Durante os longos oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso uma
declaração do seu ministro do trabalho ficou famosa: "acabou-se a época
das políticas de pleno emprego". Esta época coincidiu com o aumento
exponencial do desemprego e as tentativas de substituir as intervenções
públicas no mercado de trabalho por uma microeconomia do emprego, com
ajustes pontuais no "mau" funcionamento do mercado de trabalho:
intermediação, qualificação profissional,e políticas compensatórias para
os desempregados.
Segundo o governo tucano, em razão da exaustão do modelo fordista e a concorrência internacional, os sistemas nacionais de emprego teriam que lidar com a falta de poupança interna e externa para alavancar o desenvolvimento econômico e as antigas políticas keynesianas de demanda teriam de ser substituídas por políticas de oferta: atrair investimentos estrangeiros com baixa carga tributária e a desregulamentação do mercado de trabalho. Daí a palavra de ordem: "destruir o legado varguista". Na acepção tucana, flexibilizar ou desregulamentar as relações de trabalho e desengessar a justiça do trabalho, acabando com seu caráter normativo e vinculante. Substituir a rede de proteção social do trabalhador por políticas de funcionamento do mercado de trabalho. Trocar a CLT por contratos provisórios , precários, desregulamentado de trabalho.
O que Fernando Henrique Cardoso tentou, foi
finalmente atingido por Michel Temer e Jair Bolsonaro, praticando uma
modalidade de ultraliberalismo a serviço das empresas e dos empresários.
Mas esse cenário de barbárie e selvageria foi muito ajudado pela nova
morfologia da classe trabalhadora brasileira, pelos info-proletários ou
os trabalhadores da época digital. Diante desse novo quadro, a
flexibilização, desregulamentação e precarização da força de trabalho
foi mais longe do que se imaginava nos anos 90. E contou com a ajuda de
uma perigosa ideologia: a do empreendedorismo. Ou seja, ser patrão de si
mesmo, não ser empregado de ninguém. Some-se a isso a pregação
individualista das igrejas neopentecostais e sua teologia da
prosperidade.
O cenário pós-CLT, que ameaça destruir o Direito
do Trabalho e extinguir a Justiça trabalhista, apresenta duas
modalidades de trabalhadores que parece ter afastado todas as garantias
legais dos trabalhadores e dispensado a indispensável tutela jurídica
das relações de trabalho: os serviços on-demand e o crowdwork.
As palavras podem ser estranhas, mas o seu significado está presente no
cotidiano da população brasileira. Trata-se de trabalhadores
de aplicativo e plataformas digitais (aqueles de bicicleta e bau nas
costas, debaixo do sol) - Uber, Ifood e outras marcas - O segundo são
plataformas de prestação de serviço e de consumo que se comunicam
sozinhas, sem a intermediação de ninguém. Este é o cenário de uma
modalidade de trabalho perverso, precário, sem nenhuma proteção, que ainda faz o trabalhador
imaginar que não tem patrão nem é explorado por ninguém. Uma situação
inédita onde a exploração da força-de-trabalho se disfarça pelo
funcionamento das info-redes e ele não ver quem está do outro lado da
operação.
As consequências desse modelo tanto no que diz respeito à subjetividade do operário quanto às suas possibilidades de organização sindical são muito sérias. A captura da subjetividade do trabalhador, a fragmentação e o isolamento dessa categoria, bem como as imensas dificuldades de proteção legal desse info-proletariado estão na mesma proporção do avanço dessa modalidade de trabalho entre os desempregados, os que complementam sua renda ou simplesmente os que acham que vão ganhar muito dinheiro com esse trabalho. O desafio para o Direito do Trabalho e a magistratura laboral para oferecer a sua tutela jurídica a esses trabalhadores tem sido enorme e está ainda muito longe de ter encontrado o seu marco legal satisfatório.
Que tem autonomia e liberdade.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD/UFPE
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