pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Veneza, Agamben
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segunda-feira, 4 de março de 2019

Veneza, Agamben

                                          
Cláudio Oliveira (arquivo)
                                                                                                                                                                 

Veneza, Agamben                 


Agamben em sua casa, em Veneza, 2007 (Foto: Cláudio Oliveira)

Estou em Veneza, onde vim encontrar Agamben. Tínhamos várias coisas para tratar. Semana passada não consegui publicar a coluna em função de vários trabalhos que tinha que realizar aqui. Como já o vi três vezes desde que cheguei, pensei em escrever algo sobre essa estadia de três semanas e sobre nosso reencontro, mas decidi fazer outra coisa: como Veneza e Agamben são de certo modo, para mim, uma coisa só (sempre vim a Veneza para encontrá-lo), decidi contar um pouco da minha primeira visita à cidade para visitá-lo, em 2007. Lembrei-me de ter escrito e publicado a história neste blog. O que vocês lerão a seguir são textos extraídos daí. Eles têm um frescor e uma inocência que me agradam, passados já quase dez anos, e por isso não os modifiquei. Seguem como foram publicados na época. Em 2007, eu ainda não era tradutor do Agamben e nem sonhava que viria a dirigir a série Filô Agamben da Autêntica. Mas a história que conto nesses textos, da minha busca por um ensaio inédito de Agamben sobre Lacan (da qual já falei anteriormente num artigo publicado na Folha de S.Paulo) parece ter chegado finalmente a seu fim. Falarei sobre isso, talvez, na próxima coluna. Adianto que foi um final feliz.
Dormir e acordar em Venezaescrito sexta-feira à noite, 27/07/2007
Estou agora no quarto do hotel. A janela do quarto dá para um lindo jardim interno, com o solo coberto de seixos. Ha casarões vizinhos, com lindas janelas e paredes de tijolo muito antigas que também dão para o jardim. Esta noite dormirei em Veneza. É quase um pecado dormir em Veneza. Mas é preciso dormir. Amanhã, acordarei em Veneza.
Café da manhã em Venezaescrito na manhã de sábado, 28/07/2007
Acordo em Veneza. O hotel é realmente muito bom, o café da manha é farto e ótimo. Ao entrar no salão de chá, uma senhora italiana muito distinta e muito enérgica, me pergunta: “Un cappuccino, signore?” Estou viciado nos cappuccini italianos. Após o café, vou fumar um cigarro no jardim externo do hotel. É um lindo jardim. Veneza é muito silenciosa. Nada do barulho do tráfego de Firenze. Há enormes poltronas em frente ao jardim, onde se pode sentar confortavelmente e onde escrevo essas linhas. No centro do jardim há uma bela fonte com uma escultura de algum deus marinho cercado de peixes monstruosos. Em torno da fonte há algumas mesas cobertas onde alguns hóspedes tomam seu café da manha. É bom estar aqui.
Não encontrando Agambenescrito no sábado, 28/07/2007
Depois de ter andado muito e de ter conhecido a Scuola Grande di San Rocco (onde pude ver muitos Tintorettos, inclusive sua impressionante “Crucificação”) e a Basílica de Santa Maria Gloriosa dei Frari (onde pude ver “A madona e o menino” de Bellini), estou agora num café em frente à Chiesa di S. Paolo. Comi um spaghetti ai frutti di mare que tinha mais frutti di mare que spaghetti. Fui também até a rua de Agamben que, creio, não está na cidade. Em Veneza não há nomes de ruas e o endereço é apenas um número. No caso de Agamben, 2366. Foi muito difícil encontrá-lo. É bem escondido. Fica numa rua em que podem passar apenas duas pessoas ao mesmo tempo, muito estreita. Acho que agora a tarde vou à Bienal, que fica em um lugar chamado I Giardini. Há uma estacão de Vaporetto lá.
Agamben em sua casa, em Veneza, 2007 (Foto: Cláudio Oliveira)

O primeiro encontro com Giorgio escrito no trem, de Veneza para Firenze, domingo, 29/07/2007
Aconteceram tantas coisas de ontem para hoje que não sei de quantas páginas precisarei para contá-las. Após voltar da Bienal, mas antes de ir para o Hotel, passei num ponto de internet para ver meus e-mails (três Euros por vinte minutos!). Quando abro minha caixa de mensagens, há uma mensagem do Agamben dizendo apenas: “Caro Cláudio, chiamami”, e me dá em seguida o número do seu telefone. Eu já não tinha mais esperanças de encontrá-lo. Tinha até deixado uma mensagem escrita em sua caixa de correio, dizendo que tinha estado em Veneza. Mas apenas para dizer que tinha estado ali. Não tive coragem de tocar a campainha. Se mesmo no Rio ninguém aparece sem antes telefonar, imaginem aqui na Itália, e na casa do Agamben. Bem, saí do cyber café correndo. Fui para o hotel e quando chego lá a recepcionista me diz que me tinha telefonado um senhor chamado Giorgio, que tinha deixado o número do seu telefone. Corro pro quarto, ligo para o número, chama, chama, ninguém atende. Tento outra vez. Uma terceira vez. Nada. Desisto. Cansado, vou tomar banho e penso: “Ele já deve ter saído”. Afinal, já são 19:30, embora ainda haja sol lá fora. Penso: “Quem sabe amanhã?” Mas antes de entrar no banho, o telefone do quarto toca. Atendo: “Pronto!” E alguém me diz do outro lado da linha: “Cláudio, sono Giorgio”. Conversamos em italiano. Ele briga comigo por eu ter deixado uma mensagem na caixa de correio dele e não ter tocado a campainha. Porque ele estava em casa naquele momento. Eu me desculpo. Marcamos de jantar num café próximo a Rialto. Mas é preciso que eu parta imediatamente porque em Veneza tudo fecha muito cedo. Não estou muito seguro das indicações que ele me deu ao telefone, porque falava em italiano e muito rápido, mas parto mesmo assim. Ao menos sei onde é Rialto. Não o encontro imediatamente. Houve alguma confusão entre “sinistra” e “destra”, porque eu vinha do outro lado do Grande Canal, já que peguei o Vaporetto, mas ele imaginava que eu viria a pé, e que, portanto, já estaria do lado de cá do Grande Canal, em S. Polo. Fico uma meia hora procurando-o entre os vários cafés à beira do Canal e não o encontro. Ele não me tinha dado nenhum nome para o Café, apenas a indicação de uma piazza em frente a uma igreja com um grande relógio. Começo a ficar triste. Fico imaginando que ele me esperaria, depois jantaria, e seguiria finalmente para casa, pensando: “Que brasileiro estúpido!” Até que tenho a genial ideia de seguir para a direita da ponte. E lá está ele, sentado num café, numa piazza, com dois estudantes, um dinamarquês e uma menina, mezzo belga, mezzo italiana.
Agamben e Andreas na casa do filósofo, em Veneza, 2007 (Foto: Cláudio Oliveira)

O primeiro encontro com Giorgio, continuação
Ele me recebe muito bem, com alegria. Briga comigo de novo por eu não ter tocado a campainha e me convida para sentar. Fala com a menina que serve a mesa para me trazer uma lasanha de peixe e uma taça do mesmo vinha branco que eles estavam tomando. Ele está muito alegre e jovial, bronzeado do sol do verão de Veneza. Conversamos um pouco, todos (o outro rapaz é estudante de Filosofia, estuda Hobbes, a garota estuda crítica de arte, ambos são alunos de Giorgio). Giorgio me convida para ir almoçar na casa dele, no dia seguinte, domingo. Deverá estar lá, também, seu tradutor alemão, que vem para tentar esclarecer suas ultimas dúvidas antes de mandar publicar sua tradução de O reino e a glória. Continuamos a conversar e quando eu termino de comer minha sobremesa, já que eles já tinham acabado de jantar há muito tempo, ele pede a conta, que insiste em pagar sozinho. Percebo, não sei bem por quê, que ele quer se livrar dos dois estudantes. Diz a eles, então, que nós vamos caminhar um pouco por Veneza. À noite, Veneza, mesmo no verão, fica praticamente vazia e pode-se caminhar por toda a cidade tranquilamente. Como o comércio e os restaurantes fecham muito cedo (no máximo às 22 horas, mas às 21h não aceitam mais nenhum pedido), os turistas vão dormir e só reaparecem no dia seguinte. Então a cidade se torna de novo a mesma que vem sendo há séculos, talvez a mais bela do mundo. Mesmo em minha primeira noite em Veneza, antes de ter encontrado Giorgio, caminhei sozinho pelas ruas e pontes da cidade até bem tarde da noite, e só voltei para o hotel após meia-noite. Mas na noite de ontem era sábado, e havia ainda, aqui e ali, alguns bares abertos. Giorgio me leva primeiro ao mercado de peixe, pelo qual eu já tinha passado durante o dia, mas que, àquela hora, estava deserto. Seguimos andando e no céu, de repente, surgindo entre os pallazzi de Veneza, vem até nós uma enorme lua cheia, muito amarelada. Belíssima. Ficamos um tempo admirando o luar de Veneza e seguimos. Lembro, então, a Giorgio que Henry James tinha escrito alguns de seus romances e contos em Veneza. Ele me diz que tinha acabado de ler uns dez livros de Henry James, um após o outro. Conversamos algum tempo sobre o autor, andando pelas ruas de Veneza, e eu confesso a ele que Henry James sempre foi um dos meus escritores preferidos. Ele concorda comigo que, numa estória em que os personagens agem sem saber ao certo o que está acontecendo, Henry James introduz esse narrador que vê tudo (o que ninguém vê) e que, ainda assim, não conta tudo (o que vê). Ele dá ao leitor o crédito de saber que não é preciso contar tudo. O leitor (ele acredita, ele espera) certamente sabe o que “falta” contar, que, de fato, “não falta”. Contá-lo seria obsceno, indelicado, indiscreto. Um exagero, uma perda de medida. Não é preciso contar. Não se deve contar. Seguimos caminhando por Veneza e eis que reencontramos o jovem casal de estudantes sentados numa mesa no terraço de um bar. Fugimos deles, mas acabamos reencontrado-os. Eles propõem que a gente se sente, mas percebo que Giorgio está indeciso quanto a ficar ou não. Ele me pergunta o que prefiro fazer. Digo que nós podemos ficar, sem problemas, que eu preciso apenas comprar cigarros. Ele então diz aonde fica exatamente a unica piazza em que àquela hora se poderia comprar cigarros em Veneza. Na Itália, só se pode comprar cigarros em tabacarias, que fecham às oito da noite (!). Mas a partir das nove horas algumas tabacarias deixam disponíveis máquinas automáticas em que se pode comprar cigarros por toda a noite. Mas entre as oito e as nove da noite, portanto, durante uma hora, ninguém pode comprar cigarros em Veneza. Giorgio me diz que me acompanhará até a piazza onde há uma dessas máquinas. Eu digo que não é preciso, que, se ele me explicar como posso chegar ate lá, eu posso ir sozinho. Mas ele insiste. Despede-se de novo do casal e diz que, de repente, volta mais tarde. O casal diz que outros estudantes estão a caminho. E de fato, assim que saímos para a tal piazza, poucas ruas depois, encontramos um grupo de estudantes que, ao ver Giorgio, o saúdam com entusiasmo. Ele me apresenta rapidamente a todos (são seus alunos) e diz que o casal estava no bar esperando por eles. Nós nos despedimos todos com o já clássico “ci vediamo” que é a tradução perfeita do famoso carioca “a gente se vê, a gente se fala” (acho que o ensaio de Francisco Bosco vale não só para os cariocas, mas também para os venezianos). Depois que o grupo de alunos se vai, eu pergunto a Giorgio se ele de fato não preferiria ficar com eles, já que me pareciam todos muito simpáticos. “Sim”, ele diz, “são muito simpáticos, mas os vejo sempre, quase todos os dias”. Toda essa conversa durante o passeio se dá em italiano. Ele diz que eu estou falando muito bem e que o meu sotaque (“l’accento”) está muito bom. Eu fico orgulhosíssimo, mas não aceito o elogio, pois ainda acho o meu italiano muito macarrônico. Após comprar meu cigarro, ele propõe que a gente vá na direção do canal da Giudeca, a beira do qual eu tinha jantado na noite anterior. Ele me diz que gosta muito dessa margem do canal, onde é mais fresco. Não havia mais quase ninguém nos cafés à beira do canal, quando chegamos. Mas conseguimos ainda que um garçom nos servisse uma bebida. Eu pedi uma birra e ele, alguma bebida desconhecida por mim, uma espécie de refrigerante em lata italiano, que, segundo ele, é o seu “o de sempre” naquele café. Ficamos ali, na noite enluarada de Veneza, conversando até meia-noite, quando decidimos que deveríamos partir, já que, no dia seguinte, eu devia ir à sua casa para almoçar com ele e com seu tradutor alemão. Ele cozinharia para nós. Combinamos que eu chegaria entre meio dia e um da tarde.
Agamben em sua casa, em Veneza, 2007 (Foto: Cláudio Oliveira)

Pegar o Vaporetto pela última vezainda no trem, voltando de Veneza para Firenze, domingo, 29/07/2007
Aproveito que estou bem perto da Praça de São Marcos e, antes de almoçar com Giorgio, olho pela última vez Veneza. Atravesso a piazza, onde há uma enorme fila para entrar no duomo e sigo para a estação S. Marco do Vaporetto. Penso que sera ótimo andar pela última vez de vaporetto no Grande Canal. E de fato, andar pelo Grande Canal é uma experiência da qual a gente nunca se cansa.
Na casa de Agamben, com Heidegger e Lacanescrito em Paris, na Biblioteca do Centre Georges Pompidou, terça, 01/08/2007
Pego o Vaporetto em S. Marco e desço na estação S. Toma, a mais próxima da casa de Agamben. Ele mora num palazzo de apenas dois apartamentos: o segundo e o terceiro andares destinam-se apenas ao apartamento do Agamben. Toco a campainha e ele me recebe alegremente. Está na cozinha preparando o almoço: segundo ele, uma receita que aprendeu recentemente, em Lisboa, quando esteve lá para falar. É um risoto com legumes e um peixe de cujo nome não me lembro. Agamben cozinha muito bem. Quando chego, já está lá o seu tradutor alemão, Andreas, um “jovem” de 44 anos que já esteve no Brasil por duas semanas (Rio, Salvador, Brasília). Andreas é muito simpático e gentil. Fala com Agamben em inglês, pois apesar de ser seu tradutor, fala muito mal o italiano. Agamben, por sua vez, também não fala muito bem alemão (segundo Andreas). É um encontro engraçado, pois ambos são leitores, até tradutores da língua um do outro, mas não falantes, ou falantes precários. Então decidimos que falaremos todos em francês, depois de minha tentativa de manter a conversa em italiano. Converso um pouco com Giorgio na cozinha, enquanto aproveito para tirar algumas fotos dele cozinhando. Ele percebe, diz para eu parar, mas não me impede de fazê-lo. Tirei algumas fotos durante o almoço (não muitas, porque também fico envergonhado), mas não sei se ficaram boas, ainda não as revelei. Acho que ele não me recrimina pelo que estou fazendo, pois ele mesmo possui, na sala de estar, emolduradas e penduradas na parece, duas fotos do Seminário de Thor, onde aparece num grupo, ao lado de Heidegger (ele tinha 24 anos quando participou do primeiro, no qual estavam presentes apenas seis pessoas!). Sobre a mesa da sala há um livro de François Fédier com fotos de Heidegger, no qual há, entre outras, uma foto de Giorgio, muito jovem, sentado ao lado do filósofo, que Andreas me mostra. Heidegger, já bem velhinho, e Agamben, um menino, muito novo. Em outra parede da sala, há outras duas fotos emolduradas e penduradas. São fotos que Heidegger enviou a Agamben logo após o primeiro encontro em Le Thor, na França. Como o fundo do quadro também é de vidro, pode-se ler a letra de Heidegger e entender com facilidade o que ele escreveu (ele agradece os votos de feliz ano novo que Agamben tinha enviado em uma carta anterior, entre outras coisas). A primeira foto é da cabana de Heidegger em Todtnauberg, na Alemanha, completamente coberta de neve. A segunda, um foto da região de Messkirch, onde Heidegger nasceu. Ao ver todas essas fotos e mensagens fico muito emocionado. Sinto como se estivesse repetindo o gesto de Agamben de ir procurar Heidegger. Há ainda outra surpresa no apartamento. Quando o encontrei, na noite anterior, para jantar, disse a Agamben que tinha vindo a Veneza com uma missão: conseguir o texto que ele tinha escrito sobre Lacan e apresentado no colóquio “Lacan avec les philosophes”, realizado em Paris, em 1990. Quando a reunião dos trabalhos apresentados no encontro foi publicada, os organizadores da publicação colocaram a seguinte nota na abertura da edição: “O Sr. Giorgio Agamben não enviou seu texto para publicação”. Essa foi uma informação da qual eu soube desde que comecei a ler Agamben, e ficava sempre imaginando como seria um texto de Agamben sobre Lacan. O único motivo, segundo ele, para não ter enviado seu texto, foi que ele se encontrava, como se encontra até hoje, escrito à mão. Agamben não escreve diretamente no computador nunca. Quando ele esteve no Rio, em 2005, disse a ele que viria a Veneza pegar o texto. E aqui estava eu. Na noite anterior, lembrei-lhe da minha missão. Para minha surpresa, ao chegar em seu apartamento, no dia seguinte, ele já tinha encontrado o manuscrito. Dou uma olhada rápida no texto, escrito em francês, bastante legível. Ele me pergunta se eu consigo ler. Digo que sim, mas que certamente, encontraria passagens ilegíveis. Combinamos que ele me enviaria uma cópia do texto pelo correio, para que eu o traduzirei e o publicasse no Brasil. Será que existe algum editora no Rio interessada em publicar um texto mundialmente inédito de Agamben sobre Lacan?
Cláudio Oliveira e Agamben na casa do filósofo, em Veneza (Foto: Andreas Hiepko)
Cláudio Oliveira e Agamben na casa do filósofo, em Veneza, 2007 (Foto: Andreas Hiepko)

O ghetto de Veneza, Andreas e as dedicatórias de Agamben
Após sair da casa de Agamben, sigo com Andreas para caminhar no ghetto de Veneza (tenho ainda umas duas horas e meia antes de pegar o trem para Firenze). Segundo Giorgio, o primeiro ghetto do mundo é o de Veneza. Andreas deve ficar ainda uns quatro dias na cidade para trabalhar com Giorgio na tradução alemã de O reino e a glória. Aproveitei para pedir a Agamben um autógrafo na minha edição, comprada em Veneza. Ele escreve: “A Cláudio, de Giorgio carioca”. Depois me pergunta se tenho a edição italiana de A potência do pensamento, uma grande coletânea também publicada em 2007. Digo que não e ele me diz que acredita ter ainda um exemplar, que me dará de presente (já tinha me dado a edição brasileira de Profanações, da qual tinha em casa alguns exemplares). EU digo que não, mas ele insiste e escreve na dedicatória: “A Cláudio, com a recordação veneziana do amigo ex-carioca Giorgio”. Digo a ele que não deve escrever nunca “ex-carioca”, mas sempre “carioca”. Ele ri. Eu e Andreas nos demos muito bem. Seguimos para a piazza principal do ghetto, onde há mais de uma sinagoga e onde se pode ver muitos judeus ashkenazi andando pela rua. É realmente um lado muito bonito de Veneza. Andreas faz um doutorado em filologia que, segundo ele, não termina nunca, pois não possui bolsa e está sempre trabalhando em traduções para sobreviver. Tem um interesse fecundo por Agamben, pela relação entre filologia, tradução e filosofia. É uma cara muito legal. Tentaremos ir visitar um ao outro. Despeço-me dele e sigo para a estação para pegar meu trem.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

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