Matheus Pichonelli
O país viu um pouco de tudo desde o início da hecatombe política provocada pela Lava Jato. Só não viu ainda tucano algemado – fato raro desde que os primeiros portugueses pisaram por aqui. Na terça-feira (20) havia expectativa e apreensão diante da análise da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal sobre a situação do senador afastado, e ainda na cúpula decisória do PSDB, Aécio Neves (MG).
Não deviam ser poucos os algozes que guardaram bebidas e rojões para a ocasião; menos ainda os que temiam as consequências políticas de um revés judicial.
Um tucano encarcerado depois de mobilizar multidões por mudanças nos estatutos da ética alimentaria a sanha condenatória que tomou as redes e o país.
A eventual prisão do ex-futuro presidente da República serviria como uma espécie de desforra a quem até ontem era acusado ou incitado a explicar a manutenção do monopólio da corrupção no Brasil. Um tucano encarcerado pouco depois de mobilizar multidões e formadores de opinião por mudanças nos estatutos da ética, dos bons modos e da boa gestão alimentaria a sanha condenatória que tomou as redes e o país, cada vez mais parecido com uma caixa de comentários de portais.
A cena só não minimizaria o apetite multipartidário pelo tal grande acordo nacional que unificou adversários políticos nos discursos contra juízes, procuradores e delatores. O apetite parece bem escondido, mas de vez em quando aparece em discursos como o do líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini, segundo quem os acusadores de Aécio confundem obstrução de Justiça e crime continuado com “fazer política”.
A sincronia pode ser avaliada pela contestação, por parte do governador tucano do Mato Grosso do Sul, da homologação de delações da JBS pelo ministro do STF Edson Fachin. Seria a brecha para melar outros depoimentos e abrir caminho para o chamado acordão. Não faltarão apoiadores nem mesmo no Judiciário, onde já há magistrados revoltados e dedicados a redefinir os limites das investigações (invejosos dirão que o limite é um conceito de proximidade entre amigos e inimigos).
No caso de Aécio, fazer política provavelmente se confunde com o desejo manifesto na conversa gravada com Joesley Batista antes de pedir (e receber) dinheiro ao dono da JBS: era preciso trocar o ministro da Justiça porque “aí mexia na PF”.
“Vai vim um inquérito de uma porrada de gente, caralho, eles são tão bunda mole que eles não (têm) o cara que vai distribuir os inquéritos para o delegado. Você tem lá cem, sei lá, 2 mil delegados da Polícia Federal. Você tem que escolher dez caras, né?”, descreveu.
Com base nas delações dos executivos da JBS, a Procuradoria-Geral da República denunciou o senador por corrupção passiva e obstrução e Justiça. Pediu a perda da “função pública” e o pagamento, junto da irmã, Andrea Neves, de R$ 6 milhões como indenização de danos morais e materiais à União.
O tucano denunciado e sob risco é a versão mais recente do herdeiro político de Tancredo Neves. Como deputado e governador, ele era citado como um político diplomático e habilidoso. Chegou a ser elogiado até mesmo pela então candidata petista Dilma Rousseff durante um ato de campanha em Minas Gerais em 2010, que o chamou de “governador exemplar” com quem mantinha “a melhor relação possível”.
Quatro anos depois, Aécio saiu da campanha derrotada à Presidência disposto a interditar o governo Dilma, então adversária declarada. Adotou tom beligerante, incentivou as manifestações pró-impeachment e levou ao Tribunal Superior Eleitoral as ações contra a chapa vitoriosa que, por pouco, não dragaram o governo do qual passaria a fazer parte.
Uma vez detido, o que a boa memória do ex-governador teria a dizer sobre os colegas que o deixaram ferido na estrada?
Esse lado tão estourado quanto atrapalhado do senador agora afastado levou parte dos interessados a acompanhar com apreensão a sessão da 1ª Turma do STF. Uma vez detido, o que a boa memória do ex-governador, conforme a definição das colunas de bastidores, teria a dizer sobre os colegas que o deixaram ferido na estrada?
O adiamento da decisão sobre sua possível prisão, somado à concessão de prisão domiciliar à sua irmã e seu primo, aquele que deveria morrer antes da delação, foi interpretado como indicativo de vitória no STF, que dirá em breve se o caso deve ser apreciado na 1ª Turma ou no Plenário. Até lá, todos ganham tempo, inclusive o PSDB, que por ora não corre o risco de decidir sobre o comando da sigla com o comandante algemado.
“É bom que ele esteja mais tranquilo e tome uma decisão tirando esse peso da irmã”, despistou o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).
O adiamento, por outro lado, prolonga a agonia de quem não parece chegar a um acordo sobre permanecer ou não no governo, apoiar ou não as reformas, ignorar ou não a condição de sua liderança principal.
A indefinição ajuda a levar incerteza até mesmo onde o trator governista parecia intocável. Pois, no mesmo dia em que Aécio e o PSDB tiveram os destinos adiados, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado rejeitou, com o voto de um tucano, o relatório de um outro tucano sobre a reforma trabalhista. A exposição do racha acontecia enquanto o presidente vestia a fantasia de chefe de Estado na Rússia, mas era citado, por aqui, como chefe de organização criminosa pelo dono da JBS e como detentor das digitais em evidências de corrupção passiva no inquérito da PF.
O timing da Justiça nem sempre é o mesmo da política, embora às vezes se esforcem por se encontrar. Aliviado ou não, Aécio já cumpre na prática sua espécie de exílio particular. De governador respeitado por adversários a opositor irresponsável, sua última faceta é a de um tucano acuado com um longo passado pela frente.
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