pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: outubro 2016
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segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Michel Zaidan Filho: O resultado das eleições municipais


Há muitas lições que retirar das últimas eleições municipais no Brasil. Uma das mais evidentes é o movimento pendular de uma "opinião pública" que oscila, de tempos em tempos, ao sabor da gastronomia midiática - a serviço de interesses nem sempre confessáveis. Opinião volátil que ora pende para a centro-esquerda ora para a centro-direita ou à direita. Desde que seguimos à moda americana de assimilar o processo eleitoral, de dois em dois anos, a uma espécie de mercado político (onde o poder econômico reina, sem limites), a propaganda política e seu rico arsenal de pesquisas quantitativas, qualitativas, com grupos focais etc. tomou conta do insubstituível debate de idéias e propostas. 

Mais importante do que saber o que pensam os candidatos, parece ser a compra de seu discurso publicitário, elaborado por sofisticadas empresas de marketing político, que às vezes empregam sem o menor escrúpulo técnicas de pesquisa de mercado, como se o voto fosse uma mera preferência individual por uma nova marca ou produto, independentemente das consequências políticas que o resultado de uma eleição pode gerar na sociedade. Enquanto as campanhas não forem baratas e propositivas, ao alcance de todos os partidos e candidatos, teremos um regime de competição eleitoral governado pelos que têm mais dinheiro, influência e poder para seduzir o eleitor.

Mais grave ainda é quando se soma a isso, as condições em que foi aprovada a reeleição dos atuais gestores e executivos. Jamais deveria ter sido aprovado esse instituto, sem o cuidado da desincompatibilização dos ocupantes de cargos públicos (nos três níveis de governo) e a proibição explícita do uso da máquina administrativa nas eleições. A frouxidão ou ambiguidade entre a publicidade institucional sobre as ações do executivo e a propaganda eleitoral propriamente dita, leva os gestores-candidatos a usar e abusar da máquina pública, sob o pretexto de que estão informando à população dos atos da administração municipal, estadual ou federal. Essa ambiguidade introduz uma grande desigualdade de condições e oportunidades no pleito eleitoral, prejudicando os novos candidatos e a oposição de um modo geral. Acrescente-se que a redução do tempo da campanha (para 45 dias) também prejudicou muito os que precisavam de mais tempo para se apresentarem e convencerem o eleitor da viabilidade de suas propostas políticas.

Outro problema é a liberdade da campanha eleitoral. Ela impede de que a Justiça - de si já muito passiva - tenha uma atitude corretiva e pedagógica em relação aos "discursos" dos candidatos. E pior, a "fulanização" das eleições municipais. O mote das campanha é centralizado na figura pessoal (às vezes seu apelido) do candidato, não se informando absolutamente nada do que são, do que pensam, do que farão ou podem fazer. É a compra, pura e simples, de um mero "jingle" comercial massificado até a exaustão. A isso, é preciso juntar os preconceitos, os esteriótipos, o jornalismo marrom, sem escrúpulo nenhum praticado por certos veículos da imprensa escrita e televisiva, com a ajuda- é claro - da Justiça e da Polícia Federal.São conhecidas as estratégias de mobilização popular, ao se eleger um inimigo comum, contra o qual todos devem se unir, para combatê-lo. 

Essa caça às bruxas, sobre ser absolutamente irracional, fascista, produz uma polarização artificial entre os cavaleiros do bem e os bandidos, corruptos, ladrões, que precisam ser esconjurados a qualquer custo. Infelizmente foi essa a tática empregado por partidos de centro-direita que se tornaram os grandes vitoriosos nessas eleições. A Igreja também deu a sua modesta contribuição. Na sua análise teológica-política, o mundo se divide entre os filhos de Deus, irmãos de Jesus Cristo e os hereges, pagãos, gente sem piedade ou religião no coração. Naturalmente os candidatos ligados a Igreja, os ministros religiosos, bispos, pastores, missionários são os mais indicados para o ministério das coisas laicas, sob a proteção e a luz divina.

Como a chamada Opinião Pública no Brasil é produto de uma esperta e astuta engenharia simbólica, à serviço de determinados interesses tanto estratégicos como econômicos - ela é volátil, muda com as nuvens do céu. As mentiras "piedosas" plantadas na atual campanha que levaram a massa (e setores conservadores das classes médias urbanas) a sufragarem o voto em candidatos de direita ou centro-esquerda, ela pode mudar até as eleições de 2018. Até lá o mote pode não ser mais o anti-petismo, o anti-comunismo ou o preconceito contra a política de esquerda. Mais ainda se o cenário econômico não melhorar e as consequências sociais do "ajuste fiscal" sobre a maioria do povo brasileiro deslocarem o pêndulo da preferencia popular na direção contrário do que foi o movimento atual. Até lá, os partidos derrotados farão a sua justa autocrítica e os demais estarão estudando quais são as novas alianças a serem feitas, ou para continuar no poder ou para ter acesso ao poder.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE

Editorial: O cinturão político montado pelo governador Geraldo Alckmin

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Em tempos hoje remotos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou montar uma espécie de cinturão político em torno de São Paulo, envolvendo municípios com um grande colégio eleitoral, pois sabia ser importante o controle político desses municípios para viabilizar-se qualquer projeto presidencial. Exceto pela eleição de Fernando Haddad, na capital, o petista não foi muito bem sucedido. O governador Geraldo Alckmin(PSDB) parece ter aprendido a lição e, auxiliado pelos ventos políticos favoráveis, além de retomar o controle da capital, montou o tal cinturão político que Lula apenas almejava, elegendo inúmeros prefeitos nessas cidades, seja filiados diretamente ao seu PSDB, seja filiados a outros partidos, mas que seguem a sua orientação política.  

Em certos aspectos, talvez não cometêssemos nenhum exagero ao afirmar que, do ponto de vista estrito da competição eleitoral, o governador paulista foi um dos grandes vitoriosos dessas eleições municipais. Além da montagem desse "cinturão eleitoral paulista", o governador articulou-se em todo o país, emprestando seu apoio a candidatos tucanos e não tucanos, vinculados a partidos com quem poderia, num projeto presidencial que não esconde de ninguém, estabelecer alguma aliança futura, como o PSD, o PSB o PTN, entre outros. Aliás, convém frisar que o PSD cresceu bastante nessas eleições municipais. Geraldo Alckmin sai com uma musculatura política que não poderia ser desprezada em nenhuma arena, seja numa eventual eleição direta, seja num embate sucessório intramuros, entre os atores políticos que patrocinaram o afastamento da presidente Dilma Rousseff. (...)

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domingo, 30 de outubro de 2016

Artigo: Os significados da derrota de Antônio Campos(PSB) e da vitória do professor Lupércio.



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Por incrível que possa parecer, a derrota do candidato Antonio Campos(PSB) no segundo turno das eleições municipais deste ano, em Olinda, pode trazer mais significados na composição de forças políticas do Estado do que propriamente a vitória do professor Lupércio(Solidariedade). Embora tenha angariado muita solidariedade nessa segunda fase da disputa - inclusive dos comunistas, dizem - mesmo nessas circunstâncias, ela não interfere significativamente no xadrez do tabuleiro político do Estado, salvo no sentido de comprovar, mais uma vez, a força do voto evangélico nessas eleições. Do ponto de vista pessoal, no entanto, ela tem seus méritos, sobretudo se considerarmos o fato de o candidato ter uma origem humilde. Um dos motes mais forte da campanha, por sinal, era: O povo quer o liso, numa referência à sua pobreza.

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Artigo: Conspiração Macambirense inflige primeira derrota ao governador Paulo Câmara.




Quando ainda era vivo, o ex-governador Eduardo Campos costumava manter sob estrito controle o seu grupo político. Nem sempre se tratava de uma missão fácil, provocando, naturalmente, alguns descontentamento. Mas, como habilmente ele conseguiu construir uma espécie de hegemonia política no Estado, restava apenas aos preteridos afogar suas mágoas, uma vez que tornava-se então impossível formatar uma composição de forças capaz de lhes fazer frente. Era o que, à época, tratávamos como a "eduardolização da política pernambucana". Um dos últimos descontentes foi um ilustre representante da família Lyra, João Lyra, então seu vice, que pretendia receber seu apoio para continuar sua interinidade no Palácio do Campo das Princesas. Em mais de um momento, essa insatisfação de Lyra ficaria evidente, inclusive na sua relação com o então prefeito de Caruaru, José Queiroz, que reclamava que seus pleitos eram engavetados nos gabinetes do governador. 

Agora, por ocasião da escolha do nome que o Palácio do Campo das Princesas apoiaria na cidade de Caruaru, o caldo entornou de uma vez. Em suas visitas ao governador Paulo Câmara, o então prefeito José Queiroz, de pasta na mão, apontava, um a um, os motivos que o levavam a não apoiar a candidata apresentada pela família Lyra, Raquel Lyra, a prefeita daquela cidade. Com o prestígio em alta, Queiroz apontou o nome do seu vice, Jorge Gomes, como candidato. Além de filiado ao PSB, Jorge Gomes, tinha um currículo na agremiação socialista que o ligava até mesmo ao ex-governador Miguel Arraes. Não foi um candidato bem-sucedido, ficando em quarto lugar na disputa. Em tese, Queiroz manteve-se equidistante da disputa do segundo turno na cidade, mas, certamente, comer a carne de charque dos Lyras, penso, seria bem mais digerível do que saborear uma chã de bode com Tony Gel no Alto do Moura. Tanto isso é verdade que, nas recentes manifestações de uma nova composição política para medir forças com o governador Paulo Câmara, em 2018, segundo consta, ele estava presente. 

Ao apagar das luzes dos prazos estabelecidos pela Justiça Eleitoral, os Lyras filiaram-se ao PSDB com o objetivo de viabilizar a candidatura de Raquel Lyra a prefeita daquela cidade. Numa disputa renhida com o candidato Tony Gel(PMDB), que contou com todo o apoio do Palácio do Campo das Princesas, no segundo turno daquelas eleições, Raquel sagrou-se vitoriosa, naquilo que já pode ser considerado como a primeira derrota infligida pela Conspiração Macambirense ao governador Paulo Câmara. O nome mais forte do PSDB local, o ministro das Cidades Bruno Araújo, emprestou toda a sua solidariedade ao projeto dos Lyras. Trata-se de um ator político com aspirações majoritárias, portanto, precisa construir a capilaridade política necessária para credenciar-se. Curiosamente, quem andou visitando aquela cidade foi o candidato a prefeito de Olinda, Antonio Campos(PSB), cuja a relação com algumas lideranças socialistas já foram melhores. (...)

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Conspiração Macambirense



A União por Pernambuco foi uma aliança política selada num churrasco na fazenda do chefe político do clã dos Mendonças, José Mendonça, na sua cidade natal, Belo Jardim. A União por Pernambuco reunia um conjunto de forças políticas que almejavam o poder político no Estado, sob a liderança do hoje Deputado Federal, Jarbas Vasconcelos(PMDB), que ocupou o Palácio do Campo das Princesas, por dois mandatos, ancorados nessa aliança política. Havia um "escalonamento" entre eles, rateados num projeto de, pelo menos, 20 anos do exercício do poder no Estado. Como em política as coisas nem sempre saem como o planejado, a primeira eleição de João Paulo(PT) para prefeito do Recife, em 2000, começou a embolar o meio de campo entre este núcleo de poder. 

Agora, pelo que se observa nas movimentações políticas no Estado, deve sair de uma outra fazenda, a Macambira, que pertence à família Lyra, a formação de um novo núcleo de forças políticas para se contrapor à predominância do PSB na gestão da máquina estadual. Até recentemente, se reuniram com os Lyras, o senador Armando Monteiro(PTB) - que não esconde seu desejo de candidatar-se ao Governo do Estado nas eleições de 2018 -, Bruno Araújo(PSDB) - que se movimenta com pretensões majoritárias -, José Queiroz(PDT), Sílvio Costa(PTdoB) e Priscila Krause(DEM). Não tenho qualquer dúvida - independentemente do resultado das eleições de hoje - que deve surgir na Princesa do Agreste a formação de um núcleo político que disputará os espaços de poder político no Estado. A eleição de Raquel Lyra(PSDB), em princípio, fortaleceria o grupo, mas uma eventual vitória de Tony Gel(PMDB), por outro lado, não seria suficiente para arrefecer as articulações do grupo. (...) 

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Cult: A última maçã do Paraíso


Primavera secundarista leva 5 mil manifestantes às ruas de Curitiba/Leandro Taques/Jornalistas Livres/
Primavera secundarista leva 5 mil manifestantes às ruas de Curitiba/Foto:Leandro Taques/Jornalistas Livres/
 Um espectro ronda as Escolas! A #primaverasecundarista. Uma segunda onda de ocupações viróticas pós-2015, contra a Reforma do Ensino Médio e contra a PEC 241, que congela por 20 anos os investimentos em educação. Uma onda que se espalha por memetização e contágio por todo o Brasil e, neste momento, já ocupa 1.016 escolas – 600 delas só no Paraná –, institutos e universidades, fazendo do Brasil, sem exagero, o palco da maior onda de protestos de estudantes secundaristas do mundo, em número crescente.
Um Chile de ocupações, manifestações, protestos sem os holofotes da mídia, mas com centenas de nós e páginas nas redes sociais, em que os secundaristas emergem como força motriz potencializadora de outras ocupações, nas universidades e institutos federais.
Para além dos números impressionantes, fato é que as escolas e os secundas estão no centro de um tsunami de crises institucionais, crise de representação, desilusão das esquerdas pós-impeachment, indignações e sentimento de impotência e urgência que colocam sobre eles uma tonelada de expectativas.
Duas constatações iniciais. Primeira: os secundaristas já são reconhecidos como uma nova força por todos os movimentos sociais. Segunda: é tempo dos secundaristas deixarem claro o seu modo de ver e fazer política, uma transformação pelo rés do chão, um autonomismo sem cartilha, uma auto-organização que incomoda profundamente gestores, pedagogos, educadores, especialistas, incomoda o MEC, incomoda o governo federal, deixa perplexos pais e famílias, além de colocar em xeque as representações estudantis institucionalizadas.
A última vez que vimos tal insurgência foi em 2013, mas o caráter gasoso e indeterminado das “jornadas de junho” de 2013 agora tem foco, tem pauta, tem territórios, tem incidência direta em políticas públicas que mudam o cotidiano de milhares de jovens. Os secundas são o efeito de um junho virtuoso cujas fichas jogadas para o alto ainda não pararam de cair sobre nossas cabeças.
Mas o que há de realmente novo no movimento secundarista que nós enche de entusiasmo? Uma governança estudantil que inventou uma “excola”. Um movimento que numa só tacada inventou uma zona de autonomia ali onde todos só víamos assujeitamento, disciplina, formação serial, tédio, evasão, todo um diagnóstico em torno do ódio e desapreço pelas escolas. Ali onde só víamos a escola-prisão e a expressão da própria ideia da crise do sistema escolar brasileiro.

A Excola
Não que os secundaristas vão transformado toda a água em vinho milagrosamente por onde passam e ocupam, mas realmente ressignificam a escola e se tornaram protagonistas em um cenário de novas lutas.
Os diagnósticos dessa escola desadaptada para os novos tempos é real. Todos não se cansam de perguntar. Afinal qual o lugar da educação e da formação quando toda a sociedade forma? Qual o papel da escola diante da emergência de práticas colaborativas de formação baseadas nas experiências e na ação direta? Como pensar nas escolas em redes e sem paredes? Onde estão as escolas laboratoriais, com metodologias e dinâmicas coletivas?
Algo aconteceu. Todas essas questões conceituais e de metodologias, que pareciam tão abstratas e longínquas, se precipitaram a partir do momento que os estudantes tomaram as escolas para si e colocaram em xeque todos os intermediários clássicos do “problema” da educação: diretores, professores, gestores, certificadores de saberes, MEC e governos.
Essa “escola viva” está sendo inventada pelos estudantes em uma só tacada, o que parecia impossível depois de décadas de dados, estudos, congressos, papers e infográficos. Essa transformação e posse do território veio depois que os secundaristas tentaram impedir com manifestações e protestos a reorganização escolar proposta em 2015 pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e foram desconsiderados e ignorados.  Ocuparam as escolas, derrubaram o secretário de Educação de São Paulo, impediram que 92 escolas fossem fechadas e ainda aceleraram e asseguraram a instalação da CPI da máfia da merenda escolar. Uma luta do rés do chão que se tornou uma épica.
No primeiro ciclo das ocupações secundaristas os estudantes tiveram que lidar com as esquivas do governador de São Paulo e dos gestores da educação,  Conselho Tutelar, negociações com os diretores de escolas, a repressão violenta da Policia Militar, reintegração de posse das escolas, todo um vocabulário e um repertório político que se já tinham uma história para os movimentos estudantis instituídos, mas eram uma novidade para esta geração.
Esse repertório é uma conquista. Posse de linguagens e processos: as assembleias horizontais, os jograis, os “aulões” públicos, os mutirões de limpeza, as atividades culturais, a cozinha coletiva, as estratégias de segurança e comunicação, a mobilização da comunidade para doações de alimentos e solidariedade, essa enorme adesão de pais, professores, movimentos sociais, artistas, ativistas, produziram uma comoção social.
A forma rede, a colaboração, a autonomia, a co-gestão chegou nas escolas?  Ainda é cedo para avaliar, mas os efeitos dessa tomada mostra que os “objetos” das políticas públicas se tornaram sujeitos políticos e não respondem mais aos atos de fala e de comando vindos de uma centralidade qualquer (governo, partidos, mídia, gestores, associações e grupos já previamente organizados) – a família sendo um desses lugares de deslocamento.
Os secundaristas construíram uma relação de confiança e aliança com seus pais e professores. Os pais enxergando nas ocupações um acelerador de tempo e de espaço, um salto formativo e de transformação para jovens que não se dispunham a cozinharem ou lavarem a louça nas suas casas.
Na escola ocupada, passam a fazer a limpeza dos pátios, das salas de aulas, limpar banheiros, fazer sua própria comida.  Jovens muito jovens que conquistaram o direito de fazer da escola a sua casa, ocupar, dormir, viver a escola e se autodeterminarem: “Já tenho a confiança dos meus pais para vir a pé”, dizia um deles, muitíssimo jovem, de forma comovente nas ocupações de 2015.

Desculpe a falta de Educação!
A mudança é essa nova relação dos estudantes com a “sua” escola e com sua comunidade e com seu território. Transformados em um comum. Uma nova compreensão dos pais, entre perplexos, orgulhosos ou amedrontados, por descobrirem que seus filhos têm pensamento autônomo e diverso.
As ocupações das escolas por todo país explodem de forma orgânica e do rés do chão um projeto de educação de cima para baixo, seja a reorganização escolar de São Paulo, seja a reforma do Ensino Médio que atinge todo o país. Do território e do cotidiano passaram para uma luta na “nuvem”, não menos concreta, mas de caráter nacional. O que implica lidar com novos atores e estratégias.
O movimento secundarista explode também o pensamento central da “Escola Sem Partido” que retira da Escola o papel de incidir na formação dos estudantes de forma crítica, muito além  da visão de mundo e valores de seus pais.
“Meus filhos, minhas regras” é o que dizem escandalizados os pais amedrontados pelo acesso a diferentes mundos que o ambiente escolar traz. “Nossos estudantes, nossas regras” é o que diz um Estado disposto a esvaziar a Escola da vida que pulsa, do pensamento que inquieta, em uma era de incertezas e em veloz mutação. Ao que os estudantes respondem com uma indisciplina e insurgência radicais, tomando para si a proposta de reinventar o percurso formativo oferecido pelo Estado e pela família e que coloca de ponta cabeça os discursos de autoridade: “Minha Escola, minha Escolha”.
A mudança é de mentalidade e de comportamento, de imaginário também. O aluno tutelado, o aluno problema, se torna um estudante problematizador, um “mal educado” que educa na falta de outra educação. Antenadas com as questões da sua geração e com os novos feminismos que vimos em 2015 e 2016, as meninas do Colégio Anchieta de Porto Alegre, do Colégio Etapa de São Paulo e depois de inúmeros colégios pelo Brasil colocaram em pauta as regras de vestimentas nas escolas de ensino médio e fundamental que proibiam o uso de shorts pelas meninas sob a alegação que os meninos “se distraem” nas aulas.
O abaixo assinado e a hashtag #vaitershortinhosim viralizou pelas redes e pelas escolas e um manifesto circulou com milhares de assinaturas dizendo “Em vez de humilhar meninas por usar shorts em climas quentes, ensine estudantes e professores homens a não sexualizar partes normais do corpo feminino. Nós somos adolescentes de 13 a 17 anos de idade. Se você está sexualizando o nosso corpo, você é o problema”, explicaram as meninas “mal educadas” e trouxeram o debate do machismo, das questões de gênero, e da cultura do estupro para as escolas, a partir de uma questão pontual e para muitos considerado “desimportante” como a proibição naturalizada de meninas usarem shorts e mostrarem as pernas na escola.
A mudança de imaginário de de linguagens também chama atenção nos movimentos secundaristas.  Uma escola anuncia suas ações desta forma: “Lacração! Estudantes da escola ocupada Arnaldo Jansen, em São José dos Pinhais, no Paraná, dançam ao som de Bangda Anitta contra a MP de Deforma do Ensino Médio!” E o que vemos é um clipe-paródia com as meninas mandando a letra contra a Reforma do Ensino Médio de Michel Temer.
Politizando Anitta, fazendo jograis nas ruas, vestindo shortinho, dançando funk, fazendo paródias de músicas infantis: “Eu sou o PM da cara de mau, da bomba de gás, de efeito moral”, mas também negociando  com governadores, ministros, policiais, diretores, lideranças de outros movimentos políticos e sociais, negociando com pais e professores, os estudantes secundaristas das escolas ocupadas são a própria reforma do Ensino Médio! Eles são a forma e o fundo dessa reforma.
Neste momento, as escolas ocupadas oferecem aulas para o Enem, PAS e vestibulares para que os estudantes possam entrar nas universidades.  Querem expandir o acesso as universidades. O ministro da Educação do governo não eleito de Michel Temer chantageia os secundaristas ameaçando suspender o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) nas escolas caso não sejam desocupadas até dia 31 de outubro. Membros do MBL (Movimento Brasil Livre) ameaçam os secundaristas e provocam conflitos nas ocupações do Paraná, forçando, sem ordem judicial, sem qualquer legalidade, a desocupação dos estudantes. Os estudantes do movimento #OcupaParaná resistem e buscam soluções em uma assembleia geral para que os exames aconteçam mesmo nas escolas ocupadas.
Soltaram uma nota no Facebook do movimento esclarecendo: “O que o governo diz: vamos cancelar o Enem; vamos cancelar os jogos; vamos cancelar as aulas; vamos cancelar os vestibulares; porque as escolas estão ocupadas. O que o governo deveria dizer: Vamos cancelar a PEC 241 e a MP 746 [a da reforma do Ensino Médio que tira filosofia, sociologia, artes, educação física das matérias obrigatórias]”
As ocupações são a nova greve! As escolas ocupadas não estão paradas, viraram espaços de formação livre e em fluxo, com atividades culturais, políticas, práticas comunitaristas e até “aulas”. “Hoje a aula é na rua”, escrevem quando vão para os protestos e manifestações.  Querem discutir a reforma do Ensino Médio e os percursos formativos, os comportamentos, as novas linguagens do ativismo, querem eleições diretas para os diretores das escolas, querem evitar a privatização do ensino público e barrar a PEC 241, exterminadora de futuros.
Na manifestação do dia 17/10 no Centro do Rio de Janeiro contra a PEC 241 os estudantes secundaristas estavam na linha de frente e gritavam: “Não vai ter PUC e nem artistas, a revolução vai ser secundarista”. Fiquei ouvindo atentamente o grito de afirmação de uma força que emergiu e se sente parte de um enorme quebra-cabeça. As esquerdas, com seus impasses, conflitos e crises.
Os secundaristas seriam mesmo a “última maçã do paraíso?”. Não são, obviamente, as maças não param de brotar, reluzentes, a cada novo ciclo, todas chegam até o presente do rio que vem do Éden, mesmo que já tragam, algumas, uma pequena necrose. Mas ouvindo de novo, atentamente, não o que diziam, mas a força e a vitalidade com que gritavam, tive a nítida impressão que parte da esquerda envelheceu e que estavam ali os protagonistas de uma nova cena.
Ivana Bentes
(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

Le Monde: Votar mais não e votar melhor


De acordo com o resultado, a opinião de analistas e políticos sobre o instituto do referendo varia de cabo a rabo. Nós o defendemos quando o resultado nos favorece e o defenestramos quando nos desagrada. Se esse tipo de consulta pode parecer o suprassumo em uma democracia em crise, sua banalização apresenta perigos
por Alain Garrigou


O acaso quis que, com três dias de intervalo, por intermédio de um referendo, os britânicos se pronunciassem sobre sua saída da União Europeia, e os eleitores da região de Loire-Atlantique, na França, sobre a construção do aeroporto de Notre-Dame-des-Landes. Duas questões, de envergadura muito diferente, que mostram a plasticidade desse tipo de consulta: uma sobre um tratado internacional, a outra sobre um problema local. A especificidade do referendo como procedimento democrático se deve ao fato de que ele pode ser aplicado a tudo. Neste momento, os chamados a outras consultas desse tipo se multiplicam: na Holanda e na Eslováquia, discute-se votar pela saída da União Europeia; na França, Marine Le Pen (Frente Nacional) reclama um referendo sobre a saída do país da zona do euro, e Nicolas Sarkozy, sobre um futuro tratado europeu que daria as costas aos acordos de Schengen. Le Pen também promete um referendo sobre a pena de morte, enquanto outros que se opõem politicamente a ela defendem um sobre a reforma trabalhista.
Tal entusiasmo explica-se facilmente. O referendo não apenas parece o modo mais direto e simples de expressão da vontade popular, mas também responde à crise das democracias representativas. Invoca-se o referendo contra os políticos culpados de trair os eleitores, contra as elites desconectadas dos povos. E estas, quando tropeçam em problemas internos, tentam utilizá-lo como uma espécie de arbitragem derradeira, o que constitui por sua parte uma confissão de fraqueza. O referendo é uma espécie de desafio político: mais democrático não há.
A esquerda foi por esse caminho. A tradição republicana, na França pelo menos, sempre o rejeitou como uma arma plebiscitária e, portanto, antidemocrática. O uso do referendo feito pelo Segundo Império (1852-1870) conduziu os republicanos a estimar que se tratava de um dispositivo autoritário, de uma esperteza racional que, ao consultar o povo, dava todo o poder ao chefe. Para compreender essa hostilidade, basta lembrar que, em 10 de dezembro de 1848, Luís Bonaparte foi eleito por sufrágio universal masculino com 74,33% dos votos e que, em 2 de dezembro de 1851, o presidente não reelegível perpetrou um golpe de Estado endossado por um referendo – era chamado de plebiscito – com 7.410.231 votos a favor e 647.292 contra. Um ano depois, o Império foi aprovado com 7.824.129 votos a favor e 253.149 contra. Por fim, em 8 de maio de 1870, um último plebiscito deu uma confortável maioria ao imperador (7.358.000 “sim”, contra 1.538.000 “não”), logo antes da instauração da República, em 4 de setembro de 1870, na continuidade da derrota na Guerra Franco-Prussiana.
Depois de Napoleão III, o “chamado” ao povo do general Georges Boulanger confirmou para os republicanos sua hostilidade ao referendo. Foi difícil para as formações políticas saídas da Resistência concederem ao general De Gaulle o direito de recorrer ao referendo em 1945 e em 1946 para arbitrar entre diversos projetos de Constituição.1 Os partidos de esquerda se inclinaram novamente no início da Quinta República, quando diversos referendos permitiram que seu fundador assentasse regularmente sua legitimidade – e impusesse o regulamento da Guerra da Argélia. O princípio do referendo saiu estranhamente vencedor da derrota do referendo de 1969,2 que demonstrou o que seus adversários mais determinados se recusavam a acreditar: era possível votar “não”. E foi menos notado que o fato de o general De Gaulle não ter recorrido a ele entre 1962 e 1969 e de, depois disso, tais votações terem rareado.

O direito do povo de errar
Hoje em dia, o referendo foi retomado porque é mais bem organizado e os povos são maduros o suficiente para não se deixarem seduzir pelas sereias da demagogia? Assim como o referendo francês de 29 de maio de 2005 sobre o Tratado Constitucional Europeu, o Brexit deu espaço para as críticas habituais dos analistas hostis a esse tipo de consulta, em particular quando o resultado é contrário às suas esperanças. Uma crítica elitista clássica mira a incompetência presumida dos eleitores e suas más razões para votar. Ela chega ao desprezo, mesmo à negação. Em 2005, o Parlamento francês contornou o veredito popular. E o voto britânico de 23 de junho de 2016 foi imediatamente seguido de insinuações segundo as quais a saída do Reino Unido não aconteceria.
Poderíamos crer que a democracia era unanimidade; não é nada disso. E, em um período de crise, isso não é tranquilizador. Ainda mais porque o desprezo elitista repousa sobre uma incompreensão da democracia. Isso porque ninguém entende que o voto universal anda obrigatoriamente junto com a competência cidadã e que as boas razões da opinião nunca coexistem com julgamentos imorais. Então, os assassinos do voto popular reclamam nos outros uma competência política que eles mesmos não têm. Como podem ser tão seguros de seu saber quando se enganam tanto sobre o que é a democracia?3
Vamos lembrar que esta confia uma parte da soberania a todos os cidadãos porque a vida deles é afetada pela política – e por vezes sua morte também: o acontecimento mais ou menos repentino, mais ou menos progressivo do sufrágio universal andou junto com o alistamento militar. Se devíamos morrer pela pátria, o mínimo era que pudéssemos escolher seu governo. Mesmo na ausência da guerra, as crises econômicas e simplesmente a vida ordinária justificam seu aumento. “Se o povo se engana, pior para ele”: mesmo sem retomar para nós a resposta de Lamartine àqueles que objetavam contra o sufrágio universal direto, ainda assim não podemos privar o povo do direito de se enganar sem lhe acordar o de escolher os dirigentes que, por sua vez, terão muito espaço para fazê-lo. O pior dos regimes seria aquele em que, já que o povo não teria o direito de cometer nenhum erro, só restaria o direito de se calar.
Fortalecida pelas novas experiências, a crítica democrática do referendo deve se fundar em argumentos novos. Não se contesta que os referendos – e também qualquer eleição, ainda que a opinião neste caso seja midiatizada e domesticada pela representação política – liberam argumentos que, por vezes, a moral reprova. Seria difícil apoiar um referendo cujo objetivo fosse a xenofobia. Mas, nesse caso, ele jogaria com a opinião assim como certas sondagens que levam ao crime. Mede-se também o risco de consultas populares que acusam as fraturas sociais – os humildes contra os ricos, os velhos contra os jovens, o campo contra as cidades, a província contra a capital, os menos instruídos contra os mais cultos – a ponto de gerar dúvida num Estado sobre sua unidade em múltiplos sentidos e que, para além das reivindicações autonomistas ou independentistas, poderiam colocar em perigo o desejo de viver nesse mesmo país.
Pode-se objetar para que serve esconder tais fraturas. Mas, pensando lucidamente, haveria ainda alguma nação – até mesmo vizinhos e amigos – vivendo em paz? O ensaísta e romancista William Makepeace Thackeray (1811-1863) disse que o inferno pode estar na transparência perfeita: “Que felicidade não estarmos descobertos e termos cada um nossos pequenos desertos. Você gostaria que sua mulher e seus filhos soubessem exatamente quem você é, quanto você vale? Com certeza não, meu bom senhor! Afaste esse projeto monstruoso e agradeça por eles não estarem a par”.4 É também uma razão pela qual o voto é secreto. Questionando sistematicamente os assuntos que geram abismos, o referendo, antes acusado de produzir um consentimento automático, poderia se tornar um fomentador da guerra civil.
Não se trata aqui, ou não somente, do referendo em si como consulta excepcional, mas dos efeitos de sua eventual banalização. As forças políticas que o propõem o fazem imaginando que vão ganhar. Como elas sabem? Pelas pesquisas. Mas será que os mesmos que reclamam um referendo sobre um assunto importante para eles o aceitariam em um caso em que o julgamento popular seria contrário ao seu? Basta dizer que, se o procedimento se generalizasse, as lutas políticas ficariam ainda mais focalizadas na “opinião” e na escolha em lhe dar ou não a palavra.
O entusiasmo referendário é um sintoma não apenas dos efeitos sociais deletérios da globalização, mas também de uma crise do pensamento. Na realidade, não se trata de uma reflexão bem substancial sobre suas propriedades. As regras da democracia, a lei da maioria como a resposta dada a uma questão levantada, são convenções. E devemos aceitar que uma maioria amalgame votos diferentes, por vezes antagonistas.

Modos de expressão limitados
Seria preciso para tanto negligenciar, até mesmo negar, as ambiguidades, as contradições de modos de expressão que permanecem também rudimentares? Um “sim” ou um “não”, isso é claro, mas obscuro também, quando existem diversas interpretações possíveis de uma questão, a ponto de, frequentemente, esta ser considerada tendenciosa. Além disso, a definição do corpo eleitoral pode levantar problemas, como no caso de um referendo local. Em um voto, não há apenas uma opinião, mas pensamentos, interesses, objetivos muito diferentes que as convenções obrigam a misturar. Assim, no caso do Brexit, foram a nostalgia do antigo Império Britânico, o medo dos imigrantes que estão próximos ou que vemos apenas na televisão, a apreensão em relação ao futuro, as frustrações da pobreza, o temor, o rancor ou o desespero de perder o emprego (ler artigo na pág. 8). Da mesma forma, as opiniões expressas têm um peso idêntico quando se vota contra um aeroporto cujas pistas vão destruir sua fazenda ou cujos aviões vão sobrevoar sua casa, ou se é “a favor” porque se espera tirar proveito das viagens de negócios ou do turismo mais barato? Seria preciso colocar esse tipo de questão – não em um referendo, mas antes de decidir se se deve recorrer a ele.
A democracia é uma bela ideia, uma ideia justa e, mais, uma ideia necessária. Desde que a legitimação pela vontade divina foi abandonada, não é mais imaginável que os cidadãos não sejam parte ativa das decisões que governam sua vida. Tudo iria bem se os humanos tivessem enfim resolvido os problemas de execução. Mas parece mais que, mesmo concordando com o princípio, eles continuam incapazes de encontrar soluções que permitam que a democracia funcione. Uma questão técnica, poderíamos dizer num primeiro olhar, de tanto que os modos de expressão da vontade popular continuam ironicamente limitados. A eleição em primeiro lugar; mas ela é uma parca solução quando consiste em se despojar a si mesma, assim como notava Jean-Jacques Rousseau bem antes que o mundo tivesse feito dela uma experiência ampla.
Já que o caráter democrático foi recusado ao regime representativo, tentamos acomodá-lo propondo o mandato imperativo, a possibilidade de o eleitor revogar seus eleitos antes de terminarem o mandato. Viramo-nos regularmente para a expressão popular direta, como, acreditávamos, a cidade antiga oferecia – uma demonstração real e antiga – ou como as novas tecnologias de comunicação prometem. Mas a democracia direta não tem espaço nos Estados contemporâneos, ao mesmo tempo desmedidos e despossuídos de suas antigas prerrogativas. Quanto às novas tecnologias, elas já são suspeitas. Em suma, colocar todas as suas esperanças democráticas em uma única técnica de expressão, com vereditos tão irrecusáveis quanto o antigo calvário, seria o mesmo que deixar a esta todo o espaço, abdicando da razão – quer dizer, também da dúvida...

Alain Garrigou é professor de ciências políticas na universidade Paris X-Nanterre. Autor de Histoire sociale du suffrage universel en France [História social do sufrágio universal na França], Paris, Seuil, 2002.

Ilustração: Troche

1          Em outubro de 1945, os franceses se pronunciaram maciçamente a favor da adoção de uma nova Constituição em vez do retorno à da Terceira República. Em maio de 1946, eles rejeitaram o primeiro projeto de Constituição que lhes foi submetido por uma Assembleia Constituinte. Depois, em novembro do mesmo ano, adotaram o segundo projeto.
2          Em 27 de abril de 1969, 53% dos franceses se opuseram ao projeto de regionalização e reforma do Senado que tinha sido submetido pelo general De Gaulle. Ele pediu demissão assim que esse resultado foi conhecido, conforme tinha anunciado antes da votação.
3          Cf. a esse respeito Bernard-Henri Lévy, “Étrange défaite à Londres” [Estranha derrota em Londres], Le Monde, 26 jun. 2016, e Luc Ferry, “Le référendum, gadget à éviter” [O referendo, utensílio a ser evitado], Le Figaro, Paris, 6 jul. 2016.
4          Citado por Robert K. Merton, Éléments de théorie et de méthode sociologique [Elementos de teoria e de método sociológico], Plon, Paris, 1965.


 
03 de Agosto de 2016
Palavras chave: referendodemocraciademocracia diretapolíticaFrançaBraxitInglaterraSarkozy

Artigo: Os evangélicos desejam o poder.



Candidato Marcelo Freixo (Psol) votou no Paissandu Atlético Clube, na Zona Sul do Rio (Foto: Bruno Albernaz / G1 Rio)


Crivella chegou acompanhado da mulher para votar no Clube Marimbás, em Copacabana (Foto: Carlos Brito / G1 Rio)


José Luiz Gomes


Li, atentamente, duas análises sobre as eleições municipais deste ano. Uma delas foi postada aqui no blog, escrita pelo professor e cientista político Michel Zaidan Filho, que vem alcançando um número expressivo de acessos. A outra foi escrita pelo editor do jornal Le Monde Diplomatique, Sílvio Caccia Bava, publicada em sua última edição e ainda não liberada pelo site, estando restrita à sua edição impressa, deste mês de outubro, que se encontra em bancas. O mais interessante a ser observada é a convergência de pensamento entre ambos, quando se discute a participação dos evangélicos naquelas eleições. Como informa Zaidan, diferentemente do envolvimento da Igreja Católica com a política - através das CEB, das pastorais - quando se observa a movimentação das igrejas pentecostais e neo-pentecostais, há, nitidamente um projeto de poder político. 

O caso das eleições do Rio de Janeiro é bastante emblemático para entendermos esse projeto. Disputa a eleição daquela cidade um preposto do bispo Edir Macedo, da IURD, o também bispo Marcelo Crivella. Como a Rede Record não foi aceita no condomínio da mídia golpista - apesar de ter tentado - eles tentaram derrubar Crivella antes que ele pudesse ganhar asas, criando embaraços posteriores, ampliando o poder de fogo do bispo Edir Macedo e do seu braço midiático, a Rede Record. A manobra não teria sido muito bem-sucedida e o bispo Crivella chega ao segundo turno como franco favorito, disputando a eleição pelo PRB, uma espécie de partido dos evangélicos. 

Se ocorrer uma virada - conforme preveem alguns - a eleição do candidato Marcelo Freixo(PSOL) representará um marco para as forças progressistas e do campo de esquerda nessas eleições. O Rio se transformará num palco de duras batalhas de projetos de poder distintos, uma trincheira de resistência, um locus de contra-hegemonia em relação ao poder central. Claro que ele não terá sossego. A mídia golpista deverá atacá-lo sistematicamente. (...)

(Conteúdo exclusivo, liberado apenas para os assinantes do blog)

Grande Renato Aroeira!

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Michel Zaidan: As eleições municipais: Entre a Praça de Casa Forte e o Beco da Dona Mira








As eleições municipais dos três maiores colégios eleitorais da região metropolitana apresenta uma particularidade cujo significado extrapola os seus limites locais. No imenso giro à direita que se verificou na maioria dos municípios brasileiros, com o recuo dos partidos de centro-esquerda no comando dos executivos locais, a polarização fica entre representantes "ilustrados" da oligarquia e representantes da igreja. É como se fosse uma lumpem-eleição, para uma lumpem-política. Isto porque os efeitos da Lava-a-Jato, conjugados com os esforços patrióticos da imprensa golpista, o maior atingido nessa campanha foi o Estado laico e republicano. Tinha previsto, em algumas ocasiões que as consequências da desconstrução sistemática das instituições políticas republicanas levaria ao descrédito dos partidos mais à esquerda e o reforço do voto evangélico, nestas eleições. Infelizmente, foi isso que aconteceu. 

Em Pernambuco, existe a especificidade do predomínio (não hegemonia) de uma oligarquia familiar, representada por uma matriarca que se apresenta nos atos da campanha eleitoral como detentora de uma memória de lutas e conquistas. Nada mais falso do que isso. Pretensões eleitorais de um grupo político mesquinho, perseguidor, que vem se utilizando da máquina administrativa e de uma intensa propaganda enganosa para convencer o eleitor desavisado de que votar na esquerda e em seus candidatos, é votar no atraso, no ultrapassado, no passado. Mas há algo mais velho e antiquado na política brasileira do que o domínio de uma família e a imagem de um mulher sofre dora, mãe de família, sozinha, dedicada a cuidar dos filhos, do que isso?

Do outro lado, a intromissão solerte,decidida e avassaladora dos religiosos fundamentalistas e ultra-conservadores na política municipal. Houve uma subestimação - para não dizer conivência - do projeto político desses cristãos reformados na política brasileira. Ao contrário da Igreja Católica, que desde as comunidades eclesiais de base e a teologia da libertação, não possui nenhum projeto político para o Brasil e a ocupação de suas instituições laicas e republicanas, esses crentes na vinda próxima de Jesus, não hesitam diante de nada, quando se trata de evangelizar, catequetizar e cabalar o voto alheio, ora para sua igreja, ora para seu candidato ou partido. Dois dos maiores municípios da região metropolitana estão entregues a um duelo de difícil escolha para o eleitor democrático e republicano. 

Escolher entre a Igreja e....a oligarquia ou o velho e surrado clientelismo municipal. Compadeço-me - como o cristão que não sou - de um dilema eleitoral como esse. E me regozijo de votar num colégio eleitoral onde se trava, aí sim, uma batalha decisiva entre um preposto (um "técnico") da oligarquia local e uma proposta de centro-esquerda, voltada para as questões sociais, da cidadania, da qualidade de vida dos recifenses, do lazer, do transporte público, da educação de qualidade, da manutenção do sistema único de saúde etc.O Recife pode ser o contraponto necessário e oportuno a esse voto de direita, fascista, de uma classe média conservadora, amedrontada - outra vez - com a mobilidade social das camadas populares. Vamos às urnas com a consciência de que se trava uma batalha muito importante entre a afirmação da cidadania republicana e seus direitos e conquistas e a falácia, as mentiras, a propaganda cara e enganosa de um representante de um grupo familiar local que se apresenta como herdeira das melhores tradições políticas de Pernambuco! 


Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia. 

Charge!Aroeira via Facebook

domingo, 23 de outubro de 2016

As intensas movimentações políticas do senador Fernando Bezerra Coelho


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Na época em que o ex-governador Eduardo Campos era vivo, por mais de uma oportunidade, precisou negociar bastante com o hoje senador, Fernando Bezerra Coelho(PSB), a respeito de suas pretensões políticas que, nem sempre, foram bem acomodadas nas hostes socialistas estaduais. Como o ex-governador era uma liderança inconteste, mesmo a contragosto, seus coordenados tiveram que engolir alguns sapos pelo caminho. No caso de FBC, muitos outros nomes socialistas acabaram furando a fila do poder, sendo ele preterido. Para o bem ou para o mal, por outro lado, Eduardo Campos sempre encontrava um mecanismo pelo qual ele pudesse ser compensado, como a indicação para o Ministério da Integração Nacional do Governo Dilma Rousseff e uma das vagas para o Senado Federal.

(Conteúdo exclusivo, liberado apenas para os assinantes do blog)

Editorial: Para a mídia golpista, nem Crivella nem Freixo.



A capa da revista Veja desta semana, como sempre, provocou uma intensa polêmica. Nela, aparece uma foto com a prisão do bispo Marcelo Crivella (PRB), candidato a Prefeito do Rio de Janeiro, num momento em que as pesquisas também parecem indicar uma ascensão do candidato do Psol, Marcelo Freixo, nas pesquisas de intenção de votos. Não é improvável que esta confluência de fatores possam favorecer o candidato do Psol, em detrimento do representante da Igreja Universal. O desesperador, neste caso, é observar os estertores que estão por trás dessa capa inusitada da revista da família Civita, assim como os "desdobramentos" de uma eventual vitória do candidato Marcelo Freixo naquela disputa. 

(Conteúdo exclusivo, liberado apenas para os assinantes do blog)

sábado, 22 de outubro de 2016

O PT precisa se reinventar, urgentemente.

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Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima
Antonio Carlos Granado, Antonio Lassance, Geraldo Accioly, Jefferson Goulart, José Machado e Ronaldo Coutinho Garcia
Precisamos falar sobre o PT
O partido que enfrentou a ditadura, que contribuiu para a redemocratização do país, que batalhou incansavelmente pela consagração de inúmeros direitos sociais, que garantiu a mais drástica e acelerada redução da desigualdade já vista em nossa história, esse partido está na lona. Caiu, em parte, pela perseguição implacável a que foi submetido, em função de golpes desferidos contra muitas de suas lideranças mais destacadas, contra sua organização e contra sua militância. Mas despencou, em grande medida, pelo peso de muitos de seus erros, por ter baixado a guarda em alguns dos atributos que faziam parte de sua própria identidade e da lógica de sua diferença.
As eleições de 2016 são o desfecho de uma ofensiva da direita que tem, como um de seus alvos prioritários, trucidar um instrumento essencial de luta da classe trabalhadora, da democracia e da inclusão social. É nítido e claro que o PT não está sendo investigado. Está sendo cassado. A absurda diferença de tratamento entre o que acontece com algumas lideranças do PT, porque são do PT, e o que não acontece em relação a políticos de outros partidos demonstra que, mais uma vez, como em outras tantas circunstâncias históricas, sob o discurso do combate à corrupção, o que se pavimenta é um combate sem tréguas à esquerda como um todo para a entrega do país ao que há de mais retrógrado e mais corrupto.
A derrota acachapante da esquerda nas eleições de 2016 – salvo raras e muito honrosas exceções – mostra bem o tipo de país que está sendo costurado meticulosamente pelas forças da coalizão golpista.
O partido precisa se reinventar, urgentemente
Para o bem e para o mal, uma parte do PT já não existe mais. Foi dizimada pelo escândalo do Mensalão, pela Lava Jato, pela debandada de prefeitos e parlamentares, pelo golpe parlamentar que destituiu a presidenta eleita e, agora, pelas eleições municipais. É preciso um novo PT, urgentemente, ou não restará PT algum. Ao lado da defesa intransigente do Estado democrático de Direito, é preciso fazer uma autocrítica pública como primeiro passo para recuperar a autoridade moral e a credibilidade política de um partido que foi fundado sob os signos da igualdade e da renovação dos costumes políticos. É preciso, imediatamente, renovar a direção partidária, e renová-la sob novas bases. Além de eleger um novo presidente e diretório, o PT precisa reconstruir seu programa, redefinir sua organização e revigorar suas práticas. O PT precisa se reinventar com a mesma radicalidade com que um dia ousou disputar os rumos do país sob o impulso dos trabalhadores e excluídos.
Atualizar o programa democrático e popular
O PT precisa reatar sua vocação de partido dos trabalhadores, dos assalariados, dos que estão fora do mercado de trabalho, dos pequenos e médios agricultores e empresários; dos sem-terra; dos jovens; dos que lutam por moradia, dos que batalham pela afirmação de sua identidade, dos que querem exercer livremente sua orientação sexual, dos que lutam por dignidade e por direitos de cidadania. O programa do partido deve ser fundamentalmente orientado aos trabalhadores, excluídos e oprimidos, com uma orientação inequivocamente democrática, humanista, igualitária, libertária.
O PT não é mais, nem que quisesse, o partido capaz de firmar o pacto social entre as elites e o povo. A começar porque a elite deste país não quer pacto. Não quer pagar a conta, senão transferi-la justamente para os mais pobres e a classe média, que são os que sustentam o Estado brasileiro e as isenções fiscais e benesses de que os mais ricos desfrutam. A ponte para o futuro de uma parte expressiva da elite brasileira é um “green card” nos Estados Unidos e uma conta nas Ilhas Cayman.
O desenvolvimento de um país é diretamente proporcional à qualidade de sua democracia. Por sua vez, democracia significa o quanto a representação e a atuação do Estado atendem aos interesses da maioria e a uma pluralidade de pessoas e opiniões com voz e vez nos processos de decisão política. Um programa democrático e popular se distingue por propor mecanismos claros de alargamento da democracia e de fortalecimento da capacidade de atuação do Estado. Distingue-se também pelo combate sem tréguas aos grupos políticos e econômicos predatórios que, recorrentemente, dominam o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, e que engendram instituições perversas, que proporcionam ganhos restritos a uma ínfima parcela da sociedade, impondo custos sociais elevados à esmagadora maioria do povo brasileiro.
Redefinir o modelo de partido
Transparência, prestação de contas e democracia participativa
Convenhamos, o partido que defende a transparência, a prestação de contas e a democracia participativa não é transparente, não presta contas a seus militantes e deixou sua democracia participativa em algum lugar do passado. O PT trocou seus antigos espaços de participação, seu debate formativo e sua discussão programática por Processos de Eleição Direta (PEDs), pela prioridade eleitoral e por alianças com a política tradicional.
O PT precisa prestar contas; realizar seu próprio orçamento participativo; estabelecer regras claras de contratação de funcionários e de empresas prestadoras de serviço, mediante chamadas públicas; expor seu planejamento e planos de trabalho a audiências públicas com participação presencial e pela internet. Precisa criar sua ouvidoria, que consta do estatuto, mas jamais saiu do papel.
O PT deve se abrir e se expor mais do que nunca para que não restem dúvidas sobre seus métodos, seus critérios, suas decisões, seus recursos, sua capacidade de escutar sua militância e seus simpatizantes e de estar profundamente enraizado na sociedade civil.
Política por vocação
O PT deve se afirmar como um partido em que se faz política por vocação, e não por profissão. Os eleitos devem se comportar como servidores públicos conscientes de seu papel e de suas responsabilidades republicanas. Devem se mostrar sujeitos ao escrutínio não apenas da máquina partidária, mas de seus eleitores e das organizações populares. Devem abrir suas contas, expor suas agendas e saber demarcar nitidamente a fronteira entre o público e o privado.
O PT, definitivamente, não é lugar para políticos tradicionais. Política não é carreira e político não é profissão. Não é? Bem, não deveria ser, pelo menos no PT. Se algo está errado, precisa mudar.
O PT deve abolir os PEDs, voltar a ser um partido de encontros, congressos e, agora, de redes sociais
O PT deve ser um partido conhecido e reconhecido por discussões de base e eleição de delegados e representantes por bairros e por coletivos temáticos ou identitários (trabalhadores de diferentes categorias e estratos, juventude, cultura, esporte, mulheres, LGBT, rurais, deficientes, transportes, educação, saúde, assistência, governança e gestão públicas, meio ambiente, moradia, segurança pública, igualdade racial), com limites e controles rígidos para evitar sua burocratização e as práticas próprias da política tradicional.
As direções partidárias devem ser expressão de uma militância e de um debate sobre políticas públicas, e não da aferição de quem consegue arregimentar e transportar o maior número de filiados. As novas direções devem expressar o pluralismo de nossa sociedade e o debate que por lá fervilha. Um partido incapaz de se nutrir da energia social acaba inevitavelmente apartado da sociedade civil e de suas lutas.
Deve-se igualmente criar novos mecanismos de participação e consulta que facilitem a interação virtual e a intervenção nas redes sociais. O PT precisa ser um partido com freios, contrapesos e  controle social.
Oposição firme e consistente ao governo Temer e reconfiguração da política de alianças
A sociedade deu um recado claro em 2016: está insatisfeita com os partidos, rechaça a política tradicional e quer o PT na oposição. O arco de alianças do PT deve ser firmado, de forma clara, com a orientação de conformar uma frente de oposição ao governo Temer, que se oponha ao entreguismo, ao reacionarismo e faça a defesa dos trabalhadores, dos excluídos e dos interesses nacionais.
O PT deveria, terminantemente, rechaçar coligações eleitorais e composições em governos com os partidos que apoiaram o golpe e que integram a base oficial ou eventual do governo Temer. Embora os partidos políticos não sejam monolíticos e possuam clivagens políticas e regionais importantes – veja-se os casos dos senadores Roberto Requião, do PMDB, e Lídice da Mata, PSB, assim como de parlamentares federais da Rede, que perfilaram contra o golpe –, é fundamental que o PT contribua para o debate político delimitando claramente seu campo político-ideológico e programático de esquerda.
Diálogos e mesmo acordos em uma ampla frente social e parlamentar em defesa de direitos sociais, que hoje estão ameaçados, são essenciais, mas não se confundem com o arco de alianças eleitorais e de prioridade na interlocução sobre um programa para o país. Esta prioridade deve estar na relação do PT com o PCdoB, o PDT e com o PSOL. No caso do PDT, pelo menos enquanto ainda restar ali algum brizolismo – ou seja, nacionalismo, trabalhismo e defesa do serviço público. No caso do PSOL, mesmo que ainda haja reticências, plenamente compreensíveis, de uma aproximação com o PT, é preciso tomar a iniciativa do gesto pelo reatamento de laços.
As grandes batalhas perdidas no Congresso e no Judiciário foram, antes, perdidas nas ruas. O desgaste do partido é crítico, mas a decepção generalizada com a política enquanto instrumento de mudança social é grave. Retomar a confiança social na política e na democracia requer persuasão, interlocução com amplos setores da sociedade e um longo trabalho de base. O cerne dessa tarefa implica em consolidar a Frente Brasil Popular e estreitar o diálogo com as novas frentes de luta que surgem pelo país, com grande vitalidade, como o Povo Sem Medo e o Levante da Juventude. Lá se forjam ideias, estratégias de luta e uma nova geração de militantes sociais que deve tomar conta das ruas e desaguar com maior força na política nacional. Ao PT e aos demais partidos de esquerda cabe não apenas torcer para que isso aconteça, mas orientar-se programática e organizativamente nesse sentido. Movimentos sociais fortes e organizações e partidos políticos fortes não são incompatíveis; antes, são um imperativo da democracia.
Em suma, o PT precisa assimilar que, doravante, a luta política requer a conformação de uma frente ampla que congregue partidos políticos, organizações e movimentos da sociedade civil e inclusive cidadãos em torno de bandeiras democráticas e sociais.
Um projeto estratégico para o Brasil
Para além de um reordenamento organizativo e de uma reorientação política, para completar o desafio de se reinventar, o PT precisa investir decisivamente na reformulação de um projeto estratégico para o Brasil. A experiência de governo com medidas desenvolvimentistas e as políticas públicas de inclusão social conformaram um patrimônio valioso, mas rigorosamente insuficiente em um cenário econômico de primazia e internacionalização do capital financeiro, de dependência do boom das commodities, de declínio mundial do Estado do bem-estar e de diminuição do emprego como forma de integração social.
Um partido vocacionado para o poder não pode ignorar agenda tão complexa, que ainda abarca as mutações do sistema político, o peso e o lugar de instituições como o Ministério Público e o Judiciário, o papel da mídia e das novas ferramentas de informação e comunicação, a importância da ciência e da tecnologia, da pesquisa e desenvolvimento, do pensamento estratégico e de segurança nacional, da preservação e manejo de recursos naturais estratégicos, dentre outros. Um partido vocacionado para o poder precisa se dispor a compreender as transformações em curso para oferecer sua interpretação, suas ideias e seu programa para o país.
Desafio dessa envergadura remete à necessidade de reunir o melhor da intelligentsia nacional e internacional e dialogar com muitas outras instituições e segmentos que se debruçam sobre essa agenda na perspectiva de disputar intelectualmente os rumos do país. Uma das principais lições a aprender da crise pela qual passamos é que passou o tempo de responder a dilemas estratégicos com respostas táticas de curto prazo.
Fortalecer os laços com os movimentos, organizações, partidos e governos progressistas de outros países
A troca de experiências, as estratégias comuns de atuação e a conformação de um programa internacional de lutas em temas como a taxação internacional de transações financeiras, o combate aos paraísos fiscais, a reforma das organizações multilaterais, a internacionalização dos direitos básicos dos trabalhadores, a universalização das políticas de distribuição de renda, a solidariedade às vítimas de desrespeito aos direitos humanos devem voltar a ser uma agenda de trabalho prioritária do PT. Não existe saída nacional sem articulação global das lutas sociais com a reforma das instituições governamentais e econômicas.
A uma direita transnacional e antinacional se deve contrapor uma atuação internacional com pautas unificadas e ação combinada, sobretudo no campo programático, formativo e da comunicação.
Agora é a hora, ou “PT, saudações”
O PT vive um momento crucial. Boa parte das mudanças necessárias são certamente viáveis justamente porque a própria conjuntura se encarregou de torná-las não apenas as melhores, mas, em alguns casos, as únicas opções possíveis.
O PT beijou a lona, desceu ao chão. Antes que uma parte ainda mais expressiva de seus simpatizantes e de sua militância lhe deseje “PT, saudações”, é hora de se colocar de pé, levantar a poeira e voltar a caminhar de cabeça erguida. Mas este não é um exercício que demande apenas vontade política. Exige resgatar o caráter civilizatório de seu ideário e a ousadia e a dignidade que marcaram historicamente a trajetória das esquerdas.

(Publicado originalmente no site GGN)

Washington analisa cenários para uma "guerra aberta".


Política do fato consumado no Mar da China, grandes operações na Crimeia, construção de um sistema antimísseis na Europa: as potências nucleares exibem os músculos. Nos círculos dirigentes russo, chinês e norte-americano, os falcões retomam espaço. Instalando quatro batalhões na fronteira russa, a Otan eleva a tensão
por Michael Klare


Enquanto a corrida presidencial norte-americana atinge seu ápice e os líderes europeus estudam as consequências do Brexit, os debates públicos sobre a segurança se concentram na luta contra o terrorismo internacional. Mas, se esse tema satura o espaço midiático e político, ele desempenha um papel relativamente secundário nas trocas entre generais, almirantes e ministros da Defesa. Porque não são os conflitos de baixa intensidade que chamam a atenção, e sim aqueles que eles denominam “guerras abertas”: conflitos significativos contra potências nucleares como a Rússia e a China. Os estrategistas ocidentais vislumbram um novo choque desse tipo, como no auge da Guerra Fria.
Essa evolução, negligenciada pelos meios de comunicação, envolve pesadas consequências, a começar pelo aumento das tensões nas relações entre a Rússia e o Ocidente, cada um observando o outro na espera de um enfrentamento. Mais preocupante: muitos líderes políticos estimam não apenas que uma guerra seria possível, mas que ela poderia explodir a qualquer momento – percepção que, ao longo da história, precipitou respostas militares em que uma solução diplomática poderia ter intervindo.
Esse humor geral belicoso transparece nos relatórios e nos comentários dos altos quadros militares ocidentais durante os vários encontros e conferências dos quais eles participam. “Em Bruxelas, como em Washington, durante muitos anos a Rússia deixou de ser uma prioridade nos programas de defesa. Mas esse não será mais o caso no futuro”, podemos ler num relatório que resume os pontos de vista trocados em um seminário organizado em 2015 pelo Instituto de Estudos Estratégicos dos Estados Unidos (Institute of National Strategic Studies, INSS). Ainda é possível ler que, na sequência das ações russas na Crimeia e no leste da Ucrânia, vários especialistas “podem a partir de agora vislumbrar uma degradação capaz de desembocar numa guerra [...]. Por isso, [eles] estimam que é preciso concentrar novamente as preocupações na eventualidade de um confronto com Moscou”.1
O conflito vislumbrado teria mais chances de ocorrer na frente leste da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), englobando a Polônia e os países bálticos, com armas convencionais de alta tecnologia. Mas poderia se estender até a Escandinávia e os entornos do Mar do Norte, e levar ao recurso de armas nucleares. Os estrategistas norte-americanos e europeus recomendam, portanto, um reforço das capacidades em todas essas regiões e desejam consolidar o crédito da opção nuclear da Otan.2 Um artigo recente da revista da Otan preconiza, por exemplo, aumentar o número de aviões com capacidade nuclear nos exercícios da organização a fim de dissuadir Moscou de qualquer avanço na frente leste, deixando-lhe entrever a possibilidade de uma resposta nuclear.3
Há pouco tempo, esse tipo de cenário teria atraído o interesse apenas das academias militares e dos grupos de reflexão estratégica. Não é mais o caso. Testemunha disso são o novo orçamento da defesa norte-americana,4 as decisões tomadas na cúpula da Otan dos dias 8 e 9 de julho de 2016 e o anúncio, feito por Londres, em 18 de julho, de sua intenção de modernizar o programa de mísseis nucleares Trident.
O secretário de Defesa norte-americano, Ashton Carter, reconhece que o novo orçamento militar de seu país “marca uma mudança de orientação principal”.5 Enquanto, nos últimos anos, os Estados Unidos davam prioridade às “operações anti-insurrecionais em grande escala”, eles devem agora se preparar para um “retorno da rivalidade entre grandes potências”, sem descartar a possibilidade de um conflito aberto com um “inimigo de envergadura”, como a Rússia ou a China. Carter vê nesses dois países seus “principais rivais”, porque eles possuem armas muito sofisticadas para neutralizar algumas das vantagens dos norte-americanos. “Nós precisamos”, prossegue, “ter – e mostrar que temos – a capacidade de causar perdas intoleráveis a um agressor bem equipado, para dissuadi-lo de executar manobras provocadoras ou fazê-lo se arrepender amargamente caso venha a lançá-las.”
Tal objetivo exige reforço da capacidade norte-americana de se contrapor a um hipotético ataque russo às posições da Otan no Leste Europeu. No quadro da European Reassurance Initiative (Iniciativa para Tranquilizar a Europa), o Pentágono prevê em 2017 uma quantia de US$ 3,4 bilhões destinada à instalação de uma brigada blindada suplementar na Europa, assim como ao “pré-posicionamento” dos equipamentos de uma brigada similar a mais. Num prazo mais longo, o aumento das despesas com armas convencionais de alta tecnologia seria igualmente necessário para vencer um “inimigo de envergadura”: aviões de combate sofisticados, navios de superfície, submarinos. Para coroar, Carter deseja “investir na modernização da dissuasão nuclear”.6
Outra reminiscência da Guerra Fria: o comunicado emitido pelos chefes de Estado e de governo na última cúpula da Otan, em julho, em Varsóvia.7 Enquanto o Brexit ainda estava fresco, o texto parece só se preocupar com Moscou: “As atividades recentes da Rússia diminuíram a estabilidade e a segurança, aumentaram a imprevisibilidade e modificaram o ambiente da segurança”. Por conseguinte, a Otan se diz “aberta ao diálogo”, reafirmando a suspensão de “toda cooperação civil e militar prática” e o reforço de sua “postura de dissuasão e defesa, que inclui uma presença avançada na parte oriental da Aliança Atlântica”.8

Medo do rebaixamento
A instalação de quatro batalhões na Polônia e nos países bálticos é ainda mais notável quando se pensa que será a primeira guarnição semipermanente de forças multinacionais da Otan no território da ex-União Soviética. Os Estados Unidos, o Reino Unido, o Canadá e a Alemanha vão assegurar seu comando num sistema de rodízio. Essa reaproximação das tropas favorece o risco de um acirramento, uma escaramuça com forças russas que poderia desencadear uma guerra em grande escala, talvez com um componente nuclear.
Apenas dez dias após a cúpula atlântica, Theresa May, nova primeira-ministra britânica, obteve o aval de seu Parlamento para a preservação e o desenvolvimento do programa de mísseis nucleares Trident. Afirmando que “a ameaça nuclear não desapareceu, pelo contrário, acentuou-se”,9 ela propôs um plano de 41 bilhões de libras esterlinas (R$ 175 bilhões) destinado à manutenção e modernização da frota nacional de submarinos lançadores de mísseis atômicos.
Para justificarem a preparação de um conflito maior contra um “inimigo de envergadura”, os analistas norte-americanos e europeus invocam quase sempre a agressão russa na Ucrânia e o expansionismo de Pequim no Mar da China Meridional.10 As manobras ocidentais passam assim a ser um mal necessário, uma simples reação às provocações do outro campo. Mas a explicação não é suficiente nem convincente. Na realidade, os quadros dos exércitos temem mais que as vantagens estratégicas do Ocidente percam vigor em razão das turbulências mundiais, enquanto outros países ganham em potência militar e geopolítica. Nessa nova era de “rivalidade entre as grandes potências”, para retomar os termos de Carter, a força de ataque norte-americana parece menos temível do que antes, enquanto a capacidade das potências rivais não para de aumentar.
Assim, quando se trata das manobras de Moscou na Crimeia e no leste da Ucrânia, os analistas ocidentais invocam a ilegalidade da intervenção russa. Mas sua verdadeira preocupação tem a ver com o fato de que esta demonstrou a eficácia do investimento militar feito por Vladimir Putin. Os observadores atlânticos olhavam com desdém os recursos russos empregados nas guerras da Chechênia (1999-2000) e da Geórgia (2008); as forças ativas na Crimeia e na Síria são, em contrapartida, bem equipadas e têm bom desempenho. O relatório do INSS citado observa, aliás, que “a Rússia deu passos de gigante no desenvolvimento de sua capacidade de utilizar sua força de maneira eficaz”.
Da mesma forma, ao transformar recifes e atóis do Mar da China Meridional em ilhotas suscetíveis de abrigar instalações importantes, Pequim provocou surpresa e preocupação nos Estados Unidos, que por muito tempo consideraram essa zona um “lago norte-americano”. Os ocidentais estão impressionados com a potência crescente do Exército chinês. É verdade que Washington desfruta hoje uma superioridade naval e aérea na região, mas a audácia das manobras chinesas sugere que Pequim se tornou um rival que não pode ser negligenciado. Os estrategistas não enxergam nenhum outro recurso senão preservar uma ampla superioridade a fim de impedir futuros concorrentes potenciais de prejudicar os interesses norte-americanos. Daí as ameaças insistentes de um conflito maior, que justificariam as despesas suplementares no armamento hipersofisticado que um “inimigo de envergadura” exige.

Dos US$ 583 bilhões do orçamento da defesa revelado por Carter em fevereiro, US$ 71,4 bilhões irão para pesquisa e desenvolvimento dessas armas – a título de comparação, o orçamento militar francês atingiu R$ 36 bilhões em 2016. Carter explica: “Devemos fazer isso para nos adiantarmos às ameaças, num momento em que outros países ensaiam ter acesso a vantagens que desfrutamos durante décadas em campos como as munições guiadas com precisão ou a tecnologia antirradar, cibernética e espacial”.11
Somas fabulosas serão igualmente consagradas à aquisição de equipamentos de ponta aptos a ultrapassar os sistemas russos e chineses de defesa e a reforçar as capacidades norte-americanas nas zonas potenciais de conflito, como o Mar Báltico ou a região oeste do Pacífico. Assim, ao longo dos cinco próximos anos, algo como US$ 12 bilhões serão consagrados ao bombardeiro de longa distância B-21, um avião antirradar capaz de transportar armas termonucleares e fazer frente à defesa aérea russa. O Pentágono também vai comprar submarinos (da classe Virginia) e destróieres (Burke) suplementares para enfrentar os avanços chineses no Pacífico. Ele começou a implantar seu sistema antimíssil de última geração, o Thaad (Terminal High Altitude Area Defense), na Coreia do Sul. Oficialmente, trata-se de enfrentar a Coreia do Norte, mas também é possível enxergar aí uma ameaça contra a China.
É altamente improvável que o futuro presidente norte-americano, seja Hillary Clinton ou Donald Trump, renuncie à preparação de um conflito com a China ou a Rússia. Hillary já obteve o apoio de vários pensadores neoconservadores, que a julgam mais confiável que seu adversário republicano e mais belicista que Barack Obama. Trump repetiu várias vezes que pretende reconstruir as capacidades militares “esgotadas” do país. Porém, ele concentrou suas declarações na luta contra a Organização do Estado Islâmico (OEI) e afirmou ter sérias dúvidas sobre a utilidade de manter a Otan, que considera “obsoleta”. Em 31 de julho, ele declarou na rede ABC: “Se nosso país se entendesse bem com a Rússia, seria uma coisa boa”. E acrescentou, de maneira mais desconcertante para seus adversários: “O povo da Crimeia, pelo que entendi, prefere ficar com a Rússia”. Mas ele também ficou preocupado em ver Pequim “construir uma fortaleza no Mar da China” e insistiu na necessidade de investir em novos sistemas de armamento, mais do que o fizeram Obama e Hillary em sua passagem pelo governo.12
A intimidação e os treinamentos militares em zonas sensíveis como o Leste Europeu e o Mar da China Meridional podem se tornar a nova norma, com os riscos de escalada involuntária que isso implica. Washington, Moscou e Pequim, de qualquer forma, anunciaram que instalariam nessas regiões forças suplementares e conduziriam exercícios ali. A abordagem ocidental desse tipo de conflito maior conta igualmente com numerosos apoiadores na Rússia e na China. O problema não se resume, portanto, a uma oposição Leste-Oeste: a eventualidade de uma guerra aberta entre grandes potências se espalha nas mentes e leva os tomadores de decisão a se prepararem para ela.

Michael Klare
é professor de estudos sobre paz e segurança mundiais no Hampshire College, em Amherst, Masachusetts, e autor do recém lançado Rising powers, shrinking planet; the new geopolitics of energy, publicado nos Estados Unidos pela Metropolitan Books, e no Reino Unido pela One World Publications.


1    Paul Bernstein, “Putin’s Russia and US Defense Strategy” [A Rússia de Putin e a estratégia de defesa dos Estados Unidos], National Defense University (NDU), Institute of National Strategic Studies (INSS), Washington, 19-20 ago. 2015.
2    Cf. Alexander Mattelaer, “The NATO Warsaw summit: How to strengthen Alliance cohesion” [A cúpula da Otan em Varsóvia: como fortalecer a coesão da Aliança], Strategic Forum, NDU-INSS, jun. 2016.
3    Camille Grand, “Nuclear deterrence and the Alliance in the 21st century” [Dissuasão nuclear e a Aliança no século XXI], NATO Review, Bruxelas, 2016.
4    Ler o dossiê “La diplomatie des armes” [A diplomacia das armas], Le Monde Diplomatique, abr. 2016.
5    “Remarks by Secretary Carter on the budget at the Economic Club of Washington, D.C.” [Comentários do secretário Carter ao orçamento no Clube Econômico de Washington, D.C.], Departamento da Defesa dos Estados Unidos, 2 fev. 2016.
6    Ash Carter, “Submitted Statement – Senate Appropriations Committee – Defense (FY 2017 Budget Request)” [Declaração Apresentada – Comitê de Aprovações do Senado – Defesa (FY 2017 Requisição de Orçamento)], Departamento da Defesa dos Estados Unidos, 27 abr. 2016.
7    Ler Serge Halimi, “Provocations atlantiques” [Provocações atlânticas], Le Monde Diplomatique, ago. 2016.
8    “Comunicado da cúpula de Varsóvia”, Otan, Varsóvia, 9 jul. 2016.
9    Stephen Castle, “Theresa May wins votes to renew nuclear program” [Theresa May vence em votação para renovar o programa nuclear], The New York Times, 18 jul. 2016.
10    Ler Didier Cormorand, “Et pour quelques rochers de plus...” [E por alguns rochedos a mais...], Le Monde Diplomatique, jun. 2016.
11    “Remarks by Secretary Carter on the budget at the Economic Club of Washington, D.C.”, op. cit.
12    Maggie Haberman e David E. Sanger, “Donald Trump expounds on his foreign policy views” [Donald Trump expõe seus pontos de vista sobre política externa], The New York Times, 26 mar. 2016.

31 de Agosto de 2016
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