pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: janeiro 2018
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quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

O xadrez político das eleições estaduais de 2018, em Pernambuco: Encontros e desencontros da Conspiração Macambirense

 
 
 
 
José Luiz Gomes da Silva
 
Cientista Político.
 
 
 
A última pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha sobre as próximas eleições presidenciais traz alguns indicadores nada alvissareiros, como o expressivo percentual de eleitores indecisos ou que antecipam a possibilidade de anularem o seu voto ou votarem em branco: 36%, o que equivale a mais de um terço do eleitorado, percentual nunca antes observado em eleições presidenciais no país. A lavra de candidatos ora postos parece não entusiasmar - nem um pouco - os eleitores, absolutamente descrentes de um sistema político completamente necrosado, respirando por aparelhos, com morte cerebral já confirmada. Ainda não surgiram grandes pesquisas nas quadras estaduais, mas o diagnóstico parece indicar que estaremos diante do mesmo cenário, ou seja, a crescente desmotivação do eleitor com o processo eleitoral.

No domingo passado, o grupo de oposição ao Governo de Pernambuco - aqui denominado de Conspiração Macambirense - promoveu mais um dos seus grandes encontros, desta vez no Sertão do São Francisco, tendo como anfitrião o prefeito de Petrolina, Miguel Coelho. Em mais uma demonstração de força, o grupo reuniu as grandes lideranças da aliança, entre as quais os senadores Fernando Bezerra Coelho(PMDB),  Armando Monteiro(PTB), o ministro da Educação, Mendonça Filho(DEM), os ex-governadores, João Lyra(PSDB), Joaquim Francisco(PSDB), entre outros nomes. Em discursos no palanque e através da mídia, o alvo preferencial, obviamente, foi o atual mandatário do Estado, o governador Paulo Câmara, do PSB, que tentará a reeleição no próximo pleito. Um dos mais inflamados oradores foi o senador Fernando Bezerra Coelho que, em sua fala, dirigiu críticas ao Governo de Coalizão Petista, que integrou como ministro da Integração, o que se constitui numa aberrante contradição - ou uma demonstração de "oportunismo" político.

No próximo encontro, previsto para o dia 03 de março, o grupo de oposição deverá retornar às suas origens, ou seja, a Fazenda Macambira, em Caruaru, Agreste do Estado, que pertence a família Lyra. Ali começaram a se esboçar os primeiros convescotes políticos que culminaram na arregimentação do grupo de oposição ao Governo Paulo Câmara(PSB). É cedo afirmar se o grupo, até lá,  já teria construído algum consenso em torno da formação de uma ou mais de uma chapa para disputa estadual de 2018. Há, no grupo, aqueles que defendem o lançamento de mais de uma candidatura no primeiro turno, o que aumentariam as chances de levar a disputa para um segundo turno. Se não surgir alguma surpresa nesse intricado agrupamento, os nomes mais cotados para a cabeça de chapa são os senadores Armando Monteiro(PTB) e  Fernando Bezerra Coelho(PMDB).

Como ensinava o mestre florentino, Nicolau Bernardo Maquiavel,  em seu tratado de ciência política, esse jogo de cena é apenas aparente. Deve está sendo travada uma disputa fratricida pela indicação do nome ou nomes que comporão a chapa que deve habilitar-se às eleições de 2018, principalmente num grupo de príncipes ambiciosos, que seguem à risca o princípio de mantenere lo stato. Para nós, que assistimos esse espetáculo de camarote, antecipar-se aos fatos significa uma probabilidade muito grande de cometimento de equívocos, embora esse ofício seja atinente à nossa condição de cientista político. Melhor aguardar a ressaca política do tradicional churrasco da Macambira, um dos grandes termômetros políticos do Estado.
 
A polêmica maior desse último encontro, no entanto, ficaria por conta de declarações do senador Armando Monteiro(PTB), em defesa do programa de privatizações do Ministério das Minas e Energias, que inclui a CHESF, numa média mal calculada com o ministro Fernando Filho. Depois ele andou se explicando, mas o estrago já estava feito, sobretudo em razão do movimento dos pernambucanos em defesa da estatal. Como se sabe esse movimento não se limita apenas ao PSB, mas atinge outros setores, o quem empresta uma capilaridade maior ao movimento. Seja qual for o rumo desse grupo, ele assume a condição de um grupo chapa-branca. Não apenas pelo nomes que o compõe, mas, sobretudo, pelas "teses" assumidas. Se hoje se pode dizer isso em relação ao senador Armando Monteiro, sobre FBC nem se fala. O que Michel Temer(PMDB) não pode afirmar é que falte políticos pernambucanos dispostos a defenderem o seu legado.  



Editorial: O desencanto do eleitorado.

 



A mídia "engajada" não deixa de enfatizar alguns indicadores que sugerem uma possível melhoria na economia. Como eles mesmo dizem, "paramos de cair", o que já se constitui, por si só, um ótimo resultado. A euforia do Governo é tamanha que o próprio presidente Michel Temer(PMDB) tem afirmado aos aliados que não se considera uma carta fora do baralho. Em entrevista à edição brasileira deste mês do jornal Le Monde Diplomatique , o ex-ministro de Lula, Gilberto Carvalho,  faz coro com ilustres petistas ao afirmar que o maior erro cometido pelo partido no governo foi o de não levar adiante o projeto de democratização da mídia no país. Eles hoje parecem dimensionar corretamente o tamanho da encrenca em que se meteram, quando esta mídia "comprometida", consorciada com setores políticos e do empresariado, resolveram urdir o golpe que afastaria a presidente Dilma Rousseff(PT) da Presidência da República, além de execrarem publicamente os membros do partido, inclusive o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva(PT).
 
O que talvez pouca gente saiba - uma vez que a mídia alternativa morre de inanição, sobrevivendo, em alguns casos, com inestimável apoio dos seus próprios leitores - é que o desemprego cai apenas no setor informal da economia - o que significa que mais indivíduos passaram a vender pipoca ou sorvetes de iogurtes -; que nunca se investiu tão pouco em saúde, com o comprometimento de programas essenciais, além interditar o funcionamento de novas UPAS; que aumentou o índice de alunos reprovados, além da diminuição das matrículas no ensino fundamental e médio, que mais de 50% das escolas da rede pública não possuem saneamento básico e apenas uma em cada três tem acesso à internet; que nunca se fiscalizou tão pouco o trabalho escravo no país, pois falta até verba de passagens para os procuradores do trabalho. Esse debate sobre o país, certamente, não passa no horário nobre da grande mídia nacional, que prefere outros temas mais palpitantes, como, por exemplo, a negativa do habeas corpus preventivo para Lula, que fora solicitado pelos seus advogados ao Superior Tribunal de Justiça. 
 
Esses dados do cotiando difícil enfrentado pelos brasileiros e brasileiras talvez explique o desencanto com a próxima eleição presidencial, fato observado, mais uma vez, pelo última pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha, que aponta que 36% do eleitorado não demonstra qualquer inclinação de voto para a Presidência da República, além de inclinarem-se para o voto branco ou nulo. É mais de um terço do eleitorado, fato jamais verificado no país. Sem Lula no páreo, observa-se uma espécie de orfandade, traduzida no altíssimo índice de votos brancos ou nulo e de eleitores indecisos. A notícia boa é que o ex-militar, Jair Bolsonaro(PSC), parece estacionado na faixa dos 18% do eleitorado - com variações dentro da margem de erro na série histórica dessas pesquisas realizadas até aqui - indicando, quem sabe, um "teto" que não permitira ao seu séquito de seguidores a euforia de outdoors como aqueles espalhados, inclusive no terra do ex-presidente Lula, Garanhuns, aqui em Pernambuco, com os dizeres: "É melhor Jair se acostumando". Em todo caso, com Lula fora da disputa - como pretendem alguns - o militar da reserva lidera a disputa, num quadro ainda indefinido entre o segundo colocado, mais com uma ligeira vantagem da irmã Marina, o que nos rementem a uma observação do professor Michel Zaidan, no sentido de que nos restariam, neste cenário, fazer uma opção entre a cruz e a espada. Esse desapontamento do eleitorado é o resultado de uma crise institucional de dimensões gigantescas, pós-golpe institucional de 2016.



  

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Como seria o julgamento de Lula se estivéssemos em uma democracia?

                                           


Como seria o julgamento de Lula se estivéssemos em uma democracia? Lula discursa no Festival da Juventude em Cruz das Almas, na Bahia, em 2017 (Ricardo Stuckert/Divulgação)
 

No julgamento no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), marcado para o próximo dia 24 de janeiro, a decisão que condenou Lula deve ser mantida ou reformada? O ex-presidente deve ser condenado, e impedido de disputar a próxima eleição, ou absolvido? Existem duas torcidas, cada uma defende um resultado diferente. Tem até juiz que, mesmo sem ter lido a sentença, a declara irrepreensível. Vai entender. Nas democracias, porém, o que pensam os torcedores não importa. Em uma democracia, o ex-presidente não deveria ser absolvido, muito menos condenado.
Mas não estamos mais em uma democracia. A Constituição que a sustentava legalmente foi aniquilada. Hoje em dia, ninguém mais consegue citar a Constituição para fazer valer um direito. O que se chama “Estado de Exceção” tomou conta. Quem pode mais faz o que quiser – no caso, os juízes, desembargadores, ministros do STF e todo um sistema de justiça cada vez mais patético aos olhos da população perplexa. Bom lembrar que ninguém – nem o mais meigo existencialista – faz nada sem interesse. Então, essa galera toda está trabalhando muito pelo que lhe interessa: mais e mais poder.
Não posso seguir com esse argumento sem lembrar que antes, quando nada do que está acontecendo era imaginável, pensávamos na corrupção como o grande horror. Hoje, muitos já percebem que o “foco” que se colocou nela só serviu para desviar nosso raciocínio. A corrupção não acabou e ainda corromperam a Constituição. Ela, que servia de garantia a um pacto básico, se foi, e isso é estratégico para os interesses em jogo. Isso se chama “pós-democracia”.
Se fosse para respeitar o que determina a Constituição brasileira, a sentença que condenou Lula deveria ser anulada. Vários juristas já apontaram diversas nulidades e outras atipicidades na sentença que será apreciada pelo TRF4 (até livros já foram escritos só para descrever os vícios processuais e inconsistências da sentença condenatória), mas há uma que salta aos olhos em razão de sua simplicidade.
Não se trata do chamado “vício de competência”, que muitos vislumbram na decisão. No Direito há uma prévia determinação legal que define qual juiz dentre os vários existentes deve julgar uma causa determinada. É um assunto bem complexo e eu, que não sou da área, não vou me aventurar a explicar. Mas li diversos juristas apontando que as tais regras de competência foram violadas na sentença que vem a julgamento no dia 24 de janeiro.
Não me refiro aos usos e abusos das delações premiadas, cujo conteúdo não guarda qualquer relação necessária com o valor “verdade”. Esse já é um problema jurídico e filosófico ao mesmo tempo. Parece que os novos juristas incensados pela televisão não se preocupam muito com a questão da ética. Também não preciso mencionar as falácias contidas na sentença, que já foram recentemente denunciadas por um professor de lógica. Mas vamos adiante porque o problema que devemos apontar merece muita atenção.
A questão a que me refiro é muito mais simples. Não há necessidade de maiores conhecimentos em direito para respondê-la. Qualquer pessoa com bom senso saberia a resposta para a questão que a sentença do exótico e midiático (ou midiático e messiânico) juiz de Curitiba coloca: pode alguém, apontado como autor de um crime contra um réu, julgá-lo?
Vejam bem. Sobre o fato, a conduta que permitiu o vazamento de uma conversa telefônica entre o ex-presidente Lula e a então presidenta Dilma, não há controvérsia. O vazamento ocorreu.  O juiz de Curitiba o admite e afirma que agiu com a melhor das intenções (as mesmas boas intenções que enchem o inferno).
Em juridiquês, afirma-se que a tipicidade da conduta do juiz é evidente, ou seja, que a ação praticada por ele está prevista na lei penal como crime. Um fato típico, dizem os penalistas, é tendencialmente ilícito, ou seja, contrário ao Direito. Ok, embora inexista causa manifesta que permita, desde logo, afirmar que não ocorreu um crime, vamos dar o benefício da dúvida ao juiz de Curitiba, afinal, a presunção de inocência, tão desprestigiada por alguns juízes, ainda está na Constituição da República que deveríamos voltar a respeitar.
Nós vamos usar a presunção de inocência até mesmo para respeitar os direitos daqueles que não gostam dela. Assim, vamos admitir que na conduta do famoso juiz exótico e midiático poderia estar presente uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade. Vejam que eu estou preocupada em defender radicalmente sua potencial inocência. De qualquer modo, a pessoa que pratica uma conduta típica que gera lesão a um direito do réu, mesmo que ela não seja criminosa, ao menos nas democracias, não pode julgá-lo.
No julgamento de Lula, porém, tudo parece ser diferente. Por que com Lula é diferente? As regras do jogo democrático, aparentemente, podem ser afastadas sem maiores consequências no seu caso. É como se tivesse sido criado um direito especial para os indesejáveis como Lula, um Estado de Exceção inteiro funcionando na sua direção. Um desejo de puni-lo a qualquer custo. Ao custo da Constituição, da democracia e da inteligência das pessoas, do povo, sobretudo.
A impressão que muitos devem estar tendo nesse momento é de que uma certeza delirante tomou conta dos julgadores, de grande parte da mídia e da parcela da população que cultiva um ódio antipetista. Isso ajuda a afastar os direitos e garantias fundamentais de Lula, e as mais básicas conquistas civilizatórias tais como a imparcialidade, o devido processo legal, as regras de competência, a vedação da prova ilícita e a presunção de inocência. Isso tudo é muito sério para a vida. Fica evidente que cada um de nós pode ser o Lula de amanhã. Acha que não? Você se considera imune ao poder e às perversões dos seus agentes? Lembre-se de Robespierre e de Simão Bacamarte. Noutra linha, analise o caso da jovem palestina Ahed Tamimi, encarcerada aos 17 anos por exigir respeito à sua dignidade, caso precise de ajuda para pensar.
A hipótese formulada pela acusação, a qual o juiz aderiu, tornou-se mais importante do que os fatos demonstrados pelas partes. As convicções pessoais dos envolvidos no processo tornaram-se critérios de verdade. Mas na democracia não pode ser assim. Amando ou odiando Lula, amando ou odiando o PT, deveríamos respeitar seus direitos, que são os de todos nós.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

Le Monde: Nunca na História deste país...

Nunca na história desse país a cultura popular foi tão desvirtuada pelos meios de comunicação, o território popular tão apresentado como periferia, do mal, e o popular tão desconfigurado em seu sentido
Nunca…
Nunca devemos ter ilusões plasmadas desde discursos sem materialidade concreta. Nunca devemos acreditar que a vida é estática, sem possibilidade de mudança.
Nunca devemos construir nossas histórias, sobre bases frágeis de inclusão aparente, de artificialismo hegemônico, de vida mecanizada pela compra e venda, em um abandono concreto do que de fato tem valor para além do capital.
Nunca estivemos tão distantes de um projeto societário alternativo ao capitalismo como hoje. E nunca como esquerda estivemos tão distantes de uma unidade de classe, a partir das nossas diferentes lutas com um foco comum na formação política dirigida na estratégia e tática de consolidação do poder popular.
Nunca o capitalismo foi tão explícito sobre suas concretas relações materiais de poder ancoradas na inclusão de alguns poucos e na exclusão de muitos no acesso à vida em geral. Nem os mandatários do poder no sistema capitalista foram tão verdadeiros no seu domínio sobre o mundo, na sua condição miserável de estereotipar e negar a vida em suas diversas formas à maioria.
Nunca na história recente do capitalismo a ética protestante foi tão associada à desumana naturalização de um processo socialmente construído como a exclusão, a criminalização, frutos da propriedade privada sobre a vida e sobre a morte. A cotidianidade da violência é tal que, não é necessário ler textos sobre as desigualdades para que qualquer um de nós a veja em todas as partes do globo.
Nunca, apesar das múltiplas crises cotidianas protagonizadas pelo capital, foi tão difícil acreditar em mudança como na conjuntura atual do mundo. Nem o medo foi tão vitorioso, a solidão e o abandono e a tristeza tão reais como no dia a dia de nossas vidas.
Nunca o trabalho foi tão desvalorizado, as mulheres tão violentadas dentro e fora de casa, nem as dívidas tão estratosféricas para nós que vivemos na era da especulação e da miserável condição humana atrelada a ela.

Nunca na história…
Nunca na história da América Latina e do Caribe tivemos a oportunidade de ter exemplos tão explícitos sobre o que é a dialética, a contradição, a desigualdade estrutural. Sem precisar ler Marx, Engels, Lenin, Rosa, é possível falar sobre a dialética no dia a dia, tamanho o fosso entre os que têm a partir do saqueio dos que com nada ficaram.
Nunca na história da América Latina e do Caribe o extrativismo foi tão degradador e violento contra os povos originários, e contou com tanta tecnologia a seu favor para as expulsões e os crimes e castigos de nossos tempos. Nunca também o agronegócio foi tão pop, tão tudo, como na sanguinária capacidade de envenenar a terra e os alimentos responsáveis por fazer das espécies seres capazes de se reproduzirem em seus habitats naturais e sociais.
Nunca na história recente da América Latina a dependência estrutural se agigantou tanto a partir da era da dívida como carro-chefe da sociedade especulativa, e o imperialismo comprou tanta terra no campo, terreno nas cidades e representantes na política. Nunca também o ideário de revolução foi tão necessário e ao mesmo tempo figurou como tão distante de nosso cotidiano como agora.
Nunca na história contemporânea tivemos tantos condenados da terra, tantos cativeiros revelados e tanto pavor ao convívio social. Nem tivemos tantas perdas, assassinatos e violências generalizadas, sem julgamentos (crimes dos mandatários do capital), em contrapartida a ausência de defensoria pública para um grupo massivo de sujeitos da classe trabalhadora, suspeito de algo que ainda não foi julgado, mas que mofam no sistema prisional aguardando uma absolvição que não chega, com base em uma suposição, não confirmada, sobre os furtos, e/ou atentados sobre patrimônios e pessoas.
Nunca na história contemporânea havíamos chegado a tão alto nível de dependência econômica, social, psíquica e química como agora. Nunca na história contemporânea havíamos nos deparado de forma tão aberta para a condição de compreensão cotidiana sobre a prática do poder de uma classe sobre a outra e para o significado concreto sobre o papel do estado de direito em uma sociedade de classes.
Nunca na história recente havíamos tido tão rapidamente, dada a velocidade técnico-científica da geração online (4g), acesso às regras do poder e seus usos políticos a partir de seus aparelhos ideológicos, na condução da vida de todos a partir de seus preceitos (i)morais. Nunca, na historia recente do capitalismo, havíamos aprendido tão rapidamente qual o papel da educação, da religião e da família: educar para uma individualidade desmedida, para uma concorrência atroz, para um consumo sem freios e para um futuro a partir de um presente sem história, sem passado, sem encontros.
Nunca na história da humanidade foi tão difícil definir a condição humana, reforçar valores ético-morais com primazia para o ser, e não para o ter, e valorizar as relações afetivas como ato político de quem constrói relações sociais cotidianas.

Nunca na história deste país…
Nunca na história deste país o medo e a letargia tinham vencido tão rapidamente a esperança, os gritos e os sonhos. Nunca na história desse país nós trabalhadoras e trabalhadores, havíamos estado tão órfãos de projetos, de representações e de acesso às disputas como agora.
Nunca na história deste país o extermínio da população pobre e negra, a judicialização dos trabalhadores e movimentos sociais e a criminalização dos oprimidos foram tão massivos no massacre, em um período dito democrático, como na civilizada ordem burguesa atual. Nunca na história desse país um político, com seu histórico discurso de esquerda, havia se vendido tanto para o capital a partir das coligações efetuadas em nome de uma ideia de progresso e desenvolvimento. Tampouco havia sido tão defendido pelos movimentos de massa, como na história recente.
Nunca na história deste país a cultura popular foi tão desvirtuada pelos meios de comunicação, o território popular tão apresentado como periferia, do mal, e o popular tão desconfigurado em seu sentido. Nunca na história desse país a educação foi tão financiada por grupos de interesses mercantis, abrigados nas asas do moderno estado de direito. Nem homens e mulheres da classe trabalhadora haviam vivenciado a exposição de suas vidas, suas ideias tão ridicularizadas e seus dorsos tão curvados como agora.
Nunca na história deste país a mídia foi tão rapidamente manipuladora e os agitadores da direita foram tão ofensivos na sua capacidade de manejar o leme do navio sobre os diversos corpos atirados na água devido às migrações forçadas.
Nunca na história deste país o sistema prisional foi tão robusto: 726 mil presos, sendo mais de 50% jovens e 65% negros, dados atuais do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (2017).[1]
Nunca na história deste país a periferia foi tão grande nas cidades e tão obrigada e remoções forçadas como agora[2]. Nunca na história desse país os transgênicos foram tão hegemônicos, os enlatados a forma de consumo central e o sistema prisional dos condomínios com projeção ampliada frente a morte dos espaços públicos.
Nunca na história deste país ficamos tão distantes de um projeto e de um poder realmente popular. Nunca como hoje foi tão evidente a necessidade de sermos muitos e organizados para frear a sanguinária máquina mortífera do capital sobre e contra a classe trabalhadora.

As condenações
A famosa frase dita pelo ex-presidente em diversas ocasiões, sempre esteve demarcada por uma postura ideológica com aparência de nova (neodesenvolvimentismo),[3] mas sua essência não tirou o capital dos trilhos de sua bonança, servirá de guia dialógica para a reflexão.
O dia 24 de janeiro de 2018 entra para a história do Brasil como mais um momento de consolidação, na coerção, da brutal ofensiva do capital sobre o trabalho. A centralidade da judicialização sem provas, a criminalização dos que lutam e a primazia do direito penal e civil sobre os direitos sociais, o capitalismo no Brasil segue fluindo de vento em poupa.
Demarcado pelo julgamento do ex-presidente Lula, em uma acelerada correria para não legitimar sua candidatura às eleições de 2018, a condenação foi muito mais do que um juízo político sobre um indivíduo e/ou um partido político. Foi a explicitação de que a luta de classes se acirra e com ela a potencialidade do aparelho do Estado armado contra o trabalho, em benefício do capital transnacional, são a única feitura possível em tempos de queda da taxa de lucro para o capital.
O dia 24 de janeiro entra, pois, para a história do Brasil como mais uma cena macabra, ao longo da jovem república burguesa, de brutalidade e violência escancaradas contra os trabalhadores. Porque não se tratava somente de uma condenação cujas provas são frágeis, mas de um processo explícito de esvaziamento de qualquer outro tipo de poder, que não o dos senhores da casa grande do passado e do presente.
O judiciário segue sendo o território dos donos das algemas objetivas e simbólicas e ascendeu o alerta vermelho na possibilidade de terremotos sociais. Agora, após este e outros atos sumários, o judiciário está apto, a partir das regras feitas por ele mesmo, para armar-se contra a classe trabalhadora e a favor das contrarreformas. Processos estes que definem a estrutura jurídico-política inerente ao contínuo exercício militar historicamente dirigido contra os trabalhadores.
Ante o cenário de barbárie política, definida como ascensão, na base da força, via intensificação da superexploração da força de trabalho e da agudização da precarização, nunca na história desse país foi tão necessário recobrar as energias para lutar e conformar projetos políticos em unidade.
Porque nunca na história desse país,[4] foi tão explícita a necessidade de consciência sobre o que está em jogo no desmonte desta nação. Processo que não foi interrompido no período de governo do PT, tampouco o será nos próximos anos de continuidade, sem freios, das políticas neoliberais que tentam contrarrestar a estrutural situação de crise inerente ao capital.
Sempre! Sempre na história! Sempre na historia deste continente e deste país encontramos brechas para sair adiante, levantar a poeira, dar a volta por cima. E, se não a encontramos, a criamos. Porque nunca, nunca na história desse país, deixou de haver movimentos de resistências, luta cotidiana nos territórios e mídias alternativas[5] relatando outros mundos necessários e possíveis em meio à desordem do capital. Porque sempre nossa história foi o palco da luta de classes. E da capacidade de nos reinventarmos como esquerda atuante sem deixar de lutar.

*Roberta Traspadini é professora do curso de relações internacionais da Unila.
[1] Relatório disponível em: http://dados.mj.gov.br/dataset/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias/resource/5652dceb-d81a-402f-a5c8-e4d9175241f5 Acesso em 23 de janeiro de 2018.
[2] Ver relatório final do Observatório das remoções da USP, 2017. Disponível em: https://www.observatorioderemocoes.fau.usp.br/observatorio-de-remocoes-apresenta-o-relatorio-final-de-projeto/ Acesso em 21 de janeiro de 2018.
[3] Para um estudo mais profundo sobre o período Lula, sugerimos a coletânea de artigos que compõem o livro organizado por Maria Orlanda Pinassi e Mariano Féliz (Org). La farsa neodesarrolista y las alternativas populares em América Latina y caribe. Buenos Aires: Herramienta, 2017.
[4] Vale a pena a reflexão contida no livro “Nunca antes na história desse país. Um balanço das políticas do governo lula. Organizado por Marilene de Paula (2017), RJ: Fundação Heinrich Boll Stiftung. Disponível em: http://www.inesc.org.br/biblioteca/textos/livros/nunca-antes-na-historia-desse-pais-um-balanco-das-politicas-do-governo-lula Acesso em 20 de janeiro de 2018.
[5] Alguns importantes exemplos de mídias alternativas e comprometidas: observatoriodasveiasabertas.com.br; marxismo21.org; lemondediplomatique.org.br; midianinja.org

(Publicado originalmente no site do Jornal Le Monde Diplomatique Brasil)



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segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Michel Zaidan Filho: Lula está sendo julgado pelos seus acertos, não pelos seus erros

 

 


                          





Se fosse o ex-presidente Lula que possuísse um luxuoso apartamento na prestigiada Avenida General Foch, em Paris, registrado no nome de um “laranja” chamado Jovelino de Carvalho, e por acaso sócio dos filhos de Fernando Henrique Cardoso na Fazenda Buritis, ele estaria muito encrencado.
Afinal, um ex-metalúrgico não teria como adquirir um imóvel tão caro na França.
Se fosse o ex-presidente Lula que tivesse suas contas no exterior denunciadas pela ex-amante, pedindo inclusive uma investigação policial dessas contas, estaria frito.
Se fosse o ex-presidente Lula que tivesse comprado os votos da sua reeleição ao preço de 500.000,00, pagos em “cash” pelo Banco Itaú, não sobraria nada de sua integridade moral e política.
Mas nada disso abalou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que continua lépido e fagueiro condenando Lula.
A respeito desse sociólogo paulistano, é preciso reconsiderar as observações feitas por Celso Furtado sobre a sua conduta, quando Cardoso, com uma só penada, extinguiu a SUDENE.
Trata-se de uma pessoa mesquinha, invejosa e despeitada.
Nunca gozou do imenso respeito que os franceses tinham por Furtado, como o grande teórico do subdesenvolvimento latino-americano.
Embora tenha sido ajudado pelo nosso grande economista no exílio voluntário parisiense.
E em relação a Lula, a inveja foi publicamente confessada numa entrevista a Marília Gabriela, quando perguntado pela imensa aprovação popular com que Lula deixava a Presidência da Republica, muito ao contrário dele.
A essa altura dos acontecimentos, só os cegos acreditam na imparcialidade da Justiça no Brasil, porque não contemplam a face da iniquidade do Poder Judiciário.
Para uns, tudo: presunção de inocência, absolvição, prisão aberta, tornozeleira eletrônica etc.
Para outros, suspeição, condenação in limine, preconceito e discriminação.
Direito Penal, direito dos pobres.
É inadmissível que um estadista tão bem sucedido, no Brasil e fora do Brasil, não tenha reunido condições para ter ou usufruir ou pretender comprar um apartamento tríplex em Guarujá ou um sítio em Atibaia ou outra coisa qualquer.
Como Bill Clinton, que fez inúmeras palestras ao custo de 11.000 dólares para pagar aos advogados que o livraram do “impeachment”, Lula foi frequentemente solicitado por universidades e personalidades do mundo inteiro, para falar sobre o êxito da sua liderança mundial (“global play”), como político, como árbitro, como liderança regional na América Latina, como líder sindical etc.E foi bem remunerado por essas palestras.
Não se conhece contas externas de Lula onde esse dinheiro foi depositado, como alega Fernando Henrique Cardoso, a respeito das suas.
Um patrimônio de um ex-presidente da República que constasse apenas de um apartamento tríplex e um sítio, ai sim, dir-se-ia que era um fracassado.
Mas o patrimônio de Lula é imaterial, e sumamente mais valioso (e temerário para as elites brasileiras) do que esse tríplex e esse sítio.
É o patrimônio político, social, ideológico.
Depois de Getúlio Vargas, nunca houve um presidente tão popular como Lula.
Carismático, identificado com o povo, e titular de um capital político de fazer inveja a qualquer sociólogo.
Lula está sendo julgado, não pelos seus erros, mas sim pelos acertos, inúmeros acertos.
A nossa elite tacanha e apátrida não suporta o tamanho do êxito de um filho do povo, tornado Presidente, não por um golpe, mas pela vontade soberana do Povo brasileiro.
Esse é o pecado cometido pelo ex-presidente Luiz Inácio LULA da Silva.

*Michel Zaidan Filho, cientista político e professor na UFPE

(Publicado originalmente no site Viomundo. O título original do artigo é "O julgamento de Lula".)

Leia também:

Lula, o delinquente
 

Charge! Renato Machado via Folha de São Paulo

João Montanaro

domingo, 28 de janeiro de 2018

Charge! Jean Galvão via Folha de São Paulo

Jean Galvão

Charge!Duke via O Dia

Durval Muniz: Uma fábrica de veneno

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O desenvolvimento da cidadania no Brasil tem um grande inimigo: a grande mídia. Seja em sua versão impressa (jornais diários e revistas semanais), seja em sua versão audiovisual (rádio, televisão, blogs e sites vinculados aos grandes grupos empresariais de mídia), a mídia brasileira apresenta características organizacionais, empresariais, editoriais e políticas que a torna um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento do debate político, do senso crítico, da pluralidade política e ideológica, ao acesso à informação, que são fundamentais para a afirmação de uma cultura democrática e republicana em nossa sociedade. Ela é a maior responsável pela desinformação, pela ignorância política, pela parcialidade, pela intolerância, pelo crescimento do pensamento conservador, reacionário e microfascista na sociedade brasileira. A mídia tem sido um fator sistemático de desinformação e deseducação política, da veiculação de preconceitos, de favorecimento de uma cultura antidemocrática, do linchamento, do desrespeito às leis e à Constituição, de não observância dos direitos humanos e das garantias legais fundamentais para a convivência humana, de desobediência ao Estado democrático de direito.
No Brasil, a mídia deixa de ser uma instância crítica do social, para se arrogar o papel de diretora da vontade popular, de definir até mesmo eleições, de ditar a agenda dos governos, de julgar e condenar as pessoas antes mesmo do poder Judiciário, quando não as submete ao linchamento moral e à desconstrução de sua imagem, de antecipar os resultados das votações no Legislativo, pressionando parlamentares em votar conforme os interesses dos empresários e das empresas de comunicação. A centralidade que tem a televisão na sociedade brasileira (em nenhum lugar do mundo as pessoas são tão embasbacadas com a TV como em nosso país. A TV se tornou onipresente em nosso cotidiano, estando agora até nas farmácias, uma doença nacional) faz com que a versão televisiva da realidade passe como sendo a própria realidade. O que aparece na Rede Globo, em seus telejornais, é a versão oficial da realidade do país consumida acriticamente por boa parte da população. Mas é preciso que a gente reflita sobre algumas características da mídia brasileira que a torna particularmente danosa à pluralidade de visões sobre a realidade, indispensável para uma verdadeira vida democrática. É claro que a mídia, em qualquer lugar do mundo, apresenta uma leitura da realidade, tenta construí-la com imagens e textos, tenta que a população receba sua versão do real como sendo o real, mas em outros países essas versões são plurais e se digladiam entre si, o que favorece a formação do senso crítico e a independência de julgamento da população que se vê diante de versões contraditórias tendo que tomar uma posição diante desses desencontros.
A forma como a mídia brasileira está estruturada e o fato de que a legislação que visava democratizá-la continua letra morta por falta de regulamentação legislativa necessária para sua aplicação, dá à nossa mídia características bastante danosas para a cidadania no país. Vejamos essas características:
Concentração oligopolista dos meios de comunicação. Embora o capítulo destinado aos meios de comunicação da Constituição de 1988 tenha previsto mecanismos visando coibir a concentração do capital e dos meios de comunicação nas mãos dos mesmos grupos empresariais, por falta de regulamentação essa parte da Carta Magna vem sendo sistematicamente ignorada. Doze grupos empresariais, dominados por interesses familiares (o que mostra o caráter pouco moderno dessas empresas e do nosso capitalismo no setor de comunicação) dominam 80% dos grandes meios de comunicação no país. As famílias Marinho, Frias, Mesquita, Saad, Civita, com suas subsidiárias em cada estado da federação monopolizam os meios de comunicação do país, o que favorece a veiculação de um discurso único, nascido do conluio de interesses entre essas famílias. Sendo poucos empresários, sendo poucos agentes a dominar os meios de comunicação fica bem mais fácil a orquestração de verdadeiras campanhas midiáticas contra aqueles que vierem a se contrapor aos interesses de alguns desses grupos. Isso deu a essas famílias o poder de chantagear políticos, governos, empresas, instituições, que não conseguem encontrar um meio de comunicação opositor ou dissidente onde possa se defender das campanhas promovidas pelo conglomerado monopolista da mídia. A participação decisiva da grande mídia em todas as rupturas com o processo democrático, em todos os golpes políticos ocorridos no país deixa isso bem claro. São as verdadeiras campanhas orquestradas que preparam o ambiente para o golpe e trata de legitimá-lo.
Vinculação com interesses político-partidários. Ao contrário do que rege a legislação, a maior parte dos meios de comunicação está nas mãos das oligarquias políticas ou dos grupos partidários que dominam a política em cada estado, desde os principais jornais, até as estações de rádio e televisão. Sendo concessões públicas, ao contrários dos jornais e revistas, a concessão de estações de rádio e televisão tem sido usada como moeda de troca e barganha nos conchavos políticos nacionais. É através do controle da mídia que os grupos locais se perpetuam no poder, à medida que censuram qualquer abordagem crítica a seus governos e a atuação pública desses grupos. O monopólio estadual e municipal das mídias locais pelos grupos partidários se alia ao monopólio nacional das doze famílias, formando uma verdadeira pirâmide de interesses conservadores e reacionários a dominar os meios de comunicação. Em cada estado do Brasil é um oligarquia que tem o controle sobre a retransmissora da Rede Globo local, por exemplo, articulando uma rede de dependência e favorecendo a veiculação de um pensamento único. No Rio Grande do Norte, as famílias Alves e Maia são proprietárias dos principais meios de comunicação e, por isso, se perpetuam no poder político, interditando o debate e a crítica política. Na maior parte dos países europeus isso é terminantemente proibido.
Concentração regional. Embora a Constituição de 1988 preveja a regionalização dos órgãos de mídia, visando a sua democratização e maior aproximação com os contextos locais, os grandes grupos de mídia do país estão todos numa só região, a Sudeste, e em duas cidades, São Paulo e Rio de Janeiro. Isso provoca a emissão de uma visão completamente distorcida de um país com dimensões continentais. A maior parte das outras regiões do país pouco se veem na telinha e quase sempre, quando abordadas, são através do estereótipo ou da excepcionalidade e bizarrice do evento. Notadamente no que tange a televisão o Brasil não saiu da época da ditadura militar que foi quem concebeu, como estratégia de governo do país, essa centralização midiática, notadamente as constituições de redes nacionais de televisão mais fáceis de controlar e censurar. Foi a ditadura que levou a Rede Globo de Televisão a se tornar esse monstro tentacular que está presente em cada lugar do país, em cada momento do dia ou da noite, esse monstro que nos persegue em bares, restaurantes, cafés, consultórios médicos, hospitais, supermercados, farmácias, etc. A Rede Globo e a ditadura são inseparáveis desde o berço. Isso leva a que saibamos mais do que acontece no Rio de Janeiro do que o que acontece em nossas próprias cidades. Até os modos de falar regionais são marginalizados e substituídos por uma fala pasteurizada pretensamente de lugar nenhum. Nos EUA existem mídias até de bairros.
Prevalência da propriedade cruzada. Um dos aspectos mais antidemocráticos da mídia brasileira, também vetado pela Constituição de 1988, mas também dependente de que um Congresso Nacional, composto por donos de mídia estadual e local, regulamente os artigos da Lei Maior, é a prevalência da chamada propriedade cruzada dos meios de comunicação. Um mesmo grupo empresarial, no caso do Brasil, uma mesma família, três herdeiros como os filhos de Roberto Marinho, podem ser donos de jornais, de concessões de estação de rádio e de vários canais de TV aberta e fechada, de revistas semanais, de blogs, de portais de internet, de editoras, de agências de notícias, de empresas de oferta de TV fechada, de empresas produtoras de audiovisual e de cinema, etc, configurando um verdadeiro cerco imagético-discursivo a quem vive no país. Para onde nós nos virarmos daremos de cara com o Grupo Globo disfarçado sob vários nomes fantasia, veiculando a mesma mensagem, a mesma leitura do país. No ápice da campanha pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff até filmes despectivos foram patrocinados pela Globo Filmes. No desmonte da imagem do ex-presidente Lula vale tudo até a produção de um filme endeusando o juiz que o persegue. Isso é terminantemente proibido em quase todos os países, inclusive nos EUA.
Ausência de uma mídia pública e fragilidade da mídia estatal. Nesse aspecto o Brasil se aproxima muito do modelo americano de mídia e se distancia do modelo europeu. Nos principais países da Europa, notadamente no que tange ao rádio e a televisão, são as empresas públicas que possuem o predomínio em termos de audiência e respeitabilidade. Uma empresa pública de mídia não pertence a algum órgão do Estado, embora ele tenha participação em seu financiamento e fiscalização. Embora sendo também financiadas pela iniciativa privada através do pagamento de propaganda, essas empresas contam com a presença de capital público. Normalmente elas são geridas por alguém designado pelo próprio conselho diretivo da empresa do qual faz parte, obrigatoriamente, representantes de instituições da sociedade civil, como sindicatos patronais e de trabalhadores e por representantes de todos os partidos políticos presentes no Congresso Nacional, o que favorece o pluralismo político e ideológico da programação dessas empresas. Na TVE da Espanha, por exemplo, todo programa que envolva debate de ideias políticas deve contar com representantes das várias forças políticas. Não pode ocorrer, como na TV brasileira em que, não apenas não se convida pessoas de posições distintas, como, quando ocorre de alguém sair do script, é enquadrado pelo apresentador do programa que desrespeita a opinião do convidado impondo o discurso da casa. No governo Lula se criou a TV Brasil, uma TV pública que, no entanto, carece dos investimentos e da visibilidade que a pudesse fazer um contraponto à mídia privada. As TVs e rádios estatais, como é o caso da TV Senado, da RBR, da TV Justiça, também são quase invisíveis, ocupando um nicho quase desprezível da audiência. Muito menos escrava da audiência, essa modalidade de mídia pode veicular uma programação mais educativa, menos comercial, menos voltada para o entretenimento imediato.
O monolitismo político e ideológico. A partir do engajamento da grande mídia brasileira na tentativa de desalojar o Partido dos Trabalhadores do poder, embora esse tenha cometido, nessa área, um dos seus grandes equívocos, ao não buscar implementar o que mandava a Constituição de 1988, agindo no sentido de democratizar a mídia brasileira, sem o qual não haverá democracia no Brasil, erro que acabou o atingindo duramente a qualidade da cobertura jornalística do que ocorre no país foi decaindo de qualidade a ponto de muito profissionais sérios não resistirem, migrando para as emergentes mídias alternativas (Paulo Henrique Amorim, Luiz Carlos Azenha, Eduardo Guimarães, Fernando Brito, etc). Passamos a ter uma mídia que mente cotidianamente, que chega a se associar a grupos criminosos (como a Editora Abril com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, visado cometer ilícitos que gerassem manchetes contra o PT), que passou a veicular um discurso de ódio, de intolerância, de rancor, cheio de preconceitos e estigmatizações. Um discurso que levou a uma visão distorcida da vida pública, um discurso de criminalização da política, que favoreceu ao aparecimento de fenômenos políticos como o crescimento de grupos fascistas e de extrema-direita no país. Bolsonaro e os bolsominions são uma criação direta de uma mídia de discurso raivoso e apoplético. Chegamos, com as mídias alternativas crescendo no país, oferecendo versões alternativas às versões da grande mídia, a um crescente descrédito daquilo que ela diz, notadamente entre os setores mais progressistas do país (o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo se houve sempre, em qualquer manifestação política). Uma mídia que não teme a desmoralização e o ridículo, contanto que destile cotidianamente o seu veneno fascista.
O setor vive tendências opostas. Outro fenômeno preocupante no setor de mídia no país é o espantoso crescimento das mídias ligadas a denominações religiosas evangélicas e católicas. O setor de radiodifusão está sendo praticamente dominado por grupos ligados a interesses políticos e empresariais que se acobertam sob o manto do pertencimento a uma dada religião. Pastores e religiosos ficam milionários e se tornam políticos profissionais veiculando seus discursos, muitas vezes intolerantes e preconceituosos, através do acesso a mídia. Embora ainda seja menos expressivo no que tange às concessões de canais de televisão (a compra da TV Record pela Igreja Universal do Reino de Deus é o único caso mais expressivo), preferindo o aluguel de espaços na grade de programação, as denominações religiosas são responsáveis, hoje, pela aportação de boa parte dos recursos que mantêm empresas tradicionais de mídia como a Rede Bandeirantes de Televisão. Esse segmento da mídia tem reforçado o caráter conservador das mensagens veiculadas por nossa mídia, inclusive no plano dos valores e dos direitos. Uma confissão religiosa monoteísta, que se arroga a ser portadora da única mensagem verdadeira e da única visão válida sobre a realidade e sobre a maneira de organizar o social não pode favorecer a diversidade e a pluralidade de opiniões, não favorece a formação de subjetividades democráticas. O verdadeiro massacre que essa mídia exerce em relação as religiões de matriz africana, desqualificando-as e conclamando a intolerância é um exemplo de como essa mídia está levando a sociedade brasileira para o perigoso caminho da caça as bruxas. Em nome da democracia e da cidadania deveria ser vetada a propriedade de grupos de mídia a grupos religiosos. Se o nosso Estado é definido constitucionalmente como laico e se rádios e TVs são concessões públicas deveria ser vetada a concessão a grupos religiosos, sejam eles quais forem.
Por outro lado, temos o crescimento das chamadas mídias alternativas, embora muitos dos blogs, portais na internet, páginas de notícias sejam vinculados aos mesmos grupos que controlam as grandes mídia. O grupo Abril, que publica semanalmente o lixo fascista chamado revista Veja, emprega vários colunistas de blogs que ajudam a disseminar o seu veneno, a mesma coisa ocorre com o grupo Folha de São Paulo. A força da mídia alternativa se viu na cobertura paralela que foi feita dos eventos dessa semana em Porto Alegre, foi a mídia alternativa e a mídia internacional que ofereceram versões distintas da narrativa oligopolista dos grandes conglomerados de mídia no país. Por incrível que possa parecer essa semana ficamos sabendo que o conservador New York Times pode ser mais crítico e imparcial do que nossos grandes órgãos de imprensa. O New York Times, claro, ainda pretende fazer jornalismo, o que nossos jornais, revistas, rádios e TVs dos grandes grupos empresariais há muito deixaram de fazê-lo, com uma ou outro honrosa exceção como Mino Carta e a Carta Capital. O que nossa mídia produz, todo dia, é veneno, que rapidamente está matando a sociedade brasileira e o próprio país. Quando tivermos regredido como sociedade e como nação, como ocorreu com muitos países, quem vai cobrar dessa fábrica de veneno as suas responsabilidades?

Durval Muniz é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(Publicado originalmente no site Saiba Mais, Agência de Jornalismo, aqui reproduzido com autorização do autor)

sábado, 27 de janeiro de 2018

Michel Zaidan Filho: Das alianças e dos compromissos


 
A história das alianças políticas na cultura política dos partidos e agrupamentos de esquerda pode ser resumida numa frase de líderes anarquistas, para caracterizar as propostas de frente única lançada pelos comunistas: "frente única sob a hegemonia do PC". Nunca foi fácil esse aprendizado de propor alianças com outras forças e partidos distintos de nossa própria organização. E há quem diga que a ambiguidade ou insuficiência dessa política deita raízes na ausência da concepção instrumental do Estado (teoria negativa, diria Bobbio) e meramente tática da democracia. Indo mais longe poder-se-ia invocar, até mesmo, a concepção monista da realidade, como assim formularia Plekhanov em seu livrinho "Principio do marxismo". Sendo a realidade formada de uma única matéria, a política, as artes, a filosofia não passariam de meros epifenômenos daquela matéria primordial.

Há dois grandes estrategistas da política, no campo do pensamento marxista, um chama-se Wladimir Uilianov Lenin: o outro Antonio Gramsci. Um russo. Outro, italiano. Ambos comunistas. Enquanto Lenin, inspirado numa espécie de "ética das consequências" e na política, como atividade "estratégica", propunha uma visão tática, instrumental das alianças políticas. E essa concepção melhor se expressa na chamada "aliança-camponesa"; o comunista italiano propôs uma visão da aliança política como "hegemonia", e da política, como "catarse". Naturalmente a visão gramsciana corresponde ao fim de um ciclo revolucionário no "oriente" e na Europa e a adequação da revolução aos termos da sociedade capitalista ocidental. Ela contém assim mais substancia ética e civilizatória..Não sendo, portanto, um mero expediente tático empregado pela esquerda para acumular forças e fazer a revolução. O conceito de "hegemonia" em Gramsci está ligado a chamada "direção moral e intelectual" de uma força política fundamental sobre as outras (coadjuvantes no processo revolucionário). E deve continuar mesmo depois que esta força já tenha se constituído em classe dominante. Nisso, o autor sardo se afasta de Lenin.

Muitos comunistas têm alergia quando se fala em alianças. Acham que o seu ideal político é muito frágil e pode se deixar corromper facilmente em contato com o das outras forças políticas. Mas quando se fala de alianças, não está se tratando de pacto ou acordo com os inimigos, e sim com os mais próximos, os que não pensam radicalmente diferente de nós.. É possível - e até desejável - que uma classe, partido ou movimento seja "dirigente" antes de ser dominante. E isso só pode ser feito através de uma persistente luta pela hegemonia, na sociedade. Nenhuma classe pode/deve governar a sociedade, sozinha. Este monolitismo seria uma grande ameaça às liberdades. Deve fazer alianças para conquistar o poder e governar..

Coisa muita distinta da tal "governabilidade" de nosso presidencialismo de coalizão. Aqui, essa palavra medonha se confunde com a corrupção política de um grande número de agremiações e políticos, com um único objetivo: garantir uma relativa estabilidade para o governante de turno. Não precisa muito de afinidades ideológicas ou programáticas. Apenas o apoio fisiológico da base, em troca de benefícios, cargos e verbas orçamentárias (emendas). Este fisiologismo não tem de esquerda. É mero fisiologismo.

Quando o partido ou um líder de um partido de esquerda propõe uma aliança como essa, para ganhar uma eleição e, depois, governar, ele está vendendo sua alma ao demônio, que nada tem de besta: chame-se Maluf, Sarney, Jader, Renan, Temer etc. Os nomes são muitos;a coisa ruim, uma só. O dilema dos partidos de esquerda é fazer as alianças políticas para ganhar as eleições e governar. Mas se aliar com quem? - Com os inimigos? Com as oligarquias? Com os chefes políticos? - Pelo visto, quem pensa assim, achar que pode manipular esses aliados. Mas a história tem sido outra.

Por que não se aliar com os mais próximos, com os partidos que estão no campo da esquerda? Com quem tem o mínimo de afinidade programática? - Aí parece que cada partido ou força política quer se apresentar desde logo com uma direção política e moral pronta e acabada, esperando a mera adesão dos outros. Não há nada mais contrário ao espírito de uma aliança construida a partir do diálogo e dos compromissos, do que esta proposta de "hegemonia natural", apresentada por alguns partidos. A hegemonia é uma conquista diária, que exige muito esforço e transigência em nome de um objetivo maior. Não pode ser uma pré-condição para as alianças. Que fique aqui esse registro para a reflexão.
 
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE.
 
 

Charge! Renato Machado via Folha de São Paulo

Renato Machado

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

O suicídio da Lava Jato com a prisão de Lula?

                                           


O suicídio da Lava Jato com a prisão de Lula? Lula em ato na praça da República, em São Paulo (Foto: Ricardo Stuckert)


 
Alguns juízes são absolutamente incorruptíveis. Ninguém consegue induzi-los a fazer justiçaBertolt Brecht

O ano de 2018 começou quente. No aguardado julgamento do dia 24, a 8º Turma do TRF da 4º Região não apenas manteve a sentença de Sergio Moro condenando Lula pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, como ainda majorou, por unanimidade, a pena imposta ao ex-presidente de nove anos e meio para 12 anos e um mês de prisão em regime fechado, além do pagamento de multa em dinheiro.
Para João Pedro Gebran Neto, relator do processo, “Lula foi um dos principais articuladores, senão o principal articulador, do esquema de corrupção da Petrobras”. Claramente, trata-se de uma afirmação contundente, de tom político, mas que reproduz uma apresentação de PowerPoint com rarefeito fundamento em provas.
De modo geral, as posturas dos três desembargadores pouco destoaram entre si. Em longas horas de leitura dos votos, eles se limitaram a rejeitar todas as alegações da defesa, em preliminares e no mérito, tecendo diversos elogios à Operação Lava Jato e à atuação de Moro na primeira instância. Até mesmo atos abusivos e flagrantemente ilegais como a condução coercitiva e a interceptação telefônica de advogados foram considerados como meros procedimentos judiciais de rotina na vida de um magistrado.
A imparcialidade do Judiciário e a neutralidade da apreciação “estritamente” jurídica do caso ocuparam boa parte do pronunciamento dos desembargadores, como se sentissem a necessidade justificar o injustificável. Opiniões pessoais sobre a corrupção e seus malefícios ao país entremearam a análise dos fatos, considerando que o ex-presidente “fragilizou não apenas o funcionamento da Petrobras, mas também colocou em xeque o próprio regime democrático, por afetar o sistema eleitoral”.
Ainda que as esperanças no Judiciário brasileiro para fazer valer direitos fundamentais não estejam mais em alta, o veredicto final chocou até mesmo os mais céticos, que pouco esperavam do julgamento espetacularizado e militarizado.  
O cenário politico nacional, após a decisão, tornou-se ainda mais incerto. A defesa de Lula poderá opor embargos de declaração, uma medida judicial com o objetivo de esclarecer algum ponto obscuro ou contraditório do acórdão, mas isso não terá o condão de alterar em nada a condenação. E em pouco mais de um ou dois meses essa fase já terá sido resolvida, esgotando a jurisdição do TRF da 4º Região, permitindo o início da execução da pena.
A defesa poderá, ainda, buscar reverter a decisão junto ao STJ ou ao STF, ou mesmo evitar a prisão com o habeas corpus, mas há poucas chances reais dessas medidas judiciais alterarem o resultado final, considerando os ministros preventos para analisar o caso e os precedentes já julgados.
No entanto, prender o líder mais popular da história recente brasileira não vai ser tarefa simples e isenta de ônus político, ainda mais em um contexto de déficit de legitimidade, de frágil conjunto probatório e de evidente politização do sistema de justiça. Talvez se consagre, com a violência da prisão, o mártir ao qual tantos se devotam.
Nesse sentido, Lula e o PT já declararam que manterão a candidatura que poderá, a princípio, ser registrada em agosto. A aplicação da Lei Ficha Limpa, aprovada em 2010 durante o governo do petista, será algo certo, mas trata-se de atribuição da Justiça Eleitoral e deve ocorrer muito proximamente às eleições. Se Lula constar da lista de candidatos em outubro e tiver o maior número dos votos, será bastante constrangedor para o Judiciário impedir sua posse.
Enquanto isso, Lula vai acumular ainda mais capital politico e poderá denunciar, dentro e fora do Brasil, a continuidade do golpe legalizado e judicializado que atingiu o mandato legítimo de Dilma e, agora, que afetara os direitos políticos do candidato mais bem avaliado nas pesquisas eleitorais.
O Judiciário claramente exagerou na dose e extrapolou de vez o já precário equilíbrio entre as instituições. Lula poderá se valer de sua enorme capacidade de articulação e de respaldo popular para lançar uma campanha de desmoralização do Judiciário, que poderá contar com o apoio de grande parte do sistema político brasileiro em ambos os lados do espectro ideológico.
O tom do embate já se acentuou. Prova disso são as manifestações massivas realizadas em diversas cidades brasileiras logo após o julgamento, maiores do que aquelas vistas quando do impeachment de Dilma, ao menos em São Paulo.
Se ao condenar Lula de modo frágil e seletivo o Judiciário acabou suicidando a Operação Lava Jato perante os olhos da sociedade, só os próximos meses poderão dizer. Mas uma coisa já está certa: o Brasil saiu menor e mais injusto depois do julgamento de ontem.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

Lula deve ser preso, pois ele continua a delinquir


Lula deve ser preso, pois ele continua a delinquir
por Rogerio Maestri

No quadro de pessoas que pensam e começam a adquirir porte no Brasil, vemos uma figura que mostra claramente o que devemos pensar para o futuro, Jessé Souza. Na sua série de livros mostra de forma clara e inequívoca a direção que devemos lutar, a libertação do povo brasileiro da visão escravocrata e oligárquica que dominou e domina a nação há mais de 500 anos. ​
Como ainda não superamos a escravidão, não entendo porque alguns ficam surpresos e indignados quando um líder popular possa ser condenado sem crime previsto nos códigos e leis, mas sim por querer tirar o país da miséria, exatamente o maior de seus crimes. Não devemos estranhar do julgamento, das falácias contra Lula e do sentimento de vitória da “grande” imprensa associada aos golpistas, o que devemos nos surpreender é das pessoas que não notaram que tudo simplesmente foi normal e usual.
Das centenas de milhares de pessoas que mofam em nossas cadeias por terem roubado uma lata de sardinha ou qualquer coisa para alimentar sua família, Lula cometeu o mesmo crime multiplicado milhão de vezes, querer matar a fome de quem a tem e tentar um mínimo de dignidade aos desvalidos da nação.
Continuo o texto tomando emprestado uma pequena parte da Poesia de Vinicius de Morais que em 1959 escreveu “Operário em construção”.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
Na revelação do operário deveríamos refletir porque Lula, um operário, que além de já ter trabalhado construindo coisas que precisamos, é julgado exatamente por aqueles que nos entregam exatamente o que não queremos, a injustiça.
Realmente Lula deve ser preso, ele cometeu o maior crime que alguém poderia ter cometido neste país, e o pior ele continua delinquindo a cada momento que pode. Quanto mais ele fala em que todos devem ter direito desde o básico, três refeições por dia, ou que devem ter a esperança de ter uma formação melhor, ele concorre no que o direito chama, crime continuado.
Enquanto todos não se derem conta que Lula é realmente para as leis e instituições jurídicas um criminoso que continua a delinquir todos os dias, nada livrará Lula, pois não devemos simplesmente não julga-lo pelas leis existentes, mas sim transforma-las, tornando crimes a usura dos bancos, a ganância e cupidez do comerciantes e industriais, a prepotência dos homens da lei, por leis bem mais simples em que três refeições por dia, dignidade e esperança sejam direitos.

(Publicado originalmente no blog do Maestri)