pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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domingo, 21 de agosto de 2016

As desconstruções de Jacques Fux

O trabalho de Jacques Fux mostra-se extremamente importante para o desenvolvimento dos estudos literários contemporâneos
fux
por Roniere Menezes
Jacques Fux é um jovem escritor e ensaísta de rara potência criativa. Suas obras inauguram um lugar diferencial no campo literário brasileiro. Fux é autor dos livros Antiterapias, de 2012, que venceu o Prêmio São Paulo de Literatura de 2013 e Brochadas, de 2015, que recebeu menção honrosa no Prêmio Cidade de Belo Horizonte, e lança, em agosto de 2016, oLiteratura e matemática: Jorge Luís Borges, Georges Perec e o OULIPO, pela Editora Perspectiva, fruto de premiada tese de doutorado defendida na Faculdade de Letras da UFMG em cotutela com a Universidade de Lille 3, na França.
O trabalho de Jacques Fux mostra-se extremamente importante para o desenvolvimento dos estudos literários contemporâneos, inclusive se pensarmos na noção de literatura como campo expandido, não circunscrito apenas à imanência estético-discursiva. Os textos de Fux apontam para uma grande intimidade com cânone literário nacional e internacional, com pesquisas filosóficas, matemáticas e históricas. Em suas narrativas, de forte caráter ensaístico, o autor transita entre memórias, discussões literárias, culturais e políticas – sem se esquecer dos dramas cotidianos do homem comum. Os textos vêm sempre acompanhados de jogos, chistes e tons humorísticos. As múltiplas perspectivas adotadas relacionam-se aos vários gêneros empregados; entre esses, cabe ressaltar o emprego de cartas e e-mails na construção ficcional de Brochadas.
A noção de transdisciplinaridade – além do comparativismo literário –  ecoa em todo o percurso do autor. Um forte dado a ressaltar é a importância dada por Jacques Fux, em seu livro Literatura e matemática, ao lugar da fabulação, da imaginação, em qualquer trabalho acadêmico ou produção humana. Em A partilha do sensível, o filósofo Jacques Rancière dialoga com essa questão levantada pelo escritor-ensaísta. Segundo Rancière, “O real precisa ser ficcionado para ser pensado”. (RANCIÉRE, 2009, p. 58) e continua: “A política e a arte, tanto quanto os saberes, constroem “ficções”, isto é, rearranjos materiais dos signos e das imagens (…).” (RANCIÉRE, 2009, p. 59).
Chamam-nos a atenção a clareza e a precisão matemáticas na escrita de Fux, o cuidado com a elaboração de frases curtas, onde estampam palavras bem escolhidas. O narrador convida o leitor a experimentar jogos, aproximações inusitadas entre campos de saberes distintos;apresenta reflexões sobre conflitos existentes nas relações humanas;aborda diálogos entre matemática e literatura, mas sempre com leveza – característica cara a Ítalo Calvino, como sabemos. Os textos lidam extremamente bem com o humor, a ironia e a auto-ironia, desconstroem paradigmas e recalques relativos à sexualidade e trazem novas visões sobre a questão judaica na contemporaneidade.
Em seus livros de ficção Antiterapias Brochadas, Fux traz para o campo literário algumas das discussões e propostas artísticas presentes no seu inaugural Literatura e matemática:Jorge Luís Borges, Georges Perec e o OULIPO, como a questão do jogo, do método de trabalho criativo, das limitações da escrita que contribuem para estimular a criação, da formulação de listas etc.
A lógica matemática, o pensamento libertário e a desconstrução de paradigmas associam-se, em Jacques Fux, à busca de uma comunicação franca com o público leitor. O autor produz textos densos, complexos, dotados de citações eruditas, mas ao mesmo tempo preocupa-se com o entendimento e a fruição da recepção. Como ávido leitor e bom conhecedor das tramas do discurso literário, Fux almeja, em sua escrita,estabelecer interessantes pactos narrativos com a recepção; muitas vezes o narrador trata o leitor como um velho conhecido. Essa estratégia rompe com alguns distanciamentos mais convencionais existentes entre autor e leitor. Em Fux, o que parece brincadeira, abre novas clareiras para nossas percepções de mundo; o que parece sério,revela-se marcado pelo caráter lúdico da linguagem. Nesse diálogo, o leitor não quer deixar o livro que começou a ler e segue sua rota de aprendizagens e surpresas, conduzido pelas experientes mãos do narrador, o que não impede a construção de trajetos singulares de interpretação.
A autoficção, a memória e a relação desta com a ficção aparecem na produção literária de Fux paralelamente a questionamentos metalinguísticos. Nesse sentido, vale ressaltar a tranquilidade que o narrador demonstra ao retirar aspas em diversas citações clássicas da literatura, “esquecendo-se” do nome do antigo autor. Fazendo assim, o narrador aproxima, mais uma vez, sua escrita de uma conversa amigável com o leitor, lembrando diálogos em que são citadas frases ou versos de importantes autores. Além disso, essa estratégia ficcional de Fux explicita aquilo que é comum a toda obra literária: a relação com outras obras, a eleição de textos e autores que seguirão como imprescindíveis parceiros de caminhada. Como sabemos, Jorge Luís Borges assinalou, em “Pierre Menard, autor de Quixote”: “Pensar, analisar, inventar” passam pelo critério de “entesourar antigos e alheios pensamentos” (BORGES, 1986, p, 38). Não há aí nada de anormal ou condenável, pois a inteligência respira normalmente dessa forma.Mário de Andrade também defendia a criação literária (e musical) como jogo, como paródia e paráfrase de outras obras. A rapsódia Macunaíma é um exemplo dessa proposta.
A ampla rede intertextual construída por Jacques Fux desvela um jovem autor totalmente imerso na cultura letrada, dotado de amplas e sofisticadas referências. A obra de Fux ajuda combater o receio que diversos leitores iniciantes têm da filosofia, da matemática, da história – e da própria literatura. Os livros ampliam nossas percepções a respeito dos campos disciplinares ao propor novas possibilidades de interação entre áreas diversas. Em seus textos, as tramas sensíveis e bem articuladas possibilitam-nos enxergar as fronteiras como instâncias de porosidade, de trocas, e não como lugar de impedimento ao livre trânsito de experiências e saberes.
A produção literária de Jacques Fux apresenta, em suas nuanças, uma ideia que tem sido resgatada na contemporaneidade: a noção de comum. Seus textos literários e ensaísticos – distantes de facilidades empobrecedoras – contribuem para que diversas produções da arte, da literatura e da ciência sejam mais bem partilhadas e se tornem um direito comunitário. Para isso, entram em cena a imaginação, o humor, o apuro técnico e a linguagem desconstrutora de convenções morais, sociais e disciplinares. A literatura expandida realizada por esse inquieto escritor, além de sua força linguístico-expressiva, termina por propor a construção de novos espaços éticos e estéticos no corpo social.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

sábado, 20 de agosto de 2016

Charge!Renato Aroeira via Facebook

Quem é o doutrinador?


Acusação a Paulo Freire erra o alvo: sua pedagogia prima pela autonomia do educando na construção dos saberes

Paulo Cavalcante e Yllan de Mattos
1/9/2015  
  • Agência Brasil / Foto José Cruz
    Agência Brasil / Foto José Cruz
    “Chega de doutrinação marxista. Basta de Paulo Freire”. Espanto geral. O que o nome do educador Paulo Freire estaria fazendo em uma manifestação contra a presidente Dilma Rousseff e o PT? 
     
    Era março de 2015, e os protestos se davam no rastro da crise econômica, da desarticulação política das bases de sustentação do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff e da corrosão de sua credibilidade. Mas a caixa de Pandora da vida política nacional havia sido destampada dois anos antes, nas manifestações de 2013, que liberaram das conhecidas amarras cordiais os males do autoritarismo, do ódio, da intolerância, do preconceito e do desapreço à democracia.
     
    Haveria na obra de Paulo Freire alguma mensagem capaz de autorizar tamanha indignação e reprovação?
     
    “Doutrinador” é aquele que prega, instrui, incute em alguém uma crença, um ponto de vista ou um princípio sectário, ou seja, realiza uma transferência de conteúdos, de si para o objeto de sua doutrinação. Nada está mais distante do pensamento pedagógico de Paulo Freire do que isto. Ele repele com contundência qualquer procedimento doutrinador: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”, escreveu em Pedagogia da autonomia.
     
    Suas recomendações sobre os saberes necessários à prática educativa são claras. Desde logo, e sempre, a prática: “A educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implica na negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também na negação do mundo como uma realidade ausente de homens”, ensinou em Pedagogia do oprimido. O homem em suas relações com o mundo. Este é o pressuposto de toda compreensão e de toda ação educativa capaz de promover a autonomia e a libertação das pessoas. Não é que o mundo seja necessariamente uma prisão. Ele até pode ser, e muitas vezes é. O que importa aqui é pôr o homem em seu contexto, rompendo o aparente curso natural das coisas e identificando o conjunto de suas relações. Colocadas em perspectiva, elas se reconfiguram e geram conhecimento histórico sobre si e sobre o mundo, para si e para o mundo.
     
    Promover a tomada de consciência e a transformação do indivíduo em sujeito qualificado de sua própria história: eis a prática (práxis) educativa de Paulo Freire. Ele assim o diz, sobre si mesmo, em Educação como prática da liberdade: “Todo o empenho do Autor se fixou na busca desse homem-sujeito que, necessariamente, implicaria em uma sociedade também sujeito. Sempre lhe pareceu, dentro das condições históricas de sua sociedade, inadiável e indispensável uma ampla conscientização das massas brasileiras, através de uma educação que as colocasse numa postura de autorreflexão e de reflexão sobre o seu tempo e espaço. (...) Autorreflexão que as levará ao aprofundamento consequente de sua tomada de consciência e de que resultará sua inserção na História, não mais como espectadoras, mas como figurantes e autoras”.
     
    Onde encontrar o ímpeto doutrinador em alguém que, em vez de pregar e impor, pergunta e escuta para compreender? Quando Paulo Freire retornou ao Brasil, em agosto de 1979, uma avalanche de repórteres cercou-o para saber sua opinião sobre a situação do país na época. Ele respondeu: “Vim  para reaprender o Brasil e, enquanto estiver no processo de reaprendizagem, de reconhecimento do Brasil, não tenho muito a dizer. Tenho mais o que perguntar”. Sua atitude, antes de ser dogmática e taxativa, demonstra uma abertura irrestrita para o mundo, como aprendiz. 
     
    A chave para compreendermos a acusação de “doutrinador marxista” contra Paulo Freire não está em sua obra. Encontra-se na mentalidade daqueles que produziram a mensagem, em sua compreensão estreita do que é educação e do que é ensinar. Essas pessoas acreditam piamente no mito da neutralidade da ação docente, segundo o qual o professor não tem cara, não tem lado, não toma partido, não pensa nem intervém de modo transformador na realidade social. Para elas, o professor deve estar unicamente comprometido com a sagrada missão de transmitir conteúdos anonimamente escolhidos, aparentemente desinteressados e oficialmente listados. Conteúdos supostamente eficazes, pragmáticos e destinados a aplacar a sanha competitiva por boas posições escolares e universitárias que tenham o condão de assegurar condições ideais de disputa nas escassas oportunidades de uma sociedade excludente. Na verdade, o acusador grita contra o espelho. É ele, e não Paulo Freire, quem prega a doutrinação. Qual? Diríamos, sem medo de errar: a “doutrinação bancária”, aquela que transfere “ao outro, tomado como paciente de seu pensar, a inteligibilidade das coisas, dos fatos, dos conceitos”.
     
    O caminho da autonomia e da liberdade aberto por Freire não foi concebido para o educando como doação de uma inteligência superior que se compraz na realização daquilo que considera ser o bem, ou seja, como alguém (sujeito) que sabe o que é melhor para o outro (objeto). A grandeza do pensamento de Freire está na redução da distância em relação ao educando, na disponibilidade para escutá-lo em suas diferenças, na abertura de dialógica para a transformação recíproca: são dois sujeitos em troca aberta, franca e transformadora. Enfim, o caminho é partilhado com o educando: “Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. (...) A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser”.
     
    A mentalidade conservadora dos acusadores rechaça a dimensão política da pedagogia concebida e posta em prática por Paulo Freire. “Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica”, esclarece o educador. É por conta disso, provavelmente, que a mensagem no protesto decide ir além de uma doutrinação qualquer, e a qualifica: Freire estaria ligado a uma “doutrinação marxista”. Talvez sem saber, o acusador reedita uma crítica conservadora muito antiga contra Paulo Freire, baseada no fato de que seu trabalho é tão pedagógico como político. Mas é isso mesmo. Como afirmou Moacir Gadotti, o educador é político enquanto educador e o político é educador pelo próprio fato de ser político. Freire complementa: “seria uma ingenuidade reduzir todo o político ao pedagógico, assim como seria ingênuo fazer o contrário. (...) quando se descobre uma certa e possível especificidade do político, percebe-se também que essa especificidade não foi suficiente para proibir a presença do pedagógico nela. Quando se descobre por sua vez a especificidade do pedagógico, nota-se que não lhe é possível proibir a entrada do político”.
     
    Quanto à alcunha de “marxista”, pretensamente desqualificadora, é preciso dizer que Paulo Freire jamais deixou de destacar o papel emancipatório atribuído por Karl Marx à ciência e à pesquisa. Além disso, juntamente com outros intelectuais marxistas, como Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho, o educador não só foi crítico de posições dogmáticas e mecanicistas, como reconheceu o valor universal da democracia e lutou intensamente para o seu desenvolvimento no Brasil. Sobre os confrontos em torno do seu legado, o próprio Marx certa vez disse: “O diabo os leve! O que sei é que eu não sou marxista”.
     
    A pedagogia de Paulo Freire é radical, isto é, vem da e vai à raiz das coisas. Privilegia a cultura, os saberes e os valores dos educandos como ponto de partida e chegada de uma educação como prática da liberdade e da transformação. Quando lecionou a primeira aula em Angicos, no interior do Rio Grande do Norte, em 1963, Freire falou sobre o universo que cercava os estudantes: a leitura do mundo precede a leitura da palavra. No quadro negro, não escreveu “Ivo viu a uva”. Escreveu coisas oriundas daquele cotidiano popular, como “tijolo”. De imediato, o educando reconheceu-se naquela palavra e naquele contexto. Nada mais lhe era alheio: ele havia se tornado sujeito da aula. 
     
    Esse encontro cultural acolheu e inseriu o educando, abrindo o caminho para a sua transformação. Por isso mesmo, é um ato político em seu sentido histórico: a discussão da polis em que vivemos e na qual queremos viver. Este talvez seja um dos pontos centrais da famosa citação do educador, replicada nas redes sociais como resposta dada pela Unesco ao cartaz levantado contra Paulo Freire: “Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”.
     
    Paulo Cavalcante é professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e do Mestrado Profissional em Ensino de História em Rede Nacional – ProfHistória.
    Yllan de Mattos é professor da Universidade Estadual Paulista e autor de A Inquisição Contestada (Mauad-X/Faperj, 2014).
     
    Saiba Mais
     
    GADOTTI, Moacir; FREIRE, Paulo & GUIMARÃES, Sérgio. Pedagogia: diálogo e conflito. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2006. 
    FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 20. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
    FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 24. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
    FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 44. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.
(Publicado originalmente no site da Revista de História da Biblioteca Nacional)

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Syriza e as armadilhas do poder


Humilhado pelas autoridades europeias, mas determinado a não deixar o euro, o primeiro-ministro Alexis Tsipras – que renunciou em 20 de agosto – justificou a escolha dizendo seguir a vontade do povo. Ele alegou ausência de quadros para construir uma alternativa; porém o Syriza não soube mobilizar sua base
por Baptiste Dericquebourg


Atenas, 30 de julho de 2015. Sob um calor esmagador, em uma cidade meio desertada por seus habitantes, o comitê central do Syriza teve uma das reuniões mais importantes da sua história. O partido, que obteve 36,34% dos votos e 149 deputados nas eleições legislativas de janeiro, formou o primeiro governo grego determinado a acabar com a austeridade e com a tutela da Troika – Comissão Europeia, FMI e Banco Central Europeu (BCE). Em 13 de julho, contudo, o primeiro-ministro Alexis Tsipras aceitou assinar um terceiro memorando que, em troca de 86 bilhões de euros em empréstimos suplementares para os três próximos anos, que vão permitir uma recapitalização dos bancos do país, exauridos, impõe novas medidas de austeridade e um vasto plano de privatizações.
Ao mesmo tempo deixando claras as reservas que esse novo arranjo inspira, Tsipras e sua comitiva defenderam certos aspectos dele. O ministro da Economia, Giorgos Stathakis, declarou, por exemplo: “Ainda que diversas medidas contidas nesse acordo tenham um efeito recessivo, em nenhum caso podemos compará-lo aos dois primeiros memorandos, que incluíam um ajuste orçamentário de 15% do PIB no período de quatro anos e reduções das aposentadorias e dos salários compreendidas entre 30% e 40%”.1 No entanto, em 15 de julho, na votação de urgência das “medidas preliminares” exigidas pelas instituições antes de qualquer desembolso de uma parte dos 86 bilhões de euros de empréstimo prometidos, 32 dos 149 deputados do Syriza se opuseram a um plano que julgavam contrário ao programa de seu partido; seis se abstiveram e um não participou da votação. O texto só pôde ser aprovado com o apoio de uma parte da oposição. Desde então, o Syriza está à beira da implosão. As duas tendências, uma favorável à assinatura do plano, e a outra, principalmente no seio da Plataforma de Esquerda (PE),2 que a recusa, se acusam pela responsabilidade da ruptura.

AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIAS ADMINISTRATIVAS
Na reunião de 30 de julho, Tsipras pediu àqueles que o criticavam que propusessem uma solução alternativa para o acordo que tinha acabado de fechar. Segundo ele, uma saída do euro equivaleria a uma catástrofe, sem necessariamente permitir à Grécia uma mudança política: “Não há solução fora do euro; aplica-se também uma austeridade severa nos países que estão fora da zona do euro”.3 De maneira ainda mais urgente, o vice-primeiro-ministro Yannis Dragasakis estima que, em caso de crise aberta com seus “parceiros” europeus, o partido seria incapaz de prover as necessidades do país em termos de bens de primeira necessidade, em particular petróleo e medicamentos. Panos Kosmas, da PE, replica: “Quem, senão o primeiro-ministro, tinha o dever de dispor de tal solução alternativa? Por que ela não foi elaborada?”. Seria essa toda a diferença entre uma saída do euro completamente sofrida e um “Grexit” em parte controlado, sobre o qual havia refletido, entre outros, o economista e deputado do Syriza, Costas Lapavitsas?4
Para explicar certos obstáculos contra os quais se chocou o governo de esquerda, essa questão da preparação retorna com frequência às discussões com os altos dirigentes do partido e os membros do governo. Depois de seu congresso fundador em julho de 2013, a coalizão de esquerda Syriza se tornou um partido unificado, contando de 30 mil a 35 mil membros,5 que em seguida se organizou em três níveis: local, profissional e temático. Os comitês locais reúnem a base do partido. Cerca de um terço dos inscritos comparece às reuniões mensais para discutir a linha política, prever e organizar ações de solidariedade com os grevistas. O partido também se dotou de organizações que reagrupam seus membros por profissão, o que lhe permitiu se engajar de forma mais eficaz nas lutas setoriais. A elaboração de um programa de governo, enfim, foi confiada a comissões temáticas que recrutavam por cooptação. Não era necessário ser membro do partido para participar. “Depois do movimento dos ‘indignados’, aderi a uma associação pela reforma da Constituição. Foi por isso que me propuseram entrar na comissão sobre esse tema, e eu fiz a minha carteirinha. Assim renovei minha relação com a política, depois de trinta anos de desinteresse”, explica Vassilis Sidias, professor de Religião em Atenas.
Uma constatação retorna com frequência: o partido careceu de competências técnicas que poderiam ter lhe permitido passar dos eixos gerais do seu programa para medidas concretas. Apesar das novas adesões que se seguiram ao sucesso eleitoral de 2012, a chefia do Syriza permanece a mesma desde 2009. Com as conquistas obtidas nos últimos anos, centenas desses dirigentes acumularam novas tarefas, e por vezes era difícil constituir equipes: 76 deputados foram eleitos em junho de 2012, seis parlamentares europeus em maio de 2014, assim como, no mesmo mês, 927 conselheiros municipais e 144 eleitos regionais, depois, enfim, em janeiro passado, 149 deputados... Em seu gabinete do Parlamento, Dimitris Triandafyllou, psicólogo, nos confia: “Voltei da Inglaterra para me tornar adido parlamentar em janeiro. Precisei aprender tudo na hora”. A deputada para quem ele trabalha, Chrisoula Katsavria, deu seus primeiros passos no Parlamento em janeiro.
Também foi preciso formar as equipes governamentais. Claro, como nos lembra Stathis Kouvelakis, membro da PE, “o partido está cheio de jovens que fizeram uma tese, inclusive sobre Economia ou Econometria”. Mas, acrescenta um alto funcionário do Ministério da Economia, que prefere permanecer anônimo: “Uma coisa é ter ideias gerais e conhecimentos; outra coisa é dispor de competências técnicas em nível estatal. É preciso saber fazer funcionar uma equipe, identificar os cargos-chave para os quais devemos nomear pessoas de confiança, saber em que escritório podemos deixar as coisas, que obstáculos jurídicos vão aparecer etc., para conseguir fazer o que queremos. E a experiência adquirida nas administrações locais não ajuda em nada no nível nacional”. Em suma, o partido conta com poucos funcionários administrativos operacionais.
Resultado: constatamos em todos os lugares um enorme atraso nas designações, na tomada de decisões e em suas execuções. Exemplo claro: o da lei sobre as grandes mídias de informação. Depois de anos de não intervenção, ao longo dos quais a oligarquia grega se apropriou da totalidade dos grandes canais de televisão, de rádio e da maior parte da imprensa escrita,6 o ministro Nikos Pappas prometeu impor a adoção de uma lei regulamentando a atribuição de frequências. Em preparação desde março, o projeto só foi apresentado ao Parlamento duas semanas após o referendo que tinha permitido a essas mídias uma nova oportunidade de organizar uma campanha feroz contra o governo.
Esses atrasos também deixaram no lugar o antigo pessoal, com suas práticas antigas. Na polícia, as redes de extrema direita, que não foram desmanteladas, deixam no ar um perigo permanente.7 Na saúde, Panayiotis Vevetis, psicólogo e militante do Syriza na Tessalônica, dá um testemunho da mesma imobilidade: “Esperamos em vão que os administradores dos hospitais sejam substituídos”. Estes últimos tinham a reputação de ser frequentemente corrompidos e de ter acompanhado o desmoronamento do sistema de saúde grego.
Consciente desses problemas, a direção explicou suas escolhas. Segundo ela, os critérios meritocráticos agora devem prevalecer, ainda que os recrutamentos fossem até o momento determinados principalmente pelo pertencimento à família política da maioria no poder. Isso permitiria acabar com as práticas do Partido Socialista e da direita.8 “Esses partidos se isolaram da sociedade e serviam ao funcionamento de uma rede de relações clientelistas”, lembra Tasos Koronakis, secretário-geral do Syriza.9 A mudança dos critérios de recrutamento se integrava bem no ambiente que a equipe dirigente gostaria de estabelecer para as relações entre partido e governo, pois permitia prevenir as agitações que uma mudança muito ampla de substituição do pessoal teria provocado. “Eles queriam evitar dar a impressão de se vingar dos partidos precedentemente no poder”, explica o jornalista Nikos Sverkos. Tsipras e sua comitiva (principalmente Pappas, Dragasakis e Alekos Flabouraris, ministro de Estado para a Coordenação Governamental) estavam, de fato, convencidos de que poderiam chegar a um melhor compromisso com as instituições europeias criando uma relação de confiança com elas e utilizando as divergências entre as instituições e os Estados: o FMI contra a Comissão Europeia, os Estados Unidos contra a Alemanha etc. Para isso, mais valia evitar um aumento das tensões na Grécia e uma agitação na base do partido.
Por vezes, essa moderação teve consequências surpreendentes. Assim, o diretor do Banco da Grécia, Yannis Stournaras, ex-ministro das Finanças do governo de Antonis Samaras, não foi substituído. Mesmo o jornal econômico francês Les Échos se espantou com a brandura de Tsipras para com um homem casado “com uma biologista ligada à opulenta indústria farmacêutica” e que “presidiu no início dos anos 2000 aos destinos do banco Emporiki, cujo fracasso custou mais de 10 bilhões de euros ao banco Crédit Agricole”. Além disso, “como conselheiro do Tesouro grego, [Stournaras] teve um papel importante no processo de adesão da Grécia ao euro, endossando a maquiagem dos números que impediram a Europa de tomar consciência a tempo do estado real de sua economia”.10 Desde a chegada ao poder do Syriza, o diretor do Banco Central não parou de criticar sua estratégia de negociação, em particular ao longo da semana que precedeu o referendo.

O PODER SE DISTANCIA DE SUA BASE
Nesse caso, no entanto, candidatos à substituição não faltavam: a organização do partido para o funcionalismo do setor bancário conta “com mais de quinhentos membros, entre os quais diretores e gerentes de estabelecimentos bancários, com uma experiência técnica”, indica um dos membros protegido pelo anonimato. “Tínhamos elaborado um plano de nacionalização dos bancos e um para os empréstimos não reembolsáveis. Depois das eleições esperávamos medidas, ainda por cima porque os capitais já tinham começado a fugir. Mas nada foi feito, e Dragasakis não convocou nenhum de nós.” Segundo Tsipras, foram a asfixia financeira provocada pelo BCE e a iminência de um desmoronamento do sistema bancário que levaram à assinatura do acordo de 13 de julho.
Desde janeiro, os moradores do bairro popular da Vila Olímpica não viram nenhum representante do partido vir lhes informar ou solicitar algo. Alguns reconhecem que a formação de um governo do Syriza lhes deu “uma alegria imensa”, mas estimam que seus integrantes permanecerão tão longe do povo quanto no passado e não compreendem a assinatura do último acordo. Contrariamente às expectativas da PE, no entanto, eles não se mobilizaram para se opor a isso. Os cartazes pelo “não” no referendo, ainda visíveis nas paredes, dão testemunho de um interesse muito variável segundo os bairros de Atenas. “Foram principalmente os comitês onde nós [a PE] éramos majoritários que fizeram a campanha”, garante Kouvelakis.
De acordo com essa tendência, a equipe de Tsipras se autonomizou muito cedo do partido e recusou-se a preparar a população para uma eventual saída do euro. Devemos nos espantar? “Como afirma o slogan ‘Nenhum sacrifício pelo euro’, a prioridade absoluta para o Syriza é acabar com a catástrofe humanitária e satisfazer as necessidades da sociedade”, podemos ler nas declarações do congresso fundador do partido. Contudo, diversas vezes, antes mesmo das eleições de janeiro, Tsipras e Dragasakis preveniram que nunca tirariam a Grécia da zona do euro. Segundo os opositores do acordo de 13 de julho, a ideia de que “a sociedade grega não está pronta” seria apenas um pretexto: uma opção só existe realmente quando é apresentada, argumentavam. De qualquer forma, ainda hoje, as pesquisas garantem que 80% dos gregos continuam a favor da moeda única, essencialmente porque temem um desmoronamento do sistema bancário. Dragasakis admitiu: Berlim estava mais bem preparada que Atenas para um “Grexit”.11
Durante uma reunião organizada em 27 de julho passado pelo site da PE, Iskra.gr, a respeito do slogan “O ‘não’ não foi derrotado”, a proposta de um retorno à moeda nacional formulada por Panagiotis Lafazanis, ministro da Reestruturação da Produção, da Energia e do Meio Ambiente no primeiro governo Tsipras, foi acolhida por uma salva de palmas. No entanto, Tsipras repetia que o “não” de 5 de julho não significava um “sim” à dracma.12 Agora, esse debate atravessa o conjunto da sociedade. Será sem dúvida uma das questões centrais do congresso excepcional que acontecerá até o final de 2015: que armas a esquerda grega está pronta a se dar para resistir à chantagem das instituições europeias?

Baptiste Dericquebourg
Professor de Letras Clássicas em Atenas


1             Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, Hégémonie et stratégie socialiste. Vers une politique démocratique radicale [Hegemonia e estratégia socialista. Rumo a uma política democrática radical], Les Solitaires Intempestifs, Paris, 2009. Salvo indicação contrária, todas as citações foram extraídas dessa obra.
2             Iñigo Errejón e Chantal Mouffe, Construir pueblo. Hegemonía y radicalización de la democracia [Construir povo. Hegemonia e radicalização da democracia], Icaria Editorial, Barcelona, 2015.
3             Ernesto Laclau, La Raison populiste [A razão populista], Seuil, Paris, 2005.
4             Ler Razmig Keucheyan, “Gramsci, une pensée devenue monde” [Gramsci, um pensamento que se tornou mundo], Le Monde diplomatique, jul. 2012.
5             Construir pueblo, op.cit.
6             Juan Domingo Perón foi presidente da Argentina de junho de 1946 a setembro de 1955 e depois de outubro de 1973 a julho de 1974.
7             Construir pueblo, op.cit.
8             Ler Pablo Iglesias, “Podemos, ‘notre stratégie’” [Podemos, nossa estratégia], Le Monde diplomatique, jul. 2015.
9             Andrew Gamble, “Class politics and radical democracy” [Políticas de classe e democracia radical], New Left Review, Londres, jul.-ago. 1987.
10           Ler Yanis Varoufakis, “Leur seul objectif était de nous humilier” [O único objetivo deles era nos humilhar], Le Monde diplomatique, ago. 2015.
03 de Setembro de 2015
Palavras chave: GréciaSyrizaTroikaPodemosUnião EuropeiaEspanhaFrançaeconomiaYanis,VaroufakistroikaeuroAlemanhaFMI

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Charge! Benett via blog

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Le Monde: Industria da doença, lucro vertiginoso

SAÚDE

O setor privado financia a grande mídia, que aceita o jogo imoral por ele praticado. Ao assistirmos aos principais telejornais, observamos o ataque orquestrado ao sistema público de saúde, dando ênfase apenas às falhas, tratadas como corriqueiras. Já os problemas do setor privado não são exibidos
por Leandro Farias


Passados trinta anos de um marco na história do Brasil, a 8ª Conferência Nacional de Saúde, ainda estamos diante de paradigmas que contribuem para a visão mercantil do setor. Durante a Conferência, foi discutido a fundo o modelo de saúde presente na época e, em relatório final produzido por políticos, gestores, profissionais e usuários do sistema, apontou-se a necessidade de mudanças neste. Tal relatório contribuiu para que, durante a Constituinte, fosse debatido capítulo referente ao direito à saúde, presente em nossa Constituição Federal de 1988. Assim nasceu o Sistema Único de Saúde (SUS). Posteriormente, surgiram as leis n. 8.080 e n. 8.142, que tratam da regulamentação, financiamento e participação social no SUS.
Persiste, porém, o desafio da quebra do modelo médico hegemônico, hospitalocêntrico ou complexo médico-industrial, que traz uma visão avessa ao modelo preventivista elaborado durante o processo histórico que antecedeu a criação do SUS, a chamada Reforma Sanitária. O primeiro modelo alimenta a visão mercantil da saúde e segue as leis do mercado, reforçando a indústria da doença formada por laboratórios, empresas, planos de saúde, entre outros. Essa indústria promove a prática de assédio aos profissionais da saúde desde sua entrada nas universidades, com o custeio de viagens, cursos, congressos e até porcentagem na venda de seus produtos. Sem falar na má remuneração destinada aos seus profissionais, que assim optam pela quantidade em detrimento da qualidade nos serviços disponibilizados.
Por deter recursos e poder, o setor privado financia a grande mídia, que aceita o jogo imoral por ele praticado. Ao assistirmos aos principais telejornais, observamos o ataque orquestrado ao sistema público de saúde, dando ênfase apenas às falhas, tratadas como corriqueiras. Já os problemas do setor privado não são exibidos. Não obstante, visualizamos figuras públicas em propagandas que nitidamente visam ludibriar a população. Assim, o imaginário de saúde como bem de consumo adentra a sociedade, sobrepondo-se à ideia de saúde como um direito fundamental.
Atualmente, estamos diante de surtos de diversas doenças como dengue, zika, chikungunya, influenza A (H1N1), microcefalia, síndrome de Guillain-Barré. E temos observado a alta procura por vacinas e medicamentos. Isso é reflexo de diversas políticas de governos que se sucederam à formação do SUS, que por sua vez parecem encarar a saúde como “ausência de doença”, o que na prática se torna um “prato cheio” para os que veem no setor uma oportunidade de faturamento monetário. Tal visão política vai na contramão do conceito ampliado de saúde, elaborado durante a 8ª Conferência, que traz uma relação direta entre saúde e determinantes sociais, tais como condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos serviços de saúde.
Um retrato dessa realidade é a questão do saneamento básico no país, traduzida em esgoto a céu aberto, lixo nas ruas e armazenamento incorreto da água. Segundo levantamento feito em 2015 pelo Instituto Trata Brasil, apenas 48% dos domicílios brasileiros têm coleta de esgoto. Segundo o Ministério da Saúde (MS/Datasus), em 2013 foram notificadas mais de 340 mil internações por infecções gastrointestinais no país. E o custo de uma internação por essa patologia no SUS foi de cerca de R$ 355,71 por paciente na média nacional. Estudos apontam a existência de uma ligação direta entre a falta de saneamento básico e o aparecimento de doenças. O último Levantamento Rápido de Índices para Aedes aegypti (LIRAa), divulgado pelo MS em novembro de 2015, nos trouxe a seguinte questão: no Nordeste, 76,5% dos focos do mosquito estão em armazenamento de água para consumo – por exemplo, caixa-d’água. A região concentra a maioria dos municípios com índices de risco de epidemia de dengue.
Doenças como chikungunya, microcefalia e síndrome de Guillain-Barré, que são provocadas pelo Aedes aegypti, demandam recursos e mão de obra especializada, uma vez que os respectivos tratamentos são de médio e longo prazo. Tais patologias, que culminam em maior demanda por serviços e medicamentos, poderiam ser evitadas com ações de prevenção e promoção da saúde. Falta foco nas condições socioambientais da população, sem falar que o sistema público de saúde sofre de um subfinanciamento crônico. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), cada R$ 1 investido em saneamento gera uma economia de R$ 4 em saúde. Lembrando que saneamento básico é um direito presente em nossa Carta Magna.
Ao analisarmos os números da economia, observamos que o setor privado da saúde ignora a crise econômica que aflige o país, não se deixando abater pela recessão. Ao contrário, o lucro do setor aumentou mesmo diante da elevação das taxas de juros e da diminuição da renda dos consumidores. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o único setor que não sofreu queda nas vendas em 2015 foi o de artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos, que cresceu 3%. Os números da administradora de planos de saúde Qualicorp são claros: a empresa obteve lucro de R$ 61,4 milhões só no último trimestre de 2015, apresentando um avanço de 224% em relação ao mesmo período de 2014.
Sabemos que saúde se faz por meio de recursos. Porém, uma sociedade acometida por diversas patologias promove um efeito expressivo na economia, pois, além de exigir maior aplicação de recursos no orçamento da saúde, uma vez que o acesso aos seus serviços é algo oneroso, uma quantidade significativa de trabalhadores deixará de produzir por conta de sua doença. Ao pensarmos que diversos agravos podem ser evitados, caso sejam respeitados os direitos e as garantias fundamentais presentes em nossa Constituição, e que a existência de relações promíscuas envolvendo membros do Executivo, Legislativo, Judiciário e empresários impede o avanço de nossa sociedade por conta de interesses minoritários, é válido fazermos a seguinte reflexão: quem lucra com a crise no sistema de saúde?

Leandro Farias
Farmacêutico Sanitarista da Fiocruz e coordenador do Movimento Chega de Descaso.


Ilustração: Aroeira

domingo, 14 de agosto de 2016

Charge!Benett

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Plano de Saúde Acessível ou desmonte do SUS?


A proposta do ministro da saúde interino é inconstitucional, pois não respeita o nosso direito de saúde universal com igualdade para todos.


Projeto Direitos Sociais e Saúde: Fortalecendo a cidadania e a incidência política
O projeto Direitos Sociais e Saúde: Fortalecendo a Cidadania e a Incidência Política vem a público repudiar totalmente a portaria 1.482/2016, assinada pelo ministro interino Ricardo Barros, que institui um grupo de estudo para criação do Plano de Saúde Acessível. É importante lembrar que a Saúde, como estabelece nossa Constituição Federal, é dever do Estado e Direito de todos e todas, não cabendo a nenhuma iniciativa privada sua financeirização. Saúde não é mercadoria.
 
A portaria é uma afronta a redes, entidades e movimentos que, há décadas, atuam em defesa da saúde pública – sobretudo na atual conjuntura política na qual nos encontramos. Através de uma ação arbitrária e autoritária, a decisão de criar um grupo de estudo com este fim sequer passou pelo Conselho Nacional da Saúde (CNS). O que é mais grave: deslegitima e desconsidera os espaços de controle social da saúde em nosso país.
 
A proposta colocada por Barros é ilegítima e inconstitucional, pois não respeita o artigo 196 da CF que, de forma, muito clara afirma que saúde é direito, com garantia universal e igualdade para todas as pessoas que vivem no Brasil. Esta portaria só comprova a intenção de desmonte do Sistema Único de Saúde, onde os mais atingidos serão – como sempre – os mais pobres e excluídos e que dependem exclusivamente do sistema de saúde pública.
 
Nossa história e militância nos mostram que planos de saúde privados não são a solução para resolver a questão da saúde no Brasil. O Plano de Saúde Acessível só comprova a política privatista e a financeirização sobre direitos básicos que o governo interino insiste em nos impor. Não vamos nos render a isso e vamos nos somar a iniciativas jurídicas que revoguem esta portaria. É importante lembrar que o nosso sistema de saúde já é financiado por todos através do pagamento.





 
Portanto, saímos – e sempre sairemos – em defesa do Sistema Único de Saúde e contra qualquer forma de desmonte da Seguridade Social. Nós, brasileiros e brasileiras, já temos nosso modelo e sistema de saúde pública, que é exemplo para todo o mundo. Não estamos falando de uma parcela insignificante da população do país. Somos mais de 70% de usuários e usuárias do SUS. É do lado dessas pessoas que estamos. Não abriremos mão deste direito.

(Publicado originalmente no portal Carta Maior)

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Raízes do Brasil, 80 anos

Edição crítica do clássico de Sérgio Buarque de Holanda é lançada pela Companhia das Letras
 (Publicado originalmente no site da revista Cult)
Tarsila do Amaral, "Abaporu", 1928
Tarsila do Amaral, Abaporu, 1928
por Eric Campi
Para além do famoso conceito de “homem cordial”, Raízes do Brasil se popularizou pelas denúncias do preconceito racial, valorização do elemento de cor, críticas ao patriarcado e principalmente, na década de 1930, pela análise cética do discurso liberal aliada à defesa do Estado forte. Na segunda edição, que data do pós-guerra, porém, expressões e passagens foram modificadas para afastar qualquer má-interpretação de uma ode ao estado totalitário, acenando mais claramente às ideias democráticas.
Na sequência, vieram mais três edições com ligeiras mudanças de vocábulos e novos prefácios e notas. A terceira edição, por exemplo, explicitava a discussão entre Sérgio Buarque de Holanda e Cassiano Ricardo sobre a cordialidade: o poeta a defendia  como “técnica da bondade”, enquanto o historiador esclarecia que ser avesso aos rituais sociais era exatamente oposto ao homem polido. A volta das defesas utópicas se deu na quarta edição, de 1963, com o governo João Goulart, e o famoso prefácio de Antonio Candido, hoje quase indissociável da obra original, só veio na quinta e última edição revisada pelo próprio historiador.
Assim, em comemoração aos oitenta anos da publicação, e três décadas da Companhia das Letras, a editora lança Raízes do Brasil – edição crítica, organizada por Pedro Meira Monteiro e Lilia Moritz Schwarcz. O texto apresentado segue a quinta versão, considerada a visão última do pensamento do autor, com atualizações ortográficas e de pontuação, além de todo o conteúdo das edições anteriores com prefácios e notas.  O “caráter radical” da escrita buarquianas, como identificado por Antonio Candido em um dos textos presentes no livro, aparece integralmente na edição crítica. Os organizadores  questionam se o Sergio Buarque radical veio antes ou depois da análise de Candido, mas, independente da resposta, Raízes do Brasil “é um clássico de nascença”, como afirmava o próprio crítico literário.

serviçorai

    terça-feira, 9 de agosto de 2016

    Charge! Leo Villanova via Facebook

    Editorial:Perdemos a batalha da comunicação para a mídia golpista.





    Mais uma vez voltaria a recomendar aos leitores a leitura do editorial do jornal Le Monde Diplomatique, desta edição de agosto, escrito por Sílvio Caccia Bava, que considero o melhor editorialista do país. Há questões importante ali para a construção de estratégias de retomada da luta democrática. Algumas dessas autocríticas e estratégias foram comentadas em nosso editorial de ontem, mas uma delas, dada a sua relevância, deixamos para o dia de hoje. Trata-se da questão da "comunicação" que, aos olhos do editor do Diplo, e da torcida do flamengo, parece-nos que também aqui perdemos a batalha de comunicação com as forças conservadoras capitaneadas pela emissora da plim plim. E não se trata de uma questão pontual, mas substantiva, de uma avaliação sincera sobre os enormes equívocos e erros de avaliação cometidos ao longo de todo o processo que culminou no afastamento ilegítimo da presidente Dilma Rousseff.  

    O primeiro desses equívocos diz respeito a uma das reformas que o PT teve a oportunidade de fazer e não fez: a democratização da mídia, permitindo a quebra desses oligopólios familiares. Ao contrário, durante a vigência do governo de coalizão petista, o Planalto cevou-os o quanto pode, temendo que ocorresse o que, de fato, acabou acontecendo, o massacre da presidente Dilma Rousseff e do próprio partido, numa estratégia arranjada com outras forças, que acabaram por minar todas as possibilidades de resistência. O segundo erro cometido foi o de superestimar o papel das redes sociais na batalha de comunicação. Mesmo o PT tendo uma atuação bastante ativa nas redes sociais, isso parece não ter sido suficiente, ainda, para superar o papel exercido pela velha TV, presente em 95% dos lares. Mesmo se considerarmos o fato de a grande mídia televisiva, principalmente a Rede Globo, vir amargando sucessivos reveses de audiência, mesmo assim seu estrago na desconstrução de imagens pública ainda pode ser sentido. 

    O campo progressista e de esquerda, portanto, precisa reavaliar suas estratégias de comunicação no processo de retomada da hegemonia do poder político ou, para ser mais modesto, da redemocratização do país, se considerarmos que o afastamento definitivo da presidente Dilma Rousseff são favas contadas, a julgar pelo andar da carruagem política, onde pessoas estão sendo detidas nos estádios por realizarem protestos pacíficos, numa clara violação de direitos. Um retrocesso de proporções gigantescas. Como sempre afirmo por aqui, um arcabouço institucional democrático é sempre um arcabouço institucional democrático. O resto, a gente corre atrás. Melhor do que correr dos cassetetes e das bombas de efeito moral. 

    A blogosfera que exerce um papel de informação alternativa, por sua vez, passa por um momento delicado depois dos torniquetes aplicados pelo governo interino do senhor Michel Temer. Todos - inclusive este modesto blog - estão à procura de novas formas de financiamento. Como dissemos ontem, o torniquete é extensivo às Ongs e movimentos sociais vinculados aos trabalhadores e excluídos socialmente. Penso que o objetivo desses senhores seja radical, ou seja, sangrar até a morte. Esse governo não gosta de pobre, como chama a atenção a manchete principal do Diplo. Esses tentáculos persecutórios não conhecem limites. Todos os dias escuto algum comentário de que o emprego do jornalista Paulo Henrique Amorim estaria ameaçado na emissora do bispo Macedo, como retaliação às suas posições anti-golpe. 

    As manchetes dos jornais da "grande" mídia, do dia de hoje, dão bem a dimensão do problema. Até recentemente, circularam informações sobre as doações irregulares de campanha da Construtora Odebrecht, envolvendo figuras impolutas do núcleo duro do governo interino, como José Serra e o próprio Michel Temer. De acordo com Marcelo Odebrecht, R$ 10 milhões teriam sido entregue ao presidente interino, em dinheiro vivo, ainda na condição de condutor da nau peemedebista. Eu não faço nem ideia do que seriam R$ 10 milhões em dinheiro vivo. José Serra, Ministro das Relações Exteriores do governo interino, teria recebido uma quantia ainda maior, de acordo com o delator: R$ 23 milhões de reais. 


    Essas notícias são dadas em notinhas efêmeras, passageiras, miúdas, sem grandes repercussões, numa clara política de "abafamento". Por outro lado, quando a notícia envolve gente do ancien régime, como é caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os fatos assumem uma repercussão surpreendente. É só observar como esses jornais estão dando a noticia sobre a convocação da esposa e de um dos filhos do Lula, que deverão depor na PF sobre o sítio de Atibaia. Perdemos feio essa batalha. 



    A charge que ilustra este editorial é do genial Renato Aroeira.


    Quero colaborar com o blog:

    Já faz alguns anos que estamos aqui nesta trincheira em defesa da democracia, dos direitos humanos, das liberdades coletivas, das garantias constitucionais. Num clima de normalidade democrática - que logo se mostraria falso - nossa luta seguiu o curso do rio, ora mais lento, ora em momentos de pororoca, mas sempre orientado pelos princípios acima, que norteiam nossa linha editorial. Hoje, acordando de um sono politico que produziu um monstro, como bem disse o filósofo Gabriel Cohn, torna-se necessário redobrarmos nossos esforços no sentido de não permitir que a nossa incipiente experiência democrática sofra um retrocesso. É fundamentalmente importante integrarmos os esforços neste sentido. No caso do golpe parlamentar brasileiro, um dos grandes instrumentos utilizados foram setores da chamada "grande" mídia. Neste momento, o jornalismo alternativo exercido pela blogosfera passa por um "torniquete" aplicado pelas forças conservadoras. Precisamos de sua ajuda para continuar defendendo a democracia. Se desejar colaborar com o blog, faça uma assinatura mensal no valor de R$ 10,00, o equivalente a um cafezinho, acessando o botão "Assinar" do Paypal, que se encontra na lateral esquerda do blog, bem visível. É fácil, seguro e assim você estará nos ajudando bastante nessa "batalha" de comunicação - travada por blogs como este - em contraposição à mídia golpista. 

    Charge!Aroeira via Facebook

    sábado, 6 de agosto de 2016

    Le Monde: A lógica do sistema de poder brasileiro

    O QUE FAZER
    A lógica do sistema de poder brasileiro
    O que fazer após o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, concretizado no dia 12 de maio? O Le Monde Diplomatique Brasil convidou pensadores e lutadores sociais de diversos matizes para debater como lidar com a crise e trabalhar com certos elementos, como a guerra das ideias, as eleições municipais de outubro e a or
    por Carlos Humberto Campos


    As primeiras medidas do governo ilegítimo de Temer revelam a desconstrução e a negação dos direitos e conquistas das classes trabalhadoras e das comunidades tradicionais, bem como da luta por uma justa reforma agrária.
    Construir os caminhos da resistência vai exigir maior politização e mobilização dos setores sociais. Vai demandar também o retorno e o restabelecimento da capacidade do trabalho político de base, exigindo uma verdadeira reforma política, cujo modelo atual se configura como um perverso sistema de poder, sustentado pelos grandes meios de comunicação corporativos que historicamente criminalizam os movimentos sociais e a política.
    A luta dos movimentos sociais precisa incorporar e assumir o debate da comunicação de forma mais efetiva, para além dos produtos de informação e visibilidade. A comunicação necessita ser reconhecida como instrumento de mobilização e educação política e elemento fundamental na garantia de outros direitos e consciência da cidadania. Democratizar a comunicação é democratizar o sentido da vida, da luta e da resistência dos povos. A comunicação é um alimento básico da democracia.
    O momento sociopolítico que a sociedade brasileira atravessa é delicado, sobretudo porque é também de construção das eleições municipais de outubro. Vivemos uma conjuntura pré-eleitoral, que tem um papel importantíssimo na rearticulação das forças políticas sociais nos municípios, base definidora e receptora das políticas públicas. Cabe ao município organizar o atendimento à população na área de saúde, educação, saneamento básico, água e esgoto, lazer, geração de trabalho, assistência social, moradia e transporte coletivo.
    As eleições municipais que se aproximam não podem ser vistas apenas como um processo de escolha dos novos prefeitos e vereadores. Elas devem motivar a discussão de alternativas e projetos que garantam melhor qualidade de vida às pessoas. São importantes, pois trazem em seu bojo possibilidades de reencontro das forças políticas locais para a construção do debate, suscitando alternativas de administração pública mais próxima dos cidadãos e criando oportunidades de resgatar a importância do município como base na construção de um novo projeto para o país, onde todas as pessoas possam viver com dignidade. Temos de oxigenar e nutrir o processo das eleições municipais, na perspectiva de superação da crise política de hoje, pois é o município a base da organização política.
    Resolver a crise sociopolítica atual passa pela superação de vários aspectos. Não é uma tarefa fácil. Inexoravelmente, exige uma renovação de todos os sujeitos, eleitos e eleitores, mudanças de atitudes, comportamentos pessoais e coletivos. A crise é estrutural, tem suas raízes no projeto de Brasil construído historicamente com estruturas injustas, viciadas e alimentadas pela prática do patrimonialismo corporativista e oligárquico. O vírus oportunista e corruptível reside no conjunto da obra.
    Esta crise desnuda a lógica de um sistema de poder, de um paradigma que não dá mais conta de recompor-se e reabilitar-se. É preciso extirpar o modelo com uma autêntica reforma política, sair da democracia representativa para a participativa direta, o povo votando sobre todas as decisões importantes diretamente. É outra lógica, outro olhar, outra imagem de fazer política como a arte do bem comum.
    A superação da atual crise política não virá por decreto ou medidas unilaterais; ela nascerá da capacidade de reconstrução de formas de convivência e de explicitação de vivências solidárias e respeitosas, até então pouco valorizadas.
    É dessa perspectiva que surgem possibilidades de reações que nos impelem a desconstruir o “velho”, o “arcaico”, que sempre justifica a ordem estabelecida, e construir o “novo”, a nova ordem. Isso requer um processo longo de desenvolvimento humano e social, mas é uma condição necessária para as pessoas crescerem na consciência humana, social, política e econômica. A ação política é humana, por isso ela tem de ser humanizada!

    Carlos Humberto Campos
    Carlos Humberto Campos é sociólogo, assessor da Cáritas Brasileira Regional Piauí, coordenador da ASA pelo estado do Piauí e da coordenação do Fórum Piauiense de Convivência com o Semiárido.


    Ilustração: Daniel Kondo

    (Publicado originalmente no Le Monde Diplomatique Brasil)

    Charge! Renato Aroeira via Facebook

    Editorial: 61% dos brasileiros querem novas eleições, de acordo com o Vox Populi.




    Este golpe parlamentar no Brasil nos mergulhou num grande impasse institucional, que aponta para algumas alternativas arriscadas. Intenções de golpistas nunca são as melhores, daí se entender que uma das possibilidades possíveis seria o "endurecimento" do regime, solapando algumas conquistas democráticas duramente conquistadas nas últimas décadas. Esta seria uma das hipóteses mais preocupantes. A outra possibilidade seria a construção de um consenso, entre os atores políticos em litígio, acerca de um arranjo que permitisse novas eleições presidenciais, preferencialmente, antes mesmo de 2018. A presidente afastada, Dilma Rousseff, trabalha com está hipótese, mas, segundo soube, encontra resistências dentro do próprio PT, sobretudo naquele grupo que teme pelos desdobramentos da Operação Lava Jato, que já estariam fazendo novos acordos espúrios com a direita, cada qual tentando salvar o seu pescoço.

    Mesmo na hipótese de construção de um consenso entre essas forças, ainda assim, o revés sofrido pela esquerda, principalmente, o PT, será sentido nas urnas. Lula sempre aparece muito bem nas pesquisas de intenção de voto - esta última publicada pelo Vox Populi indica isto - mas bons analistas asseguram que este "Fôlego inicial" de Lula não resistiria muito tempo. No que se refere a Dilma Rousseff, então, o quadro é ainda mais complicado. Soma-se isso as ações judiciais que estão ou deverão correr contra ambos. Lula já está bastante encrencado e Dilma Rousseff, segundo dizem, depois da delação premiadíssima do marqueteiro João Santana, também deverá ser acionada pela justiça para se explicar sobre os problemas com o financiamento da última campanha presidencial. O fato concreto é que ambos estão enredados em enormes problemas, assim como o próprio partido. O PT precisa ser reinventado e talvez fosse o caso de apresentar para a disputa presidencial um quadro novo. Há quem especule que o principal postulante a este posto seja o Fernando Haddad, caso seja bem sucedido no seu projeto de continuar administrando a cidade de São Paulo.

    Antes que nos condenem, reafirmo aqui nossas convicções sobre a violação dos direitos do senhor Luiz Inácio Lula da Silva, assim como da ex-presidente Dilma Rousseff, a começar pelo fato de ter sido afastada da presidência sem nenhum crime de responsabilidade configurado, o que pode ser traduzido como um golpe institucional. Por outro lado, é um fato que o Brasil já vive um Estado de Exceção. As próximas eleições se darão sob tais condições. A pesquisa do Vox Populi, publicada nesta sexta-feira pela revista Carta Capital, contribui, sobretudo, para desanuviar a última pesquisa do Instituto Datafolha, clamorosamente manipuladora, uma vez que escondeu o desejo dos brasileiros por novas eleições presidenciais. Para mais ou para menos, os brasileiros que desejam novas eleições presidenciais, em todos os institutos, oscilam em torno de 60%. Até o próprio Datafolha, em pesquisas anteriores, já havia apontado este índice. Na última pesquisa do Instituto, no entanto, o percentual dos brasileiros que manifestaram esse desejo ficou em 3%. De onde eles tiraram este índice é uma grande incógnita. Depois da enorme polêmica, os responsáveis pelo Instituto admitiram o "equívoco". Não adiantou muita coisa não. Ficou a impressão que o Instituto manipulou dados para favorecer o governo interino. 

    Há um conhecido cientista político polonês, Adam Przeworski, que escreveu um belo texto sobre a democracia, a começar pelo título muito bem escolhido: Amas a incerteza e serás um democrata.Há várias leituras sobre a democracia no Brasil, a começar pela sua absoluta impossibilidade. O historiador Sérgio Buarque de Holanda dizia que a experiência democrática entre nós não passava de um grande mal-entendido. O cientista político Michel Zaidan, num artigo publicado aqui no blog, traduziu muito bem essa questão, apontando as idiossincrasias da democracia no contexto de uma  sociedade como a brasileira. Um dos aspectos mais visíveis desse problema é que a elite brasileira não tem uma boa convivência com as regras do jogo da democracia, ou seja, não aceita as incertezas inerentes ao processo democrático. 

    A democracia, no Brasil, é um mero jogo de cena. Precisa ser uma democracia de "conveniência". Ela só funciona em consonância com a preservação dos interesses da elite. Se esses interesses estão sendo comprometidos, que se danem as regras do jogo democrático. Toma-se o poder, agora de uma maneira mais "sutil", via instituições. O que fazer, então? O PT chegou ao poder através de uma conciliação de classe; negou-se a implementar uma série de reformas importantes - política, agrária, democratização da mídia, tributária - não atingiu os interesses capitais dessa elite. Até que, mesmo assim, eles tomaram a decisão de apear o PT do poder. Dilma Rousseff ganhou aquelas eleições consagrada por mais de 54 milhões de votos e o seu mandato está sendo usurpado através de um processo de impeachment "inventado", sem uma fundamentação jurídica que o ampare. É possível que o historiador Sérgio Buarque tenha mesmo razão. 

    terça-feira, 2 de agosto de 2016

    MinC e suas desocupações compulsórias

    Ministério da Cultura demite 70 funcionários e ocupantes do Palácio de Capanema, sede no Rio, são retirados pela polícia

    minc

    por Eric Campi e Paulo H. Pompermaier
    “Dar as costas ao cinema brasileiro é uma forma de cansaço diante da problemática do ocupado e indica um dos caminhos de reinstalação na ótica do ocupante. A esterilidade do conforto intelectual e artístico que o filme estrangeiro prodiga faz da parcela de público que nos interessa uma aristocracia do nada, uma entidade em suma muito mais subdesenvolvida do que o cinema brasileiro que desertou”. Paulo Emílio Sales Gomes, historiador e crítico de cinema brasileiro, concluiu assim seu ensaio Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. Analisava na década de 60 uma tendência que marcaria a criação cinematográfica nacional: a produção cíclica, com altos e baixos, do cinema nacional, que nunca conseguiria estabilizar-se autonomamente frente à invasão de filmes estrangeiros.
    O historiador foi, inclusive, um dos criadores da Cinemateca Brasileira na década de 40. A instituição, responsável por preservar a história do cinema nacional, está incluída na nova política de reestruturação promovida pelo Ministério da Cultura, que anunciou hoje (26) a demissão de 70 funcionários ligados ao MinC. Entre eles estão a coordenadora-geral da Cinemateca, Olga Toshiko Futemma, e outros 5 funcionários de sua diretoria: Alexandre Myaziato, Adinael Alves de Jesus, Nacy Hitomi Korim e Daniel Oliveira Albano. Outras exonerações ocorreram na diretoria do Museu Villa-Lobos, com funcionários da diretoria do MinC e da Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas.
    Agora a Cinemateca conta com aproximadamente 30 funcionários para administrar seu acervo de cerca de 200 mil rolos de filmes e as salas para exibições.
    Palácio Capanema, Rio de Janeiro
    Na manhã de segunda feira, 25 de julho, os membros do Ocupa MinC Rio acordaram com cerca de 50 agentes armados da Polícia Federal invadindo o Palácio Capanema.  Os policiais retiraram os ocupantes das barracas localizadas no segundo andar do edifício, o Salão Portinari, e impediram, inclusive, que ficassem no pátio de acesso, espaço destinado ao público.
    Representantes do movimento relataram que a PF agiu com violência, retirando-os nus de seus dormitórios e os carregando escada a baixo. Rodrigo Mondego, advogado dos manifestantes, disse que foi impedido pelos policiais de entrar no Palácio. O pedido de reintegração de posse foi emitido na quinta-feira (21) pelo atual ministro Marcelo Calero, ainda que tivesse afirmado, meses atrás, que essa ação não seria necessária.
    Em nota, o Ministério da Cultura informou que recebeu relatos de depredação do patrimônio público, ameaça aos servidores, uso de drogas, presença de indivíduos armados, além da circulação de menores. Os ocupantes negaram qualquer acusação e afirmaram que as obras e tapetes foram cobertos por plásticos para evitar estragos.
    O Palácio é sede da Funarte (Fundação Nacional de Artes) e do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional) cariocas e estava ocupado desde o dia 16 de maio. Ao contrário do que afirmam muitos veículos de comunicação, a manifestação não era contra o Impeachment de Dilma Rousseff, mas sim contra Temer e o caráter conservador de seu governo. A ocupação aconteceu depois do anúncio do fim do Ministério da Cultura e permaneceu mesmo após o presidente interino reverter à decisão. O Ocupa MinC transformou o Palácio de Capanema em espaço de exposições e shows, inclusive de Caetano Veloso, Lenine e Seu Jorge.
    Após a reintegração de posse, os manifestantes armaram barracas em frente ao Palácio e continuaram com a ocupação.
    (Publicado originalmente no site da revista Cult)

      Drops político para reflexão: A camisa vermelha de Luciano Siqueira.



      Confesso que fiquei sem entender muito bem a polêmica em torno dessa camisa vermelha que o vice-prefeito do Recife, Luciano Siqueira(PCdoB), insiste em usar quando das apresentações públicas da chapa governista que disputa a reeleição para a Prefeitura da Cidade do Recife. Aliás, está tudo muito confuso nessa chapa, a começar por sua permanência na vice do prefeito Geraldo Júlio(PSB), que apoiou o impeachment da presidente Dilma Rousseff. O PCdoB foi um dos partidos que mais se engajaram na permanência de Dilma no Palácio do Planalto, criando um certo desconforto até mesmo entre os apoiadores da reeleição de Geraldo Júlio. Me recuso a acreditar que a sua permanência na vice tenha algo a ver com uma leitura de Geraldo Júlio de que ele poderia emprestar um verniz de esquerda à chapa. A rigor, hoje, nem o PCdoB merece a denominação de "comunista" tampouco o PSB de "socialista". Ambos estão bastante descaracterizados ideologicamente. Por que você não usa logo branco ou amarelo, Luciano Siqueira?  

      Crédito da foto: Roberto Pereira/PSB

      segunda-feira, 1 de agosto de 2016

      Drops político para reflexão: O analfabeto político da classe média.




      O analfabetismo político da classe média nacional é o nosso maior câncer. O coxa padrão é um imbecil semi-formado: bom na sua profissão específica mas uma mula completa em todo o resto. É um marionetado pela turma da bufunfa via meios de comunicação. Luta burra e abertamente contra seus próprios interesses. É um perigo para si mesmo e para o restante do país. A imagem que me vem a mente é um chipanzé fumante em um posto de gasolina mal conservado. Parte da responsabilidade é de fato estupidez mas há uma boa dose também de mau caratismo: anseiam ardentemente por se locupletar com a sobra que cai da mesa da elite. São racistas, tem orgulho da própria imbecilidade e estão se lixando para o restante da população. O problema é que conseguiram dessa vez ferrar o país de uma forma que vai levar um bom tempo para consertar. E no próximo encontro que tivermos mediado pela história não poderão contar com nem um pingo de compaixão.

      Alexandre Vasilenskas, em sua timiline da rede Facebook