, é denunciar a tentativa de seus opositores de, valendo-se de fatos velhos e fatos novos grosseiramente engendrados, mal explicados, gerarem outros fatos que levem a população e o Congresso Nacional, de forma antecipada, sem o voto nas urnas, a trilharem os caminhos do impedimento legal dos governantes, antes que as instituições para tal constituídas possam fazê-lo, se razões e provas  houver, com o desenvolvimento dos devidos processos legais de investigação, denúncia, julgamento e punição, com as consequências penais que a lei determina, a privação da liberdade e o seu afastamento da vida pública.
Além disso, numa conjuntura onde a esfera política alimenta e é alimentada pela esfera econômica, ser de esquerda é conjugar a defesa da legalidade dos mandatos constituídos com a defesa de profundas alterações do cenário econômico. Para isso o ponto de partida primário é o desmonte da espinha dorsal que sustenta o atual modelo e seu diagnóstico, partindo de algo essencial numa economia: A estabilidade monetária. É a fragilização dessa estabilidade, com o processo inflacionário, o centro da questão em torno da qual análises, decisões e ações se engendram na economia. Tais fundamentos precisam ser revistos. A inflação atual, sua composição e suas alterações, as medidas para seu enfrentamento e as consequências disso para as finanças públicas e o capital privado, seja ele especulativo ou produtivo, tudo deve ser revisto.
A defesa da estabilidade monetária, que não se confunde com inflação zero, nem taxa fixa universal para toda e qualquer economia, toda e qualquer nação, não é propriedade privada de uma única corrente de pensamento econômico, nem traz, em si, um único caminho e suas decisões monetárias.
Nesse contexto, onde a economia oscila segundo o dia-a-dia da crise política e dos traços que lhe desenham, ser de esquerda é denunciar a falência dos atuais modelos de mensuração, diagnóstico e enfrentamento da inflação, pois o que trazem de estável e crescente é, apenas, a inércia das repetitivas medidas que engendram ( juros altos quando a inflação sobe), o peso da dívida pública nas contas nacionais, e por ela, a extração de formidáveis massas de riqueza depositada pela sociedade no tesouro nacional, fruto de impostos e contribuições injustamente pagos pela maioria de assalariados e pelo consumo das famílias. Em suma, as medidas ora hegemônicas de combate à inflação trazem concentração de renda e riqueza por fora dos processos produtivos, que movem matérias primas, bens de capital, força-de-trabalho, geram empregos e receitas para o país. Por isso o desemprego cresce e os salários reais diminuem. A saída das elites é na contramão dos direitos: flexibilizar as relações de trabalho, retirar os sindicatos das mesas de negociações, remover a CLT do meio desse “caminho” e terceirizar os contratos de trabalho. Por isso querem o impeachment de Dilma. Para eles, com Temmer ficaria mais fácil aprovar a agenda que lhes interessa.
Ser de esquerda é trabalhar com organização e mobilização, para a superação dessas engrenagens, dando apontando rumos políticos e sociais ao governo (será outro, não nos iludamos, mais cedo ou mais tarde, se o atual abdicar das iniciativas nessa direção), tarefa essencial frente à enormidade de interesses que serão contrariados com tais medidas.
Ser de esquerda é propor uma política econômica que conjugue estabilidade, crescimento e desenvolvimento, é barrar e superar o atual modelo onde o estado e as finanças públicas são pilares da acumulação de capital improdutivo, e não de desenvolvimento. É propor uma política fiscal progressista que desonere os salários mais baixos e o consumo, onerando as altas rendas, patrimônio e ganhos de capital, como nos países nórdicos. Ser de esquerda é defender um estado desprivatizado, livre da corrupção, socializado, guiado pelo planejamento democrático para o desenvolvimento e não como hoje, um estado-âncora da acumulação do capital na esfera financeira e mobiliária (títulos, papéis, câmbio e ações).
Ser de esquerda é defender a democracia direta, os referendos e plebiscitos, é defender uma lei de mídia democrática, frente às oligarquias da comunicação, ao lado da representação política constituída (diferentemente de como foi até 2014), a partir de agora, sem a contaminação do capital, financiador de campanhas, de candidatos e de partidos, para tê-los sob seu comando no parlamento e no governo.
Ser de esquerda nessa conjuntura é afirmar e defender as mobilizações sociais como ferramentas em defesa das reformas estruturais, de um projeto democrático e de desenvolvimento, sustentável, inovador, superando as influências nefastas dos valores absolutos do mercado, do egoísmo, do capital especulativo e da submissão das nações em desenvolvimento aos interesses das nações e dos grupos financeiros internacionais, ávidos pela reprodução ampliada de seu capital em escala mundial.
Para isso, ser de esquerda hoje, mais do que nunca, é ser internacionalista, é ser solidário aos povos e nações que, como o Brasil, sofrem a pressão desses capitais e da foça destruidora de suas engrenagens econômicas e midiáticas. A Europa que rejeita os imigrantes é exemplo disso, embora defenda a livre circulação de capitais de suas empresas e fundos financeiros depositados em seus bancos pelo mundo afora. A humanidade é uma só, ante o que ser de esquerda é defender e promover os direitos humanos, a tolerância e o respeito à diversidade em todos os planos da existência humana. A construção da felicidade e da plenitude de seus direitos passa pela solidariedade, pela convergência de forças em todo o mundo nessa direção, forças que buscam a realização desses objetivos comuns em escala planetária. Ser de esquerda, especialmente nesse momento, é seguir nessa direção.
Paulo Rubem Santiago é presidente da Fundação Joaquim Nabuco
(Publicado originalmente na Plataforma de Esquerda)

O day after do Brasil será na rua

O capítulo decisivo após a votação do impeachment será na rua, onde a onda progressista cresce, e na corrida para 2018, que Lula lidera.

por: Saul Leblon

Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Seja qual for o placar da Câmara no domingo, 17, o day after da votação não inaugurará uma nova hegemonia com força e consentimento para repactuar as linhas mestras da sociedade e do desenvolvimento brasileiros.

Ao contrário.

Provavelmente apertado, o resultado reafirmará a natureza do impasse histórico em que se encontra o país.

Assiste-se a uma ofensiva sem volta de uma parte da  elite brasileira –com seus elos internacionais-- para derrubar o governo da Presidenta Dilma Rousseff e promover uma restauração neoliberal na oitava maior economia do planeta e principal referência da luta pelo desenvolvimento no mundo ocidental.

 
Se perder a sua aposta parlamentar, o golpe não desistirá.

Acionará outras modalidades com o mesmo objetivo, por uma razão bastante forte.

O conservadorismo simplesmente não dispõe de uma opção eleitoral capaz de derrotar o PT nas urnas e implantar o lacto purga de ‘livre mercado’ que preconiza para substituir o ciclo de expansão vivido desde 2004.

Nem mesmo o fuzilamento diuturno de Dilma, Lula e do PT desde a vitória presidencial de 2014 conseguiu atenuar essa limitação conservadora.

São robustas as chances de um novo revés em 2018.

Foi isso que o Datafolha alertou neste domingo   –talvez com a deliberada intenção de acelerar o pacto golpista, mas escondido do leitor no pé da pág. 8.

Ali se acoberta uma singela notícia para um  momento como o atual.

Lula lidera a corrida para 2018 em três de quatro cenários testados e empata com Marina num quarto.

Mais que isso.

Sob perseguição explícita do aparato judicial e midiático, refém de manipulações grosseiras e vazamentos seletivos, seu índice cativo de melhor presidente da história saltou para 40% em 20 dias (era 35% na pesquisa anterior, de março). 

Sob massacre ininterrupto, ainda assim sua taxa de rejeição caiu de 57% para 53%, enquanto a dos rivais subiu, puxada pela de Aécio, que saltou 10 pontos, a de Temer (seis pontos) e a de Marina (cinco pontos).

O veículo dos Frias naturalmente omitiu interações que exigiriam cogitar um clima de virada no ambiente político, mas o fato é que a  taxa de apoio ao impeachment de Dilma também caiu neste último Datafolha.

E não na margem de erro.

Em 20 dias de intenso fogo midiático contra a Presidenta, o apoio ao impeachment recuou expressivos sete pontos (61% x 68%). 

É tão disfuncional para a linha da Folha que seus editores acharam por bem escondê-la.

O que teria levado a essa reversão a uma semana do voto decisivo?

A explicação ajuda a entender porque o conservadorismo foge da urna como o diabo da cruz.

O que mudou nos últimos 20 dias é que Dilma foi à luta.

A Presidenta despiu a tecnocrata e se assumiu líder de um governo sob cerco golpista.-

As cerimonias no Planalto deram centralidade aos movimentos sociais. 

Abriu-se a agenda para atos políticos  que de outra forma seriam sabotados pela mídia, como o encontro dos artistas, o dos intelectuais e o recente, com movimentos de mulheres.

Mais que isso.

Lula voltou às ruas.

Ao contrário do que muitos alardeavam, e alguns temiam, encontrou empolgante receptividade desde a apoteótica manifestação do dia 18, em São Paulo.

Para onde iriam as atuais taxas de rejeição do ex-presidente, em uma disputa eleitoral em que eventos como esses repetir-se-iam diariamente, sendo repercutidos no horário eleitoral para todo o país?

A resposta qualitativa sugere que para toda uma geração do PSDB, de Serra a Alckmin, passando por Aécio e Richa, a chegada ao  poder passa pela caça a Lula e depende do êxito de um golpe de Estado.

Novas e velhas gerações progressistas e democráticas, ao contrário, reaprenderam no ascendente ciclo de mobilizações dos últimos 20 dias, que o governo tem base social disposta a defende-lo; e que a  rua pode engasgar o golpe mesmo com o dispositivo midiático e o aparelho judiciário ao seu dispor.

Em resumo: se vencer dia 17, o golpismo enfrentará uma crescente, tenaz e diversificada resistência de partidos, movimentos sociais, sindicatos, intelectuais, artistas e classe média democrática.

É apenas um pálido retrato do que pode ocorrer.

Mas já se configura uma espiral só equivalente à de 2002, quando a esperança venceu o medo em concentrações e massa pelo país; ou às gigantescas manifestações pelas Diretas Já; ou ainda às demonstrações de contestação à ditadura militar, posteriores ao golpe de 1964, até a edição do AI-5, em 1969.

É essa a filiação do impressionante movimento que em poucas semanas –desde o quase sequestro de Lula por Moro, em 4 de março--  catalisou um sentimento difuso de indignação, sacudiu a classe média democrática, reaglutinou a intelectualidade progressista, articulou-a aos movimento sociais e às centrais de trabalhadores  e começa a ganhar capilaridade organizada, com o florescimento de centenas de comitês pela defesa a legalidade, unificados na Frente Brasil Popular.

E não só em universidades.

Neste final de semana, intensificou-se a irradiação da resistência nas periferias das grandes capitais.

Em São Paulo, Brigadas Populares Contra o Golpe visitaram bairros como Jardim Miriam, Vila Prudente, Itaquera, São Miguel Paulista etc. 

Trata-se de somar à resistência democrática a barragem popular contra o arrocho social e fiscal envelopado no programa do impeachment, ‘Uma ponte para o Futuro’.

Portanto, não há trégua à vista.

O que pretende o conservadorismo é incompatível com a legalidade, a Constituição e as urnas.

Significa que ao terceiro turno em curso, suceder-se-á um quarto, um quinto, um sexto até que se defina o novo ponto de coagulação política que dará forma a outro arranjo de poder e de desenvolvimento.

Interesses antissociais e  antinacionais viram nesse vazio conflagrado a chance de se impor àsociedade por um atalho permeável a projetos de reduzida chance eleitoral.

 
Passo a passo vem promovendo os requisitos ao seu objetivo histórico, a saber:


1. destruir o Partido dos Trabalhadores e tornar suas lideranças sentenciadas e inelegíveis; 

2. fazer a economia gritar:  paralisar o mercado,  sabotar o crescimento,  congelar o investimento, gerar desemprego, insuflar incerteza, pânico e ódio, sobretudo na classe média;

3. desqualificar políticas públicas e avanços obtidos na organização da economia, do mercado de trabalho, das políticas sociais e da soberania geopolítica, corroendo  na prática o espírito e os objetivos da própria Constituição de 1988. 

A crispação se vale daquele que talvez tenha sido o erro superlativo dos governos liderados pelo PT: manter intocado o aparato de comunicação nas mãos da direita brasileira, ademais de supor que seria aceito como sócio remido no clube da lambança eleitoral. 

A cobrança atual mostra o custo mortal dos dois erros.

Definitivamente, o arranjo de poder que sustentou os governos do PT desde 2003 não existe mais.

E não há viagem de volta na história.  É preciso afrontar o projeto de país embutido no golpe com um outro projeto e uma outra governabilidade. 

Dispor de base parlamentar continua vital.

Ela terá que ser recomposta. Mas não será mais capaz –se é que um dia foi-- de sustentar a coerência e a eficácia de um governo determinado a avançar na construção de uma democracia social no país.

Novos atores (frentes populares, mesas de pactos setoriais) e novas formas de participação democrática (conferências nacionais deliberativas, plebiscitos etc) terão que ser construídas. A informação plural terá que romper a blindagem do monopólio conservador, ou será impossível debater alternativas aos impasses do desenvolvimento. 
 

A pedra de toque dessa trajetória consiste em restaurar transparência aos dois campos em confronto na sociedade para expor o agendamento conservador ao céu que o protege: os interesses da elite dominante.

Não há saída puro sangue.

Será preciso negociar pactos, metas, salvaguardas que preservem conquistas, admitam concessões temporais e garantam ganhos estruturais .

Saber onde estão as respostas e reunir a energia política capaz de validá-las é a fronteira que divide a derrota da inauguração de um novo ciclo histórico.

A hegemonia necessária à retomada do desenvolvimento nascerá desse encontro entre  ideias e os fatos criados nas ruas e nas mesas de negociação. 

A seguir, algumas diretrizes extraídas de documentos produzidos por intelectuais engajados em pensar o day after da nação brasileira:

‘...a preservação do emprego e da renda dos trabalhadores é crucial para estancar o retrocesso social e para a consolidação de um mercado interno de consumo de massas capaz de sustentar o crescimento econômico e, por consequência, revigorar a arrecadação governamental, baseada, em grande parte, nas contribuições sobre a folha de salário ... são necessárias medidas emergenciais de curto prazo: o Programa de Preservação do Emprego deve ser ampliado, ter sua duração estendida. A utilização de crédito direcionado dos bancos públicos, condicionado a acordos de manutenção dos empregos, é outro exemplo nessa direção’;

... a definição de meta fixa ou rígida para superávit primário desconsidera que as receitas são afetadas pelo comportamento do quadro macroeconômico nacional, internacional e do cenário político (...) O estabelecimento de “bandas” em torno de meta do superávit, ao invés da fixação de uma taxa fixa, especialmente num período de “travessia” onde reinam incertezas sobre os resultados, é o mais recomendável’; 

‘...a retirada de parte ou da totalidade dos investimentos públicos das metas de superávit primário, é recomendável, uma vez que tais investimentos geram receitas futuras e se financiam no médio e longo prazo’; o desbloqueio do investimento público pode ser capaz de reativar o circuito do gasto privado, ajudando a economia a reverter sua atual situação recessiva e aumentando a receita fiscal’;

‘...em diversos países a meta para a inflação é distribuída num intervalo de 24  meses ou a uma variação de longo prazo, o que dá mais margem à política monetária (juros) para responder apenas às elevações permanentes de preços’; 

‘...combater uma inflação de múltipla origem exige a adoção de políticas e instrumentos econômicos mais refinados e sofisticados que a simples manipulação da taxa básica de juros da economia. Não é com desemprego que se combate inflação’;

‘...Banco Central brasileiro deve ter um mandato duplo, centrado no combate à inflação e à geração de emprego, com a utilização de outros instrumentos de política monetária para a obtenção simultânea destes objetivos’;

‘... a taxa de câmbio real/dólar é umas das mais voláteis do mundo, com um mercado de câmbio extremamente permeável à especulação financeira. As altas taxas de juros têm grande responsabilidade na atração de capitais especulativos que provocam rápidas ondas de valorização e desvalorização cambial, mas há no país também uma institucionalidade que favorece essa especulação; aqui, os movimentos da taxa de câmbio não refletem o fluxo de moeda, mas sim o mercado de derivativos onde se negocia múltiplas vezes o volume de dólares do mercado à vista. A opção por uma taxa de câmbio menos volátil, que reflita as condições reais da economia, exige a regulação ampla do mercado de câmbio, não apenas para disciplinar o fluxo de moeda, mas também a operação com derivativos’;

‘...para voltar a crescer é preciso reverter a atual política monetária; taxas tão altas de juros não encontram nenhuma justificativa numa inflação que é preponderantemente de custos (desvalorização cambial, aumento de preços de bens e serviços monitorados pelo governo, e a própria elevação dos juros), além de alguns problemas de sazonalidade (alta dos alimentos devido à seca etc.). No longo prazo, juros como os atuais alimentam a desindustrialização e estagnação da economia com o consequente flagelo do desemprego. O Brasil vive  uma recessão em processo avançado, com rápido aumento do desemprego e queda do rendimento médio do trabalho, ademais de índices crescentes de inadimplência e recuo no grau de utilização da capacidade produtiva da indústria. O déficit primário (sem o custo dos juros da dívida pública) representa pouco menos de 10% do resultado nominal global (que inclui o peso dos juros). A principal responsabilidade pela magnitude do déficit nominal, no Brasil, portanto, reside na manutenção desnecessária de taxas de juros excessivamente elevadas e nas rotineiras intervenções do Banco Central no mercado de câmbio, com a venda de swaps cambiais. Juntos, os juros e as perdas do BC com essas operações, já são responsáveis por despesas financeiras da ordem de  7% do PIB, ou seja, cerca de 90% de todo o déficit nominal. Mantido essa dinâmica não há como a relação dívida bruta/PIB deixar de crescer, asfixiando o lado real da economia em nome do combate a uma inflação que não é de demanda’;

‘... a melhor alternativa ao arrocho fiscal é a recomposição da capacidade de financiamento do Estado e a melhor alternativa à recomposição dessa capacidade de financiamento é o crescimento da economia, que potencializa as receitas governamentais. Dado o atoleiro no qual o país mergulhou, porém,  deve-se aproveitar ainda os espaços existentes para recompor a capacidade de financiamento público pela revisão dos incentivos fiscais, o combate à sonegação e, principalmente, pela realização de reforma tributária que enfrente a vergonhosa injustiça do sistema brasileiro, altamente regressivo e ineficiente. A revisão da política de renúncia fiscal nos casos em que não produziu o resultado previsto também se impõe. O Brasil é vice-campeão mundial em sonegação de impostos (13,4% do PIB). Perdemos apenas para a Rússia (14,2% do PIB). Em valor, a evasão fiscal em 2011 foi de US$ 280 bilhões, só atrás dos EUA, de US$ 337 bilhões (o valor da sonegação norte-americana, no entanto, corresponde a somente 2,3% do PIB). A recriação (mesmo com alíquota reduzida) de um imposto sobre transações financeiras contribuiria assim  para a definição de uma base de dados transparente, que dificultasse  a evasão fiscal, concentrada nos setores mais ricos da sociedade’;

‘...o Brasil é uma das sociedades mais desiguais do mundo. O topo da pirâmide social, formado por 71.440 pessoas com renda mensal superior a 160 salários mínimos, totalizou rendimentos de R$ 298 bilhões e patrimônio de R$ 1,2 trilhão em 2013. Essa minúscula elite (0,05% da população economicamente ativa) concentra 14% da renda total e 22,7% de toda riqueza declarada em bens e ativos financeiros. Esses extremamente ricos apresentam elevadíssima proporção de rendimentos isentos de imposto de renda. Outra face da injustiça do sistema tributário brasileiro reside na inexistência de imposto sobre a distribuição de lucros e dividendos. Entre os 34 países da OCDE, apenas a Estônia adota semelhante bizarrice. Em média, a tributação total do lucro (integrando pessoa jurídica e pessoa física) chega a 43% nos países da OCDE (sendo 64% na França, 48% na Alemanha e 57% nos EUA). No Brasil, a taxa é inferior a 30%. As raízes desse descompasso remetem às reformas realizadas ditadura militar, ampliadas no ciclo neoliberal dos anos 90. Nenhum governo ousou mudar essa equação, que se transformou em fonte de degenerescência da estrutura tributária e em obstáculo para o crescimento econômico e a justiça fiscal. Não se justifica condenar os deserdados a pagarem os custos do desajuste fiscal recessivo para preservar o privilégio tributário dos ricos: é possível simultaneamente fazer justiça fiscal e justiça social’;

‘...é preciso construir uma rápida resolução das crises no setor de engenharia e petróleo e gás no Brasil, fundamentais para a retomada do investimento. Sem se contrapor às investigações de corrupção, o governo deve convergir para uma proposta de curto prazo: punir os corruptores e multar as empresas, sem retirar destas a capacidade de ação e investimento. Outra opção é  terceirizar o controle e a gestão, com a troca do seu controle acionário quando a  direção estiver desabilitada por crimes comprovados. A possibilidade de pagamento das multas judiciais com ações garantiria a saúde financeira dos grupos e possibilitaria uma saída negociada para alterar seu controle acionário, mantendo-se os  investimentos e a capacidade de gerar emprego’;

11.’...é vital preservar a política salarial para garantir expansão do mercado interno de consumo de massas; esse é um dos pilares do ciclo de crescimento recente e constitui em importante vetor da impulsão da economia; também para a retomada do crescimento econômico e industrial é fundamental que não se retroceda na política de valorização do salário mínimo. O fortalecimento do mercado interno deve ser harmonizado com políticas monetária, cambial, comercial e industrial para evitar que seu dinamismo resulte apenas em aumento das importações, em detrimento da industrialização brasileira’;

‘...o gasto social brasileiro é um importante vetor da demanda agregada. Por seus efeitos multiplicadores, o sistema de proteção social se constitui em instrumento para, simultaneamente, impulsionar o crescimento e reduzir as desigualdades. Um incremento de 1% do PIB nos gastos com educação e saúde, por exemplo, gera crescimento do PIB de 1,85% e 1,70%, respectivamente; o aumento de 1% do PIB nos gastos dos programas Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada e Previdência Social eleva a renda das famílias de 2,25%, 2,20% e 2,10%, respectivamente; um choque de 1% do PIB no gasto com saúde enseja uma diminuição de 1,5% no índice de Gini’;

‘... É preciso barrar qualquer proposta que vise retirar (ou desvincular, como consta do programa do golpe, ‘Uma ponte para o Futuro’) recursos destinados aos investimentos sociais e aos serviços públicos, em particular aqueles com potencial dinamizador mais elevado. A melhoria da gestão dos recursos pode ser fonte de economia de recursos para a União, desde que não impliquem em redução da qualidade e do acesso’.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Editorial: A sorte está lançada. Não apenas a de Dilma, mas a de todos os brasileiros.




O chefe da Advocacia-Geral da União, José Eduardo Cardozo, é um cidadão muito polêmico. Sobre ele já disse muita coisa, até mesmo que era o mais tucano dos assessores do Planalto. Isso, claro, quando exercia outras funções. Como ministro da Justiça, não raro, foi acusado de criar alguns embaraços para os petistas, ao não manter controle sobre as operações da Polícia Federal. No geral, ele sempre foi visto como um cidadão que transmite uma certa dubiedade. Agora, no entanto, ao assumir a defesa da presidente Dilma Rousseff, não se pode negar que ele se empenhou bastante e produziu uma peça de defesa irretocável. Mas, como se sabe, o problema nunca foi jurídico. 

Havia algumas divergências no Palácio do Planalto sobre se seria aconselhável recorrer ao STF no sentido de impedir a votação do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff no próximo domingo. Havia o temor de um "desgaste" com uma eventual rejeição do STF. Se ficou mais "desgastada" a situação do Planalto eu não sei. O fato é que a sorte está mesmo lançada para o dia 17, no domingo. A maioria dos ministros do STF não viram nenhum problema de o pedido ser votado como está. Compete aos parlamentares ficarem atentos às tais pedaladas, que é o que está em jogo, e deixarem as outras questões de lado.

Aos coxinhas de plantão e aos brasileiros preocupados com os rumos que o país pode tomar consumado este processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff, que cumpre apenas uma das etapas do jogo, aconselharia a leitura do artigo do professor Fernando Magalhães, publicado aqui no blog. Deixo o link com vocês no final deste editorial. Assim como a peça de defesa da presidente Dilma Rousseff, produzida por Cardoso, poderia refrear essa insensatez - como informa o cientista político Michel Zaidan Filho. Isso se houvesse algum interesse de conciliação nacional entre esses abutres - o artigo do professor Fernando Magalhães antecipa cenários que deixariam qualquer parlamentar de sobreaviso sobre o day after. 

Não são todos que bradam o  "Fora, Dilma", que dimensionam corretamente o problema. Em 1964, por exemplo, hoje uma das entidades mais engajadas na defesa do impeachment, a OAB, apenas se deu conta do problema com a decretação do Ato Institucional Número 05, que comprometeu bastante as liberdades individuais e coletivas. Várias secções regionais da OAB foram vítimas de atentados, inclusive a pernambucana, e, nem assim, parece que eles aprenderam a lição. Em 2016 estão aí, novamente, para endossar essa ilegalidade contra o mandato da presidente Dilma Rousseff. 

Se Dilma cair ela não cairá sozinha. Levará com ela os milhares de brasileiros e brasileiras que votaram nela nas eleições de outubro de 2014; os avanços conquistados no enfrentamento do problema da pobreza no país; o legado da diminuição das desigualdades sociais; o combate sistemático à corrupção; e, o mais importante: a manutenção e o aperfeiçoamento de nossas instituições democráticas. Sem o devido respeito ao seu mandato, corremos sérios riscos de um retrocesso. Perdemos todos. Vai com Dilma o fio da esperança da legalidade, da preservação do Estado Democrático de Direito, que passou a ser "assediado" nos últimos anos.   

Editorial: Dentro das regras da legalidade, não há mais nada a negociar.






A julgar pelo jogo bruto que está sendo jogado em Brasília, pelos operadores que trabalham pela aprovação do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, não descarto a possibilidade concreta de o Planalto encontrar alguns problemas no sentido de conquistar os 172 votos necessários para barrá-lo na votação programada para o próximo domingo. O rolo-compressor envolve desde a negociação de cargos e vai ao limite das ameças veladas, conforme já foi denunciado. O que está em jogo não é apenas a "cabeça" da presidente Dilma Rousseff, mas o pescoço de inúmeros parlamentares envolvidos em falcatruas com o dinheiro público. Feita as contas, aprovado o impeachment da presidente, já está acertada as outras etapas do jogo, numa operação que envolveria acordos no sentido de poupar determinados parlamentares de constrangimentos legais. Isso sem falar na brutalidade ( ou pacote de maldades) das medidas de ajustes que estão sendo pensadas pelo conjunto de forças que desejam o PT fora do poder. Afora o mais que provável "endurecimento" do exercício do poder político.

É um jogo de bandidos. Um jogo para se jogado entre as facções do crime organizado que, na absoluta ausência do aparelho de Estado, controlam as unidades prisionais. Um governo que tem Michel Temer como vice não é, necessariamente, nenhum "mocinho", mas há uma nítida impressão de que as forças governistas perderam a capacidade de "barganha". Se o pedido de impeachment é aprovado pela Câmara dos Deputados, dificilmente o Planalto conseguirá sua reversão na apreciação pelo Senado Federal. Uma derrota acachapante do Planalto na Câmara produziria um efeito devastador no Senado Federal. Seria pouco provável estancar essa sangria, com os "coxinhas" comemorando a vitória como se fosse a conquista de uma copa do mundo.   

Em última análise, o que se pode compreender é que Dilma Rousseff, pelo que se conhece de sua integridade, não autorizaria negociações que extrapolassem os limites estritos da legalidade. Certo mesmo estava Barroso, ministro do STF, ao demonstrar suas preocupações sobre os rumos do país com essa gente que aí está. De forma consequente, o ex-ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, manifestou sua preocupação sobre o que poderá ocorrer domingo, em Brasília, onde foi erguido uma espécie de muro, onde serão separados os partidários do impeachment e aqueles que são contra. A despeito de todo o aparato policial mobilizado, há, concretamente, a possibilidade de confronto. 

Jamais imaginaria que pudéssemos chegar a este estágio. O ovo da serpente estava sendo "chocado" e, sequer, nos apercebemos da gravidade. Foi ganhando musculatura nas lares, nas ruas, no trabalho, nas escolas, nas repartições públicas, nas escolhas equivocadas do PT. Alás, a burocracia petista, embebida pelo exercício do poder, perdeu o contato com os movimentos sociais, permitiu que seus inimigos históricos comessem o governo por dentro. Governou com os inimigos, dormiu com os inimigos. Cevou urubus que hoje vicejam na carniça. Não é incomum encontrarmos dentro das repartições públicas, exercendo cargos de confiança, coxinhas pregando abertamente o impeachment da presidente Dilma Rousseff. 

Muitas reformas deixaram de ser feitas, outras mantidas em banho maria, e hoje paga-se um preço muito alto por isso. Avançamos nas políticas sociais de corte inclusivo, mas marcamos passo na educação, na reforma política, na regulação da atuação dos meios de comunicação de massa. Existem uns manipuladores a rasgarem a Constituição, usurparem mandatos legítimos, acusarem sem prova, condenarem sem julgamento, e uma massa amorfa a seguir seus rumos obscurantistas, sem se dar conta das consequências deste ato para a saúde já frágil de nossa democracia.  

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quarta-feira, 13 de abril de 2016

Crônicas do cotidiano: Arruando pelas ruas do Recife com uma namorada americana.






Houve um tempo em que residíamos ali naquele espaço que os amigos denominavam de "Portal do Derby", um trecho já no final da avenida Conde da Boa Vista e início do bairro do Derby, separados apenas pela Av. Agamenon Magalhães. Bons tempos aqueles, onde se podia curtir as árvores centenárias da praça do menor bairro do Recife, os amigos da Casa do Estudante, a cervejinha gelado do Drive In - aos final da tarde -, o Cinema da Fundação -nas matinês dos domingos-, os eventos da Cultura Francesa. Por essa época namorávamos uma americana que, não raro, fazia uma ponte entre Nova York, Derby e Gaibu apenas para matar as saudades do mago.Que chico!, como diria minha caçulinha Maria Luísa. Outro dia, remexendo as coisas velhas, encontramos um monte de recordações daqueles tempos.

Dando-se uma esticadinha a mais - mais para a Conde da Boa Vista - podia-se apreciar as iguarias gastronômicas do seu mercado - como o cuscuz com bode guizado de Dona Maria - uma prosa no Bar Mustang, os sorvetes da primeira soverteria Fri-Sabor, os pães da Padaria Imperatriz, que fica imprensada na rua do mesmo nome - onde se fazem os melhores pães do Recife. Os sorvetes da Fri-Sabor já não são mais os sorvetes daqueles tempos. Não são mais os sorvetes que costumávamos apreciar com Marlon, Gabriel e outros amigos de outrora. Era um sorvete artesanal, de receita caseira, imbatível. Creio que o processo de industrialização não lhe fez bem. A marca foi comprada e expandiu seus negócios. É administrada pelas mulheres de um grande grupo industrial do Estado. Nada contra as mulheres, mas o sorvete não é mais o mesmo. 

Por essa época, ainda se podia vestir uma camiseta, uma bermuda folgada, calçar um chinelo havaiano e arruar pelo Recife,como diria Mário Sette, curtindo sua paisagem, seu sítio histórico, sua gastronomia, sem os receios de ser molestado numa esquina qualquer. Não que não houvesse essas ocorrências desagradáveis naquele período, mas, certamente, a incidência era bem menor. Sempre gostava de começar ali pela tradicional Faculdade de Direito do Recife, nas proximidades do Parque Treze de Maio. O Parque Treze de Maio tem 6,9 hectares e já foi bem maior no passado, segundo dizem. Havia a informação de que tanto o prédio onde hoje funciona a Câmara Municipal do Recife quanto a Faculdade de Direito do Recife teriam contribuído para limitar seus espaços. Depois descobri que foram edificações construídas bem antes da inauguração do Parque. O que, de fato, contingenciou seu espaço físico foi a construção da Biblioteca Pública do Estado e o complexo escolar do IEP. 

À época foi instituído um concurso para a aprovação do projeto do Parque, vencido por Domingos Ferreira, nome de uma avenida do Bairro de Boa Viagem. Comenta-se, igualmente, Gilvan Lemos, que os pardais chegaram no Recife através daquele parque. Havia ali, em abundância, um inseto que incomodava bastante seus frequentadores. A solução foi importar esses pássaros de origem africana para o local. Eram predadores naturais deste inseto. Tornaram-se uma praga urbana, inclusive afugentando muitas outras aves daquele local.

Seguindo pela Princesa Isabel, vamos dar num trecho da Rua da Aurora, onde o poeta Manuel Bandeira ia fumar escondido. Casario ainda preservado, prédio do Ginásio Pernambucano e da Assembleia Legislativa do Estado. Na direção da TV Universitária é mais bonito, inclusive pelas intervenções do local e do manguezal do Capibaribe, mas já não se aconselhava desde aquela época. É mais seguro ir em direção ao centro. Na época, na cabeceira da ponte Princesa Isabel, ficava uma escadinha onde se era possível alguns flashes, observando-se, ao fundo, o Palácio do Campo das Princesas. Era uma boa tomada. 

Cruza-se a ponte Princesa Isabel - há um poema aos namorados nas pontes e nas águas do Rio, J. Michiles -  e chega-se à bifurcação que nos remete ao Palácio do Campo das Princesas ou ao Teatro de Santa Isabel. Na pracinha que fica em frente ao Palácio do Campo das Princesas, um imenso Baobá, talvez o mais robusto do Recife. Possui um tronco enorme. Seguindo em frente - depois de apreciar as belezas do Rio Capibaribe, conhecer o Pátio de São Pedro e o Mercado de São José - estamos chegando ao Recife Antigo, Marco Zero, Praça do Arsenal, Torre Malacoff, Rua do Bom Jesus, Sinagoga Kahal Zur Israel, a primeira construídas pelos judeus nas Américas, Teatro Apolo - o mais antigo do Recife - Cais do Porto, Rua da Guia, Marco Zero, onde o Recife nasceu há cinco séculos.  Ainda hoje se faz aquele trajeto, por sinal inseguro, em alguma canoa, entre o Porto e as esculturas de Francisco Brennand, na outra margem.Na época elas ainda não existiam. 

Comenta-se que a esposa de um prefeito do Recife fez alguns comentários sobre aquelas esculturas e o caso repercutiu bastante, quase provocando uma tragédia. Na opinião dela, as esculturas se assemelhavam ao órgão sexual masculino. Um colunista social resolveu relatar o fato numa coluna que assinava no jornal e o prefeito entrou armado na redação para tomar satisfações. Aquela área ali era muito boa para os amassos. Deserta e romântica. Ficávamos por ali mesmo, horas a fio, voltando apenas no finalzinho da tarde. 

Aos domingos, logo cedinho, Gaibu, onde ficávamos na palhoça de seu Duda, um senhor muito conhecido na localidade. Ali se comia muito bem os frutos do mar, preparados com esmero para clientes de longas datas. À noite, num barzinho, ouvir música ao vivo, na voz e violão de Paulinho. Leslye, este era o nome dela, gostava muito de Geraldo Azevedo, principalmente Dia Branco, música obrigatória no repertório de Paulinho.Depois de um pucha- encolhe que durou três anos e meio - sempre nessa ponte Nova York -Derby-Gaibu , Leslye deve ter se cansado da insistência para que fôssemos residir na terra do Tio Sam. Ela acabou ficando por lá, e eu por aqui, na província, ainda se lambuzando com o cuscuz com bode de Dona Maria. Faça bom uso dos seus hamburgueres com Coca-Cola.  

Editorial: Um sistema político, definitivamente, liquidado.





Durante esta semana que antecede a votação do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, publicaremos editoriais diários sobre o assunto. Estamos aqui, dentro das nossas limitações conhecidas, ocupando os espaços possíveis nas redes sociais e na blogosfera com o propósito de se contrapor ao massacre midiático a que a presidente Dilma Rousseff está sendo submetida cotidianamente. Não fosse bastante a torpeza de um pedido de impeachment sem fundamentação jurídica - o que pode ser traduzido, com todas as letras e os pontos nos "is", como um golpe - ela vem sendo atacada na sua honra, publicamente traída por aqueles que deveriam estar ao seu lado nesses momentos difíceis, como um vice, que foi eleito junto com ela, na sua chapa. Há muitos adjetivos para classificar essa atitude abjeta do seu vice, Michel Temer, mas creio um dos adjetivos possíveis seria covardia. 

Caso essa sandice seja aprovada, vamos fazer história da pior forma possível, olhando para o retrovisor, o que, em si, não seria um problema, desde que não estivéssemos flertando com o obscurantismo, com práticas nefastas e anti-democráticas, incapazes de respeitar as prerrogativas mínimas de um mandato obtido legitimamente nas urnas. Tem razão a presidente quando invoca essa questão. Tratar Cunha e Temer de conspiradores - sem identificar quem está liderando quem - constitui-se apenas numa grande tautologia, senhora presidente, pois trata-se de dois contumazes conspiradores. Não se espere desses dois senhores algo de caráter republicano ou de lealdade. Lealdade, sim, aos seus interesses pessoais mais comezinhos e dos párias que os acompanham.  

Mas, uma outra questão que merece nossas considerações, são as capas das revistas semanais destas últimas semanas. Na semana passada a revista IstoÉ trouxe em sua edição a foto da presidente Dilma Rousseff e uma ilação sobre o seu suposto destempero. A panfletagem, alimentada por fontes não identificadas do Palácio do Planalto - fazia alusão aos possíveis destemperos da presidente com os seus auxiliares. Tratava-se de uma "matéria" típica do jornalismo marrom, o que levou as autoridades do Governo a mover todas as ações possíveis no sentido de obter alguma reparação pelo dano à honra da presidente. 

Desta vez foi a revista Veja - sim, ela mesmo - que se superou nos ataques à presidente Dilma Rousseff, estampando na capa desta semana que o seu Governo está em liquidação. Já disse outras vezes aqui que alguns órgãos de imprensa do país hoje parecem destinados a assumirem a condição de porta-vozes de um determinado segmento de consumidores. No caso desses órgãos, consumidores "coxinhas". Deixaram de fazer jornalismo já faz algum tempo. A capa desta revista Veja circulou no gabinete daqueles deputados que votaram a favor da aprovação do parecer do deputado relator Arantes, ontem, na Câmara dos Deputados. 

O que vai ocorrer no próximo dia 17 ainda é incerto. Há uma oposição que aposta todas as suas fichas na aprovação do pedido de impeachment na Câmara dos Deputados. As defecções do PRB e do PP, da base aliada, foram comemoradas quase como uma certeza de vitória no próximo domingo. Aqui no Recife, um dos principais operadores dessa conspiração publicou uma mensagem num blog local informando sobre as catastróficas ocorrências caso Dilma Rousseff não seja afastada da presidência. Uma irresponsabilidade. Jogo sujo. Atitude fascista, com o propósito de disseminar mentiras, plantar discórdias, sempre com objetivos escusos: desgastar a presidente antes da votação do domingo, desencorajando uma recomposição da base governista. 

Se este fisiológico e oportunista de plantão tivesse um mínimo de dignidade, de caráter, deveria se debruçar sobre o que seria um futuro Governo Temer, tutelado pelo PSDB e outras forças políticas, como PPS, que funcionam como seus satélites.  




segunda-feira, 11 de abril de 2016

Violência no Estado ganha destaque na imprensa nacional.



Através da edição de hoje de um determinado jornal, o aumento da violência no Estado ganhou repercussão nacional. O senhor Alessandro Carvalho, Secretário de Defesa Social, foi ouvido durante a matéria, apontando que os índices de desemprego podem estar contribuindo para a elevação das estatísticas de violência. Fico muito preocupado quando uma autoridade pública estabelece essa relação tão orgânica entre causa e efeito. Lembro que, quando a economia da região Nordeste ia muito bem, o aumento da violência na região dava-se, entre outros motivos, pelo PIB que circulava na região, favorecendo os "negócios" ilícitos. Pelo menos no que concerne ao Pacto pela Vida, dois aspectos precisam entrar nessa discussão. 

Já faz algum tempo que o PPV está enfrentado alguns problemas, a despeito do esforço das autoridades para colocá-lo nos trilhos novamente. Entre a morte do ex-governador Eduardo Campos e os primeiros meses da gestão do senhor Paulo Câmara, ocorreu aí um hiato, uma solução de continuidade extremamente danosa para os resultados que o PPV vinha obtendo no enfrentamento do problema da violência no Estado. É como se houvesse um "relaxamento" dos atores diretamente envolvidos com o assunto, aliado às dificuldades de financiamento da própria máquina pública. O déficit de pessoal já era observado há algum tempo e, apenas recentemente, é que o Governo do Estado anunciou um concurso público para as polícias Civil e Militar. 

Um outro aspecto a ser observado - este de caráter metodológico - diz respeito aos critérios adotados para "mensurar" esses índices, apenas se concentrando naqueles crimes que atentam contra a vida. O que vem ocorrendo mais recentemente, sobretudo em regiões do interior do Estado, é uma espécie de cangaceirismo moderno, com bandoleiros muito bem-armados espalhando o terror por onde passam. Essas "ações espetaculares", pelos efeitos psicológicos e midiáticos que produzem,  são capazes de jogar para baixo qualquer política de segurança pública. Os assaltos a coletivos também estão se tornando frequentes. Quem lida com este assunto sabe que ele indica que alguma coisa não anda muito bem na área de segurança. Trata-se de um "indicador" emblemático. Não sei, por exemplo, qual o "status" que este delito ocupa nos levantamentos das estatísticas do PPV.