pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: março 2016
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quinta-feira, 31 de março de 2016

Mesmo ausente, Globo se torna a principal protagonista da manifestação na praça da Sé


publicado em 31 de março de 2016 às 19:42
Do site Viomundo
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Da Redação
Os repórteres da Globo não circulavam entre a multidão.
Ou, se o fizeram, foi de forma disfarçada.
Havia cartazes variados: contra Aécio, Alckmin e o juiz Sérgio Moro.
Um único lembrava a morte de Vladimir Herzog pela ditadura militar, cuja missa foi celebrada na Catedral da Sé.
O tema mais presente na manifestação desta tarde/noite na praça da Sé, em São Paulo, foi a emissora da família Marinho.
O famoso refrão contra a Globo só foi menos ouvido que o “não vai ter golpe — e vai ter luta”.
Havia cartazes feitos à mão e impressos. Dezenas deles. Um orador se referiu à emissora como a “central do golpe”.
E, não é para menos.
A manipulação noticiosa continua acelerada.
Como o jornalista Leandro Fortes denunciou, hoje, em seu Facebook:
O Globo Esporte mostrou a imagem de três idiotas com nariz de palhaço que invadiram o treino do Palmeiras com uma faixa louvando Sérgio Moro para xingar a presidenta Dilma. Mas não mostrou a faixa levantada ontem, no Mané Garrincha, pelas torcidas do Flamengo e do Vasco contra o golpe e pela democracia no Brasil. Essa gente não pode vencer.
As faixas a que ele se refere são estas:
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Lembranças da noite que produziu a treva ( sobre o golpe militar de 1964)

Artistas e intelectuais brasileiros relembram o horror e as mudanças causadas pelo golpe militar de 1964
Redação
CULT pediu a algumas personalidades de diversas áreas um depoimento sobre a noite de 31 de março para 1º de abril de 1964 e a escuridão dos dias que se seguiram ao golpe que derrubou o presidente João Goulart e impôs a ditadura militar no Brasil. Sem uma pauta rígida, cada uma falou de suas lembranças mais fortes, em relatos mais ou menos emocionados, todos muito significativos. O jornalista e escritor Ignácio de Loyola Brandão preferiu enviar um texto completo. É esse documento que conduz o material colhido pela equipe da revista.

Arquivo/DP/D.A Press
O Brasil estava mudado e ninguém se dava conta
Ignácio de Loyola Brandão
No dia 31 de março de 1964 eu, com 28 anos, estava na redação do jornal Ultima Hora em São Paulo, onde era editor da UH Revista, o caderno de variedades. Eventualmente, era também o secretário gráfico, como é chamado hoje o editor, aquele que recolhe as matérias de todos os setores, distribui pelas páginas e manda para a gráfica.
A Ultima Hora, como a chamávamos carinhosamente (outros usavam o Ultima Hora, referindo-se ao jornal, portanto masculino; não gostávamos) era vendida em bancas, não tinha assinaturas. Concorria em tiragens com um jornal forte, tradicional como O Estado de S. Paulo, da oligarquia paulistana, e nosso “inimigo”, uma vez que defendíamos Jango Goulart, o PTB, os trabalhadores, sindicatos, os estudantes. O Estadão era pura UDN. Nunca imaginei que um dia seria um dos cronistas deste jornal.
A UH nasceu sob a égide de Getúlio Vargas. Para nós, Samuel Wainer, chefe e ídolo, foi dos maiores jornalistas deste pais. Ainda por cima era casado com uma mulher deslumbrante, a Danuza [Leão]. Nosso jornal era popular e moderno. Uma delícia ver nas bancas o design arrojado, as grandes fotos na primeira página, a ousadia dos títulos. O logotipo era azul; o da terceira edição, que saía à tarde, vermelho.
Adorava trabalhar em um jornal que tinha, entre outros, nomes como Nelson Werneck Sodré, Adalgisa Nery, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, Octavio Malta, Stanislaw Ponte Preta, Armindo Blanco, Bresser Pereira, Danton Jobim, Wilson Rahal, Dorian Jorge Freire, Arapuã, Benedito Ruy Barbosa (esse mesmo, o autor de novelas hoje), o cartunista Otavio, Nélson Rodrigues, Rubem Braga, Arthur da Távola, Jô Soares, Agnaldo Silva (tambem novelista), Ricardo Ramos, Ibiapaba Martins (dois belos autores), Egydio Squeff, Vinicius de Moraes, Tati de Moraes, Jacinto de Thormes (ele modernizou a crônica social provinciana), Walter Negrão (outro novelista), Denis Brian, Juca Chaves, Jaguar, Roberto Freire (o escritor, não o político), Fernando de Barros (o cineasta). Uma bela turma.
Minha geração tinha vivido crises como a morte de Getúlio, em 1954, a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, o impasse que conduziu ao parlamentarismo, no mesmo ano. Lembro-me que na renuncia do Jânio fui enviado à Base Aérea de Cumbica, para entrevistar o presidente fujão, que ali tinha se escondido. Cumbica não era o que é hoje, longe disso. Ficamos diante de uma porteira (era um batalhão de jornalistas). Vigiados por soldados armados, passamos a noite inteira debaixo de chuva. Para telefonar tínhamos de ir até Guarulhos, encontrar um bar aberto, pagar pela ligação. No meio da manhã, Jânio saiu, abriu uma janela, olhou para aquele grupo faminto, cansado, molhado e disse: “Bom dia, meus senhores. Passar bem!” E se foi.
Uma crise mais recente se desenrolava no país em 1964. No dia 13 de março, no Rio de janeiro, o presidente João Goulart realizara um comício tenso ao lado de Brizola em que pregara a desapropriação das petroliferas e a reforma agrária. Bandeiras vermelhas exigiam a legalização do Partido Comunista. Dali em diante, veio a efervescência, que já corria por baixo. No dia 19 de março, em São Paulo, aconteceu a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, com milhares de pessoas nas ruas, gritando contra o “comunismo”. No Rio de Janeiro, os marinheiros tinham se revoltado, havia greves por toda parte, crise econômica.
Na verdade, o golpe não era coisa apenas do Exército, a população também encampou, a classe média adorou, a elite se regozijou. A esquerda, os sindicatos rebatiam: estamos prontos para anular qualquer golpe. Na hora do golpe, o abastecimento de água não foi cortado; a luz não foi cortada; os transportes continuaram a funcionar; as fábricas, telefones, tudo. Não havia nenhum esquema de “contra revolução”.
Naquele 31 de março, reunidos no jornal, seguíamos as notícias da descida do general Mourão Filho na direção do Rio de Janeiro (vindo de Juiz de Fora) rodeado pela tropa. Estava no ar uma dúvida. Se o comandante do II Exército, São Paulo, general Amaury Kruel ia aderir ao golpe. Se não, o golpe não se concretizaria facilmente. Na redação, esperávamos em suspenso. As noticias não chegavam. Kruel tinha sido ministro da Guerra de Jango. Quem sabe resistisse? Não resistiu. Eram cinco da manhã quando chegou a informação: Kruel tinha aderido ao golpe militar. Estava acabado. Era primeiro de abril.
Fomos dormir inquietos, cansados, sem a mínima noção do que iria acontecer com o jornal que sempre apoiara Jango. Décadas mais tarde, em uma Comissão da Verdade, um velho major, de nome Moreira, garantiu que o general Amaury Kruel foi “comprado” com várias malas de dólares, que ele mesmo, Moreira, levou ao porta-malas do carro do general, falecido em 1996, se não me engano.
Dia seguinte, primeiro de abril, chegamos ao jornal no horário habitual, às 14 horas. A cidade parecia normalíssima, gente na rua, congestionamentos (não são de hoje), comércio, lanchonetes, restaurantes, cinemas e bancos abertos. Pouco depois chegou ao jornal uma informação ameaçadora. A de que o CCC, Comando de Caça Aos Comunistas, estava saindo do Mackenzie, fortemente armado, rumo à Ultima Hora, para depredar, incendiar, acabar com o jornal. As grandes janelas e portas de ferro foram abaixadas, a direção comunicou que todos deviam se retirar. Logo se ouviu um murmúrio: “Abandonar o jornal?”
Tínhamos receio, mas aquele jornal nos dera emprego, nos sustentara, trabalhávamos ali porque gostávamos dele, de sua linha. Ir embora? Até a aristocrática grega AlikKostakis, colunista social das mais lidas da cidade, não arredou pé: “Se tiver de morrer, morremos aqui!” Nos fundos do jornal havia um paredão de pedra, que sustentava o Colégio São Bento, impossivel de ser escalado. Onde era o jornal hoje é um estacionamento. Houve quem desertou, inclusive um conhecido diretor, mas para que mexer nisso? Disse que ia para o hospital ver a mulher internada. Voltou?
Olheiros do jornal foram para a Rua Xavier de Toledo, para observar, mandar informações. Era caminho do CCC para chegar ao Anhangabaú, onde estava nossa redação. Horas de espera. A turba vinha lenta, atrapalhava o trânsito, gritava slogans anti Jango, anti comunismo, “viva os militares”, o “Brasil está salvo dos vermelhos”. Mostravam as armas. Nem um só policial apareceu, nem um soldado da polícia do exército. Aquilo era café pequeno diante do rebuliço no Rio e em Brasília. Jango já tinha deixado a capital rumo ao Rio Grande do Sul.
De repente, um telefonema. Na praça Ramos de Azevedo, o CCC trinha se desviado para a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. “Ali está nosso verdadeiro inimigo”, proclamavam. O jornal estava a salvo. Por enquanto. Aliviados, mas ainda em sobressalto, continuamos a fazer o jornal normal. Logo soubemos que a redação do Rio de Janeiro tinha sido invadida e destruída. Nosso futuro se acabava ali?
Fim da tarde, caminhões com tropas de choque da Força Pública (hoje PM) estacionaram em frente ao jornal, desceram soldados armados, chutando portas, quebrando o vidro da cabine da telefonista (nós a chamávamos de peixinho, parecia um aquário o lugar), penetraram na redação, arrancaram telefones, gritavam para que saíssemos, quebravam máquinas de escrever, arrancavam laudas, rasgavam, punham fogo nos cestos de lixo. Subiram ao setor chamado copyright, onde estavam os teletipos e os equipamentos de telefotos que recebiam as agências internacionais, depredaram. Silvio Di Nardo, que cuidava do setor, foi acuado, ameaçado.
Alguns foram presos, não me lembro mais quais. O jornal ficou fechado. Fui para a casa do cineasta Fernando de Barros, fiquei ali abrigado. Telefonei para minha casa, meu pai quis saber se eu estava bem, anunciou que a cidade estava calma. Também São Paulo estava. Naquela noite fui para o Gigetto, então na rua Nestor Pestana. O restaurante era uma instituição. Estava lotado, fervia, conversas desencontradas, inquietação no ar. Ali se reuniam artistas, diretores, jornalistas escritores, artistas plásticos, havia de tudo.
Certo momento, empurrrando a porta com arrogância, caminhando com passos firmes, rostos orgulhosos, entraram dois conhecidos jornalistas da TV Tupi, Maurício Loureiro Gama, comentarista político, e o Tico-Tico, José Carlos de Morais. Estranhamos, não eram frequentadores. Soberbos, pararam na primeira sala e anunciaram: “O Brasil será outro daqui para a frente.” Para eles, a classe artística era subversiva com o Teatro de Arena, o Oficina, o CPC, a obra de Plínio Marcos, etc. Foram para os fundos à procura de mesa, jantaram sozinhos, ninguém os cumprimentou, falou com eles.
Nos dias seguintes circulei. Era como se nada tivesse acontecido, a vida continuava normal. Bares e supermercados cheios, cinemas, boates, ruas, ônibus. Ninguém tinha ideia de que tudo estava mudando?
Acho (a noção de tempo se diluiu em minha cabeça) que três semanas depois o jornal foi reaberto. Samuel Wainer tinha partido para o exílio. Muitos jornalistas presos. Outros desapareceram, saíram de circulação. Faltava muita gente. Os anunciantes se retraíram, éramos o “inimigo”. Mas havia um elemento novo na redação.
Um homem odiado, o censor. Ele era presença física em todas as redações, naquela que é considerada a fase pré-histórica da censura. Ele tinha mesa à sua disposição, junto ao secretário gráfico e editores principais. Tudo que seria publicado passava por ele, que autorizava ou vetava. As primeiras matérias proibidas nos deixaram perplexos. Não sabíamos o que fazer. Deixar em branco, trocar por o quê? Não havia diálogo, o homem dizia: “problema de vocês”. Os prazos de fechamento estouravam. Fomos proibidos de deixar espaço em branco. Quando perguntávamos por que, ele respondia: “Porque sim. Porque quero. Porque é contra a democracia”. Bela “democracia” a que eles estavam instalando.
Helena Ignez, atrizEm 1964 eu tinha 24 anos e estava no Rio de Janeiro trabalhando em teatro, o Centro Popular de Cultura (CPC) e na UNE (União Nacional dos Estudantes). Trabalhava também junto às Ligas Camponesas, fora do Rio. Eu estava exatamente do lado oposto ao golpe, e a notícia foi um golpe que começou a endurecer cada vez mais e a se tornar criminoso, destruindo as vidas de minha geração, que estavam engajadas politicamente, como eu.
Quando veio o AI-5, ficou impossível ficar no Brasil. Saímos e fomos em um grupo grande para Londres. Eu e o cineasta Rogério Sganzerla, meu marido, ficamos menos de um ano em Londres. Voltei dois anos depois, mas na clandestinidade. Não podia aparecer. Hoje em dia, em mim, não há resquícios da época. Somente uma apreensão muito grande em relação à perda de liberdade, que pode acontecer, como essa repressão às manifestações. Isso me assusta, essa guinada talvez para a direita que o país está tendo agora, de novo. Desarmar a polícia: é isso que nós desejamos; que a violência comece uma contagem descendente.

Clóvis Rossi, jornalista[Naqueles dias] eu circulava entre dois focos da conspiração, cobrindo o golpe para o jornal carioca Correio da Manhã. Ia do Palácio dos Campos Elíseos, sede do governo paulista, ao QG do então 2º Exército, à época no centrão (rua Conselheiro Crispiniano). No começo, o empoderamento dos militares me afetou pouco, mas aos poucos a censura foi se instalando e complicando o trabalho.
Ney Matogrosso, cantorO golpe não afetou o meu trabalho porque nessa época eu era funcionário publico em Brasília, onde morava. Eu trabalhava em um hospital e recebi a noticia com espanto e revolta. Defendi tanto o Jango que meu primo dizia que eu era comunista – e eu não era absolutamente comunista, mas eu defendia porque o Jango era o vice-presidente e tinha que assumir e governar até o fim do mandato .Eu comecei a observar muitas coisas acontecendo ao redor: amigos desaparecendo, isso logo no tempo do Castello Branco, que foi o primeiro. Fiquei sabendo que ele foi assistir algum concerto na Escola Parque em Brasília e uma menina que eu conhecia puxou uma vaia para ele. Essa menina desapareceu e, quando reapareceu, estava sem o bico dos seios – eles tinham cortado fora. Essa foi a primeira má impressão que a revolução deixou..revolução nenhuma, né? Um Golpe Militar. Então, não podem dizer que só em 1968 que a coisa ficou ruim: já em 1964 uma menina desapareceu e reapareceu sem os bicos dos seios. Além disso, eu sabia que muita gente estava sendo presa e que muita gente fugia de Brasília. Eu não fazia faculdade, mas tinha muitos amigos na Universidade de Brasília, que eu freqüentava bastante, porque era o que havia de mais avançado dentro do Brasil naquele momento. Experiências eram feitas por cientistas internacionais por lá, e foi tudo destruído a cacetete. Livros que não eram escritos em português – livros de artes maravilhosos – eram rasgados e queimados, e isso tudo ali, no comecinho. Hoje, eu acho que todos esses políticos que estão no poder estão envolvidos com isso, ou para o bem, ou para o mal.
Chico de Oliveira, cientista políticoNo dia 31 de março para 1º de abril, em Pernambuco, o centro de articulação era o Palácio do Governo, onde Miguel Arraes era governador. Ele não reagiu. Eu me desloquei da sede da Sudene, que era bem perto do Palácio do Governo de Pernambuco, e fui para lá, onde todo mundo que tinha uma importância política estava reunido. Não teve um ato institucional do golpe de estado, mas me lembro muito bem de ter testemunhado o comandante da Marinha (havia guarnição em Recife) convidando Arraes a permanecer como hóspede das Forças Armadas. Ele respondeu, com muita dignidade, mas sem capacidade de reação, que não poderia ser hóspede dele mesmo.
Essa típica amabilidade brasileira mostrava que os golpistas não tinham noção de que a oposição não tinha capacidade de reagir, e que os dominados de fato não tinham capacidade e avaliação da dimensão do golpe. Era um diálogo de surtos. Até que o comandante da Marinha deu ordem de prisão a Miguel Arraes, num ato bastante brasileiro: dizia-se que Arraes estava preso, mas, na verdade, não estava.
Eu e Celso Furtado fomos convidados a deixar o Palácio do Governo. Não precisei de aviso. Aquela mobilização em torno do Palácio mostrava que as forças da situação, legais, não tinham capacidade de reagir ao golpe, já desfechado. Dizia-se que era preciso ver a posição de São Paulo. O golpe era tipicamente brasileiro, uma acomodação de partes, sem muita violência, do tipo que se vê em revoluções. Era um acordo de comadres: uma mais poderosa, outra menos. As consequências é que seriam fatais e direcionariam a política e a economia brasileiras para sempre. Até hoje vivemos um modelo que se tornou hegemônico a partir do golpe.
[Para mim], iria começar uma roda viva de depoimentos e interrogatórios, e eu me mandei para o Rio de Janeiro. Terminei por renunciar não só ao meu cargo (na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – Sudene), mas à carreira de funcionário público. Um amigo me convidou para ir a são Paulo e redirecionei minha vida. A Sudene pagou preço muito alto pelo golpe. O Nordeste em geral era tido como o barril de pólvora brasileiro, e estouraria a qualquer momento. Foi um erro imenso. Não estourou, como não estourou até hoje.
Maria Bonomi, artista plástica
Uma bela manhã, o local (Estúdio Gravura, de Lívio Abramo, de quem era assistente) apareceu destruído e fomos acusados de atos subversivos. Lívio foi aconselhado a se exilar no Paraguai e nós encerramos nossas atividades. Tive minha vida monitorada desde então pelos órgãos de repressão e fui excluída de uma infinidade de oportunidades públicas, artísticas e sociais. A partir de 1964, estabeleceu-se um forte divisor de águas, que culminou para mim com o aprisionamento em 1974, como consta dos autos de minha defesa, por acusação de participar de atividades subversivas.
“A requerente foi aprisionada, encapuzada e amarrada sob mira de revólver por ‘Raul Careca’ e colocada violentamente no piso de um carro que percorreu a cidade por horas. Conduzida juntamente com o jornalista Alberto Beutenmuller, foram pegos brutalmente no MAM, no final de uma palestra, no Ibirapuera, por um grupo fortemente armado que, de um local isolado, os levaram para o quartel da Rua Tutóia, onde procederam aos interrogatórios isoladamente e onde Maria foi acusada de vários fatos. Sempre amarrada.”
Desenvolvi minha atividade profissional a duras penas, mas havia muita gente em zonas de apoio e resistência, mesmo dentro da Bienal e dos museus. Trabalhei com o Leste Europeu, onde fomos reconhecidos e ajudados — apesar de que quem fizesse isto fosse mal interpretado por aqui. O monitoramento era impressionante.
Emir Sader, cientista políticoNaquela época eu era estudante na Maria Antonia, na Faculdade de Filosofia. Na verdade, o golpe foi na madrugada, na noite do dia 31 de março. No dia 1º de abril, fomos para a faculdade e ficamos esperando uma manifestação se formar. Dois dias depois, veio a consequência concreta: invadiram a Faculdade de Filosofia. O resto era o que já se conhece: de imediato, veio a prisão de personagens públicos, quem estava mais exposto, como Darcy Ribeiro. As primeiras pessoas começaram a sair efetivamente do país. O próprio ex-presidente (quem?) da União Nacional dos Estudantes (UNE) foi um dos primeiros a sair do Brasil, o que foi um baque.
Mas a maior virada foi no AI-5, em 1968. Este teve consequências maiores, intensificando a repressão. Começou a ser decretada prisão de professores e alguns saíram preventivamente do país. Mais adiante, eu tinha vida dupla: por um lado, era professor na Universidade de São Paulo (USP); por outro, tinha militância clandestina. Em 1969, houve a revelação de que eu era militante. Preventivamente, fui para a clandestinidade e, mais adiante, sai do Brasil, no final de 1970. Primeiro fui para o Chile, mas passei pela Argentina, por vários lugares. Voltei no final de19 83. Antes, eu havia perdido meu cargo na USP. Fui condenado a quatro anos e meio de prisão. Mas a Faculdade de Filosofia tinha o critério de devolver os cargos às pessoas, e teve a anistia depois, então, quando voltei, me foi devolvido meu cargo na faculdade.
Todo o período teve um clima muito opressivo. Dando aula, eu começava a saber de notícias de gente muito jovem que desaparecia. No jornal, as notícias, em parte, tinham o objetivo de constranger, no sentido de mostrar o que pode acontecer com quem resiste. A imprensa toda era conivente com isso. A preocupação maior naquele momento era entender o que tinha acontecido. O artigo mais significativo que corria no meio intelectual era o do Celso Furtado, que tinha sido ministro do Planejamento no governo Jango (João Goulart). Ele associava industrialização com democracia, sendo assim, o fim da democracia significaria um retrocesso econômico. O maior autor da época, que foi copiado e repassado clandestinamente, foi o Ruy Mauro Marini, que falava diretamente as razões básicas do golpe do Brasil. Estava claro que o país não tinha uma esquerda tão forte quanto outras na América latina.
Aos poucos, o país chegava num dilema: houve de cara um arrocho salarial, e isso representava uma lua de mel para empresariado, porque não havia aumento de salário. A economia foi sumamente concentradora de renda durante a ditadura. E a repressão salarial teve reflexo no setor público: foi nesse momento em que começou a deterioração da educação e da saúde públicas. A classe média começou a ir para escola privada, começaram a aparecer planos de saúde privados… Houve um distanciamento entre classe média e setores pobres que perdura. Isso é uma mudança importante na vida da sociedade.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

quarta-feira, 30 de março de 2016

Governador Paulo Câmara libera secretários para votarem em favor do impeachment.




Por onde anda aquele PSB do Dr. Arraes? se perdeu no tempo. Hoje Arraes é apenas um retrato pendurado na parede, a indignar-se diante dos constantes desatinos do partido. Carlos Siqueira, presidente da legenda, teria tido um encontro com o chefe do "futuro" governo, o vice Michel Temer, onde se discutiu como o partido poderia participar do butim. Não vazou para a imprensa muita coisa, mas, a julgar pelo andar da carruagem política, o partido endossa a manobra no sentido de derrubar a presidente Dilma Rousseff. E é um partido que tem pressa nisso, sempre tratando de "oficializar" suas posições através de notinhas publicadas pela imprensa. 

Aqui na província, uma das notícias mais comentadas no dia de ontem, foi a exoneração de 04 secretários do Governo Paulo Câmara, com o objetivo de liberá-los para votarem a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff. São eles: Felipe Carreras, Danilo Cabral, Sebastião Rufino e André de Paula. Dois deles, Felipe Carreras e Danilo Cabral são filiados à legenda socialista. Pelo visto, se depender do empenho dessa gente, a presidente Dilma Rousseff pode ir preparando a mala para deixar as dependências do Palácio do Planalto. 

Durante o processo do mensalão - quando o Governo Lula passava por grandes dificuldades - o ex-governador Miguel Arraes de Alencar deixou o Palácio do Campo das Princesas para emprestar sua solidariedade ao ex-presidente. Um gesto dos mais significativos, que ajudou bastante o Governo a superar aquela tormenta dos tempos sombrios. Era o que Dilma Rousseff estava precisando neste momento, uma vez que não existe uma figura jurídica que justifique o seu afastamento do cargo, apenas o desejo dos desafetos, ainda insatisfeitos com a refrega sofrida nas eleições de 2014. Dizer o que de uma agremiação que perdeu essas referências históricas para embarcar na aventura de tentar destituir uma presidente eleita pelas urnas, sem uma justifica plausível, repito - solapando o próprio princípio democrático? 

Sérgio Moro, o arrependido.



Depois da reprimenda sofrida com a determinação do STF, através do ministro Teori Zavascki - que recomendou que as investigações sobre o ex-presidente Lula voltassem àquela corte, além de condenar o vazamento dos grampos sobre conversas entre Lula e a presidente Dilma Rousseff - o juiz Sérgio Moro tornou-se muito mais cuidadoso em relação às suas decisões. Logo em seguida, escaldado, mandou soltar vários presos da Operação Lava Jato, e, até recentemente, segundo soube, teria enviado um documento ao STF pedindo desculpas pelos equívocos cometidos em relação aos grampos. 

Moro é professor de direito numa faculdade particular do Paraná. Não sei muito bem qual é a disciplina ministrada por Moro, mas seria perfeitamente recomendado que ele usasse a minuta escrita por Teori Zavascki numa de suas aulas. Os seus alunos teriam muito a aprender com as correções feitas pelo ministro às alegações do professor Moro. Isso se ele for uma pessoa desprovida de vaidades e humilde, o que não nos parece. 

Ao pronunciar-se sobre o tema, em apenas 09 laudas, Teori produziu uma das mais belas páginas daquela Corte. Precisou cortar na pele, ao criticar companheiros que não escondem a intensão de partidarizar as suas tomadas de decisões naquela Casa. 

Quem está distorcendo as informações, Terezinha Nunes, não é a presidente Dilma Rousseff.



Acabei de ler um artigo, onde a articulista, Deputada Estadual Terezinha Nunes, discute a questão da legalidade do impeachment. Ela faz questão de distorcer os fatos, argumentando que a presidente Dilma estaria dando uma de vítima, ao posicionar-se contra o processo de impeachment que corre contra ela na Câmara dos Deputados, afirmando tratar-se de uma tentativa de golpe. Ora, Dilma Rousseff não afirmou, em nenhum momento, que impeachment é golpe. O impeachment, aliás, é um instrumento previsto na constituição, inclusive para preservar os instrumentos da democracia representativa, nos parâmetros de um Estado Democrático de Direito, retirando do poder governantes que não honraram as suas funções, protegendo os cidadãos dos malefícios causados por eles. Tudo muito bem. 

O problema é que, neste caso, este instrumento está sendo usado de uma forma indevida. A presidente Dilma Rousseff não cometeu nenhum crime que pudesse justificar um pedido de impeachment. Um instrumento que, na sua origem, é um dos alicerces da democracia, está sendo banalizado e usado de forma inoportuna, por seus inimigos, para canalizar a racionalização de vontades insatisfeitas, oriundas ainda da ressaca das eleições de 2014. Quando os ministros do STF se pronunciam sobre o assunto, eles têm nos seus horizontes o arcabouço daquele instrumento legal, previsto constitucionalmente. Não aquele em lide, o que trata da presidente Dilma Rousseff. É por essa razão que eles são tão enfáticos nesta defesa, dona Terezinha Nunes.

Deliberadamente, alguns fazem essa "confusão", utilizando os argumentos dos ministros do STF para se contrapor à fala da presidente Dilma Rousseff. Creio que, até o domingo da votação, o clima seguirá neste diapasão ou para pior. É uma guerra a ser travada, nas lares, nos bairros, nas ruas, na imprensa, nas redes sociais, na blogosfera. Ontem, por aclamação, o PMDB desembarcou do Governo Dilma Rousseff. Na realidade, para ser bem sincero, Dilma nunca contou com o apoio integral desse grupo. Eles sempre foram muito vacilantes, traindo ou apoiando o Governo aqui e ali, movidos por conveniências específicas, nunca em razão do interesse público, mas de acordo com vantagens individuais ou de grupos. Veja a dificuldade deles em largar os "osso". 





terça-feira, 29 de março de 2016

Michel Zaidan Filho: O infiel da balança



A sociologia dos partidos políticos no Brasil discute até hoje se existem ou não existem instituições partidárias, dignas desse nome, em nosso país. O cientista político José Luís da Silva, utilizando a chamada taxa de institucionalização dos partidos brasileiros, chega à conclusão de que ela é relativamente baixa; os partidos se confundem com seus donos, suas notoriedades políticas, não têm vida própria ou coletiva, que independa desta ou daquela personalidade. O sociólogo e ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso também se referiu às nossas agremiações como frentes, ônibus, guarda-chuva ou biombos. Palavras pouco elogiosas para nossos partidos políticos. Os críticos do sistema partidário brasileiro sempre culparam as pequenas legendas (chamadas de legendas de aluguel) pela precária ingovernabilidade do regime político. Mas o que se evidencia hoje é que a crise política (no Parlamento) não foi produzida e alimentada pelos pequenos. Foram grandes e médias legendas que detonaram o que havia de governabilidade do Governo da Presidente Dilma.

Dentre esses, destaque-se com muita ênfase o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Remanescente da época da Ditadura Militar, o PMDB se encaixaria sem mais dificuldades no conceito de “Frente Política”, não de um partido propriamente dito. Nos anos de chumbo, ele reunia tendências e correntes ideologicamente muito distintas. A esquerda se abrigou generosamente na bandeira desse partido. É difícil não reconhecer também que o partido desempenhou um papel importante no período de transição democrática para o pleno Estado de Direito no Brasil. Mas, o que dizer desse partido hoje, apontado por muitos como o fiel da balança do processo de impeachment da Presidente Dilma?

Em primeiro lugar, que o PMDB nunca se apresentou unido, uníssono, obediente a um comando único, durante todo o tempo. Tornou-se uma federação de grupos, oligarquias regionais, que não seguem nenhuma orientação programática, a não ser o interesse fisiológico por cargos, recursos e nomeações. É uma anomalia partidária, que pelo seu tamanho, é sempre cortejado pela situação e a oposição. Embora, não seja nem uma, nem outra coisa. É uma noiva em disponibilidade para ser arrebatada por quem oferecer mais. Em compensação, não pode jurar fidelidade a ninguém, porque ninguém é dono do PMDB.

Desde o início do governo da Dilma, o PMDB se apresentou dividido – embora ocupe a vice-presidência da República – entre várias alas, grupos e facções. O papel de líder desempenhado por Michel Temer é mais nominal do que real. O presidente da Câmara – denunciado várias vezes pelo STF – é abertamente oposição ao Poder Executivo. O presidente do Senado, também réu, não merece confiança. Não vai contrariar os seus pares. E há os oportunistas de sempre, de olho nas oportunidades geradas pelas crises.

A decisão que poderá ser tomada hoje em Brasília – qualquer que seja ela- não manterá o PMDB unido. Reunir-se-ão os que concordam com o desembarque do partido no governo federal e o impeachment da Presidente de Dilma. Os que não concordam ficarão em casa, nos ministérios, nos mais de 100 cargos nos diversos escalões da administração federal ou procurando desculpas para aderir, mais na frente, ao carro do vencedor. Como se diz, não se perde o que não se tem ou nunca se teve. A questão é: dispõe a Presidente Dilma de 171 votos de toda a sua base aliada ou o que resta dela, para barrar o processo de impeachment na Câmara dos Deputados ou não.


Em tempo: chegou a notícia de que dois secretários do governo Paulo Câmara, Felipe Carreras e Danilo Cabral, se licenciaram de seus cargos para votarem a favor do Impeachment, ao lado de Raul Jungmann, Bruno Araújo, Jarbas Vasconcelos, Mendoncinha e outros.


P.S.: Apenas atualizando a informação, professor, foram 04 os secretários que pediram exoneração dos cargos que ocupavam no Governo Paulo Câmara para assumirem a condição de Deputados Federais e votarem a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff: Felipe Carreras, Danilo Cabral, André de Paula e Sebastião Oliveira. Agradeço pela nossa citação no texto. Um forte abraço!

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE

Desembargador comenta decisões de colegas: Poder Judiciário partidarizado?


publicado em 28 de março de 2016 às 16:42
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PODER JUDICIÁRIO PARTIDARIZADO?
Tutmés Airan de Albuquerque Melo*
A guerra política instaurada no Brasil, que pode levar ao impeachment da presidenta Dilma, tem vários ingredientes. Nenhum deles, talvez, nem mesmo a atuação da mídia, tem despertado mais polêmica do que as decisões judiciais que brotam do conflito.
A ideia deste texto é, a partir da análise de algumas dessas decisões, tentar entender o porquê da polêmica e, entendendo o porquê, refletir sobre as suas consequências em relação à própria existência do Poder Judiciário e à sua capacidade de ser, numa crise desse tamanho, um mediador para o conflito.
Mãos à obra.
1ª DECISÃO
A Revista Veja, ano 48, edição nº 44, com circulação no mês de novembro de 2015, em sua capa, estampou uma foto do ex-presidente Lula com trajes de presidiário, atrás das grades.
Sentindo-se ofendido em sua honra e imagem, propôs ação de indenização por dano moral contra a Editora Abril S/A, processo distribuído para a juíza Luciana Bassi de Melo, titular da 5ª Vara Cível do Foro Regional XI de Pinheiros, Comarca de São Paulo.
Julgando o conflito, inclusive de forma antecipada, sua excelência decidiu que o ex-presidente Lula não tinha razão.
É certo, como sustenta Kelsen [1] , que decidir é um ato de escolha entre alternativas possíveis. Isso não quer dizer ou sugerir que o Estado dê um cheque em branco para o juiz decidir como quiser.
É que, não obstante tenha uma margem considerável de poder para construir a sua decisão, todo juiz sabe ou pelo menos intui que há interpretações-limite sobre o sentido e alcance dos textos normativos, a partir das quais tudo o mais não passa de uma tentativa autoritária de fazer prevalecer a vontade pessoal em detrimento dos limites impostos pela legalidade.
No caso em análise, embora tenha procurado ancorar a decisão em precedentes jurisprudenciais, para fazer prevalecer a sua vontade a juíza não hesitou, inclusive, em falsear a realidade, porque somente a falseando poderia decidir como decidiu.
Vejamos.
Chama a atenção uma passagem da sentença na qual, enfaticamente, sua excelência, em mal português, disse que a capa da revista não havia inventado nada, deturpado ou distorcido notícias a respeito do autor. Como não?!
Colocá-lo na capa de uma revista de circulação nacional vestido de presidiário, e atrás das grades, é absolutamente incompatível com o fato de que até hoje o ex-presidente Lula não tem contra si nenhum processo penal em tramitação e muito menos condenação, mesmo não transitada em julgado, capaz de sugerir ou indicar que ele poderia ser eventualmente colocado, em consequência de um processo ou de uma condenação, na condição de prisioneiro.
A toda evidência, pois, a capa da revista não se limitou a narrar ou criticar um fato real. Antes, criou um fato conveniente aos seus interesses na perspectiva clara de desconstruir a imagem de um homem que, até que se prove o contrário, é inocente e como tal deve ser, por imperativo constitucional, tratado.
Ao não reconhecer o óbvio – a ofensa à honra e à imagem do ex-presidente Lula –, sua excelência fez imperar uma espécie de justiça particular, ferindo de morte um dos pilares mais importantes do devido processo legal, segundo o qual as decisões judiciais devem obediência a regras prévias e democraticamente postas, limitadoras do poder de qualquer juiz.
A subversão da cláusula constitucional do devido processo legal não parou por aí. Nota-se que, por mais de uma vez, sua excelência justifica e legitima a capa da revista Veja, como se ela traduzisse as manifestações populares, no seio das quais, inclusive, teria havido a criação do boneco “Pixuleco”, “representando o autor como prisioneiro”.
São conhecidas as relações entre o Direito e as avaliações morais que os homens fazem sobre suas condutas. Uma delas, a que interessa neste instante, é a de que, através das normas jurídicas que produz e garante, o Estado deve proteger as pessoas contra os linchamentos e execrações produzidas apressadamente pela moralidade média.
Ao não enxergar na atitude da revista qualquer excesso, e ao ancorar a sua argumentação exatamente naquilo que ela tinha o dever de evitar ou combater, sua excelência descurou de um compromisso fundante do devido processo, segundo o qual as pessoas não podem ficar à mercê do juízo moral e de suas consequências devastadoras.
A propósito, bastaria um simples exercício mental para perceber isso. Um bom juiz deve se colocar no lugar do outro. Será que sua excelência gostaria de ter a sua imagem veiculada nas mesmas condições em que a revista retratou o ex-presidente Lula?
2ª E 3ª DECISÕES
Sexta-feira, dia 4 de março, o Brasil amanheceu em polvorosa: agentes da Polícia Federal levaram o ex-presidente Lula. De início se imaginou tratar de uma prisão anunciada. Logo depois, no entanto, constatou-se tratar-se de uma condução coercitiva que, enquanto tal, teria que ocorrer caso fosse verificada a hipótese prevista no artigo 260 do Código de Processo Penal, in verbis:
Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.
[…]
Como se vê, não se pode conduzir uma pessoa para depor coercitivamente sem que ela tenha sido previamente convidada para tal e, em consequência desse convite, se recusado a fazê-lo. Aqui, por mais que se queira dar asas à imaginação, não cabe outra interpretação: ir depor sob “vara” pressupõe resistência injustificada a um chamamento da justiça.
Eis que logo se descobriu que o ex-presidente Lula não tinha sido previamente convidado a depor, não se podendo obviamente dizê-lo resistente a um convite que não houve. O que então justificaria uma condução coercitiva?
Instado a se explicar, o juiz Sérgio Moro, responsável pelo mandado de condução coercitiva disse que a determinou em nome da busca da verdade e “para evitar tumultos e confrontos entre manifestantes políticos favoráveis e desfavoráveis ao ex-presidente”. Acontece que sua excelência, a pretexto de lançar mão da prerrogativa contida no artigo 260 do CPP, o fez de forma absolutamente divorciada de sua hipótese legal legitimadora.
Sua excelência, portanto, legalmente falando, não teria essa prerrogativa, no caso, exorbitando, consciente e deliberadamente, de seu poder, desprezando, tal como na decisão anterior, os marcos normativos pública e democraticamente estabelecidos, para, autoritariamente, fazer prevalecer a sua vontade. Como disse o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, comentando a decisão de condução coercitiva, o juiz estabeleceu “o critério dele, de plantão”.
Por melhores que sejam os propósitos, um juiz não pode decidir contra o sentido unívoco da lei, sobretudo porque a mensagem não deixa margem a qualquer dúvida. Como disse o referido ministro, “não se avança atropelando regras básicas”. Afinal, mais dia menos dia, “o chicote muda de mão”, e também de alvo.
Sua excelência, portanto, negou submissão às regras do jogo [2] , agindo fora dos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico, afrontando, assim como na decisão anterior, regra basilar do devido processo legal.
Como se isso não bastasse, e em nova afronta ao devido processo legal, expôs de modo desnecessário e vexatório o ex-presidente, quando seria do seu dever protegê-lo contra a execração pública e midiática.
Com efeito, ao que tudo indica sua excelência queria exatamente isto: que o ex-presidente Lula fosse execrado pública e midiaticamente. E por quê? Porque, violando o que estabelecem os artigos 8º e 9º da Lei nº 9.296/1996, que regulamenta o procedimento de interceptação telefônica, permitiu que conversas ao telefone feitas pelo ex-presidente Lula viessem a público, inclusive algumas estritamente privadas que não interessavam à investigação, bem como uma conversa havida entre o Lula e a presidenta Dilma, cuja divulgação somente poderia ser excepcionalmente autorizada pelo Supremo Tribunal Federal, dada a prerrogativa de foro da presidenta.
É de se imaginar que sua excelência sabia dessas proibições/limitações a ele impostas pelo ordenamento jurídico, mesmo porque parece ser dotado de bom preparo técnico. Não obstante, apesar delas e contra elas, resolveu decidir como decidiu, nesse caso criminosamente. Veja-se o que diz o artigo 10 da lei acima citada:
Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
É que o diálogo entre a presidenta Dilma e o ex-presidente Lula já foi captado num momento em que a interceptação, por decisão do próprio Moro, já não poderia mais ser feita. Contrariando a sua própria decisão, sua excelência não somente trouxe para o inquérito o referido diálogo como permitiu a sua divulgação. Ao agir assim, parece ter cometido o crime previsto no artigo 10 acima referenciado, expondo-se a um risco que racionalmente só se explica se o juiz tiver objetivos que transcendem o simples ato de dizer e aplicar o Direito na vida das pessoas, objetivos de resto não autorizados em lei.
E quais seriam esses objetivos?
O primeiro parece ter sido o de indispor o ex-presidente Lula com instituições respeitáveis e altas autoridades da República, a exemplo do Supremo Tribunal Federal e da Ordem dos Advogados do Brasil. Veja-se, para ilustrar, o teor dos diálogos interceptados e revelados:
— Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos uma Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado, (Conversa entre Lula e a presidenta Dilma)
[…]
— Amanhã eles vão fazer alguma putaria com o Lula. Terça-feira o filha da puta da OAB vai botar aqui dizendo que o Conselho da OAB acha que nesse caso… É uma palhaçada. (Fala atribuída ao ministro Jacques Wagner em conversa com o Lula)
Porque as altas autoridades são humanas e as instituições são compostas por homens que se ressentem e se ofendem, sua excelência parece ter conseguido o seu intento, tanto assim que a OAB nacional, que até então se posicionava contra o impeachment da presidenta Dilma, mudou de posição.
A consciência da ilegalidade da decisão que tomou e os riscos daí decorrentes parecem ter valido a pena: o ex-presidente Lula e, por tabela, a presidenta Dilma, a toda evidência, saíram enfraquecidos desse episódio.
O segundo objetivo também parece ter sido plenamente alcançado: a produção de um massacre midiático no qual diálogos foram manipulados para dar a eles a serventia que era conveniente, no caso, tentar convencer parte da população de que o ex-presidente Lula havia aceitado o cargo de ministro chefe da Casa Civil para, ganhando foro privilegiado, livrar-se de uma prisão iminente e inevitável, à Sérgio Moro [4].
Novamente, arriscar-se ao ponto de agir criminosamente parece ter valido a pena: uma parcela da população se convenceu de que o Lula quis ser ministro para evitar a prisão.
4ª DECISÃO
Inteiramente contaminado por essa perspectiva, um outro juiz entra em cena e, instado a decidir liminarmente, em sede de ação popular, o Dr. Itagiba Catta Preta Neto, resolveu suspender a nomeação e posse do ex-presidente Lula na Casa Civil.
À parte a discussão sobre a verossimilhança dos argumentos utilizados, o fato é que graças à atuação fiscalizadora de alguns bons jornalistas foram descobertos dois escândalos.
Na noite anterior à decisão, sua excelência deixou-se flagrar em pleno facebook participando alegre e entusiasticamente de um ato político em Brasília contra a presidenta Dilma e a favor do seu impeachment. Na postagem que colocou, além de sua fotografia na companhia possivelmente da família, sua excelência ridiculariza a presidenta Dilma, associando-a à imagem de uma bruxa, e, lá para as tantas, diz que é preciso derrubar a presidenta para que o dólar baixe e possibilite que pessoas como ele voltem a viajar.
Descoberto, apagou o perfil de sua conta no facebook, num esforço envergonhado e tardio de diminuir o vexame.
Uma outra descoberta desnudou sua excelência de vez. Analisando o percurso da ação popular no sistema de automação da Justiça Federal do Distrito Federal, percebeu-se que, entre o peticionamento e a decisão, transcorreram 28s. Quer dizer, em 28s o juiz recebeu o processo, analisou o argumento da parte e decidiu!
Como isto não é humanamente possível, e até por sua declarada opção político-ideológica, o fato é que a decisão de proibir o ex-presidente Lula de assumir o Ministério parece ter sido produzida antes de sua excelência conhecer do processo, como se tivesse sido encomendada [5].
Essas circunstâncias denunciam que sua excelência não tinha, face à sua opção política, nenhuma condição para decidir a ação popular. Ao fazê-lo, violou regras elementares que tratam da atividade do juiz, sobretudo aquelas que impõem o dever de imparcialidade e que disciplinam as hipóteses de suspeição.
Uma pergunta permanece no ar: se sua excelência se sabia suspeito, por que não se reconheceu enquanto tal? A resposta, tão inquietante quanto óbvia, sugere tratar-se, uma vez mais, de um juiz que, para fazer prevalecer as suas escolhas e a sua justiça, opta conscientemente por desprezar regras elementares do seu mister, desbordando dos limites impostos ao exercício de seu poder.
Que o Supremo Tribunal Federal, numa intervenção pedagógica, possa dar juízo aos nossos juízes.
NOTAS
[1] Em: Teoria Pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
[2] O respeito às regras do jogo, segundo Norberto Bobbio, é que caracteriza o democrata e a democracia (In O Futuro da Democracia: Uma defesa das regras do jogo. Tradução: Marco Aurélio Nogueira. 6ª edição. São Paulo: Paz e Terra).
[3] Art. 8° A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.
Parágrafo único. […]
Art. 9° A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada.
Parágrafo único. […]
[4] Prisões preventivas que, na grande maioria, servem para a obtenção, pelo sofrimento, de delações premiadas, ou, então, para materializar condenações penais antecipadas.
[5] Essa suspeita aumenta porque, em artigo publicado em alguns sites jornalísticos, mostramos que a decisão foi colocada no sistema 4min19s antes do processo chegar ao juiz.
*Professor da UFAL e Desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas
(Publicado originalmente no site Viomundo)

O xadrez político das eleições de 2016, no Recife: De olho na sobrevivência política do PSB, Paulo Câmara joga nos dois tabuleiros.







José Luiz Gomes da Silva


Na última sexta-feira, o PCdoB completou 94 anos de existência. O PCdoB é uma dissidência do partidão, hoje uma agremiação política que vem passando por um longo processo de decomposição ideológica. Da história de lutas políticas do passado, apenas as lembranças de uma época em seus militantes chegaram a pegar em armas para derrubar o regime ditatorial instaurado no país com o golpe civil-militar de 1964. Eles até demarcam posições, como neste último embate contra ou a favor do impeachment da presidente Dilma, onde o partido defende intransigentemente a defesa do mandato -mas, a rigor, o jogo pesado da realpolitik transformou a agremiação num partido "burguês" movido pelo mais radical pragmatismo, bem distante das ideais que o conduziram no passado.  

Assim que começaram as especulações em torno de uma candidatura do irmão do governador Eduardo Campos, o advogado e escritor Antonio Campos, à Prefeitura da Cidade de Olinda, tradicional reduto comunista, logo suscitou-se a possibilidade de possíveis atritos entre o PSB e o PCdoB no Recife, uma vez que, historicamente, o PSB sempre foi um aliado do PCdoB em Olinda. Nós mesmo - aqui no blog - informamos que as eleições do Recife passariam, necessariamente, por Olinda. Estranhava, entretanto, o comedimento do vice-prefeito do Recife, Luciano Siqueira(PCdoB), sobre o assunto. Nas poucas vezes em que se pronunciou o imbróglio, o fez de forma bastante discreta. 

O tempo passou e, na semana passada, dois atores emblemáticos da cena política pernambucana, André de Paula(PSD), e Jarbas Vasconcelos (PMDB) teriam afirmado o desejo de ver a dobradinha Geraldo Júlio/Luciano Siqueira disputando a reeleição em 2016. As relações entre Jarbas e Geraldo Júlio já foram melhores num passado recente, mas, mesmo assim, segundo dizem, ele endossaria o nome de Luciano Siqueira como vice. Feita as contas, pragmaticamente, para o vice, parece não haver grandes problemas com o que possa ocorrer com os comunistas na Marim dos Caetés. 

E, por falar em pragmatismo político, neste tabuleiro das eleições municipais do Recife, em 2016, todas as possibilidades de jogadas estão sendo minuciosamente estudadas. O DEM, por exemplo, apresentou a Deputada Estadual Priscila Krause como pré-candidata. O DEM participa do governo socialista no Executivo Municipal e no Executivo Estadual. Diante da situação, o presidente estadual da legenda socialista, Sileno Guedes, de imediato, alertou para a necessidade de o partido entregar os cargos que ocupa nas duas instâncias executivas. Mendonça Filho, como presidente local dos Democratas, fez uma outra leitura dos fatos, entendendo que poderiam marchar unidos no projeto de reeleição do governador Paulo Câmara, em 2016. Entregou uma secretaria que mantinha no governo municipal, mas manteve o LAFEPE. 

Qual não deve ter sido a surpresa de Sileno Guedes ao observar que o governador Paulo Câmara adotou a mesma linha de raciocínio de Mendonça Filho.É muito simples entender o que está se passando com a cabeça do governador Paulo Câmara. Tanto ele como Geraldo Júlio foram dois técnicos colocados no executivo da máquina estadual e municipal pelo então governador Eduardo Campos. Na estratégia montada pelo ex-governador, os "políticos" do PSB, à exceção dele próprio, passaram a ser comendados pelo grupo técnico. Com a sua morte, seria natural as brigas intestinas e, consequentemente, a ausência de lideranças galvanizadoras, além de um natural sentimento de "orfandade".

Isso explica, igualmente, porque o governador Paulo Câmara vem jogando de olho nos dois tabuleiros, ou seja, as eleições de 2016, no Recife, e as eleições de 2018, no Estado. Se os arranjos que estão sendo feito na base aliada de Geraldo Júlio não são bons, pior ainda seriam se esses arranjos também se reproduzissem em 2018, quando ele, provavelmente, tentará uma reeleição. Mesmo se levarmos em consideração que o PSB aposta todas as suas fichas na reeleição de Geraldo Júlio. Se Geraldo Júlio não conseguir se reeleger, isso poderá representar um desastre para o projeto de reeleição de Paulo Câmara, assim como provocar um desarranjo completo da sigla socialista no Estado. A reeleição de ambos, se ocorrer, poderá, por sua vez, guindá-los à condição de liderança política, um status que eles ainda não possuem, assim como soldar as possíveis defecções e insatisfações da base. 

Fora disso, eles deverão se recolher aos seus aposentos no Tribunal de Contas do Estado. Por falar em PSB, alegando os mais nobres princípios democráticos, os secretários Danilo Cabral e Felipe Carreras pediram exoneração dos seus cargos para viajarem à Brasília, com o propósito de votar pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. Uma outra questão que deve ser levada em conta é a movimentação do grupo político do partido no Estado. São cobras criadas, bem cevadas nas manhas da política, o que aconselha prudência aos 'técnicos" com pretensões de tornarem-se políticos. Colocado recentemente na "máquina", o filho do ex-governador Eduardo Campos, João Campos, parece pretender assumir a condição de liderança política do grupo. 

segunda-feira, 28 de março de 2016

Ibsen Pinheiro acompanha os pares, mas, acreditem, a contragosto.




Não faz muito tempo, publicamos aqui no blog uma entrevista com o hoje Deputado Estadual pelo PMDB do Rio Grande do Sul, Ibsen Pinheiro. Naquela entrevista, Ibsen Pinheiro deixava claro que não havia uma razão jurídica, que justificasse o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Em certo momento da entrevista, ele lembra que, no caso de Collor, existia o que ele tratou como "materialidade" de um ilícito, como o tal Fiat Elba. Contra Dilma pesa apenas as tão propaladas pedaladas fiscais, muitas delas assinadas pelo vice Michel Temer, como informa o ex-governador Ciro Gomes. Ademais, se o mesmo rigor fosse aplicado aos demais gestores públicos brasileiros, estaríamos diante de uma situação calamitosa, com o caos instaurado na máquina pública. 

Nosso conceito de Ibsen é um conceito muito bom, sobretudo depois que ficou provado a injustiça que lhes foi imposta por uma capa da revista Veja, que o jogou, injustamente, no lodaçal do escândalo do Anões do Orçamento, o que lhes custou o mandato e a Presidência da Câmara dos Deputados. Por questões de logística, mesmo tendo checado tratar-se de um grave equívoco, a publicação manteve a matéria, responsável pelo "linchamento" de um inocente. Aos poucos, Ibsen retomou sua vida pública. Era suplente de deputado estadual. Eleito, Sartori (PMDB) convidou três deputados para assumirem secretarias no Governo, permitindo que Ibsen assumisse o mandato. 

O editor do blog manteve contato com Ibsen a respeito do episódio envolvendo a revista citada. Na condição de presidente do PMDB gaúcho, Ibsen deve acompanhar os companheiros que advogam a saída do partido do Governo da Presidente Dilma Rousseff, em reunião programada para amanhã, dia 29. Pessoalmente, a julgar pela entrevista concedida, acredito que ele não propugne dessa posição, mas o PMDB gaúcho é um dos mais enfáticos a defender a saída. Por falar em Ibsen, o seu nome não consta da lista dos 41 deputados gaúchos listados pelo departamento de propinas da Construtora Odebrecht. Fiquei sabendo há pouco que o juiz Sérgio Moro mandou a encrenca com a essa tal lista para o STF. Tem peixe graúdo na rede.  


domingo, 27 de março de 2016

Safatle: Congresso gangsterizado não tem legitimidade para julgar sequer síndico de prédio


publicado em 26 de março de 2016 às 16:06
VLADIMIR-SAFATLE-FILOSOFO-BR
Um golpe e nada mais
25/03/2016  02h00
A crer no andar atual da carruagem, teremos um golpe de Estado travestido de impeachment já no próximo mês. O vice-presidente conspirador já discute abertamente a nova composição de seu gabinete de “união nacional” com velhos candidatos a presidente sempre derrotados. Um ar de alfazema de República Velha paira no ar.
O presidente da Câmara, homem ilibado que o procurador-geral da República definiu singelamente como “delinquente”, apressa-se em criar uma comissão de impeachment com mais da metade de deputados indiciados a fim de afastar uma presidenta acusada de “pedaladas fiscais” em um país no qual o orçamento é uma mera carta de intenções assumida por todos.
Se valesse realmente este princípio, não sobrava de pé um representante dos poderes executivos. O que se espera, na verdade, é que o impeachment permita jogar na sombra o fato de termos descoberto que a democracia brasileira é uma peça de ficção patrocinada por dinheiro de empreiteiras. Pode-se dizer que um impeachment não é um golpe, mas uma saída constitucional. No entanto, os argumentos elencados no pedido são risíveis, seus executores são réus em processos de corrupção e a lógica de expulsar um dos membros do consórcio governista para preservar os demais é de uma evidência pueril. Uma regra básica da justiça é: quem quer julgar precisa não ter participado dos mesmos atos que julga.
O atual Congresso, envolvido até o pescoço nos escândalos da Petrobras, não tem legitimidade para julgar sequer síndico de prédio e é parte interessada em sua própria sobrevivência. Por estas e outras, esse impeachment elevado à condição de farsa e ópera bufa será a pá de cal na combalida semi-democracia brasileira.
Alguns tentam vender a ideia de que um governo pós-impeachment seria momento de grande catarse de reunificação nacional e retomada das rédeas da economia.
Nada mais falso e os operadores do próximo Estado Oligárquico de Direito sabem disto muito bem. Sustentado em uma polícia militar que agora intervém até em reunião de sindicato para intimidar descontentes, por uma lei antiterrorismo nova em folha e por um poder judiciário capaz de destruir toda possibilidade dos cidadãos se defenderem do Estado quando acusados, operando escutas de advogados, vazamento seletivo e linchamento midiático, é certo que os novos operadores do poder se preparam para anos de recrudescimento de uma nova fase de antagonismos no Brasil em ritmo de bomba de gás lacrimogêneo e bala.
Uma fase na qual não teremos mais o sistema de acordos produzidos pela Nova República, mas teremos, em troca, uma sociedade cindida em dois.
O Brasil nunca foi um país. Ele sempre foi uma fenda. Sequer uma narrativa comum a respeito da ditadura militar fomos capazes de produzir. De certa forma, a Nova República forneceu uma aparência de conciliação que durou 20 anos. Hoje vemos qual foi seu preço: a criação de uma democracia fundada na corrupção generalizada, na explosão periódica de “mares de lama” (desde a CPI dos anões do orçamento) e na paralisia de transformações estruturais.
Tudo o que conseguimos produzir até agora foi uma democracia corrompida. A seguir este rumo, o que produziremos daqui para a frentes será, além disso, um país em estado permanente de guerra civil.
Os defensores do impeachment, quando confrontados à inanidade de seus argumentos, dizem que “alguma coisa precisa ser feita”. Afinal, o lugar vazio do poder é evidente e insuportável, logo, melhor tirar este governo. De fato, a sequência impressionante de casos de corrupção nos governos do PT, aliado à perda de sua base orgânica, eram um convite ao fim.
Assim foi feito. Esses casos não foram inventados pela imprensa, mas foram naturalizados pelo governo como modo normal de funcionamento. Ele paga agora o preço de suas escolhas.
Neste contexto, outras saídas, no entanto, são possíveis. Por exemplo, a melhor maneira de Dilma paralisar seu impeachment é convocando um plebiscito para saber se a população quer que ela e este Congresso Nacional (pois ele é parte orgânica de todo o problema) continuem. Fazer um plebiscito apenas sobre a presidência seria jogar o país nas mãos de um Congresso gangsterizado.
Em situações de crise, o poder instituinte deve ser convocado como única condição possível para reabrir as possibilidades políticas. Seria a melhor maneira de começar uma instauração democrática no país. Mas, a olhar as pesquisas de intenção de voto para presidente, tudo o que a oposição golpista teme atualmente é uma eleição, já que seus candidatos estão simplesmente em queda livre. Daí a reinvenção do impeachment.