Li, com muito interesse e acuidade, o artigo de Magali
Nascimento Cunha sobre “a hegemonia neopentecostal” no Brasil. As cifras
apresentadas por ela são impressionantes e sua influência social, cultural e
política considerável. Pergunta ela: o que têm em comum o pastor Waldomiro, o
bispo Edir Macedo, seu cunhado R.R. Soares, Silas Malafaia e o casal Hernandez?
Naturalmente, a crença em comum numa espécie de teologia
fundamentalista e fundada numa religião da prosperidade que faz os incautos,
crédulos e desesperados a se agarrar a uma pregação religiosa de natureza
retributiva (ganhas na medida em que tu dás) e
na Lei de Talião (do Velho Testamento). Sem esses componentes, estes
ramos populares do Cristianismo reformado não teriam prosperado no Brasil,
depois do recuo das pastorais e comunidades eclesiais de base da Igreja
católica. Perdeu-se uma Igreja dos oprimidos, dos pobres e humildes, nas
periferias miseráveis das grandes cidades. A imensa vala aberta pelas políticas
neoliberais em nosso país só deixou como alternativa a pregação desses pastores
fundamentalistas e individualistas, inspirados no modelo americano do American Dream”.
Neste ponto, o livro do bispo da
Igreja metodista “Educação Religiosa e Petismo”, Geoval Jacinto da Silva parece ser muito esclarecedor sobre o sentido
da recepção abastardada e conservadora do
pentecostalismo trazida por missionários norte-americanos ,entre nós.
Tal recepção deixou para trás os conteúdos dogmáticos originais e tornou-se um
mero canal de “self-made man”, através de uma ética puritana, abstemia e
diligente, que coloca toda a responsabilidade das desigualdades sociais nas
costas do “crente”, rejeitando a pobreza, a solidariedade e qualquer tipo de
crítica social. A cultura ética e individualista desse ramo pentecostal e
neopentecostal faz recair sobre os ombros de cada indivíduo a culpa pela sua
desgraça, como uma nova espécie de pegado original, e o sentido do apelo religioso
é para que trabalhe, trabalhe e acumule bens, sem se preocupar com os outros ou
o Estado. Ser virtuoso é ser rico,
próspero e bem sucedido na vida. Ser pecaminoso é ser pobre ou miserável.
Não foi à-toa que os milhões de votos que deram a vitória a
Jair Bolsonaro saíram desses círculos cristãos, avessos a qualquer discurso
socializante ou mesmo protetivo em relação aos mais pobres. Esta teologia da
prosperidade casou à perfeição com a ideologia neoliberalismo desse governo dos
ricos, demonizando os partidos de esquerda e toda ética da solidariedade.
Imagine-se o uso instrumental pelo governo de um discurso
religioso como esse? Que junta fundamentalismo e individualismo e se aproxima
perigosamente do darwinismo social.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia.
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