(José Luiz Gomes, cientista político, em editorial publicado aqui no blog)
segunda-feira, 26 de junho de 2017
Drops político para reflexão: Um presidente acuado
(José Luiz Gomes, cientista político, em editorial publicado aqui no blog)
Crise das esquerdas é também uma crise de utopias, diz sociólogo

Arte sobre foto de Jared Wingate (Reprodução/Arte Revista CULT)
A esquerda perdeu seu ideal utópico. Para o sociólogo e psicanalista Carlos Muanis, a emergência global da direita coincide com um momento em que a esquerda encontra-se “órfã” de utopias e, consequentemente, alheia a demandas sociais. “Enquanto a esquerda não entender o buraco teórico, utópico e o distanciamento em que acabou se metendo em relação à sociedade, fica difícil repensar o que fazer”, afirma.
Apontar possíveis saídas para tamanho impasse é justamente o objetivo do livro Crise das esquerdas, cujo lançamento acontece nesta sexta (23), na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo. A obra reúne intelectuais e ativistas como Renato Janine Ribeiro, Ruy Fausto, Guilherme Boulos e Cícero Araújo em ensaios e entrevistas que refletem sobre os caminhos da esquerda no Brasil e no mundo.
Em entrevista à CULT, Carlos Muanis, um dos organizadores da edição junto do cientista político Aldo Fornazieri, explica por que a crise das esquerdas é também uma crise de utopias. “O fundamental é constatar essa incapacidade da esquerda de formular e entender o momento pelo qual o mundo está passando.”
CULT – Como você definiria a crise das esquerdas?
Carlos Muanis – Eu diria que é uma crise múltipla, com várias sombras e luzes, mas também uma crise que indica um campo de oportunidades. É uma crise de utopia. Nós perdemos esse ideal utópico. Somos órfãos das utopias na medida em que nos distanciamos brutalmente de algumas demandas da sociedade, que são novas e que estão aí. Ou seja, perdemos o imaginário da politica, que se deslocou para um campo mais conservador, mais pragmático. Principalmente a esquerda democrática precisa pensar no significado desse descolamento dela com a sociedade, com a ação política. É claro que não é uma crise só da esquerda, eu diria que é ampla, se você olhar o mundo, Europa, Estados Unidos, China, Rússia, Ásia, Oriente Médio, os conflitos todos, verá que há uma crise sistêmica, quase civilizatória. Estamos em uma espécie de labirinto, tentando lidar com uma série de desafios. Mas o fundamental é constatar essa incapacidade da esquerda de formular e entender o momento pelo qual o mundo está passando. Esse é o grande desafio que se tem. Enquanto a esquerda não entender o buraco teórico, utópico, o distanciamento em que ela acabou se metendo em relação à sociedade, fica difícil repensar o que fazer.
Como resgatar esse ideal utópico?
O elemento a ser acrescentado é a recuperação da ideia do processo de construção de uma nova sociedade. De uma nova esquerda, dos novos desafios, uma nova visão de mundo, uma nova visão de humanismo, defender esses valores cada vez mais. Não abrir mão em nome de nada, em nome de pragmatismo nenhum. Eu sei que o jogo político pressupõe alianças e negociações constantes, mas cabe à esquerda ter essa âncora de pensamento. Só assim ela sai do labirinto, sendo possível analisar os impasses vividos nas alianças em cada país, em cada circunstância, e criar uma nova pedagogia de ação política.

Eu acho que sim. É uma mistura dessa orfandade com políticas desastrosas. Se você analisar a ascensão do neoconservadorismo das últimas décadas vai ver que, gradativamente, as questões socais foram perdendo espaço na medida em que hoje há um sistema financeiro que é absolutamente dominado pelas grandes instituições, a chamada desregulamentação absoluta do grande capital. Não estou dizendo que isso seja culpa exclusiva da esquerda, mas é um processo simultâneo. Ao mesmo tempo que veio uma crise de horizonte veio também um sistema que foi esmagando esses setores sociais.
Em que sentido os últimos acontecimentos políticos brasileiros fazem parte desse processo sistêmico de desestruturação global?
Nós estamos em um processo globalizado em todos os sentidos. Os caminhos dos processos de corrupção e desvios são internacionais, não estão mais circunscritos a um país. E aí sofremos o desgaste da ação política desastrosa do PT, que acabou incorporando esse sistema como parte da sua ação política. Nós não somos uma ilha, vamos ter que olhar o mundo também, analisar os processos que estão acontecendo em outros lugares e ver o que se pode aproveitar em relação a isso. Já passou da hora do PT fazer uma reflexão, uma autocrítica de todo esse processo desses anos todos. Isso faria bem para a esquerda e para o país na medida em que o primeiro governo do Lula chegou a encantar o mundo inteiro como uma nova força política alternativa. A derrota da esquerda no Brasil não deixa de ser a derrota da esperança que se criou no restante do mundo, da esquerda mundial que viu naquele momento uma oportunidade de ouro de fazer um avanço substantivo aqui no Brasil. É preciso ter coragem para continuar avançando; repensar, olhar o que aconteceu, abrir espaço para o novo.
Até que ponto essa crise, no Brasil, relaciona-se com o governo do PT?
Relaciona-se e muito na medida em que o PT cresce com uma bandeira de luta contra a desigualdade muito fincada nos valores de uma ética política, e no decorrer do processo não foi isso o que se verificou. Não se pode menosprezar a inclusão social que o PT fez durante seus governos, os programas sociais, não se pode menosprezar isso, ao contrário. Mas o partido foi aos poucos se encastelando nos gabinetes de poder, e em pouco tempo acabou compondo com os chamados financiadores de campanha, os que financiam a política do Brasil, que são os grandes grupos de interesse – e pagou o preço caro que todo mundo está vendo agora. O problema do Brasil é que a esquerda está muito vinculada ao PT, e é preciso dar uma guinada para poder ganhar de novo a confiança do eleitorado, já que a esquerda ficou associada aos esquemas de corrupção desse sistema que ela se elegeu prometendo combater. Trata-se de conciliar isso. Como reestruturar um novo pensamento, novas alternativas, incorporando os movimentos sociais novos, as periferias que não querem saber de partido, que se organizam de outra forma, que não veem nos partidos mais a sua representação. Como é que você dialoga com isso estabelecendo uma nova ética do relacionamento público e privado, ou seja, o combate à corrupção sórdida, essa praga mundial. Os partidos não vão mais representar a sociedade como antes, eles serão parte do processo mas não se esgota nisso.
Como a esquerda pode repensar suas estratégias políticas nesse cenário de distanciamento e perda de utopias?
Não há resposta simples, concreta e clara sobre isso, mas ela deve abranger os principais temas em debate hoje pela sociedade, a começar pela questão ambiental (hoje só quem dá ênfase a isso são ONGs), a igualdade de gênero, a questão racial, a questão da sustentabilidade como um todo e fundamentalmente a questão democrática. A esquerda vai se reconstruir na medida em que jogar na radicalização da democracia. Esse é o grande desafio que a esquerda tem hoje. Olhar em que medida as políticas públicas e as formulações ideológicas apontam para essa radicalização democrática, ou seja, transformar a democracia na nossa casa comum. O Brasil, por exemplo, é um país que ainda continua com um índice de desigualdade brutal, uma desigualdade que eu diria epidêmica ainda, se imaginar, por exemplo, índices como saneamento. Como é que você pode pensar em algo que não seja um fortalecimento de uma democracia substantiva? Por aí há uma pista para a ação política.
(Publicado originalmente no site da revista Cult)

O destino adiado de Aécio e os sinais de um grande acordo nacional.
Matheus Pichonelli
O país viu um pouco de tudo desde o início da hecatombe política provocada pela Lava Jato. Só não viu ainda tucano algemado – fato raro desde que os primeiros portugueses pisaram por aqui. Na terça-feira (20) havia expectativa e apreensão diante da análise da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal sobre a situação do senador afastado, e ainda na cúpula decisória do PSDB, Aécio Neves (MG).
Não deviam ser poucos os algozes que guardaram bebidas e rojões para a ocasião; menos ainda os que temiam as consequências políticas de um revés judicial.
Um tucano encarcerado depois de mobilizar multidões por mudanças nos estatutos da ética alimentaria a sanha condenatória que tomou as redes e o país.
A eventual prisão do ex-futuro presidente da República serviria como uma espécie de desforra a quem até ontem era acusado ou incitado a explicar a manutenção do monopólio da corrupção no Brasil. Um tucano encarcerado pouco depois de mobilizar multidões e formadores de opinião por mudanças nos estatutos da ética, dos bons modos e da boa gestão alimentaria a sanha condenatória que tomou as redes e o país, cada vez mais parecido com uma caixa de comentários de portais.
A cena só não minimizaria o apetite multipartidário pelo tal grande acordo nacional que unificou adversários políticos nos discursos contra juízes, procuradores e delatores. O apetite parece bem escondido, mas de vez em quando aparece em discursos como o do líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini, segundo quem os acusadores de Aécio confundem obstrução de Justiça e crime continuado com “fazer política”.
A sincronia pode ser avaliada pela contestação, por parte do governador tucano do Mato Grosso do Sul, da homologação de delações da JBS pelo ministro do STF Edson Fachin. Seria a brecha para melar outros depoimentos e abrir caminho para o chamado acordão. Não faltarão apoiadores nem mesmo no Judiciário, onde já há magistrados revoltados e dedicados a redefinir os limites das investigações (invejosos dirão que o limite é um conceito de proximidade entre amigos e inimigos).
No caso de Aécio, fazer política provavelmente se confunde com o desejo manifesto na conversa gravada com Joesley Batista antes de pedir (e receber) dinheiro ao dono da JBS: era preciso trocar o ministro da Justiça porque “aí mexia na PF”.
“Vai vim um inquérito de uma porrada de gente, caralho, eles são tão bunda mole que eles não (têm) o cara que vai distribuir os inquéritos para o delegado. Você tem lá cem, sei lá, 2 mil delegados da Polícia Federal. Você tem que escolher dez caras, né?”, descreveu.

Polícia Federal cumpre mandados de busca e apreensão na residência de Aécio Neves no Rio de Janeiro, em mais uma fase da Operação Lava Jato, no dia 18 de maio.
Foto: Alessandro Buzas/Futura Press/Folhapress
Com base nas delações dos executivos da JBS, a Procuradoria-Geral da República denunciou o senador por corrupção passiva e obstrução e Justiça. Pediu a perda da “função pública” e o pagamento, junto da irmã, Andrea Neves, de R$ 6 milhões como indenização de danos morais e materiais à União.
O tucano denunciado e sob risco é a versão mais recente do herdeiro político de Tancredo Neves. Como deputado e governador, ele era citado como um político diplomático e habilidoso. Chegou a ser elogiado até mesmo pela então candidata petista Dilma Rousseff durante um ato de campanha em Minas Gerais em 2010, que o chamou de “governador exemplar” com quem mantinha “a melhor relação possível”.
Quatro anos depois, Aécio saiu da campanha derrotada à Presidência disposto a interditar o governo Dilma, então adversária declarada. Adotou tom beligerante, incentivou as manifestações pró-impeachment e levou ao Tribunal Superior Eleitoral as ações contra a chapa vitoriosa que, por pouco, não dragaram o governo do qual passaria a fazer parte.
Uma vez detido, o que a boa memória do ex-governador teria a dizer sobre os colegas que o deixaram ferido na estrada?
Esse lado tão estourado quanto atrapalhado do senador agora afastado levou parte dos interessados a acompanhar com apreensão a sessão da 1ª Turma do STF. Uma vez detido, o que a boa memória do ex-governador, conforme a definição das colunas de bastidores, teria a dizer sobre os colegas que o deixaram ferido na estrada?
O adiamento da decisão sobre sua possível prisão, somado à concessão de prisão domiciliar à sua irmã e seu primo, aquele que deveria morrer antes da delação, foi interpretado como indicativo de vitória no STF, que dirá em breve se o caso deve ser apreciado na 1ª Turma ou no Plenário. Até lá, todos ganham tempo, inclusive o PSDB, que por ora não corre o risco de decidir sobre o comando da sigla com o comandante algemado.

A irmã do senador Aécio Neves, Andrea Neves, chega ao IML após ser presa na Operação Lava Jato, no dia 18 de maio.
Foto: Foto: Pedro Silveira/Folhapress
“É bom que ele esteja mais tranquilo e tome uma decisão tirando esse peso da irmã”, despistou o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).
O adiamento, por outro lado, prolonga a agonia de quem não parece chegar a um acordo sobre permanecer ou não no governo, apoiar ou não as reformas, ignorar ou não a condição de sua liderança principal.
A indefinição ajuda a levar incerteza até mesmo onde o trator governista parecia intocável. Pois, no mesmo dia em que Aécio e o PSDB tiveram os destinos adiados, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado rejeitou, com o voto de um tucano, o relatório de um outro tucano sobre a reforma trabalhista. A exposição do racha acontecia enquanto o presidente vestia a fantasia de chefe de Estado na Rússia, mas era citado, por aqui, como chefe de organização criminosa pelo dono da JBS e como detentor das digitais em evidências de corrupção passiva no inquérito da PF.
O timing da Justiça nem sempre é o mesmo da política, embora às vezes se esforcem por se encontrar. Aliviado ou não, Aécio já cumpre na prática sua espécie de exílio particular. De governador respeitado por adversários a opositor irresponsável, sua última faceta é a de um tucano acuado com um longo passado pela frente.
Foto em destaque: Aécio Neves durante o processo de impeachment no Senado, em agosto de 2016
(Publicado originalmente no site do Intercept Brasil)
sexta-feira, 23 de junho de 2017
quinta-feira, 22 de junho de 2017
Publisher: Brazil, an unlikely country
The sentence that will be handed down by federal judge Sérgio Moro in the context of the Lava Jato Investigations, involving former president Luiz Inácio Lula da Silva, is awaited for the next few hours. This action in particular concerns the case of the triplet in Guarujá, where the former president is accused of receiving the property as a kind of payment for benefiting the group OAS, in little republican contracts with state Petrobras, in his government. The defense alleges that there is no material evidence to indicate that Lula is the real owner of this property, but yesterday the executive Léo Pinheiro, again stated that the property "always" was reserved for Lula. The attorneys for the former president also claim that the building where the property is situated would have been given as a guarantee to Caixa Econômica Federal, as a result of OAS transactions with that bank - which would prevent the sale of the apartments - but the Bank already informed that the clauses would not prevent the commercialization of the property. The tendency is that the president is even condemned as part of the strategy of isolating him politically.
I am half absorbed, trying to understand what is happening in the country. In these moments, almost always, a series of reflections of national personages, of the most diverse fields of action, comes to mind. The last one is from a Pernambuco, the writer and playwright Nelson Rodrigues, who said that Brazil is an unlikely country. In fact it is. The argument used by Minister Gilmar Mendes, when giving his vote of minerva for the approval of the campaign accounts of Dilma / Temer was not to deepen the institutional crisis that the country began to cross after the impeachment of President Dilma Rousseff. As a result of the political carriage, the crisis has not only not been stagnant, but is getting worse every day, with the chair of the Presidency of the Republic occupied by a president without legitimacy, without popular support, with strong indications pointed out by the Federal Police to have Committed a crime of passive corruption in the exercise of the mandate.
We are prolonging the suffering of an entire nation by reason of a political system that still finds mechanisms of self-survival, allied to sectors of the judiciary that seem to overlook the seriousness of the problem. In no way will we bypass the crisis being managed by a ruler with this profile, who has been adopting a program of extremely damaging measures for the working class. Yesterday, faced with the impasses that prevent the government from controlling its allied base, the labor reform suffered a blow to one of the Federal Chamber committees. Nothing so definitive, but that represents a certain breath. In conversation today, with political scientist Michel Zaidan, he said he believed that the only possible way out for Michel Temer is to stop taking the chair of President of the Republic.
The political system, however, protects itself as never before. Rodrigo Maia refuses to accept the various requests for impeachment that were referred to the Federal Chamber, including the OAB. If the government falls, a bunch of public agents fall, and they must lose the privileged forum, as is the case of the minister Moreira Franco, his son-in-law. Rodrigo Maia is also in a hurry to submit to the Federal Chamber a possible request for an investigation by the President, formulated by the Attorney General's Office. Time is pressing because it is difficult to secure the support of an increasingly precarious base of support. The government points out the toucans as responsible for the last defections that resulted in this defeat. The supposed dilemma of the toucans has been discussed here on more than one occasion. One of the motivations, as always, is also a kind of self-protection. There are many toucans with dirty wings. The Grand Master Fernando Henrique Cardoso, who defended the permanence in the government, returned to reassess the situation.
quarta-feira, 21 de junho de 2017
Precisamos falar sobre Neoliberalismo


Mural em Porto Rico (Foto Stephanie Segarra / Reprodução)
Neoliberalismo é um termo antipático mais pronunciado por quem o critica enquanto economia política, do que por quem possa, conscientemente ou não, concordar com sua ideologia. Não falamos sobre neoliberalismo por se tratar de um assunto difícil do ponto de vista teórico, mas porque muitos preferem mesmo repetir a opinião que não compromete.
Sabemos no entanto que, se uma palavra nos perturba, é nela que temos que investir os esforços da nossa inteligência. Nesse sentido, é preciso enfrentar um problema semiológico-político: vivemos atualmente sob o signo impronunciado do neoliberalismo. De fato, um silêncio paira sobre nós para nos livrar da coisa a qual ela se refere.
E do que estamos falando? De uma experiência vivida pessoal e coletivamente que implica o nosso futuro como sociedade. Quem seremos nós depois do neoliberalismo é a pergunta que pode nos ajudar nesse momento.
Se o neoliberalismo é a luta de classes dos ricos contra os pobres, podemos ter certeza de que, com o advento do neoliberalismo, seremos mais pobres. O neoliberalismo precisa acabar com a luta pela igualdade social e de classes, já que não se beneficia com ela em sentido algum.
Pensando no que seremos no futuro, se hoje vivemos sem direitos fundamentais assegurados, saúde e moradia, educação e trabalho, a tendência projetada pelo neoliberalismo é que as hordas de alienados, que hoje aplaudem aquilo mesmo que os destrói, estarão de tal modo infelizes que aprofundaremos a barbárie entre nós em todos os níveis. Em uma sociedade para poucos, com o acirramento da desigualdade, a violência se intensificará até a barbárie. Como o neoliberalismo é a vida reduzida ao mercado, ele mesmo providenciará as armas e lucrará com isso.
O neoliberalismo é a economia política que faz retornar a luta de todos contra todos em nome do capital. Projeta-se uma sociedade de muitos perdedores sociais e econômicos e alguns poucos vencedores articulados com primores de ideologia disfarçadas de mérito e competência, promessa dos mais eminentes de seus teóricos.
Privatizar e desregulamentar economias para entregá-las ao setor privado, é parte do programa acionado pelo dispositivo ideológico que usa cada corporação, que usa cada indivíduo como parte do seu plano. Minimizar o Estado para a maioria da população e reservá-lo às elites econômicas, é a parte nuclear do seu método.
O próprio neoliberalismo inventou que falar dele soa antipático. Na varredura que o capital faz pelo mundo afora, até mesmo o Rio Grande do Sul, que parecia um lugar tão distante e protegido por seus aguerridos cidadãos cuja fama é de coragem política e senso de cidadania, está sendo levado pelo vento. Precisamos falar sobre neoliberalismo para soprar essa desgraça para longe de nós.
Artigo publicado no jornal Zero Hora em 11/06/2017
(Reproduzido do site da Revista Cult)
terça-feira, 20 de junho de 2017
Michel Zaidan: Reflexões sobre a Revolução Russa no ano do seu centenário
Michel Zaidan Filho
(Professor-titular do Centro de Filosofia e Ciências Humanas-UFPE)
1. O primeiro ponto a se considerar sobre a Revolução Russa, numa retrospectiva de 100 anos, é se ela foi a última revolução europeia contra o capitalismo, do século XIX, ou se ela pode ser caracterizada como a primeira na periferia do mundo capitalista?
É de se lembrar de que a Revolução Francesa iniciou um ciclo revolucionário, na Europa (e no resto do mundo), que se fecha com a derrota da Comuna de Paris (1781). Até a Comuna, é possível vislumbrar um conjunto de influências revolucionárias tais como: o anarquismo, o blanquismo, o socialismo pré—marxista etc. Ou seja, onde é patente a presença de ideias europeias e de militantes sociais europeus naquele movimento, sendo a influência das ideias de Marx muito pequena ou quase nula. (Vejam-se, a propósito, as críticas de Marx aos “comunards” franceses, nos manuscritos guardados no Museu de História Social de Amsterdam, e as de Lenin, no ensaio “As duas táticas da socialdemocracia russa” à Comuna de Paris). Já a Revolução Russa trai a participação decisiva dos bolcheviques e a orientação marxista na condução do movimento revolucionário, sem desprezar o papel de anarquistas, dos camponeses, soldados e marinheiros. Sobre isso, há um longo debate entre revolucionários russos (não marxistas) e o próprio Marx sobre os caminhos disponíveis para a Revolução na Rússia, incluindo as possibilidades de uma passagem da antiga economia agrário-camponesa russa diretamente para o socialismo, muito ao contrário da ortodoxia engelesiana da necessidade de uma “revolução democrático-burguesa”. (Vejam-se as cartas de Marx a Vera Zazulitch, em comparação aos fragmentos publicados por Eric Hobsbawn, em “Formações econômicas pré-capitalistas”). Se for possível tomar a formulação leninista sobre o Imperialismo, e adotar a tese de que a Revolução se daria no “elo mais fraco” da cadeia imperialista, então temos de admitir que a Revolução Russa fosse a última grande revolução socialista europeia, já no século XX. É assim que se pode interpretar a análise de Gramsci sobre “a guerra de movimento”, em referência à revolução. E seu prognóstico de que as futuras revoluções no Ocidente seriam “guerras de posição”. (Veja-se Nota sobre Maquiavel, a Política e o Estado Moderno).
Independentemente da controvérsia sobre a ortodoxia revolucionária dos bolcheviques e a natureza de sua revolução, é indiscutível que Lenin se louvará nas obras de Marx para defender a Revolução Russa. Como se sabe, nenhuma revolução se faz de acordo com um manual; ocorre sempre dentro de circunstâncias bem determinadas. E a despeito do estatuto teórico duvidoso de muitas das posições leninistas, podemos aceitar o caráter socialista da revolução, num contexto de guerra e cerco das potencias imperialistas à Revolução de Outubro.
Nesse sentido, a Revolução Russa pode ser considerada a primeira Revolução Socialista (vitoriosa) da história contemporânea. E que teve um formidável efeito multiplicador das ideias revolucionárias no mundo inteiro: na Europa e fora dela.
2. Outro ponto importante tem a ver com a discussão sobre nacionalismo (ou luta anti-imperialista), democracia liberal e socialismo. Os que apontam na direção do “comunismo de guerra” dos primeiros anos, se dispõem a admitir que originalmente trata-se de uma revolução anti-imperialista, onde uma espécie de acumulação primitiva faz muitas concessões à propriedade agrária dos camponeses. Sendo, portanto, impossível caracterizar esse momento da luta revolucionária como uma construção socialista. É a etapa da chamada “Nova Política Econômica”, em que de fato abre-se um espaço para propriedade camponesa, a fim de que os camponeses apoiem a revolução, num momento crucial de sua existência. A defesa da Revolução é mais importante do que a socialização das terras, num contexto de uma pequena classe operária industrial e do oceano agrário que era a Rússia nesse então. Buscar uma base doutrinária em Marx, Engels, Kautsky ou Chayanov para justificar essas medidas é inútil e desnecessário. As medidas de Lenin se devem ao calor da hora e a urgência de garantir o apoio campesino á Revolução.
Poder-se-ia objetar que tais concessões levariam a um reforço à mentalidade de proprietário do pequeno camponês. E que num momento seguinte, seria necessária a expropriação da pequena propriedade. Mas a questão foi adiada e coube a Stalin resolvê-la, pela força, desorganizando até hoje a agricultura russa.
3. Mais complicado é, sem dúvida, a questão da democracia liberal. Num momento em que a Assembleia Constituinte estava funcionando e mantinha a pluralidade partidária, tanto quanto os Conselhos de Operários e Soldados, os bolcheviques decidiram fechar a ele órgão de representação política e os Conselhos, sob a alegação de conspiração ou oposição contrarrevolucionária à nova ordem instituída. O que teria levado Rosa Luxemburgo a dizer que a democracia e a liberdade de expressão só se colocam para quem diverge de nós, não para quem pensa igual à gente. Na verdade, a questão da democracia no âmbito da cultura marxista-leninista sempre foi encarada como um expediente tático. Nunca como estratégia revolucionária. Seria necessário aguardar o pensamento de Antônio Gramsci e seus intérpretes, para que fosse possível repensar “a hegemonia como contrato”, ou “rousseunizar” Gramsci, como diz o ensaísta brasileiro Carlos Nelson Coutinho. (“Marxismo e Teoria Política”). O núcleo duro da teoria política marxista vê o Estado como um instrumento político à serviço da classe dominante. Dessa forma, a democracia só pode ser vista como um expediente tático, para acumulação de forças, em direção à revolução socialista. Daí o caráter das alianças políticas da classe operária e seu partido.
4. Outra questão relevante é a dialética entre o nacional e o internacional, que depois estaria no centro do movimento comunista internacional, envolvendo Stalin e Trotsky. A revolução socialista é mundial ou pode fazer, inicialmente, concessões a minorias nacionais? – Como se sabe, desde “o” Manifesto Comunista”, Marx admite que a emancipação do proletariado moderno não pode se dá, isoladamente, neste ou naquele país. Tem de ser um movimento internacional, sob pena da contrarrevolução triunfar. Como o próprio capitalismo ajuda a escrever uma história mundial, a revolução socialista tem ser, também, em escala mundial. Mas as circunstâncias históricas onde ocorreu a Revolução Russa (tanto internas, quanto externas) foram determinantes no recuo estratégico e a defesa da União Soviética, durante o “comunismo de guerra”. Antes mesmo de Stalin proclamar a doutrina do “socialismo em um só país”, o próprio Lenin já reconhecia que era preciso consolidar a revolução e para isso, seria necessário fazer certas concessões ora aos camponeses ora às nacionalidades ora a burocracia residual do velho regime. Rosa Luxemburgo foi a primeira a chamar a atenção do líder bolchevique de que tais concessões poderiam representar, no futuro, uma ameaça ou entrave para a constituição de uma verdadeira República Soviética. Mas naturalmente prevaleceu a opinião de Lenin, depois muito reforçada por Stalin no debate com Zinoviev e Trotsky. Difícil seria, como em outros casos, achar uma segura base doutrinária para essa tese, já que se tratava de um arranjo tático numa conjuntura política crucial para a sobrevivência da Revolução (a propósito, leia-se “Um passo adiante e dois para trás” e “Esquerdismo: doença infantil do comunismo”, ambos de Lenin)
Na verdade, quando se compara a possibilidade de uma revolução socialista na Europa com aquela que se deu na Ásia e depois, na América Latina e na África, é quanto se percebe o peso da questão nacional em relação ao internacionalismo proletário. A despeito, da Internacional Comunista ter sido pensada como “o estado maior da revolução mundial”, ela foi usada por Stalin em função das conveniências políticas (nacionais) da União Soviética. Veja-se, por exemplo, o que ocorreu com os comunistas na guerra civil espanhola.
5. Outro ponto muito discutido na experiência revolucionária russa (e fora da Rússia) é o do papel dos camponeses. É preciso dizer que Marx, diferentemente de Engels, Lenin ou Chayanov, nunca morreu de amores pelos camponeses e/ou a pequena propriedade rural. É conhecida a sua famosa expressão “um saco de batatas”, referindo-se ao campesinato francês, que sempre votava a favor dos Bonaparte. (Veja-se O Dezoito Brumário de Luiz Bonaparte). Seu companheiro Engels, e depois Lenin, é quem manifestaram uma maior acuidade política em relação à questão camponesa, na Europa e fora dela. O primeiro escreveu o conhecido artigo: “o problema camponês na França e na Alemanha”. E o segundo, sempre teve o maior cuidado de contemplar as reivindicações do pequeno campesinato no processo revolucionário, sobretudo na fase democrático-burguesa da revolução. A tendência do desenvolvimento do capitalismo no campo era a proletarização objetiva dos camponeses e sua transformação em operários. Mas, subjetivamente, as coisas não eram assim. Muitos alimentavam a ilusão da posse da terra, mesmo em condições de profundo endividamento. Não eram ideologicamente a favor da coletivização da terra. Se na Europa, ainda havia resquícios de uma mentalidade feudal ou camponesa entre os trabalhadores do campo, imagine na Rússia! Na verdade, a decisão de coletivizar (à força) a agricultura soviética foi de Stalin, numa espécie de acumulação primitiva do “socialismo em um só pais”. E essa decisão custou muito caro: desorganizou a agricultura soviética até hoje.
Agora, como transformar isso numa teoria revolucionária, contemplando a situação particular dos camponeses, esse é o problema teórico. Máxime, para os países de desenvolvimento capitalista tardio. A não ser que os pequeno-camponeses fossem encarados como “aliados táticos”, numa certa fase da revolução. Depois, seriam descartados se não aderissem ao socialismo. Pessoalmente, considero a questão agrária ou camponesa como uma espécie de “ponto dollens” da teoria revolucionária do socialismo, sobretudo quando levado para a periferia do capitalismo.
6. Já a questão da relação entre Democracia e Socialismo divide os marxistas há muito tempo. Marx, que não morria de amores pela “democracia burguesa”, pareceu não dá muita importância a essa questão. Apesar da tese dos marxistas contemporâneos, apoiados em Gramsci, apontarem para um processo de ampliação do Estado nas sociedades ocidentais, em razão da constituição de uma sociedade civil robusta e complexa, acho difícil encontrar no pensamento de Marx abrigo para uma estratégia democrática radical para o advento do socialismo. Existe, é verdade, o testamento de Engels falando do avanço eleitoral da socialdemocracia alemã, no final do século, e da possibilidade de uma vitória eleitoral do proletariado naquele país. Entretanto, esse testamento tornou-se mais um problema – na história das disputas internas no pensamento socialista, do que uma solução. Foi preciso esperar os debates do pós-guerra, para ver a elaboração daquilo que veio a ser conhecido como “eurocomunismo” e de uma estratégia democrática (processual) para o advento do socialismo.
Nada disso havia no período anterior à duas grandes guerras. O debate entre “guerra de movimento” e “guerra de posição” ainda não tinha se colocado com tanta força para os partidos socialistas do ocidente, como depois do refluxo da onda revolucionária. A questão parecia simples: Revolução Permanente, com a transmutação da revolução democrático-burguesa em revolução socialista, sob a liderança da classe operária, ou as revoluções por etapa, respeitando-se o ritmo, o caráter específico e a direção dos processos revolucionários. Como ficou conhecido, a primeira tese foi defendida por Trotsky, em sua famosa obra “A revolução Permanente”, apoiando-se no voluntarismo de Marx no contexto da revolução de 1848-1851 na França. A segunda, por Stalin e seus seguidores, em vários escritos de ocasião.
Concordando-se ou não com o ponto de vista de Trotsky, é necessário convir que sua tese estivesse mais próxima da de Marx do que a de Stalin ou mesmo das concessões táticas do gênio de Lenin. De toda maneira, a sorte da questão democrática no interior da dialética revolucionária russa, é semelhante à da questão camponesa. Nunca se achou um fundamento estratégico sólido ora para o etapismo ora para a revolução permanente. O que há são escritos políticos de ocasião, com exceção naturalmente do livro de Trotsky. Mas isso dividiu o movimento revolucionário entre aqueles que acham ser a revolução um processo mundial, sem etapas rumo ao socialismo, e outros que defendiam uma sequência necessária entre uma etapa democrático-burguesa e a revolução socialista propriamente dita. Infelizmente, como as outras questões, esse debate produziu consequências políticas sérias para a revolução nos países onde os Partidos Comunistas tinham que atuar, incluindo o caso do Brasil, da China, do México etc. Mas essa é outra história que não cabe ser tratada aqui.
A tese veiculada no 6º Congresso da internacional Comunista falava, por exemplo, de uma revolução democrático-burguesa anti-imperialista que devia realizar tarefas expropriatórias e políticas preparatórias para a revolução socialista. Esta tese hegemônica, inspirada na Revolução Chinesa, se chocava com as elaborações nacionais de outros PCs que acentuavam a necessidade de uma revolução democrático pequeno-burguesa, bem mais limitada do que aquela. Mas prevaleceu a tese da IC e os partidos comunistas se alhearam dos processos revolucionários reais, dirigidos pela chamada “pequena-burguesia”. E os responsáveis pelas elaborações nacionais foram punidos e afastados dos PCs.
7. Finalmente, chegamos à questão crucial: pode a revolução russa servir de modelo para a revolução socialista no mundo inteiro ou para aqueles países chamados de “coloniais” ou “neocoloniais” ou “dependentes”, como diziam as teses do 6º Congresso da IC?
Faço minhas as palavras da grande revolucionária Rosa Luxemburgo, em seu opúsculo “A Revolução Russa”: não se pode transformar a necessidade em virtude, ou seja, é impossível a universalização de um tipo de revolução, que se deu em circunstâncias históricas e políticas muito particulares, a despeito da formulação leniniana do “elo mais fraco da corrente” numa época de dominação imperialista. Eram louváveis e necessários os esforços da socialdemocracia alemã e russa de analisar a especificidade do “capital monopolista” ou do “capital financeiro”, no final do século 19. E houve várias tentativas: “O Imperialismo – Etapa superior do capitalismo”, “O capital financeiro”, “Acumulação de Capital” e outros. Mas nada disso explicaria ou anteciparia as condições dramáticas em que ocorreu a revolução. Deve-se à enorme frente de militantes (anarquistas, social-revolucionários, bolcheviques) e ao gênio político de Vladimir Lênin todas as concessões táticas e estratégicas necessárias para o triunfo da onda vermelha, da defesa da Revolução e a própria constituição da URSS. Mas a leitura atenta de toda obra de Lenin, acrescida da de Trotsky e Stalin, não nos autoriza a construir um modelo universal de Revolução Socialista calcado nas vicissitudes da experiência soviética. Tanto os problemas que se apresentaram na construção socialista russa, como os advindos da mera transposição de táticas e estratégias do movimento comunista internacional para os movimentos socialistas ou de libertação nacional nos países da periferia do capitalismo foram resultantes de uma racionalização política equivocada e que trouxe mais prejuízos à causa da revolução mundial do que benefícios. De certo modo, a “queda do muro de Berlim” – tomada como uma expressão metafórica para falar da crise do socialismo realmente existente – é produto dessas contradições, ambiguidades e problemas mal resolvidos, que foram simplesmente transformados em solução.
Cabe aos revolucionários do século XXI colher as preciosas lições de grande (e única) revolução socialista para repensar a sua prática revolucionária. A rica experiência da Revolução de outubro oferece um catálogo completo dos desafios e das possibilidades de se construir um mundo mais justo, mais humano e digno para toda a humanidade.
sábado, 17 de junho de 2017
sexta-feira, 16 de junho de 2017
JBS patrocinou o impeachment de Dilma?
Marqueteiro de Temer afirmou ter sido contratado pela JBS para derrubar Dilma. O maior processo da história da Justiça Eleitoral não passa de uma farsa
O julgamento da chapa Dilma/Temer no TSE talvez represente o auge da esquizofrenia da qual padece a política brasileira. A ação foi movida por Aécio Neves para, segundo o próprio, apenas “encher o saco do PT”. As acusações que fundamentaram o processo do tucano são exatamente as mesmas pelas quais sua chapa é acusada: abuso de poder político e econômico, recebimento de propina e beneficiamento do esquema de corrupção na Petrobras. Hoje no governo, Aécio e sua turma torcem para perder a ação que moveram. Portanto, o mais importante processo da história da Justiça Eleitoral nada mais é do que uma retumbante farsa.
Enquanto os olhos do país estão voltadas para a patacoada, uma notícia fundamental para compreender um pouco os fatos que nos trouxeram até aqui ficou ao relento na grande imprensa brasileira: o marqueteiro de Temer afirmou ter sido contratado pela JBS para derrubar Dilma.
Antes, vamos contextualizar os acontecimentos. Joesley da JBS havia revelado em sua delação queTemer pediu uma propina de R$300 mil. À época, o processo de impeachment ainda estava em curso e, estranhamente, Temer precisava do dinheiro para despesas de marketing político pela internet. Segundo Joesley, o então vice-presidente queria se defender dos duros ataques que vinha recebendo nas redes.
Temer teria orientado que o dinheiro fosse pago para o publicitário Elsinho Mouco – seu marqueteiro oficial há 15 anos e que hoje exerce papel importante no governo. É ele quem escreve os discursos de Temer e ajudou a redigir o famigerado programa Ponte para o Futuro.
Bom, no último domingo, Elsinho contou ao Estadão a sua versão, que é um pouco diferente do que ele havia dado em uma nota à imprensa divulgada após a publicação da delação de Joesley. Segundo o publicitário, o dono da JBS o convidou para um jantar nababesco em seu palacete no Jardim Europa em São Paulo. Regados a “whisky 18 anos” e “camarões gigantes”, Joesley revelou que queria financiar um serviço de monitoramento de redes sociais que ajudaria a derrubar Dilma:
“O empresário perguntou então quanto custaria o serviço, que a princípio seria pago pelo PMDB nacional. “R$ 300 mil”, respondeu Elsinho de pronto. “Eu pago isso. Vamos derrubar essa mulher”, teria dito Joesley.”
O dinheiro dado ao marqueteiro de Temer teria sido usado para “monitorar digitalmente movimentos pró-impeachment, o PMDB e a Fundação Ulysses Guimarães”.
Portanto, temos duas versões. O dono da JBS garante que a propina foi paga em espécie para Elsinho a pedido de Temer. Já o publicitário afirma que foi Joesley quem o procurou espontaneamente para contratar seus serviços, sem propina e sem envolvimento de Temer.
Um dos dois está mentindo. A versão de Elsinho é estranha,parece querer poupar seu chefe. É difícil imaginar que o publicitário tenha feito o orçamento do serviço ali na hora, no meio do jantar. Segundo o publicitário, o dono da JBS chamou um mordomo e ordenou: “Pega lá R$ 300 mil e entrega para o Elsinho”. Nessa versão capenga, o publicitário teria ido apenas visitar um cliente em potencial, fez o orçamento e imediatamente recebeu o valor integral em dinheiro vivo antes mesmo de prestar o serviço. Elsinho, cujo irmão acaba de ganhar uma concorrência de R$ 208 milhões para a publicidade do Palácio do Planalto, teria muito a perder se confirmasse a história do dono da JBS.
A versão de Joesley me parece mais verossímil: Temer pediu para entregar a propina para seu marqueteiro, que foi até a casa do empresário e saiu com o valor que havia sido previamente combinado entre os patrões. A dúvida fica por conta da finalidade da propina. R$300 mil para defender Temer de ataques da internet às vésperas da votação do impeachment? Ou seria mesmo para derrubar Dilma?
Apesar da relevância da informação dada pelo marqueteiro de Temer, o Estadão não deu chamada de capa, a Folha não repercutiu, e nem preciso falar sobre o Grupo Globo. Não parece ser do interesse do braço midiático revelar os detalhes do funcionamento do braço financiador do golpe parlamentar.

O fator Kátia Abreu
Maior doadora da campanha de Dilma, a JBS havia entrado em conflito com a presidenta antes mesmo do início do seu segundo mandato. A indicação de Kátia Abreu para o ministério da Agricultura não incomodou apenas petistas, ambientalistas e movimentos sociais, mas também a JBS e até o PMDB – partido que recém abrigava a senadora à época. O grupo empresarial de Joesley sempre foi alvo de duríssimas críticas de Kátia Abreu. Este trecho de reportagem da Folha de 2014 revela o tamanho da briga:
Enquanto os olhos do país estão voltadas para a patacoada, uma notícia fundamental para compreender um pouco os fatos que nos trouxeram até aqui ficou ao relento na grande imprensa brasileira: o marqueteiro de Temer afirmou ter sido contratado pela JBS para derrubar Dilma.
Antes, vamos contextualizar os acontecimentos. Joesley da JBS havia revelado em sua delação queTemer pediu uma propina de R$300 mil. À época, o processo de impeachment ainda estava em curso e, estranhamente, Temer precisava do dinheiro para despesas de marketing político pela internet. Segundo Joesley, o então vice-presidente queria se defender dos duros ataques que vinha recebendo nas redes.
Temer teria orientado que o dinheiro fosse pago para o publicitário Elsinho Mouco – seu marqueteiro oficial há 15 anos e que hoje exerce papel importante no governo. É ele quem escreve os discursos de Temer e ajudou a redigir o famigerado programa Ponte para o Futuro.
Bom, no último domingo, Elsinho contou ao Estadão a sua versão, que é um pouco diferente do que ele havia dado em uma nota à imprensa divulgada após a publicação da delação de Joesley. Segundo o publicitário, o dono da JBS o convidou para um jantar nababesco em seu palacete no Jardim Europa em São Paulo. Regados a “whisky 18 anos” e “camarões gigantes”, Joesley revelou que queria financiar um serviço de monitoramento de redes sociais que ajudaria a derrubar Dilma:
“O empresário perguntou então quanto custaria o serviço, que a princípio seria pago pelo PMDB nacional. “R$ 300 mil”, respondeu Elsinho de pronto. “Eu pago isso. Vamos derrubar essa mulher”, teria dito Joesley.”
O dinheiro dado ao marqueteiro de Temer teria sido usado para “monitorar digitalmente movimentos pró-impeachment, o PMDB e a Fundação Ulysses Guimarães”.
Portanto, temos duas versões. O dono da JBS garante que a propina foi paga em espécie para Elsinho a pedido de Temer. Já o publicitário afirma que foi Joesley quem o procurou espontaneamente para contratar seus serviços, sem propina e sem envolvimento de Temer.
Um dos dois está mentindo. A versão de Elsinho é estranha,parece querer poupar seu chefe. É difícil imaginar que o publicitário tenha feito o orçamento do serviço ali na hora, no meio do jantar. Segundo o publicitário, o dono da JBS chamou um mordomo e ordenou: “Pega lá R$ 300 mil e entrega para o Elsinho”. Nessa versão capenga, o publicitário teria ido apenas visitar um cliente em potencial, fez o orçamento e imediatamente recebeu o valor integral em dinheiro vivo antes mesmo de prestar o serviço. Elsinho, cujo irmão acaba de ganhar uma concorrência de R$ 208 milhões para a publicidade do Palácio do Planalto, teria muito a perder se confirmasse a história do dono da JBS.
A versão de Joesley me parece mais verossímil: Temer pediu para entregar a propina para seu marqueteiro, que foi até a casa do empresário e saiu com o valor que havia sido previamente combinado entre os patrões. A dúvida fica por conta da finalidade da propina. R$300 mil para defender Temer de ataques da internet às vésperas da votação do impeachment? Ou seria mesmo para derrubar Dilma?
Apesar da relevância da informação dada pelo marqueteiro de Temer, o Estadão não deu chamada de capa, a Folha não repercutiu, e nem preciso falar sobre o Grupo Globo. Não parece ser do interesse do braço midiático revelar os detalhes do funcionamento do braço financiador do golpe parlamentar.
O fator Kátia Abreu
Maior doadora da campanha de Dilma, a JBS havia entrado em conflito com a presidenta antes mesmo do início do seu segundo mandato. A indicação de Kátia Abreu para o ministério da Agricultura não incomodou apenas petistas, ambientalistas e movimentos sociais, mas também a JBS e até o PMDB – partido que recém abrigava a senadora à época. O grupo empresarial de Joesley sempre foi alvo de duríssimas críticas de Kátia Abreu. Este trecho de reportagem da Folha de 2014 revela o tamanho da briga:
“Em discurso na tribuna do Senado, em 2013, Kátia Abreu criticou uma suposta prática monopolista e marketing enganoso’ por parte do grupo JBS, que cresceu no mercado adquirindo outros empreendimentos menores.
No centro do ataque estava um polêmico financiamento de R$ 7 bilhões do BNDES à JBS-Friboi que, segundo Kátia Abreu, poderia ter sido usado para ajudar pequenas e médias empresas em dificuldade.”
Irritado com a notícia de que Kátia provavelmente seria a nova ministra, o falastrão Joesley foi procurar quem para reclamar? O seu amigo Michel Temer, claro. Não satisfeito, foi se lamentar também com Aloizio Mercadante (PT), então chefe da Casa Civil, que o recebeu em uma conversa reservada, fora da agenda oficial. Ainda segundo a Folha, Dilma foi aconselhada a conversar com Joesley e tentar contornar sua insatisfação, o que teria ocorrido em um encontro sigiloso.
Todo esse lobby contra Kátia Abreu não deu certo e a ex-presidente bancou sua nomeação, contrariando seu próprio partido, seu principal aliado político (PMDB) e a JBS. Naquele momento se iniciava um conflito entre Dilma, o PMDB e o principal financiador de campanhas políticas no Brasil.
Joesley revelou em delação que deu R$30 milhões para Cunha, que teriam sido usados para bancar sua campanha à presidência da Câmara, em 2015. “Cunha saiu comprando deputado, saiu comprando um monte de deputados Brasil a fora. Para isso que serviam os R$ 30 milhões”, afirmou Joesley à PGR. Ou seja, a JBS também patrocinou a eleição de Cunha, o inimigo número um de Dilma, o homem que lideraria um golpe parlamentar para derrubá-la.
Vamos ligando os pontos. Não podemos esquecer também dos R$ 4 milhões em propinas da Odebrecht que Lucio Funaro (doleiro, lobista e operador das propinas de Cunha) enviou para Eliseu Padilha através de José Yunes (ex-assessor especial do governo Temer e amigo do presidente há mais de 50 anos). Na ocasião, o amigo de Temer ouviu do doleiro qual era a finalidade do dinheiro: “A gente está fazendo uma bancada de 140 deputados, para o Cunha ser presidente da Câmara”. Segundo Yunes, Temer não pode dizer que não sabia de nada: “Contei tudo ao presidente em 2014. O meu amigo (Temer) sabe que é verdade isso. Ele não foi falar com o Padilha. O meu amigo reagiu com aquela serenidade de sempre (risos).”
Portanto, como se não bastassem as confissões públicas de que as pedaladas fiscais não foram o motivo que levaram à queda de Dilma, agora ainda temos fortes indícios de que a eleição de Cunha e o processo de impeachment foram financiados com dinheiro de propina de grandes empresas e teve envolvimento direto de Michel Temer.
(Publicado originalmente no site do Portal Carta Maior)
Governo está prestes a aprovar projetos a favor de grilagem e outros crimes ambientais
Maurício Torres e Sue Branford
“NÃO É PRA TIRAR madeira, é pra tirar minério que eu quero a terra”, explicou-nos no final de abril um grileiro do Pará que se dizia dono de alguns milhares de hectares dentro do Parque Nacional do Jamanxim. A madeira retirada de lá, ele já saqueou e “esquentou” com documentos que atribuíam outra origem a ela e possibilitaram sua venda. Mas um garimpo de grandes dimensões para extração de cassiterita, como é de seu interesse agora, dificilmente passaria despercebido como a pilhagem madeireira, uma vez que as Unidades de Conservação (UCs) constituem um enorme obstáculo ao negócio.
No final de 2016, entretanto, o governo federal, muito “generosamente”, editou as Medidas Provisórias (MP) 756 e 758, que determinam, entre outras alterações, a redução do Parque do Jamanxim e a alteração de parte da Floresta Nacional do Jamanxim para a categoria de Área de Proteção Ambiental (APA). Na prática, trata-se de um ato que retira proteção da área, uma vez que a APA é um tipo de UC pouco restritiva – as terras podem ser privatizadas, e o Estado pode autorizar desmatamento e a garimpagem em seu interior.
Quando foram analisadas pelo Congresso, no final de maio, como seria previsível, as MPs se tornaram ainda mais agressivas, chegando a colocar sob ameaça quase 1,2 milhões de hectares de áreas protegidas. Transformados nos Projetos de Lei de Conversão (PLVs)4 e 5, os textos reduzem a proteção das áreas em 600 mil hectares que estão em uma região “sob intensa disputa, que sofre com o avanço da fronteira agropecuária, megaprojetos, atividades ilegais de exploração de madeira e minérios e a grilagem de terras públicas”, como manifestou a Ascema, (Associação Nacional dos Servidores Ambientais). A entidade classificou a redução das UCs como “atos autoritários de supressão de direitos feito por um governo golpista, com o apoio da bancada ruralista do Congresso Nacional”.
Na região que visitamos, no sudoeste do Pará, pretende-se a redução do Parque do Jamanxim e a criação, no lugar, da APA Rio Branco. Entretanto, não encontramos nada que justificasse a mudança. Ao contrário. Não há uma única ocupação efetiva, com morador, roça ou qualquer indício da presença de qualquer posseiro. Por outro lado, a área está permeada de grandes garimpos ilegais e ramais madeireiros. Esses seriam os grandes beneficiários da recategorização da UC, além da grilagem que controla a região.
O presidente Temer tem até 22 de junho para sancionar ou vetar, total ou parcialmente, os PLVs. Em comunicado, o Ministério do Meio Ambiente anunciou que o ministro José Sarney Filho recomendou o veto, entre outros motivos, porque “as MPs alteradas representam também um retrocesso diante dos esforços do governo brasileiro em cumprir os compromissos assumidos no Acordo de Paris para combater o aquecimento global”.
“Não tem mais ponte, não. A gente derrubou pro Ibama e ICMBio não perturbarem.”
Entre abril e maio, a reportagem seguiu pela BR-163, a Cuiabá-Santarém, para apurar denúncias da retirada ilegal de grandes quantidades de madeira de unidades de conservação no Pará. Já havíamos confirmado o saqueio madeireiro com imagens de satélites e sabíamos que passaríamos primeiro uma ponte, construída pelos próprios madeireiros, sobre o Rio Branco e, no final da estrada, o acampamento de extração de madeira ilegal, onde esperávamos encontrar, além do crime ambiental, trabalhadores em condições análogas à escravidão.
Pegamos uma precária estrada de terra que parte da BR-163 rumo ao leste, um pouco ao sul da Vila de Três Bueiros, no município de Trairão (PA). Em poucos quilômetros, entretanto, nossa caminhonete ficou praticamente enterrada na lama. Enquanto tentávamos desencalhar o carro, apareceu um homem de cerca de 40 anos, vindo na direção contrária. Bastante desconfiado, como todos na região, e visivelmente exausto, ele nos contou que vinha de um garimpo muito adiante. Foi nosso primeiro contato com a gravidade da situação envolvendo os garimpos de cassiterita dentro da unidade de conservação, operando na total ilegalidade.
O homem contou que havia partido do garimpo, onde as condições de trabalho eram terríveis e, ainda por cima, não estava recebendo nada por seu trabalho. Falou, ainda, que caminhava desde a manhã do dia anterior e que havia partido com um companheiro que, esgotado, havia ficado para trás. Após uma última olhada para trás, ele sumiu tão rapidamente quanto apareceu minutos antes.
O socorro veio de onde menos esperávamos. Um madeireiro chegou em um trator e, com uma impressionante prática em lamaçais, nos rebocou de lá e avisou, em tom amistoso e sem qualquer constrangimento: “não tem mais ponte, não. A gente derrubou pro Ibama e ICMBio não perturbarem. Sem ponte, eles só chegam lá se for de helicóptero”.
Fomos mais ao sul, até onde a BR-163 atravessa o rio. Fretamos uma canoa com motor de popa (conhecida na região como “rabeta”) e subimos o Rio Branco por uma hora, ao fim, vimos que o madeireiro estava certo. Quando a voadeira dobrou o último meandro do rio antes da ponte, vimos uma grande balsa atracada na margem leste do rio. Da ponte, só restavam alguns resquícios da antiga estrutura de madeira. A travessia agora era operada pela balsa, que ficava atracada do lado da UC e sobre a qual garimpeiros e madeireiros tinham total controle. Só atravessava quem eles quisessem.

Balsa sobre o Rio Branco, no limite do Parque Nacional do Jamanxim, usada exclusivamente por garimpos ilegais e saqueio madeireiro no interior da UC. A área que pode virar APA Rio Branco e beneficiar a exploração criminosa.
Foto: Daniel Paranayba
No porto da balsa, nova surpresa: não encontramos madeireiros, mas garimpeiros que tentavam alcançar os cabos para puxar a balsa até eles. Sem querer conversa, eles deram a entender que o arranjo com o dono do garimpo saíra errado e eles teriam “ficado rodados” – expressão comum em garimpo para dizer que ficaram sem ter como ir adiante ou voltar. Estavam há dois dias em um acampamento improvisado, pouca comida e sem água potável.
Conforme conhecíamos os garimpeiros, ficava claro que são, comumente, trabalhadores rurais da região vivendo em um estado de aguda exploração por parte dos donos de garimpo, que acumulam fábulas às suas custas. Algo semelhante ao crime organizado da madeira, que explora, muitas vezes, os mesmos trabalhadores em uma cadeia que acaba nas grandes madeireiras com fachadas de legalidade.
“Retirar madeira hoje até que é fácil, difícil é vender ela sem documentação”
É bastante comum na região que envolvidos com crime ambiental, como Luiz Carlos Tremonte, que, além de dono de madeireira por muito tempo, foi por anos presidente do Sindicato das Indústrias Madeireiras do Sudoeste do Pará (Simaspa) e Walmir Climaco, atual prefeito de Itaituba (PA), alcem posições políticas. O prefeito de Trairão, Valdinei José Ferreira, mais conhecido como Django, também madeireiro, acumula multas milionárias extração ilegal de madeira.

Luiz Carlos Tremonte, liderança e empresário do setor madeireiro no oeste paraense.
Foto: Daniel Paranayba
O crime ambiental é tratado como um detalhe burocrático. Quando perguntamos a Climaco se o madeireiro enfrenta dificuldades em explorar madeira, o prefeito responde diante da nossa câmera: “retirar madeira hoje até que é fácil, difícil é vender ela sem documentação”.
“Você faz um projeto de manejo aqui, que tem pouca madeira, e tira do lado, ou de outro canto qualquer. E aquele documento serve pra esquentar essa madeira. Não é legal falar isso? Não é, mas é verdade e todo mundo sabe”, explica Tremonte, um insuspeito defensor do setor madeireiro.
Ele alega que a exploração madeireira é tão saudável para a floresta que chega a propor que o governo criasse um programa para pagar aos madeireiros para tirarem madeira, pois “o madeireiro pereniza a floresta”. Ainda assim, é taxativo: “O setor madeireiro opera na ilegalidade”
Procuradora da República, Fabiana Schneider explica que a atividade madeireira ilegal é “altamente lucrativa e socialmente aceita, ou até mesmo ‘valorizada’, colocando o criminoso na falsa condição de empresário bem sucedido e gerador de empregos”. Entretanto, segundo a procuradora, essa aura encobre a “prática dos crimes de escravidão contemporânea, homicídios no campo, invasão de terras públicas, receptação e furto de bem público, além de uma enorme cadeia de corrupção”.
Trabalho escravo
Para Tremonte, um grande problema que relega o setor madeireiro à ilegalidade é a Justiça Trabalhista, que, segundo ele, “pega muito pesado na região. Você [o patrão] é sempre errado”. Para o Tremonte, a Justiça Trabalhista “acha que o patrão é inimigo. E patrão não é inimigo, muito pelo contrário”.
Não é a opinião do frei Xavier Plassat, coordenador da Campanha Contra o Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), um frade dominicano internacionalmente conhecido por sua luta no combate à escravidão contemporânea. Segundo Plassat, a situação dos trabalhadores na exploração – basicamente ilegal – de madeira do oeste paraense vai além do não cumprimento da legislação trabalhista pelos patrões: “pelo que vem sendo evidenciado nas pesquisas dedicadas a essa questão, é impossível não haver trabalho escravo na operação ilegal das madeireiras.

Acampamento na beira do Rio Branco, no limite do Parque Nacional Jamanxim. Trabalhadores em condições análogas à escravidão são comuns no saqueio madeireiro e nos garimpos ilegais.
Foto: Daniel Paranayba
A razão é simples: na forma como vem sendo conduzida naquela região, a própria extração de madeira já nasce ilegal, criminosa, pois, para operar, ela requer a utilização de licenças fraudulentas, para poder saquear áreas onde não seria permitido esse tipo de extração. Uma atividade criminosa dessa natureza só pode continuar funcionando se for na invisibilidade. Essa exigência só se encontra ‘satisfeita’ na imposição do trabalho escravo: zero infraestrutura, zero rastro, vai e volta e some no mato”, explica o dominicano.
O colono Derisvaldo Moreira já foi vítima das comuns condições de trabalho na exploração ilegal de madeira na região de Uruará, na porção paraense da Transamazônica. “A coisa é feia. Quando não mandam comida e a gente tem que caçar é até melhor, senão é só carne podre e comida azeda”, conta. “Se a água é de igarapé, a gente bebe. Se não tem por perto, é o trator que traz aqueles tambor de 200 litros de água que fica lá até ficar verde. É beber aquilo ou passar sede. A gente bebe”, explica.
As precárias condições não se limitam aos acampamentos na floresta. Um professor de uma comunidade perto de Trairão, sem querer se identificar por medo de represálias, nos relatou que entre seus alunos de 13 a 15 anos, vários têm dedos e mãos mutilados por acidentes na madeireira em função da qual a vila se sustenta.
E, não foi só na exploração ilegal da madeira que encontramos trabalho escravo. Houve ainda os garimpos.
A febre da cassiterita
Ao que parece, por conta das oscilações do mercado e do esgotamento das madeiras mais valiosas nas faixas de até 100 km da BR-163, o garimpo ganhou protagonismo como atividade ilegal no interior daquelas UCs. “Vocês estão por fora da realidade daqui. A estrada chegou aqui por causa da madeira, mas agora a riqueza tá no minério”, nos contou um dono de garimpo no interior do Parque do Jamanxim. Ele se referia ao que parece uma nova febre na região marcada pelo ouro: a exploração de cassiterita, principal fonte do estanho utilizado na produção de latas.
Após não termos conseguido chegar ao nosso destino pela estrada e nem pelo rio, a terceira alternativa foi por ar. Decolamos de Itaituba em um voo tenso, debaixo de muita chuva, e com o monomotor sem a porta do lado direito, para facilitar as filmagens e as fotografias.
“Vocês estão por fora da realidade daqui. A estrada chegou aqui por causa da madeira, mas agora a riqueza tá no minério.”
Depois de uma hora de voo, o que encontramos foi estarrecedor: igarapés e suas matas ciliares completamente destruídos, máquinas de garimpo operando livremente e muitos barracos que evidenciavam a condição de trabalho escravo, como nos descreveu o garimpeiro que encontramos.
Na segunda semana de junho, o Ibama deflagrou uma operação com objetivo de desarticular grupos criminosos que exploravam cassiterita e ouro na região das UCs. Renê Luiz de Oliveira, coordenador-geral de Fiscalização Ambiental do órgão, falando em relação ao local onde se pretende reduzir o parque, explicou que “há ilícitos em todo lugar para onde se olha”. De toda a intensa exploração de garimpos e madeira, “nenhuma atividade se encontrava devidamente licenciada”, complementa o coordenador.
Tudo se torna ainda mais chocante ao percebermos que toda a pilhagem e os impactos que vimos correm o risco de serem amplamente beneficiados por uma Medida Provisória.
Em um quadro onde temos atividades ilegais fora de controle dentro de UCs, sua redução acaba sendo uma didática lição de que basta que grileiros, madeireiros e donos de garimpos invadam e saqueiem uma UC que ficarão com a terra.
Mais de 140 organizações se reuniram no movimento #Resista e criaram uma petição para fazer pressão pelo veto presidencial. “A aprovação das MPs seria um desastre para a Amazônia com potencial para fazer explodir o desmatamento ao longo da BR-163 e abrir o precedente para redução da proteção em outros estados da região”, diz Ciro Campos, assessor do ISA.
Colaboração: Isabel Harari
Esta matéria é produzida em colaboração com Mongabay, portal independente de jornalismo ambiental. Leia a versão em inglês aqui.
(Publicado originalmente no site do Intercept Brasil)
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