pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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quinta-feira, 4 de junho de 2015

Saul Leblon: Perdemos de novo, professora Maria da Conceição?


Mal ou bem, forças progressistas estão à frente do governo há 12 anos: o 'enrosco', com ela diz , é pilotado pelo campo progressista. E o atinge diretamente.

por: Saul Leblon 




EBC
A professora Maria da Conceição Tavares tem dois motivos para não querer falar nesse momento.
 
A gripe alegada, que acentua o grave característico da voz,  é o menor deles.
 
O quadro difícil da crise brasileira, o mais contundente.
 
Estamos falando, porém, de uma mulher que não costuma deixar desaforo esperando na soleira da porta.  
 
-Perdemos, professora Conceição?
 
Ela hesita um pouco, tergiversa, mas só um pouco.
 
Em seguida dispara o grave com a inflexão de ordem unida famosa, capaz de acionar todas as atenções ao redor, seja qual for o redor, tenha ele a solenidade que tiver.
 
‘Perdemos. Isso está à vista, não? --devolve com a força de uma pedrada.
 
Mas em seguida vem outra, mais na mira: ‘O primeiro tempo, por certo’.
 
Num átimo recolhe o grave com a  inflexão que vai buscar o distraído até no fundo do auditório e o submete às prontidões incontornáveis:
 
‘Não digo que perdemos o jogo, que todavia é muito duro’.
 
Abriu a avenida para uma narrativa de longo curso, mas se contém.
 
A dificuldade em extrair da decana dos economistas brasileiros uma avaliação mais desabrida do governo de sua amiga Dilma Rousseff, sendo ela a economista a quem todos ligam quando o mundo despenca e é preciso saber para onde ir, é ilustrativa da gravidade do momento brasileiro.
 
Não qualquer gravidade.
 
Desta vez, o ‘enrosco’, com ela diz , é pilotado pelo campo progressista. E o atinge diretamente.  
 
Mal ou bem, forças progressistas estão à frente do governo há 12 anos  -- ainda que não no poder e, sobretudo, na companhia não propriamente opcional de parceiros de uma ambígua ‘governabilidade’, em xeque nesse ‘momento Cunha’ da vida nacional.
 
Esse protagonismo singular explica a perplexidade do olhar crítico que se enxerga no próprio objeto da crítica e não gosta do que vê.
 
A história não é um closet no qual se possa trocar o figurino e recomeçar do zero. Neste filme, os protagonistas se defrontam com um enredo de urdidura que pode ser modificada, mas não ignorada.
 
A correlação de forças é uma delas. Frequentemente evocada para justificar rendições e traições, nem por isso deixa de existir.
 
É prima política das vantagens comparativas na economia –também e não raro evocadas para justificar a submissão ao poder econômico existente e o entreguismo conveniente.
 
Nem um, nem outro são fatalidade, mas construções históricas.
 
Até que ponto a camisa de força atual reflete recuos que contribuíram para enrijecer essas circunstâncias quando a hora era de avançar e dilatar os espaços, é uma questão em aberto.
 
Avaliações díspares que essa pergunta enseja retardam agora a unificação de forças e agendas que dispersas se mostram incapazes de afrontar a ofensiva conservadora em marcha.
 
Maria da Conceição Tavares é economista, não analista política. Faz questão de observar a diferença.
 
Mas é uma personagem da história brasileira.
 
Sua experiência engajada nos principais acontecimentos nacionais remonta a 1957, três anos depois de chegar de Portugal, onde nasceu--   quando se naturalizou, passou a estudar economia, ingressou no BNDES, conheceu Furtado, Ignácio Rangel, Darcy e outros gigantes aos quais hoje se ombreia no referencial dos que lutam por aquilo que eles sempre lutaram: o desenvolvimento que conduza à construção de uma democracia social efetiva no país.
 
Conceição desembarcou no Brasil no ano em que Getúlio Vargas com um único tiro impôs uma década de protelação ao golpe que a coalizão empresarial-militar lograria desfechar em 1964.
 
A professora participou ativamente do esforço progressista para dilatar esse prazo e empurrar a roda do desenvolvimento até um ponto que o tornasse autossustentado pelas próprias forças sociais com ele beneficiadas.
 
O percurso foi interrompido à força no meio do caminho, como se sabe. Uma retomada seria ensaiada depois, nos anos 70/80, com a derrubada do regime militar e a tentativa frustrada do Cruzado –da qual participou--  igualmente decepada com a ascensão neoliberal nos anos 90.
 
Finalmente, em 2002, a agenda da construção de uma democracia social tardia na oitava maior economia da terra seria resgatada com a vitória presidencial do metalúrgico, seu amigo, Luís Inácio Lula da Silva.
 
Daí a pergunta inicial que a incita a romper o silencio diante da encruzilhada que se ergue outra vez em seu caminho, aos 85 anos de idade, e no do país, no seu ‘longo amanhecer’, como previu Celso Furtado, sua maior referência.
 
Perdemos de novo, professora Conceição?’
 
Ouvi-la extrapola a curiosidade. É uma necessidade, aqui entremeada da recuperação de reflexões anteriores que completam as atuais.
 
‘Essa crise não se parece com nenhuma outra que vivi’, adverte com vagar escolhendo as palavras para comentar a gravidade do fator político que trava a iniciativa progressista  –repita-se--  confrontada agora com a própria imagem no espelho dos desafios a vencer.
 
‘Nenhuma das que acompanhei mais de perto –o pós-Getúlio e a do golpe de 1964, para não falar das outras, como a do fim da ditadura—envolvia um travamento estrutural e político tão difícil’, explica para sublinhar em contraponto: ‘ Sem falar no quadro internacional, que é completamente outro, marcado pelo ambiente financeiro destrambelhado’.
 
A diferença estrutural –‘estamos em uma transição de ciclo estrutural’, diz ela—é que nos anos 50 e nos anos 70, depois do suicídio de Getúlio, assim como após o golpe militar, havia espaço para se agregar novos setores à estrutura econômica brasileira.
 
“Agregar é mais fácil do que reformar’, ensina a decana.
 
A agregação amortece a colisão dos interesses instalados com os novos.
 
O que fez, afinal, Getúlio quando foi reconduzido ao poder em apoteótica votação nas eleições de 1950, com o Brasil desordenado pela ‘malta liberal’ de Dutra?
 
Getúlio viu espaço para agregar novos motores na economia.
 
Seu governo lançaria uma saraivada de iniciativas diante da avenida aberta a sua frente.
 
O Plano de Eletrificação em 1951, o BNDES em 1952, a Petrobrás em 1953. E o reforço convergente com uma industrialização ainda em fraldas, onde muito havia por fazer.
 
Vargas modernizou áreas já existentes e acionou novas turbinas: investiu no setor de bens de base  --de base porque produz equipamentos, componentes, insumos universais, para todos os segmentos.
 
Interligou isso aos duráveis, amalgamando a economia com uma cola política feita de expansão do emprego e extensão de direitos ao florescente operariado urbano.
 
Aí acharam melhor eliminá-lo.
 
‘Mas a crise da morte do Vargas’, observa Conceição, ‘embora violenta por todos os seus ingredientes, paradoxalmente  durou pouco’.
 
Mais à vontade, ela puxa aqui a memória de acontecimentos que acompanhou diretamente, jovem matemática atravessando a fronteira para a economia.
 
‘Durou pouco porque havia toda uma avenida aberta, aquela que Vargas deixou para JK  agregar: a dos bens de consumo’, interrompe para retomar o fôlego.
 
‘O que fez JK? Fez o Plano de Metas dilatando a infraestrutura; trouxe o parque automobilístico, deslanchou um novo ciclo de expansão’.
 
O impasse vivido por Jango seria um primeiro sinal de que a agregação pura já enfrentava gargalos estruturais.
 
‘Tanto que tivemos um golpe, uma ruptura violenta’, pontua a economista que se exilou no Chile durante a ditadura, onde assessorou a equipe de Allende.
 
Quando Jango se viu na contingência de ampliar o espaço do brasileiros miseráveis, excluídos do mercado e da cidadania, o que dilataria o fôlego do desenvolvimento pela alavanca do mercado de massa, os interesses estabelecidos reagiram violentamente.
 
Num certo sentido, em vez de apenas agregar, as reformas de base buscavam democratizar o que antes era um privilégio dos herdeiros da casa grande. A terra, por certo. Mas também a educação, o comando sobre riquezas naturais; o controle sobre a moeda e os capitais; a ampliação da democracia na base da sociedade.
 
Deu-se o que é sabido.
 
‘Só que os milicos do golpe eram eles mesmos desenvolvimentistas! ‘, atalha Conceição rindo das ironias da história.
 
Os ‘milicos’ no entanto tropeçariam feio.
 
Fizeram o torto por linhas certas.
 
Em vez de agregar novos polos de ponta da industrialização naquele momento, como eletroeletrônica etc, o regime ditatorial  super-dimensionou os existentes, na siderurgia, por exemplo.
 
Ainda assim a sobreagregação expandiu o PIB, mas endividou o país sem contrapartida de exportações para os dólares tomados a juros baixos, mas a taxas flutuantes.
 
Quando elas flutuaram ferozmente para cima, em 1979 --saltaram de 7,5% para 20,18% em 1980-- o regime perdeu o assoalho.
 
O que se tem agora é mais sério, de qualquer forma, do que a transição de Vargas para JK e de Jango para o golpe.
 
‘É estrutural’, repete Conceição.
 
Estrutural no sentido que não se resolve adicionando um novo motor na mesma máquina do crescimento -- como se fez antes para reacomodar o conflito de classe.
 
‘O Brasil não vai acabar, nem o capitalismo e não temos golpe à vista, embora haja golpistas à solta’, murmura.
 
Mas há um esgotamento desse correr para frente –típico do sistema--  baseado em aditivos que se sobrepõem à engrenagem anterior claudicante.
 
Não apenas isso.
 
O esgotamento, insista-se, acontece  sob as asas de um governo progressista. O que adiciona ao impasse econômico um auto-questionamento político de escolhas passadas e futuras. Tudo coroado por um  ambiente internacional pantanoso, marcado pela mais anêmica, longa e incerta convalescença de uma crise capitalista, desde a ruptura de 1929.
 
Então é diferente de tudo o que Conceição viveu.
 
‘Temos uma estrutura econômica montada. É preciso recauchutar a máquina e, sobretudo, reorientar seu rumo’, a professora retoma o fio da meada.
 
O Brasil viveu um período acelerado de consolidação industrial no 2o PND (1975/79) , o plano de desenvolvimento da ditadura.  Dificilmente repetirá aquele desempenho característico da fase de instalação e consolidação de um parque industrial.
 
Esse tempo acabou.
 
Assiste-se a algo oposto até.
 
A indústria brasileira, na verdade, está sendo corroída por duas inércias que o ciclo iniciado em 2003 não corrigiu.
 
De um lado, a valorização cambial acumulada nas últimas décadas. Ela favoreceu a asfixia do parque fabril brasileiro sob a avalanche das importações asiáticas (gerando um déficit comercial manufatureiro da ordem de U$ 200 bi nos último anos ).
 
Simultaneamente, cristalizou-se uma inserção internacional capenga da economia brasileira, que perdeu o bonde tecnológico dos anos 80/90 porque ruminava a dolorida digestão da crise da dívida externa.
 
O bonde perdido de um ciclo internacional não passa de novo, adverte Conceição. Não existe aula de recuperação na história do desenvolvimento.
 
‘Não vamos mais competir com os chineses naquilo que eles tomaram de nós e se mostraram líderes no mundo’, adverte ao falar da erosão sofrida em vários setores industriais.
 
Por isso o pré-sal e o mercado de consumo doméstico, revigorado pelo ganho de poder de compra do ciclo Lula, bem como o PAC na infraestrutura e, objetivamente, a escala do agronegócio, são tão importantes.
 
É esse o novo chão do desenvolvimento brasileiro no século XXI.
 
Os encadeamentos inscritos no regime de partilha do pre-sal, e na exigência de conteúdo nacional, ambos demonizados pelos interesses sabidos e seus porta-vozes, encerram impulsos industrializantes de ponta, com escala capaz de criar, aí sim, uma inserção virtuosa do país nas cadeias internacionais.
 
O mercado de massa, por sua vez,  é capaz de atrair plantas industriais e lastrear segmentos ainda não triturados por décadas de importações baratas.
 
O PAC arremata o comboio puxando-o pela alavanca do investimento público.
 
Conceição contextualiza esse tripé de forma realista, ciente de que a areia movediça da crise estreita a margem de manobra e todas as frentes.
 
‘Hoje isso depende muito do financiamento chinês para se viabilizar. É por aí que vamos completar o investimento público do PAC; não enxergo outra saída com as restrições impostas pelo ajuste fiscal’, suspira.
 
Seu próprio desalento, porém, sofre um safanão em tom de advertência na frase seguinte: ‘Se não defendermos as políticas sociais, o PAC e o pré-sal não teremos mais modelo nenhum’.
 
Destravar as concessões, o PAC,  e preservar o pré-sal  poderá desarmar a retranca do investimento privado?
 
Sim, mas para isso não se pode destruir o mercado de consumo de massa. Se a economia afundar com o estirão de arrocho, cercado de juros altos por todos os lados, ninguém salva o Brasil.
 
A costura dessa travessia envolve uma operação essencialmente política, como já explicou, porque mexe profundamente em interesses cristalizados.
 
O nome do jogo não é mais ganha/ganha.
 
É correlação de forças e se joga na rua.
 
Não por acaso o debate da reforma tributária conquista audiências nunca registradas na agenda econômica. A audiência das manifestações sindicais contra o ajuste em benefícios trabalhistas, por exemplo, confrontado com a alternativa da taxação das fortunas, do lucro dos bancos, das remessas disfarçadas de assistência, das heranças etc.
 
´Não existe resposta técnica para o que se tem diante de nós’, sentencia a professora de uma geração inteira de economistas, entre alunos e amigos, que a ouvem e respeitam, mesmo quando dela divergem.
 
Incluem-se aí nomes como os de Belluzzo, Luciano Coutinho, Mantega, a própria Presidenta, Dilma Rousseff.
 
Em uma homenagem à mestra, em 2012, Dilma declarou: “Não houve momento importante na história do país, nas últimas décadas, sem as considerações da ‘nossa professora’. Nós hoje não admitimos mais a possibilidade de construir um país forte e rico dissociado de melhorias das condições de vida de nossa população, nem tampouco acreditamos mais na delegação da condução de nosso crescimento exclusivamente às forças de autorregulação  do mercado. Crença, aliás, que Maria da Conceição Tavares sempre, corretamente, criticou”, enfatizou a Presidenta.
 
Os ventríloquos da autorregulação do mercado preconizam justamente isso agora: estabilizar o impasse desenhado pela professora, com base nas premissas ‘técnicas’ dos mercados.
 
Ou seja, impedir que a luta pelo comando do crescimento deslize para o campo aberto da disputa política, onde a estrutura de repartição da riqueza e do poder seria questionada, escrutinada e repactuada em confrontos desaguados em amplas negociações.
 
As considerações da economista enveredam cautelosamente por essa seara.
 
‘Não é fácil operar essa coisa. Você tem que recauchutar e redirecionar o mecanismo do crescimento com ele andando, entende? Com o trem em movimento’, sobe a voz, refreando-a na volta da respiração: ‘É um enrosco’.
 
A palavra ‘conservadorismo’ resume o significado do obstáculo maior no caminho.
 
A operação colide com massas gigantescas de interesses que nada tem a oferecer à sociedade exceto uma obstinada resistência à mudança, associada –aliás, indissociável, de uma não menos obstinada opção pela mórbida liquidez rentista.
 
Pressões, chantagens, golpes, terrorismos e interditos emanados desse aparato são vocalizados e potencializados diuturnamente pelos veículos do ramo da semi-informação, enquanto o ‘ajuste’ cutuca a recessão com vara curta e a promessa difusa de uma ‘purga redentora’.
 
É o torniquete dos dias que correm.
 
E a velocidade aqui não é uma metáfora.
 
O arrocho já bateu no consumo das famílias, derradeiro lacre de segurança do ciclo petista que avançou de forma quase ininterrupta nos  últimos 12 anos. Esse indicador caiu 1,5% no primeiro trimestre, em relação ao final de 2014.  
 
O consumo das famílias pesa 63% na demanda da economia e arrastou junto a receita, o investimento, o emprego... O que sobra?
 
A sobra é insuficiente para sustentar uma nação, um governo e um projeto progressista de desenvolvimento . O IBGE avisa que apenas 25% da economia ainda operava no azul ao final de março.
 
Não melhorou de lá para cá. Ao contrário.
 
‘Você não enfrenta isso com debate econômico’, adverte Conceição.
 
Nem pode paralisar um país para recauchutar a economia, que deixada a sua própria lógica não criará o espaço necessário à mudança.
 
Uma frente? Uma frente de forças poderia funcionar como a dissonância à espiral descendente em marcha?
 
‘Sim’, entusiasma-se a economista que sabe dos limites daquilo que a ‘malta’ conservadora chama de ciência econômica.
 
‘Mas uma frente que apenas reitere o quadro existente não adianta’, pondera, atenta ao jogo que no primeiro tempo, como já disse, mostra que perdemos.
 
‘É preciso algo amplo, democrático que se imponha’, arrisca para advertir de pronto: ‘Mas não me pergunte como; isso é com os políticos’.
 
Reserva, todavia, munição para um último disparo certeiro.
 
Dirigido justamente ao PT.
 
O partido que ajudou a construir, do qual foi deputada entre 1991 e 1995, com o qual caminhou desde os anos 90 e assim prossegue
 
‘O PT precisa decidir o que quer; nos anos 60, nós éramos desenvolvimentistas. Mas o PT hoje parece dividido. Temos os ‘desenvolvimentistas’ –brinca com o termo hoje usado apenas como um marcador genérico para o pensamento de esquerda na economia.
 
‘Ao lado dos desenvolvimentistas noto que há agora no PT uma parcela grande de ‘estacionistas’, diz a professora.
 
A língua afiada encontrou um jeito de expressar o incômodo que não quer explicitar. Conceição escande o achado com o riso que convida à cumplicidade: ‘Tá cheio de ‘estacionistas’. Vão resolver o Brasil parando o país?’.
 
É um fugaz momento de descontração na penosa alternância de frases e silêncios sugestivos da intelectual que enxerga a encruzilhada do país como uma encruzilhada também das forças das quais é uma expoente.
 
“Tem gente que acha que você pode estacionar para estabilizar e que, feito o serviço, os capitais retomam o investimento. Isso num mundo há seis anos mergulhado numa crise em que ninguém investe em lugar nenhum’.
 
Nem mesmo nos EUA poderia dizer.  
 
A economia que se notabiliza pela ‘recuperação inequívoca’ –no dizer das colunistas de certezas graníticas em relação à saúde do capitalismo -- acaba de registrar a sua terceira recidiva na crise.
 
O PIB dos EUA caiu  0,7% no primeiro trimestre, mesmo com taxas de juros entre negativas e zero desde 2008, e sob o efeito de um regime de engorda de liquidez de U$ 1,5 trilhão, recém concluído.
 
O ‘estacionismo’, naturalmente, rechaça a ideia de uma frente ampla, como a  conjecturada por Conceição, para negociar o passo seguinte do desenvolvimento do país em meio a essa algaravia de sinais e lógicas em litígio, ao sabor do proficiente mercado financeiro global e de suas agências (as de risco).
 
Basta estabilizar.
 
O mercado autorregulado que a amiga Presidenta criticou em 2012 fará o resto: os capitais que não investem no mundo voltarão a investir aqui, o mel correrá das vertentes e o leite brotará nas curvas dos rios, acreditam os ‘estacionistas’ cutucados pela professora.
 
O risco de o ‘estacionismo’ conduzir o Brasil a um beco sem saída na boleia de uma recessão histórica não é pequeno.
 
Conceição não comenta.
 
Mas seu silêncio preocupa mais ainda que as palavras.
 
(*)Texto retificado às 17:59 de 01/06

(Publicado originalmente no portal Carta Maior)

Acusados de fraudes na Univima ostentavam uma vida de luxo



A fraude na Universidade Virtual do Maranhão (Univima) foi descoberta por meio de uma auditoria da Secretaria de Estado de Transparência e Controle, que revelou o desvio de R$ 33, 78 milhões dos cofres públicos do Estado do Maranhão, através de fraude no sistema financeiro do Estado, o Siafem.
A megaoperação batizada de ‘Cayenne’ realizada pela Polícia Civil, por meio da Superintendência Estadual de Prevenção e Combate à Corrupção, na quarta-feira, 27, resultou na prisão de Paulo Giovanni Aires Lima, José de Ribamar Santos Soares, Inaldo Damasceno Correa e Valmir Neves Filho, suspeitos de desviar aproximadamente R$ 34 milhões da Universidade Virtual do Maranhão (Univima). Com eles, a polícia apreendeu carros de luxo, joias estimadas em mais de meio milhão de reais, relógios de marca, com unidades que superam R$ 20 mil, dentre outros objetos e documentos, que apontaram que os envolvidos levavam uma vida de ostentação e luxo, não condizente com os ganhos declarados por eles.
Segundo o delegado Manoel Almeida, da Superintendência Estadual de Prevenção e Combate à Corrupção, o esquema fraudulento funcionava da seguinte forma: os ordenadores de despesa do órgão realizavam pagamentos normais aos credores do órgão, que tinham contratos em vigor e que apresentaram faturas a serem pagas. Depois da emissão das ordens bancárias e de confirmar o pagamento pelo banco, o responsável pelo setor financeiro cancelava o pagamento no sistema Siafem e lançava novo pagamento, dessa vez, para empresas fantasmas, usadas apenas para desviar os recursos públicos. A fraude foi realizada durante três anos, sem que os gestores máximos dos órgãos impedissem a reiteração.
A quadrilha operou na Universidade Virtual do Maranhão no período de 2010 a 2013. De acordo com o delegado Manoel Almeida, o suspeito Paulo Giovanni Aires Lima, trabalhou no setor financeiro da Univima, de 2010 a 2011, quando teria sido substituído pelo servidor José de Ribamar Santos Soares, que continuou operando sistema Siafem, de 2011 a 2012. Ele contou que os funcionários recebiam um salário mensal de aproximadamente R$ 2,2 mil, o que não condiz com a vida luxuosa que ostentavam.
“Com o Paulo Giovanni apreendemos dois carros de luxos, sendo um Corolla e um Fusion, mas pela consulta ao seu CPF, identificamos que o mesmo já possuiu vários carros caros, como SW4, Hillux e até um Porsche Cayenne, avaliado em aproximadamente R$ 300 mil. Na residência do suspeito encontramos, ainda, joias, relógios, que se confirmado sua autenticidade podem custar mais de R$ 20 mil cada, ressaltando que a casa em que reside no Araçagi está avaliada em R$ 2,2 milhões. O Paulo Giovanni nega o envolvimento no esquema e diz que trabalha no ramo da construção civil, e pontuou que começou construindo e vendendo casas populares e depois entrou no ramo de imóveis de luxo”, relatou.
A autoridade policial afirmou que José de Ribamar Santos, que também trabalhou no setor financeiro da Univima e também recebia o salário de R$ 2,2 mil, também ostentava negócios superiores ao seu pró-labore. Em nome do suspeito a polícia identificou uma locadora de veículos, com aproximadamente 15 automóveis, entre modelos populares, de luxo e até uma van que fazia viagens para o interior do estado. José de Ribamar Santos é detentor de mais de 10 imóveis na Região Metropolitana de São Luís, colocados em nome de parentes.
O delegado Manoel Almeida explicou que o empresário Valmir Neves Filho, é proprietário de várias empresas e recebeu da Univima, entre 2011 e 2012, aproximadamente R$ 12 milhões. Já Inaldo Damasceno Correa, foi identificado como ‘laranja’ do empresário e confessou, em depoimento, que teria recebido da Universidade R$ 770 mil, referente a duas movimentações financeiras no ano de 2011, valor este que teria repassado em seguida a Valmir Neves.
“De 2010 a 2012 uma das empresas de Francisco José Silva Ferreira movimentou cerca de R$ 21,5 milhões no esquema envolvendo a Universidade. Ele é proprietário de vários empreendimentos, carros de luxos, uma pousada e um imóvel em Barreirinhas”, disse o delegado.
(Publicado originalmente no Imparcial)
P.S do Realpolitik: Não costumo fazer ilações descabidas - não sei se fui tautológico aqui, uma vez que toda ilação deve ser descabida - mas existe uma relação muito próxima dessa Instituição, a Univima, e outras instituições de ensino e pesquisa do Estado, inclusive a subordinada à esfera federal, seja fornecendo quadros, tecnologias e, o mais perigoso, exercendo influência política.

O ocaso de Marta


Pablo Valadares / Agência SenadoRamon Szermeta, Eduardo Valdoski, Jaime Cabral

O ocaso é o momento que antecede o anoitecer. É o último brilho do sol, antes da escuridão. Como fenômeno natural é romântico e inspirador. Mas do ponto de vista pessoal, deve ser desesperador para alguns. Parece que a senadora Marta Teresa Smith de Vasconcellos vive um desses momentos. 
 
Ascensão
 
Marta tem uma história interessante e respeitável. Feminista, fundadora do PT, militante das causas democráticas, quebrou tabus e chocou o conservadorismo paulistano e brasileiro quando quase ninguém tinham coragem. Mesmo sendo de um meio abastado, se colocou desde o princípio ao lado dos mais pobres, dos trabalhadores. Na televisão, em plenos anos 1980, discutia abertamente os direitos sexuais e reprodutivos da mulher. Nos anos 1990 foi deputada influente e atuante. O reconhecimento veio como candidata a governadora pelo PT em 1998. Lula a pegou pelo braço e convenceu o partido disso. O seu desempenho e do partido foram tão bons que ela só ficou de fora do segundo turno por um triz, graças às clássicas manipulações da nossa elite, através de falsas pesquisas eleitorais que geraram um voto útil em Mário Covas.
 
Apogeu


A recompensa veio dois anos depois. Candidata pelo PT de São Paulo, ganha a prefeitura derrotando Paulo Maluf, depois de 8 caóticos anos de gestão Maluf/Pitta, numa cidade atolada em escândalos de corrupção e sufocada do ponto de vista social. A trágica situação municipal coincidia com uma crise nacional provocada pelo (des)governo FHC: crise, desemprego, movimentos sociais nas ruas, em um cenário que permitiu ao PT eleger o maior número de prefeituras de sua história nas eleições municipais de 2000. 
 
Marta também vence a eleição e conduz uma gestão que não apenas produz importantes mudanças na cidade, como cria marcas sociais para o PT em nível nacional.  Em vários aspectos, sua administração foi precursora de políticas públicas que seriam aprofundadas no governo Lula (fortes programas de distribuição de renda, investimentos em educação, ajustes fiscais, importantes mudanças produzidas na área de transporte), e também das consequências políticas dessas inversões de prioridades no orçamento, a mais evidente, divisão centro x periferia / ricos x pobres. 
 
Durante sua gestão a prefeita não perdeu tempo. Montou seu grupo político que hegemonizou o PT paulistano. Os petistas críticos ao seu governo não tiveram moleza. O partido perdeu autonomia, em nome do governismo cego, da adesão automática, e também nisso ela antecipou aspectos do lulismo. O grupo de Marta cresceu e se fortaleceu. Alçou voos estaduais e nacionais. A capital era pouco. Lula ganha em 2002 e novos ventos sopram. Marta se mostra satisfeita com a escolha de Henrique Meirelles, ex-presidente do Bank Boston, recém eleito deputado pelo PSDB de Goiás, para o Banco Central. Muitos petistas e simpatizantes não concordaram com a indicação, alguns até se sentiram traídos, mas Marta não lembrava deles naquela época. Ademais, ela tinha ótima relação com o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, responsável pelo aprofundamento de ortodoxia econômica neoliberal e homem do governo que transitava pelo mercado financeiro. Ela é defensora pública dos ajustes econômicos, ditos necessários. Em 2004, a campanha pela reeleição começa promissora, e quem sabe passos maiores a serem dados no futuro? Mas a política sempre ensina. 
 
Queda
 
Depois da primeira gestão do PT em São Paulo, com Luiza Erundina eleita em 1988, a segunda com Marta foi a que mais produziu avanços sociais inquestionáveis. Cada uma a sua conjuntura. Porém, uma série de erros políticos de sua campanha somados a uma sórdida cruzada da oposição e da mídia contra uma mulher livre para fazer suas escolhas, firme nas suas opiniões e que tentou implementar a progressividade de impostos na cidade, conseguiu derrotar o projeto que estava em curso em SP. A campanha da reeleição de Marta foi assustadora para muitos petistas. A disseminação de cabos eleitorais pagos em detrimento das instâncias e da militância voluntária e politizada, os carregadores de bandeiras e "visibilidade" nas ruas que substituem o debate político organizado, a marquetagem no lugar do programa. São de fato novos tempos no PT. A cereja do bolo foi que pela primeira vez na história do PT um candidato do partido se viu acompanhado por uma presença muito estranha ao petismo na disputa do segundo turno, o ex-adversário político Paulo Sallim Maluf, maior inimigo do projeto democrático do PT, agora figurando nos materiais de campanha da Prefeita. Ela é sem dúvida uma pessoa precursora e visionária. Nada adianta, e ela perde a eleição para José Serra do PSDB, com o Gilberto Kassab, futuro algoz da senadora, de vice. 
 
Marta perde a eleição, é rejeitada pelo povo paulistano, e o PT perde junto parte de sua identidade. Todavia, pra que desistir? Em 2006, a todo custo, Marta se joga numa disputa contra Mercadante com o objetivo de ser candidata a governadora. Dessa vez é a militância do PT que rejeita Marta. Quase todas as lideranças públicas do PT se unem contra ela. A fatura para apoiar Mercadante é cara. Marta vai para o Ministério do Turismo, onde tem passagem discreta. Exceto por um ou outro episódio midiático. E dai? o que importa é que tem mais eleição chegando. E eleição é com ela mesma. Dessa vez quem impõe sua candidatura é Marta. Ela pode. A eleição, uma das piores da história da cidade, transcorre sem grandes assuntos, termina com a reeleição de Kassab, o homem que entrega a cidade para o mercado imobiliário e as 32 subprefeituras para os coronéis da PM. Marta começa na frente, mas sua rejeição é tão alta que a queda livre é inevitável. Todos os ingredientes que levaram a derrota do PT em 2004 estão de volta e Marta, já desesperada, uma histórica defensora do movimento LGBT, faz perguntas dúbias no seu horário de televisão sobre a vida íntima do seu oponente. Além de perder na urna e ser novamente rejeitada, Marta rasga sua própria reputação de defensora dos direitos civis, e faz todos seus apoiadores passarem vergonha. Mais uma campanha que ajuda a desfigurar nosso PT velho de guerra. 
 
O próximo capítulo? Ora, em 2010 tem mais eleição. E eleição é com ela mesma. Dessa vez uma coisa mais compatível, o Senado Federal. Já que não dá pra ser presidenta, o negócio é a Câmara dos Lordes. Eram duas vagas para senador, e ela alcançou espantosos 22%. Não ganha, não é totalmente rejeitada, mas leva o patamar histórico do PT lá pra baixo. Os petistas "fazem" a campanha dela conforme o estômago permite. 
 
A queda da queda    
 
Agora com um mandato de oito anos garantido, o negócio é atrapalhar quem puder. O poço não tem fim. Mais uma eleição se aproxima. E eleição é com ela mesma. 2012, o PT necessita urgentemente de novos quadros para disputar a estratégica eleição da capital paulista. O então Ministro da Educação, Fernando Haddad, é visto por muitos como o mais preparado para a disputa. Tem um cabo eleitoral de peso, o ex-presidente Lula. O PT paulistano, ainda um pouco contaminado pelos sombrios tempos de domínio “martista”, apresenta resistência. Felizmente é conversando que as pessoas se entendem, e o partido assume rapidamente a candidatura sugerida por Lula. 
 
A senadora não. Ela se nega. “- Como assim a escolhida não fui eu?” Já que a primeira gestão de Marta/PT é muito exitosa em matéria de política para as periferias e depois de oito anos pouco se avançou com Kassab, ela se sente a dona da perifa. Talvez muita convivência com antigos adversários a fez adquirir hábitos e visões similares aos da nossa elite. Nós petistas sabemos que a periferia não tem dono, e o presidente Lula entra de cabeça na parada. Uma campanha marcada por um programa político qualificado e por uma coordenação que conseguiu unificar a diversidade do PT e ao mesmo tempo envolver não apenas a militância como também muita juventude e gente animada que contribuiu solidariamente com o projeto construído por diversas cabeças para sintonizar a cidade de São Paulo com as mudanças que vinham ocorrendo no país.
 
Pra entrar numa campanha tão bonita e vitoriosa como essa Marta cobrou e todo mundo viu. A fatura para apoiar Haddad é cara. Ministério da Cultura. Haddad e o PT ganham inspirando a cidade a produzir coisas novas. Marta ganha um espaço só dela. Passa pelo ministério da cultura, discretamente, exceto por um ou outro fato midiático. Consegue sair pela porta dos fundos do governo, conspirando em público contra a presidenta, usando argumentos chulos da oposição. É tanto vexame que a permanência no partido que ela ajudou a fundar 35 anos atrás é insustentável. 
 
Triste fim de uma morte anunciada 
 
Na transição do primeiro para o segundo mandato de Dilma ela tem que aparecer. Não há limites para sua ambição pessoal, não há mais projeto coletivo. O seu lema é: “se eu não jogo, ninguém joga”. A coisa é tão ridícula, que a obsessão pela prefeitura aparenta ares de missão divina, custe a vergonha pública que custar. 
 
Como já vimos, a senadora não tem problemas com ortodoxias econômicas, nem com composições ecléticas que ela ajudou a instituir no PT. Em 2014 o governo federal fez superávit zero. Isso significa menos dinheiro pra roda financeira e mais dinheiro pra o país. O que Marta disse sobre isso? Marta exige que sejamos transparentes com o mercado financeiro. O que é isso? Transparência deve ser com a população, a cidadania. O povo que deve mandar na política, e não só no momento das eleições que ela tanto gosta. A senadora vem escrevendo artigos na Folha de São Paulo que são obras primas de como não fazer política, pois ela é incapaz de discutir uma medida concreta e ajudar a elevar o nível do debate político. Ela joga com a desinformação e o terrorismo, exatamente como já fizeram muitas vezes contra ela. Marta Teresa Smith de Vasconcellos se transforma numa reprodutora do esgoto midiático. 
 
No PT ela nunca soube o significado da palavra instância ou decisão coletiva. Mas agora joga pra platéia. Se o PT não tivesse perdido eleições seguidas em São Paulo (apoiados por boa parte do partido em vários momentos, diga-se de passagem) talvez não tivéssemos cobras criadas como Gilberto Kassab. Agora, quem se diz tão preocupada com a economia, a luz, o desemprego e a falta de confiança do mercado no governo federal, está na verdade negociando seu futuro político e pessoal com as dezenas de siglas de aluguel e barganhando desavergonhosamente com quem oferecer mais. E ainda acha, moderna que é, que em pleno século XXI, pode enganar alguém, fazendo o jogo da velha política conservadora brasileira? Não é novidade nenhuma na história pessoas que gritam para esquerda se jogando em seguida no colo da direita.

 


Ramon Szermeta é ex-secretário estadual da JPT/SP (2001-08)
 
Eduardo Valdoski é ex-secretário adjunto nacional da JPT (2006-08) e municipal da JPT da cidade de São Paulo (2003-05)
 
Jaime Cabral Filho é ex-secretário municipal da JPT da cidade de São Paulo (1999-03)

(Publicado originalmente na  Carta Capital)

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Michel Zaidan Filho: A polícia do mundo


A mídia internacional e suas filiadas pelo mundo inteiro tem dado uma inestimável colaboração para a mistificação do chamado sistema legal norte-americano. Aliás, não só ela, os filmes americanos ajudam - e muito - a ficção legal  que aparenta governar a sociedade americano. É verdade que uns poucos filmes ousam questionar essa aparência, ao mostrar "os podres", as contradições do devido processo legal nos EUA. Quando se trata de julgar cidadãos americanos, a justiça é uma. Quando se trata de julgar pessoas do resto do mundo, é outra. Os americanos do Norte têm uma crença mágica na integridade territorial dos EUA. Eles acreditam que lá estão protegidos e que nada os ameaça de fora. Só a guerra da secessão, o movimento por direitos civis e contra a guerra e, last but no least, o 11 de setembro constituíram exceção a essa regra. A praxe continua sendo: os cidadãos americanos só serão julgados pela justiça norte-americana. Jamais por instituições estrangeiras ou internacionais (como o TPI). Quanto aos demais cidadãos do mundo, aí a conversa muda. É invasão, guerra, sequestro, prisões, assassinato, espionagem etc. Tudo vale, segundo a jurisprudência do Pentágono, na guerra contra o terror e os EUA. A favor dessa lei, só os judeus, que não respeitam nenhuma lei internacional contra sua agressão cotidiana aos territórios palestinos.
Recentemente, tivemos o episódio do assassinato de Bin Laden, a espionagem das telecomunicações e, agora, as prisões da alta cúpula da FIFA, comandadas por uma procuradora de Justiça americana, baseadas  - segundo ela - em crimes de lavagem de dinheiro cometido em solo americano. É interessante a justificativa. Quando o juiz Balthazar Garzon intimou Henry Kissinger a prestar declarações sobre os mortos e desaparecidos no Chile, ele não só não foi à Espanha como ironizou a ordem judicial. Infelizmente, o devido processo legal das cortes espanholas não permitem invadir os EUA e coagi-lo a obedecer a ordem judicial. O mesmo não ocorre com os cidadãos do resto do mundo. Gostando ou não, eles são obrigados a aceitar as ordens da Justiça americana, mesmo sem serem americanos ou estarem nos EUA. Podem está confortavelmente em suas casas, mesmo assim serão surpreendidos pela polícia ou uma ordem judicial de prisão.
Sempre se poderá alegar os acordos internacionais de cooperação entre países para justificar tais medidas. Mais uma coisa é certa: a ampliação da jurisdição norte-americana nem sempre se baseia na lei (menos ainda na lei internacional) e quase sempre tem motivações geopolíticas e estratégicas inconfessáveis. Ninguém pede autorização para invadir o país do outro, porque cobiça o seu petróleo ou gás ou vislumbra a possibilidade de negócios milionários com a invasão. Invade-se e depois se busca uma justificação legal. Quem não gostou e se queixe ao bispo ou a ONU ou ao TIP.É a justiça do porrete (big strike). Quem pode manda e faz: quem não pode reclama e se sacode (de dor ou de raiva).
Não há como concordar com um famoso advogado americano que aponta a ilegalidade dessa ampliação jurisdicional da procuradora americana. Ela pode está animada  por outros propósitos que nada tem a ver com "o devido processo legal". Sobretudo, em relação à Rússia de Wladimir Putin, o déspota asiático. Moscou deve sediar a próxima Copa do Mundo, que é em si mesma um grande evento político internacional. Putin deseja extrair desse evento esportivo dividendos políticos para a imagem externa da Rússia. E a depender da grandiosidade do evento (um mega-espetáculo), pode sim obter grandes resultados (que infelizmente não beneficiará os cidadãos russos). Se a polícia americana e a justiça conseguirem "melar" a realização da Copa, certamente prejudicaram muito ao atual governo russo. 

Já a situação dos países periféricos, é muito lamentável e não começou ontem. Já vem de muito tempo atrás. 0 futebol é usado aqui como um dos principais ativos políticos dos governos nacionais para se legitimarem perante a opinião pública. E sua gestão tornou-se uma caixa fosca, intransparente, causa de toda imoralidade, corrupção, roubo, enriquecimento ilícito de seus dirigentes, que são mais blindados do que os presidentes da República. Verdadeiro negócio da China, a gestão do futebol virou uma caixinha milionária para cartolas, jogadores, técnicos, políticos, empresas de mídia, empresas de marketing e patrocinadores privados. Ninguém mexe, ou pode mexer.
Quando o cidadão público-privado chamado Pelé, conhecido como o rei de futebol e principal símbolo do futebol brasileiro diz que sempre apoio o ex-dirigente da FIFA e que não tem nada que ver com a corrupção no futebol brasileiro, foi dado o sinal verde para uma ampla e irrestrita investigação nacional (brasileira) sobre esse escândalo que parece ser pior do que o da Petrobras.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE.

Tijolinho Real: Vaniela, quem diria, estava em Tambaú.

 

Ontem, aqui no blog, fizemos uma postagem sobre o Caso Vaniela e, logo em seguida, resolvemos tirá-la do ar. Primeiro, porque percebemos que o texto, digamos, assim, tinha muitos arrodeios, remetendo às situações - similares ou não - de outros "casos" policiais famosos. Depois, também percebemos que esse "enredo" envolvendo Vaniela estava assumindo contornos de um longa metragem, recheado de bizarrices, muitas intrigas e interrogações. Emitir uma opinião a esse respeito - nós que já somos gatos escaldados - sugere a iminente possibilidade de fazer um julgamento equivocado e injusto. É preciso ter muita calma nessa hora. 

Num ponto, no entanto, nós acertamos. O caso tornou-se público, exigindo das autoridades de segurança pública do Estado uma explicação. Assim que publicamos, a postagem alcançou grande repercussão, atingindo um bom nível de acessos, mas, mesmo assim, optamos por retirá-la. Através do canal interativo do blog, recebemos algumas mensagens perguntando-nos sobre as razões da retirada. Creio que a explicação está dada. A Polícia Civil esclareceu os fatos e deu uma explicação à sociedade, algo que merece registro. Nos parece que a jovem também será indiciada por falsificação de documentos, já que usou documentos falsos em sua hospedagem na paradisíaca praia de Tambaú, em João Pessoa. 

Na realidade, como se imaginava, não houve sequestro. Isso acontece. A jovem tem apenas 26 anos de idade e parece que foi acometida por uma crise pessoal. Não é mais nenhuma adolescente, precisava tomar alguns cuidados, pedir permissão da família, mas compreende-se. Também se compreende a indignação do público aqui pelas redes sociais. Muita gente se mobilizou, fez orações e se sentem "lesados" pelo desfecho do caso. Aconselhamos prudência nos comentários, uma vez que a Polícia Civil já avisou que pretende indiciar quem exagerar na tinta. O fator preponderante que nos fez se interessar pelo caso - além da solidariedade, claro - é que se tratava, a princípio, de um caso de sequestro, uma modalidade de crime cujos índices caíram bastante no Estado, a despeito dos problemas do Pacto pela Vida.

P.S do Realpolitik: Sobre a postagem acima, ainda cumpre informar que, na realidade, a comunicação aos pais não poderia ser feita, uma vez, segundo versão da polícia - amplamente divulgada pela imprensa - a jovem tentava "fugir" de casa, acometida por uma crise pessoal. Segundo consta, teria encontrado documentos pessoais de uma outra pessoa e assumido tal identidade para não ser identificada. Trancou-se na pousada e desligou-se do mundo, daí não ter acompanhado a repercussão do caso. Por enquanto, é só.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Tijolinho Real: Pernambuco: Um Estado com as receitas contingenciadas.

 

Sem alarde, o ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Roberto Mangabeira Unger, esteve no Palácio do Campo das Princesas, numa conversa com o governador de Pernambuco, Paulo Câmara. No encontro, segundo versão de um jornal local, ele teria dito ao governador que, neste momento, contar com recursos federais seria uma miragem. Algo mais ou menos assim. O oráculo de Harvard tem lá suas razões. As coisas não estão boas para ninguém. As despesas estaduais estão contingenciadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Gastos acima do teto do que estipula a lei, algo em torno de 46,5% de comprometimento da receita - e o Governo Estadual já ultrapassou este limite - facultam à justiça adotar medidas duras para equilibrar os gastos da folha. 

Eu não gostaria de estar na pele do senhor Paulo Câmara. Ao tempo em que demonstra incapacidade de honrar com o pleito dos servidores públicos em estado de greve, também não tem a quem recorrer. Em outros momentos já nos pronunciamos sobre este assunto, correndo o risco de sermos repetitivos, mas não custa nada voltar a repetir que o senhor Paulo Câmara herdou uma herança maldita do seu antecessor.  Não sei como ele irá se virar no sentido de melhorar a arrecadação do Estado, num momento de desaceleração da economia, num momento que não poderá contar com recursos do Governo Federal. O abacaxi é grande e a faca não está amolada. 

Prudentemente, há quem informe que as greves seriam extremamente desgastantes num cenário como este. As ilegalidades serão decretadas facilmente pela Justiça. Por outro lado, não vejo como o senhor Paulo Câmara possa ter sossego daqui para frente. Se as receitas do Estado estão combalidas, ele sabia desse quadro cinzento, ele participava do Governo do seu antecessor, que o indicou para sucedê-lo. Infelizmente, no cenário mais otimista, teremos um longo e tenebroso inverno de 04 anos pela frente.