pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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sexta-feira, 19 de julho de 2013

Antônio David diverge de Vladimir Safatle sobre o subproletariado

publicado em 18 de julho de 2013 às 13:31

por Antônio David, especial para o Viomundo

Em artigo publicado recentemente no Viomundo, procurei discutir a tese de Vladimir Safatle segundo a qual “o ciclo do ‘lulismo’ acabou por não ter tido condição de aprofundar suas políticas”. Entre outros pontos, argumentei naquele artigo que, “ao amparar-se nessa constatação /…/, Safatle está olhando apenas para o proletariado e ignorando solenemente a existência do subproletariado”.
Em seu mais recente artigo na Folha de S. Paulo, Safatle procurou enfrentar a questão do subproletariado. O mote é a revolta dos trabalhadores da usina de Jirau (RO).
Nesse artigo, Safatle afirma que a revolta dos trabalhadores de Jirau teria sido o “ensaio geral para as manifestações de Junho”. Ele argumenta que os trabalhadores não apenas “atearam fogo em alojamentos e ônibus”, mas também “na afirmação de que o subproletário brasileiro preza a ausência de radicalismo e a segurança” – tese presente no livro Os sentidos do lulismo, do cientista político André Singer, e reproduzida por mim em meu artigo.
Safatle constata ainda que “depois de Jirau, veio uma sequência quase ininterrupta de greves: de policiais, bombeiros, professores, coveiros”, para então apresentar aquela que parece ser a tese central do artigo: “se há algo que une tanto o subproletário quanto a classe média, é a consciência de que o processo de ascensão social produzido pelo lulismo esgotou”.
Não ficou claro quem faz parte do que Safatle chama de “classe média”, haja vista a grande confusão em torno de sua caracterização, assunto do qual Wladimir Pomar tratou com grande competência em artigo publicado recentemente pela Fundação Perseu Abramo. De qualquer forma, não me parece fazer sentido a afirmação de que para a classe média “o processo de ascensão social produzido pelo lulismo esgotou”, pois desde o aparecimento do lulismo essa classe rejeita o processo de ascensão social.
Quanto à consciência dos policiais, bombeiros, professores e coveiros – ou seja, da classe trabalhadora –, creio que é necessário mais pesquisas para sabermos o quanto de verdade há na afirmação por ele feita. Pois, embora as manifestações aparentemente deem razão para Safatle, as greves parecem desmenti-lo: se há greves, em geral é porque os trabalhadores sentem que seu poder de barganha é maior.
Contudo, o foco deste novo artigo de Safatle parecer ser o subproletariado. E aqui há um grande problema. Isso porque, se é verdade que Safatle escreveu acreditando tratar do subproletariado na figura do trabalhador de Jirau, na prática todas as afirmações que ele faz dizem respeito não ao subproletariado, mas ao novo proletariado.
A compreensão das classes e suas frações no Brasil é assunto complicadíssimo. Faltam estudos sobre o tema. Ademais, com a política de valorização do salário mínimo ocorrida sob o lulismo, houve flutuações demográficas ainda mal compreendidas que implicaram na incorporação de parcela do subproletariado ao proletariado – muito provavelmente os trabalhadores de Jirau façam parte deste contingente.
Como não sou especialista no assunto, deixo para os especialistas a difícil tarefa de explicar as diferenças entre as duas frações da classe trabalhadora no Brasil, que envolvem não apenas questões econômicas, bem como as recentes flutuações. Limito-me a apontar para o que alguns estudiosos do tema têm dito: que o subproletariado era enorme em tamanho em 2002, quando Lula foi eleito pela primeira vez, e ainda é enorme em tamanho – em meu outro artigo, já havia alertado para o fato de que, em 2011, dos brasileiros em idade ativa, 23,6% ganham até 1 salário mínimo, e 22,4% ganham de 1 a 2 salários mínimos.
Quanto aos trabalhadores de Jirau, se levarmos em conta que uma das características do subproletariado é que, exatamente por estar abaixo da condição proletária, essa fração não tem condições de fazer greve, é duvidoso situar tais trabalhadores nessa fração, haja vista suas não apenas suas greves, mas também suas reivindicações (reajuste salarial, aumento na cesta básica, pagamento de hora-extra, ampliação da licença), próprias do proletariado.
Assim como é próprio do proletariado a organização sindical. Aliás, lendo o primeiro parágrafo do link, datado exatamente de abril de 2011, tampouco parece correta a afirmação de que os trabalhadores de Jirau “[não se sentem] representados por sindicatos”.
Em entrevista para o Brasil de Fato concedida em 2012, o cientista político André Singer já tratara das greves nas hidrelétricas, sobre as quais afirma: “Esses setores são tipicamente setores de baixa remuneração e alta rotatividade. Para essa parcela desse novo proletariado podemos ter a expectativa de valores compatíveis aos do velho proletariado”.
Antes de seguir adiante, gostaria de fazer duas ponderações sobre os trabalhadores de Jirau – na verdade são duas hipóteses, que requerem pesquisas para serem confirmadas.
Em primeiro lugar, se desenhássemos a pirâmide social brasileira, provavelmente veríamos os trabalhadores de Jiraú situados na fronteira entre o subproletariado e o proletariado, ou um pouco acima dela, ou mesmo um pouco abaixo, no caso de uma parcela. Provavelmente tal proximidade traz consigo características em comum, o que alimenta e explica a confusão – ou seja, assim como há trabalhadores que se parecem com classe média, também há proletários que se parecem com subproletários.
Em segundo lugar, é provável que os trabalhadores situados nessa faixa de fronteira entre o subproletariado e o proletariado ou um pouco acima dela sejam o elo mais fraco da cadeia de trabalho, ou seja, aqueles que mais sentem a opressão da dominação capitalista no Brasil. É uma hipótese.
O ponto para o qual quero chamar a atenção, no entanto, é o que vem a seguir. Diz respeito a algo do qual já havia feito menção no artigo anterior. Cito-me: “Não é raro ler e ouvir que o subproletariado não existe; há ainda aqueles que reconhecem a existência dessa fração de classe, mas que atribuem a ela o que na verdade faz parte do proletariado. Estou falando do curioso fenômeno da invisibilidade do subproletariado”.
André Singer, que teve o mérito de ter reabilitado a categoria de “subproletariado” na análise das classes sociais no Brasil, já havia alertado para este problema em Os sentidos do lulismo, quando afirma que os eleitores de baixíssima renda “tendem a ficar invisíveis para os analistas” (p.53).
Em suma, se Safatle escreveu “Onde tudo começou” para rebater a crítica que lhe foi dirigida, ainda há o que dizer. Pois, imaginando tratar do subproletariado, ele apontou para o (novo) proletariado. Incorreu no mesmo erro.
Por que, afinal, o subproletariado é invisível – tão invisível que assim permanece mesmo aos olhos de quem quer olhar para ele? Não tenho resposta para essa pergunta. Aqui novamente, deixo a tarefa para os que têm capacidade de cumpri-la.
Se Safatle voltar seus olhos para o subproletariado, provavelmente chegará a uma conclusão diferente, pois é duvidoso que essa fração de classe tenha “a consciência de que o processo de ascensão social produzido pelo lulismo esgotou”.
Não é isso o que as pesquisas mostram. Nem tampouco o que se ouve dos pobres. Agora, se o que está em jogo para Safatle é a necessidade de construir essa consciência, isso é outra história. Mas, mesmo para um projeto político, é imperativa a justa compreensão da realidade como ela é e não como imaginamos ser ou gostaríamos que fosse. Afirmar algo que não é, mas que queremos que seja, é uma tática que pode ser útil politica e eleitoralmente, mas tem seu preço. O risco é a petrificação do discurso – não só do próprio discurso, mas do discurso alheio. Pode ser emburrecedor. É exatamente o que vemos quando o governo insiste em chamar a nova classe trabalhadora de “nova classe média”.
Indo além na crítica, tampouco me parece que haja algo relevante que una subproletariado (e proletariado) e classe média. A rigor, se há algo que une um e outro, esse algo é do âmbito do superficial, pois no que realmente importa essas classes querem o exato oposto.
Enquanto os trabalhadores de Jirau, policiais, bombeiros, professores, coveiros etc. fazem greve, a classe média abomina as greves. Enquanto os trabalhadores reclamam por mais Estado e mais direitos, a classe média reclama por menos Estado – ou, se reclama por mais Estado, é apenas para si e na forma de policiamento, e queixa-se, ao lado da burguesia, por ter de pagar impostos – e sente-se prejudicada pelo bolsa família e pelas cotas nas universidades.
Ao mesmo tempo, muitos dos apontamentos feitos por Safatle são justos, corretos e necessários: quando afirma que os baixos salários são “incapazes de dar conta dos gastos em um país onde somos obrigados a pagar por educação e saúde, onde não se pode contar com transporte público e onde o preço dos imóveis explodiu devido à especulação imobiliária”; quando reivindica “um Estado capaz de oferecer serviços públicos que eliminassem os gastos das famílias com educação, transporte e saúde”; quando afirma que “o governo deveria ter partido para uma reforma fiscal” que obrigue os ricos a pagar impostos e que, para tanto, “seria preciso outra ideia do que significa ‘garantir a governabilidade’”.
Penso inclusive que Safatle poderia ter ido além em sua crítica ao lulismo. Se o fizesse, talvez chegasse à conclusão oposta. Pois, na verdade, o grande problema do lulismo parece estar exatamente no fato de não ter se esgotado – ou seja, em ter mantido as condições para sua perpetuação. Pois, se o lulismo guarda em si uma vocação igualitarista, isto é, se o objetivo é o combate à pobreza e à desigualdade, então como explicar que, passados dez anos, o subproletariado ainda exista e em tão elevado número?
O próprio André Singer chama a atenção para isso em seu livro: “o reformismo fraco, por ser fraco, implica ritmo tão lento que, por vezes, parece apenas eternizar a desigualdade” (p.199). Se o lulismo tem um pecado, esse pecado está na longa duração. A pobreza e a desigualdade estão caindo, mas muito lentamente – e talvez mais lentamente ainda com Dilma.
A esquerda tem grandes e complexos desafios a enfrentar, desde desafios políticos e ideológicos até desafios organizativos. Quem pode resolvê-los são os trabalhadores e suas organizações. Mas penso que o enfrentamento destes desafios envolve um esforço teórico, e os intelectuais (de dentro e de fora das universidades) têm um papel fundamental, qual seja, combinar esse tipo de abordagem feito por Safatle em seus justos e necessários apontamentos com a justa compreensão das classes e suas frações, com uma leitura da sociedade brasileira que apreenda nosso atraso histórico e nossas profundas divisões, o que equivale a dizer, com os impasses legados pela formação do Brasil. Essa é a síntese que carece ser feita.
Sob o risco de ser simplista – pois o problema vai muito além disso –, talvez o dilema maior no interior da esquerda brasileira possa ser formulado nestes termos: enquanto alguns conseguiram ver o subproletariado e o levaram em conta – sob o custo de terem privilegiado a luta eleitoral e parlamentar e a governabilidade e de negarem a radicalização política, o que levou alguns à degeneração e à traição –, outros privilegiaram a necessidade de reduzir a desigualdade rapidamente e de afirmarem a necessidade da radicalização política – e o custo parece ter sido a incapacidade de verem o subproletariado ou, entre os que conseguiram vê-lo, de lidar com essa fração de classe, o que os levou a marginalizar a luta eleitoral ou a engajar-se nela de forma caricatural.
Desnecessário dizer que essa é uma generalização. Seria importante considerar as experiências de governos e mandatos democrático-populares na história recente, além de movimentos sociais que organizam essa fração de classe e que, de uma forma ou de outra, tomam parte na luta eleitoral, dos quais o mais expressivo é o MST. Mesmo assim, apesar da generalização, essa é uma dicotomia real. Ela não só existe como parece ser predominante na esquerda. Superá-la é a chave para a superação do paradoxo do lulismo. Há quem se esforce por superá-la. Disso depende a promoção do igualitarismo e da soberania popular.
PS: a quem tiver interesse em dados sobre as condições de trabalho na construção civil, recomendo um recente estudo do Dieese sobre o assunto; em relação às greves, há um outro estudo do Dieese que trata do assunto.
Antônio David é pós-graduando em filosofia na USP e mantém uma página no Facebook para divulgação de pesquisas e análises sobre o Brasil.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Jantar do PMDB custou R$ 28,4 mil à Câmara


Na noite da última terça-feira, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, abriu as portas da residência oficial que ocupa, às margens do Lago Paranoá, em Brasília, para os deputados da bancada do seu partido, o PMDB. Ofereceu-lhes um jantar. Custou R$ 28,4 mil –ou R$ 355 por cabeça. O contribuinte pagou a conta.
A verba saiu das arcas da Câmara. A ONG Contas Abertas obteve a nota de empenho da despesa. Está escrito: “Concessão de suprimento de fundos para atender despesas relativas à contratação de serviços destinados à realização de jantar no dia 16.07.2013, na residência oficial da Câmara dos Deputados, para um público estimado de oitenta pessoas, a pedido do gabinete do presidente.”
A rubrica “suprimentos de fundos” serve para a realização de despesas inesperadas e urgentes. No caso específico, o dinheiro foi repassado a uma servidora. Ela realizou os gastos e prestará contas posteriormente. Chama-se Bernadette Maria França Amaral Soares. Lotada no gabinete do presidente, administra a residência oficial da Câmara. O salário dela é de cerca de E$ 23 mil mensais.
Além dos deputados, estiveram no repasto o vice-presidente Michel Temer e ministros do PMDB. O encontro foi partidário. “Um jantar social de fim de semestre”, na definição do líder da legenda, deputado Eduardo Cunha. O cardápio foi fino –de camarão a queijo brie caramelado, noves fora o champanhe. A pauta foi indigesta: do derretimento de Dilma Rousseff à deterioração da coligação.
A pergunta que fica boiando na atmosfera é: por que diabos o contribuinte brasileiro foi intimado a pagar a conta? Não há propriamente uma ilegalidade no espeto. Porém, se as ruas de junho informaram alguma coisa foi que a sociedade já não engole passivamente tudo o que em Brasília é considerado “normal”. Não é pelos vinte centavos, diria um desses rapazes que saem de casa para protestar defronte do prédio do Congresso. É pelo respeito à liturgia.
A Câmara já custeia a equipagem, a criadagem, a cozinheira e os alimentos que vão à mesa da residência do seu presidente. Difícil acomodar no escaninho das normalidades a contratação de uma empresa para fornecer decoração, mesas, cadeiras e a comida servida à turma do PMDB. A plateia se pergunta: por que o inquilino e seus convidados não fizeram uma vaquinha?

(Publicado originalmente no blog do Josias de Souza)


Por Noelia Brito, advogada e procuradora do Recife

Em “O outono do patriarca”, obra-prima da Literatura universal, o prêmio Nobel de Literatura Gabriel Garcia Marquez, descreve o ocaso de um ditador latino-americano em um país fictício do mar das Caraíbas, atordoado por fantasias sobre conspirações tramadas por inimigos, sempre empenhados em destruí-lo e tomar-lhe o poder, do qual usa e abusa para tentar, por exemplo, canonizar a própria mãe. O ditador, personagem da obra ficcional de Garcia Marquez, distribui condecorações a militares, a quem utiliza para impor sua vontade com truculência, do alto de seu palácio suntuosamente encravado em meio às miseráveis habitações de seus governados.

Outra prática comum ao “patriarca” de Garcia Marquez, é a proposital distorção dos fatos, para passar a ideia de que ele, o ditador, é um homem lendário, mítico e presente. Um governante que tudo vê e tudo pode, muito embora, na realidade, esteja sempre ausente, trancado em seu quarto isolado no palácio, por temer de maneira quase patológica seus inimigos, muitos deles imaginários.

No governo do “patriarca”, o que se cumpre não são decisões de Estado, mas caprichos pessoais, com reflexos sobre as vidas de todos os que estão sob seu domínio e, o que é pior, normalmente com consequências nefastas.

Na verdade, Garcia Marquez, para escrever “O outono do patriarca”, pesquisou a vida de vários ditadores e caudilhos latino-americanos, de modo que qualquer semelhança com fatos da vida real, mesmo fatos recentemente vivenciados, não será mera coincidência, pois o “modus operandi”, inclusive do ponto de vista das patologias que assombram essas mentes ditadoras, não diferem de maneira marcante, de um usurpador das garantias democráticas de outros.

Quando observamos, por exemplo, o que tem ocorrido em estados como o Rio de Janeiro e Pernambuco, impossível não perceber similitudes entre as práticas do patriarca do mar das Caraíbas e as dos governadores desses Estados.

Ambos estão no final de seus segundos mandatos, onde reinaram com altos índices de popularidade, conquistados muito mais pela força do marketing institucional e altíssimos gastos com publicidade, do que pela qualidade de seus governos, pautados no favorecimento de empresários, por meio de benesses fiscais de toda sorte. Os resultados em Educação, Saúde, Mobilidade, Saneamento, por exemplo, são pífios e começam a assombrar o sono dos patriarcas de Pernambuco e do Rio de Janeir,o que já se veem daqui a poucos meses sem a força da máquina pública para lhes assegurar a ocultação de suas verdadeiras faces que são  da mais absoluta incompetência.

Para os “patriarcas”, cujo personalismo é muito bem descrito na obra de Garcia Marquez, a saída do poder corresponde à própria morte. Morte em vida, pois tudo, tudo mesmo, no governo de um “patriarca” gira em torno de decisões pessoais, caprichosas, que não se satisfazem através de sucessores. A ditadura é o governo do ditador, é o governo do patriarca, cuja sucessão só se abre, a rigor, com a morte do ditador, daí porque a democracia jamais se compatibiliza com projetos de poder como os de pessoas como Eduardo Campos e Sergio Cabral.

Para acossar os “atrevidos” que ousam criticar ou reivindicar o que quer que seja, durante seus governos, expondo ainda mais suas verdadeiras faces inoperantes e farsantes, Eduardo e Cabral colocam a força policial para intimidar estudantes e trabalhadores de maneira virulenta, seja por meio de agressões físicas, pela utilização de armas, mesmo que pelas chamadas não letais (na Favela da Maré, as armas foram as tradicionalmente utilizadas contra os pobres, vítimas de sempre da política higienista de governos adeptos do fascismo), seja por meio de agressões morais, através de inquéritos instaurados a toque de caixa e sem qualquer fundamento ou razão de ser, sob as já manjadas e improvadas acusações de danos ao patrimônio público, desacato à autoridade, resistência e por aí vai, quando, na verdade, por trás de si, tais procedimentos ocultam e muito mal, verdadeiros crimes de abuso de autoridade cometidos pelos vassalos dos “patriarcas”, sempre alertas, como cães de guarda que são, prontos a servir a qualquer um que estiver assentado no trono do palácio.

E isso é o que mais transtorna o sono – se é que eles conseguem dormir – dos “patriarcas”. É saber que os vassalos que hoje lhes servem, não o fazem por lealdade, mas por interesse, conveniência, ganância e até  e, principalmente, por medo.

Cercado por asseclas e vassalos, seguranças e assessores, marqueteiros e puxa-sacos, os “patriarcas” em seu ocaso e em seu outono sabem que estão sós.

Perguntado sobre o que tratava, de fato, sua obra, o colombiano Garcia Marquez respondeu: “É um poema. Um poema sobre a solidão do poder”. Todo ditador nada mais é que um egoísta e como disse Lygia Fagundes Telles em sua “Ciranda de Pedra”, os egoístas morrem sós.

(Publicado originalmente no Blog de Jamildo, jornal do Commércio)

O caminho de Damasco do governador Eduardo Campos

 


Por Michel Zaidan

BLOG dos camaradas cariocas dá notícias de mal-estar provocado pela divulgação do encontro do governador de Pernambuco com o ex-presidente da República, Luis Inácio da Silva (LULA).

Segundo o noticiário publicado nas redes sociais, Lula teria convidado o mandatário daqui para sair do PSB, partido do qual ele é presidente nacional e pré-candidato à Presidencia da República, e se candidatar na chapa de Dilma, como vice-presidente.

Ou, caso se tornasse inviável a reeleição da atual Presidenta, ser ele o candidato do PT. Verdade ou não, a notícia causou um reboliço e muito constrangimento dentro do próprio partido do governador.

Afinal, num momento em que se discute (mal e porcamente) a tão necessária e oportuna reforma política, uma proposta como essa vai na contramão de qualquer tentativa séria de aperfeiçoar as instituições políticas brasileiras.

Enquanto o Congresso faz marolas e adia a reforma para vi gir a partir de 2018, os políticos vão se comportando do mesmo jeito, como se nada tivesse acontecido no Brasil, nas últimas semanas.

Pelo visto, a única coisa de certa e líquida é a realização da Copa do mundo, em 2014, e a jornada da juventude, neste mes de julho. No front da política, nada de novo, como dizia o correspondente de guerra.

Mas, onde há fumaça, há fogo - reza o ditado popular.

Para onde vai o governador, depois de ter retirado sua ilustre fisionomia da mídia, durante as manifestações populares e a greve dos condutores de Ônibus? - Onde se escondeu o paladino do novo pacto federativo? Das avenidas do futuro? Da educação tecnológica, de qualidade?

Dos vôos fretados de 5 milhões de reais?

- Atrás do secretário da SDS? Ou estava, contrito e arrependido, na procissão de Nossa senhora do Carmo?

- Provavelmente, reunido com o seu secretário da Prefeitura do Recife, ensinando o novo Pacto com a Vida, que não respeita a livre manifestação da sociedade civil, que criminaliza os protestos sociais, que causa constrangimentos ilegais simples ativistas estudantis?

- Por que o secretário da Prefeitura não age como o gerente da cidade, para o qual foi eleito com a ajuda magnânima do seu chefe estadual?

- Já não há problemas de sobra na cidade (esburacada) do Recife, com postos de saude inundados, para ele resolver?

- Para que assumir responsablidades que são (?) da alçada do governo do Estado? É para oferecer palanque ao chefe?

A população da cidade do Recife e o povo de Pernambuco tem o direito de saber para onde caminha o seu governador.

Vai ele concluir o mandato que lhe foi confiado por duas vezes pelo eleitor, ou fará da administração estadual mero trampolim para suas conveniências eleitorais e partidárias?

- A gestão de um estado como o nosso não pode ser comparado a uma bolsa de apostas políticas, onde o governante fica avaliando ou fazendo cálculos para ver o que é mais lucrativo ou interessante para sua carreira, enquanto se avolumam os problemas no dia-a-dia dos cidadãos anônimos.

O governador, até pode - como fêz a Presidente Dilma, se dá ao luxo de se aconselhar com Nossa Senhora do Carmo, a Padroeira do Recife, não dos governadores, mas o povo precisa de respostas claras, viáveis, objetivas para a resolução de seus problemas, sob pena de buscar as soluções nas igrejas.

Afinal, para onde vai o governador de Pernambuco?



(Publicado originalmente no blog do Jamildo, Jornal do Commércio)
 

Wanderley Guilherme: À noite digital, todos os gatos passam por lebres

publicado em 18 de julho de 2013 às 14:16
Wanderley Guilherme: Reforma política apressada por trazer retrocesso

por Wanderley Guilherme dos Santos, em O Cafezinho, via Tijolaço

Vestais da esquerda saíram do armário com suas túnicas udenistas e se abraçam à direita no ataque a algumas das instituições democráticas vigentes. Sempre estiveram juntas nesse assalto, parceria obscurecida pela discordância entre elas sobre políticas sociais.
O coração reacionário dessa cumplicidade pulsa na aceitação de que os políticos que consideram desmoralizados e sem credibilidade são exatamente os mesmos, esses que estão aí, aos quais entregam a responsabilidade para elaborar uma proposta de reforma em que todos os itens sugeridos, até agora, castram avanços pretéritos da sociedade.
Propostas de substituição do sistema proporcional são comuns à direita e à esquerda desde a publicação da Constituição de 88. Voto majoritário puro ou misto e voto em lista, para não mencionar a abolição do voto obrigatório, são variantes nascidas no coração do reacionarismo nacional, em São Paulo, e em parte adotado pelo Partido dos Trabalhadores e até por centrais sindicais. Estas, contagiadas pela vizinhança dos Jardins, retratavam Getúlio Vargas como um caudilho maligno e nunca perceberam, por exemplo, que o imposto sindical garantiu, fundamentalmente, o financiamento privado da participação política dos trabalhadores.
Privado, isto é, por eles mesmos. Hoje defendem o financiamento público das campanhas alheias e recusam o financiamento privado, restrito a pessoas físicas e com limite de contribuição, enquanto os conservadores especulam com a possibilidade de que contribuições de qualquer natureza só possam ser concedidas a partidos, administradas por seus dirigentes, não a candidatos individuais.
Eis as fantásticas rupturas democratizantes alegremente saudadas pelas babás (leia-se “analistas”) dos filhotes dos filhotes da ditadura. Nunca a esquerda nocauteada admitiu tão completamente a sedução ideológica da direita contra o poder do voto popular. Pedir de nariz arrebitado um plebiscito para aprovar opções elaboradas pela direita é apenas desolador.
Em meio ao assédio do casal de vestais da esquerda e garanhões da direita tem sido fácil aprovar medidas que não passam de engodo ou representam tiros demagógicos que fragilizam a Constituição diante de futuras rajadas reacionárias. Dois exemplos recentes: a redução para um do número de suplentes de senadores e a do número de assinaturas para legislação de iniciativa popular.
Com a mímica da redução do número de suplentes de senadores, a proposta recém aprovada no Senado simplesmente restabelece o comando autorizado pelo parágrafo quarto do artigo 60 da Constituição de 1946, fixando em um o número de suplentes, e que valeu até que a emenda ditatorial de 17 de outubro de 1969, em seu parágrafo terceiro do artigo 41 da Constituição de 69, aumentasse para dois esse número.
A Constituição democrática de 88 incorporou e consagrou no parágrafo terceiro de seu artigo 46 esse detrito ditatorial. Pretender avançar retornando a um texto pré-ditadura equivale a contrabandear gato por lebre.
No minueto do impedimento da candidatura de parentes para a vaga de suplentes de senadores, a emenda dita progressista aprovada retrocede outra vez à Constituição de 46, que já os tornava inelegíveis no item c) da alínea I de seu artigo 140.
Enorme gato enfatuado, esses arrufos de vanguarda deixam escapar, pimpona, a verdadeira ratazana, sócia atleta do sindicato dos corruptores ou da oligarquia familiar – a instituição genérica da suplência senatorial, em si mesma, a qual deveria ser simplesmente abolida.
Há pior. A Constituição de 88 prevê, além de plebiscitos e referendos, a tramitação de legislação de iniciativa popular, desde que apoiada por um por cento do eleitorado nacional (em torno de 1 milhão e trezentos mil subscritores). Os senadores Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) e Lindberg Farias (PT-RJ), respectivamente autor e relator da PEC 3/2011, aprovaram, em 10/7/13, redução da exigência para 0,5% do eleitorado, com aceitação de subscrição digital, ou seja, cerca de 650 mil feicebuquistas.
À época da Constituinte de 86, o fenômeno das redes sociais era inexistente e, portanto, nem se prenunciava o perfil que, aliás, ainda está por ser inteiramente delineado. O eleitorado de então, em torno de 94 milhões e meio, correspondia a menos 48% dos 140 milhões e 400 mil eleitores atuais. Era mais do que hospitaleiro o requisito de subscrição de 1% daquele eleitorado para dar andamento a propostas legislativas, sem torná-las inviáveis ou criar ameaças potenciais ao trabalho normal do Congresso.
Mas o aumento homeopático no número absoluto de apoiadores, pela lei que aprovaram, não protege a vulnerabilidade a que ficam expostos os quase cento e cinqüenta milhões de eleitores que não opinarem, expulsos da irrisória porcentagem de 0,5% de ativistas agraciados com a difusão de molotovs legais, propiciada pelos dois senadores e os que os seguiram, a saber, pouco acima da metade da Casa, 55 votos a favor.
O crescimento do eleitorado impõe como salvaguarda das maiorias – atenção, salvaguarda das maiorias – o aumento no porcentual de apoiadores para justificar o curso obrigatório de iniciativas populares. Hoje, com a revolução nas mídias sociais e a capacidade de mobilização de minorias ideologicamente organizadas, a possibilidade de fustigar o ordenamento legislativo do país é mais do que óbvia.
Estão aí os “anônimos”. Sem mencionar tentativas de congestionar Congressos legítimos com dezenas e dezenas de iniciativas “populares” coordenadas por grupos fascistas. Aumentar seu potencial de dano a custos baratos é atentado constitucional que febre momentânea ou aventureirismo crônico explicam. Inaceitável é a adesão ou silêncio cúmplice dos analistas modernos e de vanguarda, babás dos netos da ditadura.
Ademais, ficam à mercê os brasileiros não eleitores e, cassação elitista de direitos, os excluídos do mundo eletrônico, entre eles os analfabetos digitais ou sem mesada gorda. Pois os facebuquistas não irão procurar os analfabetos sem renda ou aparelhos eletrônicos para obter a adesão deles. Nem saberão que há iniciativas de legislação popular com adesão digital. Sutil discriminação tecnológica.
Estabelecido por decreto ditatorial, o voto ao analfabeto foi concedido ao final do governo Figueiredo, com a restrição de que, embora votantes, não podiam ser votados. A Constituição de 88 incorporou essa meia cidadania, estabelecendo, no parágrafo terceiro de seu artigo 14, que “são inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos”.
Agora, os senadores de esquerda estabeleceram que os netos da ditadura pilotando tabletes terão oportunidades desiguais de aderir a iniciativas populares.
À noite do modernismo digital, todos os gatos passam por lebres.

(Publicado originalmente no Viomundo)

Sai Marinho, entra Brizola. Uma ideia que se espalha.

A ponte do “seu” Frias não virou “Jornalista Vladimir Herzog” ?
Saiu no Tijolaço:

Protesto na porta da Globo vai mudar nome de rua


Na manifestação de ontem (17), no Leblon, jovens manifestantes divertiram-se quebrando lojas, agências e tudo que viam pela frente. Um prédio da Globo não escapou à fúria dos protestos. Os colunistas da Vênus Platinada terão um novo desafio pela frente. Continuarão tentando manipular as manifestações, para desgastar o governo federal, mesmo sob o risco de terem seu patrimônio atacado?

Eu poderia ser oportunista neste momento, como a mídia tem sido quando manifestantes depredaram prédios públicos. Poderia dizer que a depredação da Globo pode ser explicada por um sentimento profundo de revolta popular contra o monopólio da mídia conservadora.

Não farei isso, porque o vandalismo, mesmo contra a Globo, apenas desqualifica a luta política de alto nível que estamos empreendendo, visando democratizar a mídia. Queremos mudar as coisas com civilidade, sem barbárie, mudando leis, fazendo campanhas de esclarecimento. Aterrorizar idosos, crianças e doentes com explosões, quebra-quebra e ações incendiárias, não vai mudar nada. Ao contrário, os movimentos anticapitalistas europeus, sempre que descambaram para esse tipo radicalismo despolitizado, sectário e destruidor, abriram espaço para a retomada do poder pelo conservadorismo.

É explicável. O radicalismo precisa do conservador para melhor vender seu radicalismo poser e oportunista.

Na próxima sexta-feira, 19, movimentos sociais marcaram uma manifestação em frente ao prédio do jornal O Globo, no centro. Irão trocar o nome da rua, Irineu Marinho, por Leonel Brizola.

Vamos mostrar, mais uma vez, como se faz uma manifestação sem violência, embora com indignação. Não se corrige injustiças quebrando tudo nas ruas e humilhando quem pessa diferente. Se fosse para fazer uma revolução de verdade, poderíamos refletir no assunto. Mas fazer isso sem proposta, sem meta, é pregar a instabilidade. É fazer o jogo dos inimigos do Brasil.

Reproduzimos abaixo o e-mail que recebemos do núcleo Rio de Janeiro do movimento Barão de Itararé.

Repasso o email que recebi do pessoal do núcleo Rio do Barão de Itararé:

Troca-Troca no Globo, sai Marinho entra BRIZOLA

VAMOS TROCAR O NOME da rua onde se localiza O Globo. MUDA Rede Globo – A rua é do povo !

A rua se chamará Leonel BRIZOLA

É uma justa homenagem a um brasileiro que enfrentou com bravura o império midiático dos marinhos. Lembrando que foi BRIZOLA quem conseguiu na justiça que o JN divulgasse uma retratação histórica.

Venha participar e convide seus amig@s !
O link no facebook para confirmar presença é: https://www.facebook.com/events/195105990651601/#sthash.TXypBn9V.dpuf

Data: 19/07 sexta-feira
Hora da concentração: 17:00h
Concentração: na esquina do Edifício Balança mas não cai (Rua de Santana x Av Presidente Vargas)
Hora da atividade: 18:00h
Local da atividade: Rua Leonel BRIZOLA (EX- Rua Irineu Marinho)

MOTIVAÇÃO POLÍTICA

Após divulgação de documentação – até então sigilosa – ocultada por mais de oito anos do conhecimento do distinto público, todos ficamos sabendo da bilionária FRAUDE da Rede Globo que desviou DINHEIRO PÚBLICO (sonegação = CORRUPÇÃO).

E também existe – segundo consta nos documentos divulgados – a incriminação pessoal de membros da família Marinho.

Hoje se sabe que o processo foi “extraviado” (segundo informou o MPF-RJ) e na prática a Rede Globo e seus proprietários – OS MAIORES BENEFICIÁRIOS DO “extravio” – continuam impunes.

A VERDADE É DURA, A Rede Globo APOIOU A DITADURA

Obs.: a exemplo da vitoriosa manifestação de 03/07 – OCUPE a Rede Globo – que transcorreu democraticamente sem qualquer transtorno, solicitamos a TOD@S que auxiliem na realização desta manifestação, para que tenhamos o mesmo êxito.

Organização:
Barão de Itararé
Cidadania SIM ! “pig” nunca mais


Clique aqui para ler no Tijolaço sobre a manifestação na porta do Globo.

E aqui para ir a “Contra a Globo, reforma agraria do ar” e “Janio, o que faz a Helena ?”.

(Publicado originalmente no Conversa Afiada)

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Caminhos do Frio 2013 leva artistas nacionais à seis cidades da PB




Caminhos do Frio terá shows de Lenine, Geraldo Azevedo, Nando Cordel e Santana; Zélia Dunca, Zizi Possi serão atrações do Festival de Areia

A programação cultural oficial da Rota Cultura Caminhos do Frio 2013 foi divulgada nesta terça-feira (16), durante coletiva na PB Tur. O evento, este ano, contará com atrações de renomes nacionais como Lenine, Geraldo Azevedo, Nando Cordel, Santana, Zélia Duncan, Zizi Possi e muito mais.

A rota Cultural Caminhos do Frio 2013 terá início no município de Bananeiras a partir do dia 22 de julho e seguirá pelas cidades de Pilões, Areia, Alagoa Grande e Alagoa Nova, que também fazem parte do Caminhos do Frio, com encerramento previsto para o dia 1º de setembro.

Este ano, o Festival de Artes de Areia estará dentro do Caminhos do Frio. As cantoras Zizi Possi e Zélia Duncan serão as principais atrações na terra de José Américo, mas a programação oficial desse festival será divulgada apenas na próxima sexta-feira (19), quando a PBTur lançará um site oficial do Festival de Artes, destacando as oficinas e as atrações.

A cidade de Bananeiras abrirá o evento com o cantor Guilherme Arantes como atração principal, no dia 27.

Em Serraria a animação ficará por conta do show de Nando Cordel, no dia 9 de agosto. Lá os turistas ainda vão poder contemplar a exuberantes paisagens serranas e degustar os pratos da culinária regional.

No município de Alagoa Grande, terra de Jackson do Pandeiro, a principal atração do festival será o cantor Lenine.

Já em Alagoa Nova, o cantador forrozeiro Santana, vai se apresentar em praça pública.

A programação completa do ‘Caminhos do Frio’ 2013 ficou assim:

Bananeiras: 22 a 28 de julho

Areia: 29 de julho a 4 de agosto

Serraria: 5 a 11 de agosto

Pilões:12 a 18 de agosto

Alagoa Nova: 19 a 25 de agosto

Alagoa Grande: 26 de agosto a 1 de setembro


Márcia Dias

PB Agora

terça-feira, 16 de julho de 2013

Equívocos conceptuais do Governo do PT

 
 
 

13/07/2013
           Estimo que parte das razões que levaram multidões às ruas no mes de junho tem sua origem nos equívocos conceptuais presentes nas políticas públicas do governo do PT. Não conseguindo se desvenciliar das amarras do sistema neoliberal imperante no mundo e internalizado, sob pressão, em nosso pais, os governos do PT tiveram que conceder imensos benefícios aos rentistas nacionais para sustentar a política econômica e ainda realizar alguma distribuição de renda, via políticas sociais, aos milhões de filhos  da pobreza.

         O Atlas da exclusão social – os ricos no Brasil(Cortez, 2004) embora seja de alguns anos atrás, mantem sua validade, como o mostrou o pesquisador Marcio Pochmann (O pais dos desiguais, Le Monde Diplomatique, outubro 2007). Passando por todos os ciclos econômicos, o nível de concentração de riqueza, até a financeirização atual, se manteve praticamente inalterado. São 5 mil famílias extensas que detem 45% da renda e da riqueza nacionais. São elas, via  bancos, que emprestam ao governo; segundo os dados de 2013, recebem anualmente 110 bilhões de reais em juros. Para os projetos sociais (bolsa família e outros)  são destinados apenas  cerca de 50 bilhões. São os restos para os considerados o resto.

         Em razão desta perversa distribuição de renda, comparecemos como um dos países mais desiguais do mundo. Vale dizer, como um dos mais injustos, o que torna nossa democracia extremamente frágil e quase farsesca. O que sustenta a democracia é a igualdade, a equidade e a desmontagem dos privilégios.

         No Brasil se fez até agora apenas distribuição desigual de renda, mesmo nos governos do PT. Quer dizer, não se mexeu na estrutura da concentração da renda. O que precisamos, urgentemente, se quisermos mudar a face social do Brasil, é introduzir uma redistribuição que implica mexer nos mecanismos de  apropriação de renda. Concretamente significa: tirar de quem  tem demais e repassar para quem tem de menos. Ora, isso nunca foi feito. Os detentores do ter, do poder, do saber e da comunicação social conseguiram sempre impedir esta revolução básica, sem a qual manteremos indefinidamente  vastas porções da população à margem das conquistas modernas. O sistema politico acaba servindo a  seus interesses. Por isso, em seu tempo, repetia com frequência Darcy Ribeiro que nós temos uma das elites mais opulentas, antisociais e conservadoras do mundo.

         Os grandes projetos governamentais destinam porções significativas do orçamento para os projetos que as beneficiam e as enriquecem ainda mais: estradas, hidrelétricas, portos, aeroportos, incentivos fiscais, empréstimos com juros irrisórios do BNDES. A isso se chama crescimento econômico, medido pelo PIB que deve se equacionar com a inflação, com as taxas de juros e o câmbio. Priviligia-se o agronegócio exportador que traz dólares à agroecologia, à economia familiar e solidária que produzem 60% daquilo que comemos.        

O que as multidões da rua estão reclamando é: desenvolvimento em primeiro lugar e a seu serviço o crescimento  (PIB). Crescimento é material. Desenvolvimento é humano. Signfica mais educação, mais hospitais de qualidade, mais saneamento básico, melhor transporte coletivo, mais segurança, mais acesso à cultura e ao lazer. Em outras palavras: mais condições de viver minimamente feliz, como humanos e cidadãos e não como meros consumidores passivos de bens postos no mercado.  Em vez de grandes estádios cujas entradas aos jogos são em grande parte proibitivas para o povo, mais hospitais, mais escolas, mais centros técnicos, mais cultura, mais inserção no mundo digital da comunicação.

O crescimento deve ser orientado para o desenvolvimento  humano e social. Se não se alinhar a esta lógica, o governo se vê condenado a ser mais o gestor dos negócios do que  o  cuidador da vida de seu povo, das condições de sua alegria de viver e de sua admirada criatividade cultural.

As ruas estão gritando por um Brasil de gente e não de negócios e de negociatas; por uma sociedade menos malvada devido às desigualdades gritantes; por relações sociais transparentes e menos escusas que escondem a praga da corrupção; por uma democracia onde o povo é chamado a discutir e a decidir junto com seus representantes o que é melhor para o país.

         Os gritos são por humanidade, por dignidade, por respeito ao tempo de vida das pessoas para que não seja gasto em horas perdidas nos péssimos transportes coletivos mas liberado para o convívio  com a família ou para o lazer. Parecem dizer: “recusamos ser apenas animais famintos que gritam por pão; somos humanos, portadores de espírito e de cordialidade que gritamos por beleza; só unindo pão com beleza viveremos em paz, sem violência, com humor e sentido lúdico e encantado da vida”. O governo precisa dar esta virada.

Leonardo Boff é autor de Virtudes por um outro mundo possível (3 vol) Vozes 2006.    

(Publicado originalmente no blog do Leonardo Boff)

O outono dos patriarcas



Por Noelia Brito, advogada e procuradora do Recife

Em “O outono do patriarca”, obra-prima da Literatura universal, o prêmio Nobel de Literatura Gabriel Garcia Marquez, descreve o ocaso de um ditador latino-americano em um país fictício do mar das Caraíbas, atordoado por fantasias sobre conspirações tramadas por inimigos, sempre empenhados em destruí-lo e tomar-lhe o poder, do qual usa e abusa para tentar, por exemplo, canonizar a própria mãe. O ditador, personagem da obra ficcional de Garcia Marquez, distribui condecorações a militares, a quem utiliza para impor sua vontade com truculência, do alto de seu palácio suntuosamente encravado em meio às miseráveis habitações de seus governados.

Outra prática comum ao “patriarca” de Garcia Marquez, é a proposital distorção dos fatos, para passar a ideia de que ele, o ditador, é um homem lendário, mítico e presente. Um governante que tudo vê e tudo pode, muito embora, na realidade, esteja sempre ausente, trancado em seu quarto isolado no palácio, por temer de maneira quase patológica seus inimigos, muitos deles imaginários.

No governo do “patriarca”, o que se cumpre não são decisões de Estado, mas caprichos pessoais, com reflexos sobre as vidas de todos os que estão sob seu domínio e, o que é pior, normalmente com consequências nefastas.

Na verdade, Garcia Marquez, para escrever “O outono do patriarca”, pesquisou a vida de vários ditadores e caudilhos latino-americanos, de modo que qualquer semelhança com fatos da vida real, mesmo fatos recentemente vivenciados, não será mera coincidência, pois o “modus operandi”, inclusive do ponto de vista das patologias que assombram essas mentes ditadoras, não diferem de maneira marcante, de um usurpador das garantias democráticas de outros.

Quando observamos, por exemplo, o que tem ocorrido em estados como o Rio de Janeiro e Pernambuco, impossível não perceber similitudes entre as práticas do patriarca do mar das Caraíbas e as dos governadores desses Estados.

Ambos estão no final de seus segundos mandatos, onde reinaram com altos índices de popularidade, conquistados muito mais pela força do marketing institucional e altíssimos gastos com publicidade, do que pela qualidade de seus governos, pautados no favorecimento de empresários, por meio de benesses fiscais de toda sorte. Os resultados em Educação, Saúde, Mobilidade, Saneamento, por exemplo, são pífios e começam a assombrar o sono dos patriarcas de Pernambuco e do Rio de Janeir,o que já se veem daqui a poucos meses sem a força da máquina pública para lhes assegurar a ocultação de suas verdadeiras faces que são  da mais absoluta incompetência.

Para os “patriarcas”, cujo personalismo é muito bem descrito na obra de Garcia Marquez, a saída do poder corresponde à própria morte. Morte em vida, pois tudo, tudo mesmo, no governo de um “patriarca” gira em torno de decisões pessoais, caprichosas, que não se satisfazem através de sucessores. A ditadura é o governo do ditador, é o governo do patriarca, cuja sucessão só se abre, a rigor, com a morte do ditador, daí porque a democracia jamais se compatibiliza com projetos de poder como os de pessoas como Eduardo Campos e Sergio Cabral.

Para acossar os “atrevidos” que ousam criticar ou reivindicar o que quer que seja, durante seus governos, expondo ainda mais suas verdadeiras faces inoperantes e farsantes, Eduardo e Cabral colocam a força policial para intimidar estudantes e trabalhadores de maneira virulenta, seja por meio de agressões físicas, pela utilização de armas, mesmo que pelas chamadas não letais (na Favela da Maré, as armas foram as tradicionalmente utilizadas contra os pobres, vítimas de sempre da política higienista de governos adeptos do fascismo), seja por meio de agressões morais, através de inquéritos instaurados a toque de caixa e sem qualquer fundamento ou razão de ser, sob as já manjadas e improvadas acusações de danos ao patrimônio público, desacato à autoridade, resistência e por aí vai, quando, na verdade, por trás de si, tais procedimentos ocultam e muito mal, verdadeiros crimes de abuso de autoridade cometidos pelos vassalos dos “patriarcas”, sempre alertas, como cães de guarda que são, prontos a servir a qualquer um que estiver assentado no trono do palácio.

E isso é o que mais transtorna o sono – se é que eles conseguem dormir – dos “patriarcas”. É saber que os vassalos que hoje lhes servem, não o fazem por lealdade, mas por interesse, conveniência, ganância e até  e, principalmente, por medo.

Cercado por asseclas e vassalos, seguranças e assessores, marqueteiros e puxa-sacos, os “patriarcas” em seu ocaso e em seu outono sabem que estão sós.

Perguntado sobre o que tratava, de fato, sua obra, o colombiano Garcia Marquez respondeu: “É um poema. Um poema sobre a solidão do poder”. Todo ditador nada mais é que um egoísta e como disse Lygia Fagundes Telles em sua “Ciranda de Pedra”, os egoístas morrem sós.

(Publicado originalmente no Blog de Jamildo, jornal do Commércio)

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Quem tem medo do poder constituinte

 

 

O levante de junho e seu poder constituinte já estão dados, e basta a força de atração do ano de 2014 para indicar sua irresistível retomada e continuidade. A urgência é do poder constituído, da representação: se não souber interpretá-lo adequadamente, será atropelada por ele, e esse choque tende a produzir efeitos contraditórios, positivos e negativos. Por Adriano Pilatti e Giuseppe Cocco

 
Os levantes de junho fizeram o País tremer e algumas mentes fraquejarem. Afirmaram-se como um movimento potente, autônomo e sem precedentes na escala que alcançou. Para nós, o que de mais inovador e liberador neles se expressou foi a contestação (difusa e confusa, mas vigorosa) de duas dimensões da “pólis”: de um lado, a “política” autista e alienada de seus fundamentos constituintes; de outro, o sequestro das cidades pelo projeto autoritário de sociedade-empresa, que comprime as alternativas de sociabilidade na via única e estreita do consumo pago, e submete os pobres ao calvário dos transportes. Uma reivindicação por serviço público gratuito de qualidade desencadeou o movimento; uma contraditória mistura da tentativa de captura midiático-reacionária das manifestações com a indignação civil ante a repressão brutal e a surdez do poder o agigantou. Agora ele vive um momento de recomposição e relativo refluxo, mas está longe de se ter esgot ado.

Marcado pela estreia de toda uma “geração” na ação política direta, o movimento fez das ruas a arena política determinante durante duas eletrizantes semanas. Sem pedir licença ao poder constituído, os “decretos da plebe” (plebiscitos, na origem) determinaram a revisão de aumentos de passagens em muitos municípios. Tudo isso suscitou um amplo e difuso processo de discussão através dos circuitos institucionais e virtuais de informação. Esse debate escapou ao controle do oligopólio midiático, e assim integrou-se no próprio movimento como momento de contra-poder, em que a denúncia e o desmascaramento da manipulação tornaram-se possíveis. A nova composição do trabalho experimentou seu constituir-se em multidão num processo veloz de composição-repulsão de forças. A resistência ao comando e à exploração a levou à tomada da palavra: o verbo se fez carne na potente e criativa cooperação contestatória do trabalho vivo. A fria desrazão das planilhas foi confrontada pela crítica da razão encarnada nos corpos mobilizados democraticamente.

As jornadas de junho demonstraram que a multidão existe – e excede. Desperta esperanças, estimula desejos, produz comunidade, devém insurgente. Multiplicidade de singularidades em permanente recomposição, a plebe experimentou nas manifestações seu “devir-multidão”, afirmou-se como “parcela dos sem parte” que recusa não ter parte na riqueza socialmente produzida por ela. E, ao mesmo tempo, mostrou ser a única força capaz de produzir uma outra “pólis” possível, com outros valores, apontando para a instituição de uma nova ordem comum.

Ao repelir das ruas os olhos e ouvidos do gigante midiático e confrontar a repressão, a multidão reacendeu antigos temores e ressentimentos no “patriciado”: demofobia, agorafobia, macarthismo caboclo. Na reação decorrente, não faltaram relatórios de polícia política travestidos em textos de opinião. Que, na falta de argumentos, ainda hoje se recorra ao estigma “retrô” do “comunismo internacional”, é simplesmente patético. Os movimentos em curso (nos quais tomamos parte como cidadãos, militantes nômades, e intelectuais) lutam pelo direito à mobilidade urbana, à moradia, à educação e à saúde de qualidade, ao próprio corpo. Exigem autonomia para a produção cultural, liberdade de trabalho, tempo livre, fruição comum dos espaços públicos. Protestam contra as remoções de populações pobres e outros desmandos macabros da farra dos megaeventos. Desejam uma polícia que respeite e proteja pobres e manifestantes em vez de massacra-los, um modelo aberto e plural de comunicação de massa, instituições que sirvam à liberação e não ao seu contrário, novas formas de democracia direta. Lutam, enfim, “por uma vida sem catracas”. Nenhuma estratégia de polícia do pensamento vai alterar a natureza dessas lutas.

A maré montante nas ruas criou uma nítida situação de “desentendimento” entre o movimento constituinte e os poderes constituídos, a representação. Era visível a dificuldade de compreensão dos que olhavam o País a partir da Praça dos Três Poderes. À flagrante paralisia seguiu-se o pronunciamento presidencial. Mesmo que parcial e timidamente, ele marcou uma dupla abertura. A primeira foi reconhecer e valorizar as manifestações como índice de vitalidade da democracia brasileira, uma vitalidade que vem “de baixo”. A segunda foi propor um debate participativo sobre o sistema político por meio de uma “constituinte exclusiva”. Construiu-se assim a possibilidade de reconduzir a questão da corrupção ao campo da institucionalidade política, ao modelo de representação, e “levar a sério” a proposição segundo a qual a luta contra a corrupção tem como único terreno possível o da radicalizaç ão democrática.

A proposta de constituinte exclusiva foi logo rechaçada, e por várias razões. Por sua inconsistência intrínseca, ao tentar canalizar a expressão da potência emergente nas ruas para uma forma “constituinte-constituída” contraditória em si mesma, com poderes estabelecidos casuisticamente pelo atual Congresso e sob o controle do STF, o que suscitaria controvérsias e delongas. Pela resistência dos partidos aliados ao Governo, que nada querem mudar nas regras que lhes garantem postos governamentais e burocráticos, apostam que o desgaste resultante do movimento incidirá apenas sobre o PT, e esperam que “a coisa passe” Last but not least, pela oposição da direita demofóbica, que viu na proposta presidencial uma tentativa de “venezualização” do processo, e deu ampla vazão à sua paranoia através da grande mídia. Direita e mídia não querem reduzir a corrupção da política, mas apenas usá-la, como de h� �bito, para reproduzir seu poder antidemocrático. Saudosas das formas institucionais do liberalismo oligárquico, elas buscam amplificar o duplo mecanismo de corrupção da democracia: a concentração perversa de poder econômico e a inversão da relação entre poder constituído (os representantes) e poder constituinte (o “demos”).

As reações negativas levaram a presidente a recuar da proposta constituinte para a plebiscitária. A proposta do plebiscito também é problemática, abre temerariamente a porta ao retrocesso contra o pluralismo que é o “voto distrital”, e enfrenta a mesma oposição conservadora, com eco no TSE. A oposição à direita contrapõe o referendo como alternativa. Com ele, quer derrotar o Governo e inverter tudo, convocando o “povo” apenas para aprovar propostas oriundas das negociatas internas à representação, que as ruas acabam de criticar violentamente. Do ponto de vista da radicalização democrática, o povo deveria tomar a palavra nos dois momentos: fazendo as grandes opções em plebiscito, e aceitando ou não sua normatização em referendo.

As tentativas de neutralizar o impulso de transformação que vem das ruas são tão ilusórias quanto o “consenso” que “vigorava” até junho. Elas encontram seus arautos em “formadores de opinião” que veem no plebiscito uma ameaça “chavista”, cuja base seria a teoria negriana do poder constituinte. Ora, é um equívoco constrangedor confundir a perspectiva constituinte (da multidão em luta por direitos) com a justificação de eventuais estratégias plebiscitárias governamentais de cunho formal. A insustentável surdez do poder hoje se traduz justamente no lamentável frescobol governo x oposição-mídia: ambos os lados se esfalfam pra manter a bolinha das discussões abstratas no ar, enquanto a ventania das exigências substantivas aumenta. Não, essa dança da chuva, esse jogo de cabra-cega à beira do abismo não é o que nos interessa.

O vil intento de incriminar livros por fenômenos que têm origem na tensão comando-resistência evoca a Era das Trevas e bem revela os usos autoritários de uma “liberdade de expressão” que é privilégio de poucas famílias e seus amanuenses. “Poder Constituinte – um ensaio sobre as alternativas da modernidade”, de Antonio Negri, é um sólido e erudito tratado de filosofia política que interpela cinco séculos de pensamento e práticas constituintes e seus avessos, com uma profundidade analítica consensualmente reconhecida pelos melhores no assunto. Até mesmo os detratores do autor reconhecem ser esse seu melhor trabalho teórico, e uma referência necessária aos debates que enfrenta. Se alguém só conseguiu ler ali um mirabolante “manu al prático de chavismo plebiscitário”, isso fala apenas do singular leitor, não da obra.

No entanto, para refletir sobre os acontecimentos de junho e a situação política resultante é pertinente retomar, sim, mas nos seus devidos termos, nossa perspectiva crítica sobre os experimentos de constituição de governos dos/pelos/para os “de baixo” na Venezuela e na Argentina. Ela permite compreender porque consideramos a experiência dos governos Lula mais fecunda. O que ali nos interessava era identificar a trajetória mais aberta ao poder constituinte ou, ao menos, qual governo desenvolvia políticas mais permeáveis aos processos de mobilização social por direitos. Nossa simpatia pelos governos Chavez e Kirchner nada tinha a ver com as “personas” políticas de seus líderes ou com seus improváveis modelos, mas com as lutas de classe, as insurgências, os movimentos de liberação que os levaram ao poder, e com os quais os novos governos se relacionavam.

O que nos interessava nos experimentos sul-americanos era o momento constituinte e o quanto ele continuava aberto, renovado e presente nos novos governos. Não as superstições plebiscitárias voltadas a legitimar reformas constitucionais decididas de cima para baixo, mas as questões substantivas de apropriação da riqueza comum e ampliação/efetivação de direitos: desde a reversão da renda do petróleo venezuelano para os mais pobres, até a política de direitos humanos desencadeada pelo movimento das madres y abuelas de la plaza de mayo. Não eram os sucessos eleitorais de Chavez e Kirchner que nos mobilizavam, mas os momentos constituintes dos quais nasceram e dependiam: desde o levante Que se Vayan Todos em 2001 e a força dos movimentos na garantia da efetiva punição dos crimes da ditadura argentina, até o Caracazo e o levante multitudinário contra o golpe em 2002 na Venezuela. Algumas des sas dimensões também reencontramos nos momentos constituintes bolivianos e equatorianos.

Para nós a experiência brasileira foi mais interessante, não por ser mais (ou menos) “socialista”, nem por ter um “modelo” claro a ser implementado. O que nos interpelava na “anomalia” brasileira era a justamente a ausência de modelo e de qualquer dimensão socialista. Uma trajetória totalmente interna ao processo de integração do capitalismo global e, ao mesmo tempo, aberta aos processos constituintes. Em certa medida, isso também explica a boa fortuna da multifacetária Constituição de 1988, inicialmente enjeitada pelas elites e pela esquerda “purista”, hoje objeto geral de disputa em torno de seus sentidos determinantes.

Paradoxalmente, a ausência de modelo (que “frustrou” e “desiludiu” os setores mais esquerdistas do próprio PT) tornava o governo Lula mais democrático e permeável às lutas e à cidadania, mais aberto ao poder constituinte. No horizonte cerrado das transformações sociais impostas pelo novo capitalismo, o governo Lula abria brechas ou deixava que as brechas se abrissem; re-significava os processos de inclusão dos excluídos enquanto tais, ao mobilizar e remunerar o trabalho vivo fora da tradicional relação salarial fordista. Isso lhe rendia críticas, oriundas tanto da esquerda “pragmática” (eventualmente oportunista), com seus “projetos de nação” e suas “políticas de Estado”, quanto da esquerda “radical”, que exigia e ainda exige uma mirífica desconexão do circuito global através de um socialismo estatista e autárquico – aliás, essa é a ilusão “maior” da presidente Dilma, o neodesenvolvimentismo.

Provavelmente nem Lula nem o PT dimensionavam as consequências que a multidão dos jovens, índios, negros, gays, mulheres e trabalhadores extrairia daí, não apenas em sua mobilização produtiva, mas nas transformações que é capaz de ensaiar a partir do desencadeamento dos processos de inclusão. A garantia de direitos mínimos não aplaca o poder constituinte, antes desencadeia uma lógica expansiva de lutas que vão além da oferta de ascensão a uma pobreza menos penosa garantida pelo Estado. Os governos Lula-Dilma e o PT acabaram acreditando, de modo narcísico, no que lhes diziam os marqueteiros a partir da “análise” eleitoral das estatísticas macroeconômicas e dos indicadores sociais. Não compreenderam assim a inevitabilidade de um novo ciclo de lutas por direitos.

A situação é complexa, cheia de incógnitas e não isenta de riscos. Os poderes constituídos (partidos e magistraturas, Governo e oposição, e as respectivas instituições) não parecem até aqui nem aptos nem abertos, seja à compreensão do sentido profundo do levante democrático da multidão, seja a receber seu influxo e deixar-se atravessar por ele, renovando-se a partir dos fundamentos, “retornando aos princípios”. Muito ou quase tudo vai depender da posição do Governo diante do movimento, das relações que venham ou não a (r)estabelecer entre eles.

O paradoxo desse (re)encontro possível entre a potência constituinte (a “virtù”) e o Governo é que dele depende a “fortuna” das forças que hoje o controlam, particularmente do PT. Se Governo e PT apostarem no refluxo definitivo do movimento e (como até aqui) numa solução formal de mera “adequação” da representação constituída, as consequências serão muito negativas para ambos. Se, ao contrário, se abrirem corajosamente aos momentos constituintes que se multiplicam, retomando e ampliando a política dos pontos de cultura, contrapondo-se às políticas de remoções dos pobres, repensando os megaeventos, discutindo a democratização da comunicação, propondo a desmilitarização da segurança pública, a tradução política da potência do levante será uma inovação radicalmente democrática.

Mas o levante e seu poder constituinte já estão dados, e basta a força de atração do ano de 2014 para indicar sua irresistível retomada e continuidade. A urgência é do poder constituído, da representação: se não souber interpretá-lo adequadamente, será atropelada por ele, e esse choque tende a produzir efeitos contraditórios, positivos e negativos. É preciso multiplicar os esforços de reflexão e mobilização para evitar que o desafio constituinte degenere em impasse político, abrindo caminho a mais um “termidor”. Mais do que o gás lacrimogêneo, o “sal da terra” – essa multidão jovem, potente, criativa, desobediente e irreverente – contaminou as ruas, impondo novas exigências. O futuro da democracia brasileira depende agora de sua abertura a essa potência irredutível.

*Giuseppe Cocco é graduado em Ciência Política pela Université de Paris VIII e pela Università degli Studi di Padova. É mestre em Ciência, Tecnologia e Sociedade pelo Conservatoire National des Arts et Métiers e em História Social pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne). É doutor em História Social pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne). Atualmente é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e editor das revistas Global Brasil, Lugar Comum e Multitudes. Coordena a coleção A Política no Império (Civilização Brasileira).

Adriano Pilatti é graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-1983), mestre em Ciências Jurídicas - Teoria do Estado e Direito Constitucional - pela Pontifícia Universidade Católica Rio de Janeiro (PUC-Rio - 1988) e doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ - 2006), com Pós-Doutorado em Direito Público Romano pela Universidade de Roma I - La Sapienza (2011). É professor assistente do Departamento de Direito da PUC-Rio, de que foi diretor (2004-2010), e coordenador-geral do Instituto de Direito da PUC-Rio. É assessor jurídico da Reitoria da PUC-Rio. Traduziu o livro Poder Constituinte - Ensaio sobre as Alternativas da Modernidade, de Antonio Negri (Rio de Janeiro: DP&A, 2002). É autor do livro A Constituinte de 1987-1988 - Progressistas, Conservadores, Orde m Econômica e Regras do Jogo (Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008).


Fotos: EBC
 
(Publicado originalmente no Portal Carta Maior) 

domingo, 14 de julho de 2013

Emir Sader: A nova plataforma da esquerda


 
Os governos Lula e Dilma se apoiam na prioridade do social. Apoiaram-se no diagnóstico correto de que a desigualdade social, a pobreza e a miséria são os problemas fundamentais que o Brasil arrasta ao longo dos séculos. E no fato de que os governos neoliberais – Collor, Itamar e FHC – exacerbaram esses problemas, revelando o ponto mais frágil desse tipo de governo.

Ao longo dos anos foi ficando claro que o imenso apoio popular dos governos, desde 2003, se deve, no essencial, às políticas sociais. O deslocamento das bases sociais fundamentais de apoio dos governos Lula e Dilma para os setores e as regiões mais pobres confirmava esse fenômeno.

Mesmo a oposição, depois de tentar negar que o país tinha mudado muito, e mudado para melhor, teve que reconhecer essas transformações sociais. Tentou dizer que provinham do governo FHC, mas implicitamente reconheciam as transformações.

Dilma se comprometeu, neste mandato, a terminar com a miséria no Brasil, projeto que segue adiante, apesar do baixo crescimento da economia. Mas Dilma já não pode se candidatar para um novo mandato com as mesmas propostas anteriores. Seja porque não se propõem plataforma apenas baseada na extensão do que já foi conquistado, seja porque os avanços inquestionáveis demonstram suas debilidades nas justas demandas de melhoria na qualidade dos serviços públicos. Seja também porque já se deu o processo de naturalização das conquistas obtidas nos mais de 10 anos dos governos do PT. Além de que, como as manifestações evidenciaram, os setores da juventude não foram contemplados em suas demandas específicas.

O equivocado diagnóstico de que o Brasil já teria se tornado um país de classe média ajudou a dificultar a percepção de acúmulo de problemas persistentes na sociedade brasileira, a começar pelos de transportes, mas cuja lista se estende aos problemas de moradia, de saúde, de educação, de segurança, entre tantos outros.

A nova plataforma, que deve orientar a campanha eleitoral e o segundo mandato da Dilma, deve se centrar numa revolução na educação e na saúde no Brasil, que, apesar de certas melhorias, continuam a ser setores muito deficitários. Além da melhoria nas prestações do serviço público, nas outras áreas mais sensíveis à vida da grande maioria da população, como o transporte, segurança, o saneamento básico.

Compreender o significado das mobilizações populares recentes significa também atuar em outras direções. A primeira delas: atuar em políticas para a juventude, setor em que o governo foi muito carente até aqui. Se houve avanços em áreas dirigidas para a formação e a profissionalização – como a grande ampliação de vagas nas universidades, na escola técnicas, a políticas de cotas etc. –, nos temas específicos da juventude não houve avanços importantes.

Temas como a descriminalização das drogas leves, da democratização da internet, da legalização do aborto e, especialmente, da priorização das políticas de cultura, para o conjunto da juventude – mas, em particular, para a juventude das periferias das grandes metrópoles – devem ser assumidos pelo governo.

Ao lado deles, a democratização dos meios de comunicação e das campanhas eleitorais – substituindo o financiamento privado pelo público – atendem às demandas de uma política realmente democrática, transparente.

Será com uma nova plataforma, que vá do aprofundamento da democratização social à democratização política e cultural, que se conseguirá consolidar os avanços da década e levar o Brasil a ser um país justo, soberano e solidário.
Postado por Emir Sader às 18:23

(Portal Carta Maior)