pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Editorial: Economia do "bico"
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terça-feira, 23 de abril de 2019

Editorial: Economia do "bico"


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Na manhã da última Quarta-Feira, véspera do feriado da Semana Santa, havia um bom motivo para voltarmos à Universidade Federal de Pernambuco. Mais precisamente ao 13º andar do CFCH - onde realizamos parte de nossos estudos naquela Instituição - na Pós-Graduação de Antropologia, ocorreria a palestra do professor Mabuse, que abordaria um tema dos mais relevantes na atual conjuntura política que atravessamos, seja no Brasil, seja no mundo: a absoluta ausência de normas ou procedimentos éticos na construção de algoritmos. De acordo com Mabuse, a lógica que orienta a criação desses algoritmos segue um viés unicamente utilitarista, embora envolva mecanismos de controle e vigilância sobre indivíduos e coletividades, cujas implicações deixariam um filósofo como Michel Foucault - aquele do bio poder - de queixo caído.
Hoje, com o advento dos aparelhos de celulares android, é possível acompanhar todos os passos dos indivíduos, mesmo quando o aparelho está desligado. Sites de busca como o Google - nada sigiloso - por exemplo, ajudaram bastante o trabalho da polícia para se chegar aos assassinos da militante Marielle Franco. Espanta ao professor o fato de a juventude não demonstrar qualquer tipo de incômodo ou desconforto com este fato. Um bom sinal de wi-fi, já comentamos isso por aqui, figura entre os primeiríssimos critérios para se definir por algum tipo de hospedagem. Talvez até mais determinante do que uma boa cama e uma boa companhia. 
Algoritmo, na realidade, é um termo do campo da informática, que pode ser definido como uma sequência finita de ações executáveis que visam obter uma solução para um determinado tipo de problema. Em tese, por exemplo, podem ser utilizado para facilitar a vida dos velhinhos em filas intermináveis nos supermercados; ajudar as grávidas na escolha do enxoval das crianças; fazer intervenções em circuitos expositivos, consoantes as reações do público visitante de museus ou galerias de arte; coisas do tipo. A questão é quando as grandes plataformas se utilizam dos dados dos indivíduos para objetivos não necessariamente assim tão republicanos, invadindo sua privacidade, fornecendo esses dados para usos escusos, conforme já ocorreu, por exemplo, nas últimas eleições americanas, quando milhões de dados foram sutilmente utilizados por uma determinada empresa de marketing político, que trabalhou magistralmente as emoções e reações dos eleitores em favor de um determinado candidato.
A última eleição brasileira foi a eleição das fake news, ou seja, mentiras sistematicamente disseminadas através de robôs, utilizando-se das redes sociais, que acabaram tornando-se verdades, através da “construção” da opinião pública. Sou de uma época em que os bons debates ainda ajudavam a “formar” a opinião pública, num ambiente aonde ainda se respirava democracia. Hoje, no entanto, as pessoas são submetidas a linchamentos morais, sem direito de defesa, sem ser ouvidas, sem provas, sem que seja observado o princípio da presunção de inocência ou do contraditório, baseadas no "achismo". Desde que um certo magistrado da Suprema Corte resolveu orientar suas decisões pelo domínio do fato para condenar agentes públicos,  o trem constitucional saiu dos trilhos, desencadeando o caminho pantanoso da permissividade ou uma espécie de "relativismo" jurídico, já pedindo perdão aos juristas por alguma impropriedade na definição do conceito.   

No bojo desse debate, invoca-se a postura de instituições como o Estado, hoje absolutamente empenhado em ampliar os mecanismos de controle e as tecnologias de vigilância sobre os indivíduos, como o uso cada vez mais frequente de drones, GPS e as famosas câmaras de reconhecimento facial, numa tradução bastante aproximado do Grande Irmão de George Orwell. O Ministério da Verdade, então, esse já está completamente escancarado, com a divulgação de mentiras e a ocultação de dados e informações que, de fato, poderiam ser úteis aos cidadãos. As crescentes restrições à transparência de informações - um retrocesso - se encaixam aqui. Que interesse teria o cidadão comum em conhecer a caixa-preta da Previdência Social? 
Um fator ainda relacionado à conformação do aparelho de Estado na atual conjuntura política, diz respeito a uma previsão do filósofo esloveno Slavoj Zizek que, ainda no calor das passeatas das Jornadas de Junho de 2013, alertava sobre o recrudescimento do uso da força no exercício do poder político, uma profecia que está se materializando. Há, aqui, uma “nova” conformação que não se restringe apenas ao aparelho de Estado, mas ao próprio capitalismo, que se reinventa sempre, pouco se lixando para os segmentos sociais que não reúnem condições de participar dos seus banquetes consumistas. Mas este é um tema que, por envolver o "capital" das milícias, deixaremos para abordar num momento mais apropriado.
Vale aqui uma observação - que chegamos a discutir anpassant com o professor Mabuse - que diz respeito à institucionalização da Economia do Bico, ou, como preferem os americanos, o GIG Economy. Há, de fato, um crescente processo de “institucionalização do bico”, sobretudo quando se observa, simultaneamente, o “arrojo” de empresas como a Uber - que participou ativamente do último carnaval de Olinda, conforme lembrou o professor Mabuse - e amplia seus negócios, atingindo milhões de usuários e parceiros, em sua maioria jovens que estão iniciando suas atividades produtivas, ou desempregados que não conseguem uma recolocação num mercado de trabalho precarizado e desregularizado pelo Estado, como o nosso, cuja Constituição Trabalhista - era assim a CLT para os trabalhadores e trabalhadoras - está praticamente extinta.
Isso nos fez lembrar de uma visita que o sociólogo Ulrick Beck fez ao Brasil, anos atrás, quando saiu daqui entusiasmado com o fenômeno de nossa economia informal, chegando a cunhar a expressão “Brasilização do Ocidente”, numa alusão a uma espécie de “democratização do setor informal no Brasil “ - Não é nada improvável que o alemão tenha lido as teorias de um outro sociólogo brasileiro bastante conhecido - apresentando o caso brasileiro como um exemplo a ser seguido pelo Ocidente, uma vez que, por aqui, se irmanavam no mesmo barco, brancos, pretos, pardos, héteros, homossexuais, trans, mulheres, homens e crianças, numa situação pouco provável de ocorrer na Europa, onde os conflitos étnicos praticamente impediriam essa possibilidade. A visão idílica de Beck sobre a "democracia da economia informal no Brasil", possivelmente, turvou sua percepção mais efetiva sobre esse fenômeno, que já atinge 10 milhões de brasileiros, sem garantias de assistência à saúde, vivendo no limite, sem um plano de seguridade que garanta uma vida digna na velhice. Estes já estão, a priori, condenados a morrerem trabalhando.

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