Conforme havíamos prometido aos nossos leitores e leitoras, com este primeiro editorial estamos dando início a uma série que objetiva discutir a sociedade do pós-coronavírus, no tocante ao seus fundamentos políticos, econômicos, sociais, educacionais e culturais. O consenso entre os analistas é que, para o bem ou para o mal, depois da pandemia jamais seremos os mesmos. Neste primeiro momento, vamos discutir a questão do trabalho nos pós-corinavírus, tomando sempre como referência as especificidades brasileiras, e antecipando que se trata de um assunto complexo que, certamente, demanda mais de um editorial para tratá-lo. Nada melhor do que iniciar essa discussão neste dia primeiro de Maio, dedicado aos trabalhadores e trabalhadoras de todo o mundo.
Como observou o professor Tarso de Melo, em artigo publicado aqui no blog, a pandemia, no Brasil, pegou os trabalhadores de uma maneira bastante precarizada ou desprotegida. Um contingente de 50 milhões na informalidade ou " uberizados" e 50 milhões sob o jugo das reformas trabalhista dos últimos governos, que corroeu sintomaticamente seus direitos conquistados nas últimas décadas do século passado como a CLT, que era uma espécie de Constituição dos Trabalhadores, algo concebido ainda na Era Vargas. Soma-se a esse contingente, um expressivo números de invisíveis - números nada desprezíveis, posto que estimados em 46 milhões - que somente agora, diante da concessão dos benefícios do Governo Federal neste período de quarentena, foram identificados. Analfabetos ou semianalfabetos, sem CPF, um aparelho celular que permita receber um código, sem acesso à internet. São esses que estão expostos cotidianamente nas agências das Caixa Econômica em plena pandemia, numa escolha desumana: o vírus ou a fome.
O apetite pelo corte de direitos preconizado pela cartilha das políticas ultraliberais foi aplicado sem a menor compaixão aqui no Brasil. Por outro lado, acrescento, as dificuldades na condução da política econômica, ampliando o desemprego e alcançando baixas taxas de crescimento do PIB. Ou seja, uma economia em espiral negativa, apontando os equívocos ou ineficácia do remédio liberal. Se essas observações se aplicam àqueles que estão na dita "formalidade" , vocês podem imaginar, então, a situação daqueles que se encontram na informalidade ou gerenciando seus negócios através de empresa de aplicativos, como Uber, Ifood, 99, Zé Delivery entre outras. Não tenho dúvida de que o capital sofreu uma refrega nesta última crise do coronavírus. Várias reflexões estão sendo produzidas sobre o assunto, inclusive colocando em xeque essa política deliberada de precarizar o trabalho, como a adoção do receituário ultraliberal, sobretudo aqui na América Latina, inclusive com alguns componentes fascista e autoritários. Diante da crise social e econômica provocada pelo coronavírus, o Estado foi "emparedado", sendo chamado a assumir responsabilidades que já haviam negligenciadas.
A chamada "crise do capital" - se podemos assim tratá-la - no contexto da pandemia do coronavírus apresenta vários aspectos. A crise é de uma dimensão tal que levou o filósofo Esloveno, Slavoj Zizek, a produzir um trabalho recente acerca do assunto, tratando sobre como está crise estaria repercutindo sobre o próprio conceito de Estado, reinventado um "novo comunismo", o que levou nossas autoridades diplomáticas a fazerem chacota com o assunto, sugerindo que o coronavírus era um vírus comunista. O filósofo Mário Sérgio Cortella, em entrevista recente, observa mudanças até mesmo no conceito de riqueza, uma vez que muitos bens tornaram desnecessários ou passaram a perder sua utilidade neste momento. Arrematava ele, filosoficamente, de que de nada adiantaria você, no deserto, com uma sacola cheia de diamantes, quando, na realidade é de água que você está precisando. Numa alusão também às reflexões do sociólogo catalão, Manuel Castells, que faz uma pergunta bastante pertinente: Do que precisamos mesmo? Talvez uns comes e bebes com os amigos na varanda.
É como se perguntássemos aos nossos leitores e leitoras: qual o bem mais importante hoje? Certamente muitos de vocês responderiam: um respirador e um leito de UTI, caso fôssemos acometidos pelo vírus. Mas, o maior desejo de tod@s, hoje, é escapar da contaminação pelo Covid-19, que, no Brasil, vem contaminando e matando numa velocidade assustadora, superando situações como a da própria China, onde, supostamente, tudo começou, avançando sobre as periferias empobrecidas, onde seguir as normas do afastamento social é um procedimento ainda mais difícil de ser observado pelo população.
Mas, como antecipamos, esses editoriais integram uma série, onde o financiamento da saúde pública, certamente, terá o seu espaço. No próximo editorial, ainda sobre essa temática do mundo do trabalho no pós-coronavírus, voltaremos a esse debate, ancorados teoricamente nas reflexões do antropólogo David Graeber, com sua famosa tese sobre os "trabalhos de merda", e, naturalmente, tecendo algumas considerações sobre os chamados "trabalhadores essenciais." Quem, de fato, são esses trabalhadores? Aqueles que podem ficar em casa, trabalhando através do sistema de home office ou aqueles que estão na linda de frente de exposição aos vírus, como garis, entregadores, médicos, enfermeiros, policiais?
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