A partir de um artigo do professor Paulo Luiz Moreaux, publicado na Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.13, nº 36, Fev. 1998, tivemos a oportunidade de retomarmos a leitura sobre o conceito de familismo amoral, de Banfield. Assim como Sérgio Buarque de Hollanda, Banfield ajuda-nos bastante a entender o homem cordial brasileiro, afeito ao tapinha nas costas, ao acolhimento afetivo de parentes e agregados na máquina e, principalmente, a transformar a esfera pública numa extensão do seu quintal. Impressionante como as suas categorias de análises se aplicam ao cenário político pernambucano. Um exemplo disso é a imposição do nome do filho do ex-governador e candidato à Presidência da República, Eduardo Campos, para a direção da Juventude Socialista Brasileira (JSB), o que vem causando um frisson nas hostes neo-socialistas, além de um racha familiar, depois das declarações da vereadora Marília Arraes(PSB), reticentes ao fato. Dr. Arraes ressentia-se de herdeiros na política. Nenhum dos seus filhos quis seguir carreira política. Apenas o neto, Eduardo Campos, manteve o espólio da família, sendo eleito duas vezes governador do Estado. O curioso é que, depois que Eduardo Campos chegou ao Governo, abriu-se as porteiras das vocações políticas do clã. Além dos parentes diretos, os agregados familiares. Circulando hoje pela cidade, observei adesivos de pessoa muito ligada aos Campos, como candidato a Deputado Estadual. Talvez esteja ocorrendo aqui um grau de concorrência acirrada dentro da própria estrutura familiar. Há quem informe que Marília Arraes, em função dos novos arranjos, poderia não contar com o apoio do padrinho político no seu projeto de chegar à ALEPE. Tenho cá minhas dúvidas sobre se, de fato, João Campos, o filho mais velho de Eduardo, desejaria ou estaria pronto para entrar na vida pública, embora, no nosso familismo amoral, como informa os autores acima, isso seja apenas um pequeno detalhe, posto que a vida pública é, tão somente, uma extensão da vida privada, com implicações nefastas para a res publica. Infelizmente. Publicamente, a insatisfação é passada como uma recusa em aceitar a imposição de um nome sem militância política, quando o partido teria outras lideranças orgânicas que estariam bem mais preparadas para assumir o papel. Questiona-se, igualmente, os métodos adotados, de corte autoritário, nada republicanos. Nas entrelinhas, as preocupações da vereadora poderiam ser, apenas, de caráter pragmático. Se Banfield estivesse vivo, possivelmente o convidaríamos para um banquete na mansão de Dois Irmãos, onde ele poderia, entre uma garfada e outra, inteirar-se sobre a dinâmica do familismo amoral pernambucano. Se ele não se embriagasse com o licor de pitangas, ficasse encantado com a cordialidade das tradicionais famílias pernambucanas, e não resistisse às cocadas preparada com tempero natural das mulatas, de fato, estaríamos diante de um grande laboratório.
A alguns metros da onde trabalham, moradores são revistados pela Força Armada Nacional.
Momentos iniciais da revista ao morador da Maré realizada pelo Exército da Força Nacional.
Um robô é um dispositivo eletromecânico ou biomecânico capaz de realizar trabalhos de maneira autônoma ou pré-programada. Os robôs são comumente utilizados na realização de tarefas em locais mal iluminados, ou na realização de tarefas sujas ou perigosas para os seres humano.
Mãos na parede cidadão.
Mãos na parede cidadão.
Abre as pernas cidadão.
Abre as pernas cidadão.
Desencosta da parede cidadão.
Mais, cidadão.
Mãos na parede cidadão.
Mãos na parede cidadão.
Abre as pernas cidadão. Mais, cidadão.
Me dê seu chinelo cidadão.
Pega o chinelo e dá pra mim cidadão.
Cidadão pega o chinelo pra mim cidadão.
Cidadão pega o chinelo cidadão.
Há quase de 2 meses o Complexo da Maré foi invadido pelas Forças Armadas do Exército com o objetivo de servir e proteger o tão citado acima, cidadão. O texto é retirado de um vídeo gravado por uma moradora do complexo que registra seu parceiro sendo revistado por um soldado perto de onde trabalha.
O registro foi postado por uma página chamada Soldado Brasileiro, no facebook, e viralizou. Mais de 3 mil compartilhamentos e milhares de comentários, entre eles:
"Sinceramente não consigo entender porque um cidadão de "Bem" dificulta tanto um serviço que é para seu bem! Apoio totalmente este tipo de ação! Já fui parado várias vezes...pela PM e também pelo Exercito e nunca dificultei o trabalho deles talvez pelo motivo de não ter nada a temer e por não dever nada! se o "Cidadão tivesse cooperado com abordagem a mesma iria demorar 1/3 do tempo que demorou!"
Quase mil curtidas.
O enaltecimento de uma atitude como essa é preocupante. Não só pela arbitrariedade da ação militar mas, principalmente, pela forma como as redes sociais evidenciam o tanto de gente que apoia e dá risada do conforto do lar onde se sente com propriedade suficiente para julgar.
A opressão advinda dos modelos de segurança pública na periferia do Rio de Janeiro gera algo que de baixo de um edredon com notebook no colo é difícil sentir. A cultura do medo impregnada pelas forças militares na favela ataca o que talvez seja a maior ameça para a elite brasileira: pobreza.
“Segurança no perímetro.“
As repetidas falas, mecânicas, robóticas, de uma humilhação bizarra, um delírio de poder absurdo. Ser humano ali passou longe. Aos gritos pessoas chegam ao redor, está dado o espetáculo. A partir dai não tem freio mais: Pega o chinelo cidadão! Existe mais um estágio de comportamento que ultrapassa aquele que abusa do poder.
“Fuma maconha cidadão?
Então vc é maconheiro?!”
“Agora vc passou a ser suspeito cidadão!”
A principal justificativa para a ocupação militar, tanto com o exército quanto com a polícia, é o combate ao tráfico de drogas. O argumento de que todo morador é traficante é comumente utilizado e embutido nos veículos da mídia corporativa em suas notícias diárias pasteurizadas. Violência policial e moral caminham juntas.
A atitude do soldado nada mais reflete a violência existente dentro dos quartéis. O mesmo soldado que agora dá a ordem deixa transparecer, ou menos nos faz imaginar quanta vezes ele mesmo já não ouviu gritos robóticos, teve que abaixar pra pegar chinelo ou foi o centro das atenções de uma humilhação pública.
A desapropriação da subjetividade dessas pessoas se constrói por uma humilhação permanente daqueles que vivem um estado de delírio do poder.
Abuso de insanidade.
O silêncio em momentos pontuais torna possível ouvir a música que toca por acaso ou ironia. Bob Marley é reproduzido ao fundo: “I wanna love you, I wanna love and treat you right".