pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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quinta-feira, 12 de julho de 2018

Crônica: O Jambu, quem diria, é dos americanos!

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José Luiz Gomes


Para quem ainda duvida do golpe institucional de 2016, basta entender que uma agenda regressiva como esta que está sendo adotada no país não seria possível dentro dos marcos de um regime democrático, mesmo que precário, mesmo que de baixa intensidade. O Estado brasileiro, hoje, tornou-se apenas um fantoche a serviço dos interesses da banca internacional e dos seus operadores brasileiros. Depois do desmonte do SUS e dos milhões de brasileiros que deixaram de pagar os seus planos de saúde privada, agora é chegada a hora de satisfazer ainda mais o apetite voraz dos grupos que exploraram este nicho de mercado, com a ANS - sem ouvir os órgãos de defesa do consumidor - anunciar que irá liberar a cobrança de coparticipação e franquia dos usuários. Ou seja, mesmo pagando suas mensalidades em dia, os usuários, quando precisarem de alguma intervenção, por exemplo, terão que pagar por fora, quando não está dando nem para pagar por dentro.

Os donos dos planos sugerem que os brasileiros realizam muitas ressonâncias magnética, por exemplo. Adotando tal medida, isso poderia inibir tal procedimento. Isso significa, em última análise, leitor, que próprio usuário deverá implorar ao médico para não solicitar tal exame, criando uma situação esdrúxula, uma vez que ele não teria competência para saber se o exame seria ou não necessário. O lucro desses caras? exorbitante. Supera, por exemplo, todo os investimentos previstos para o SUS durante o ano. Em apenas dois anos, tivemos um retrocesso incomensurável. Isso significou perdas de postos de trabalho; corrosão de direitos individuais e coletivos; desmonte de políticas públicas estratégicas. Aumento mesmo apenas no tocante à insegurança pública, com  o fracasso das ações intervencionistas em Estados como o Rio de Janeiro.

Se ainda não fosse suficiente esses fatos, ao dar uma olhada no Feed de notícias no dia de hoje, eis que me dou conta que estaremos perdendo, também, o nosso jambu. Não se trata do jambo, leitor, aquela fruta tropical saborosa, degustada nos meses de Abril e Maio, quando ocorre a sua safra. Mas o jambu com u, uma arbusto da região Norte, muito usado pelos nativos, com inúmeras propriedades terapêuticas, medicinais e culinários. É usado em  pratos típicos da região, como o tacacá e o pato ao tucupi. Mas o jambu também possui um anestésico poderosíssimo, o Espilantol. Seu poder afrodisíaco, testado em ratinhos, deixou os bichinhos subindo pelas paredes.  Creio que esteja aqui o grande interesse dos americanos em relação  a esta planta. O jambu, como disse, é uma planta típica de floretas úmidas. Não dá em solo americano, o que torna ainda mais absurda essa patente. Pior do que isso é que pesquisadores brasileiros, da Universidade da Amazonas, pasmem os leitores, ficaram proibidos de continuarem suas pesquisa com a planta. O jambu agora é americano. Mais um golpe.  




Charge! Benett via Folha de São Paulo

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segunda-feira, 9 de julho de 2018

Crônica: O suicídio do Sabiá

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José Luiz Gomes
 
 
 
Rubem Braga ficaria conhecido como um cronista lírico, um escritor das borboletas e passarinhos. Foi assim que ele foi legitimado no campo literário, Pierre Bourdieu. Ele mesmo, ao escolher suas crônicas para publicação, optava por aquelas mais suaves, poéticas, carregadas de lirismo. Sua crônica mais conhecida, Um Pé de Milho, é uma bela história de um sortudo lavrador da rua Júlio de Castilhos, que, ao acordar - encontra um pé de milho que resolveu nascer num canteiro mal cuidado do seu quintal e consegue, assim, livrar-se da rotina enfadonha de uma máquina de escrever. Para quem escreveu 15 mil crônicas nessas mesmas máquinas de escrever há aqui, naturalmente, uma licença poética do Sabiá. 

O Rubem Braga combativo e engajado politicamente, preocupado com as questões sociais e as injustiças, obviamente é coisa de acadêmicos como Carlos Ribeiro, que fez seu doutorado em literatura em torno desse tema. A crônica de hoje faz alusão a um período em que o cronista Rubem Braga esteve aqui no Recife, trabalhando no Diário de Pernambuco. O próprio Carlos Ribeiro admite ser o Recife o palco principal, o campo de operações de um escritor que "abandona", temporariamente, o lirismo e engaja-se na luta social, como redator-chefe do Hora do Povo, um jornal ligado ao Partido Comunista Brasileiro.
 
Os desencontros aqui na província não foram poucos. Há uma espécie de silenciamento sobre esse período na vida do escritor capixaba. Segundo comenta-se, nem ele mesmo costumava falar sobre o assunto. Em apenas um mês, foi ameaçado de prisão três vezes. Há quem diga que nesse período ele arribou, temendo ser enviado para Brasil Novo, um presidio bastante temido na capital, da época do Estado Novo. Esses percalços também se refletiram em sua atuação profissional. A princípio depois de transferido do Rio de Janeiro, assumiu a editoria de polícia do Diário de Pernambuco. Depois, não há nada de muito confirmado sobre isso - gente do próprio jornal tergiversaram ao tratar do assunto - ele se "esconderia" na seção Fatos Diversos, onde se escrevia sobre tudo, não sendo possível identificar o que, de fato, foi produzido pelo escritor.  
 
Aqui, o Sabiá suicidou-se. Já explico. Há uma suposição de que ele tenha escrito alguns textos narrativos de pernambucanos que atentaram contra a própria vida, desistidos de viver. Uma possível matéria do jornal Folha de São Paulo informa que ele teria sido o primeiro a narrar esses fatos em jornais. Também aqui nada de muito concreto, exceto a propagação da informação através do escritor Alberto da Cunha Melo, que não pode confirmar suas fontes. É falecido. De qualquer maneira, na condição de um escritor lírico ou de um militante engajado, preocupado com as violações de direitos humanos perpetradas pelo Estado Novo, se, de fato, essas narrativas foram escritas por ele, o Sabiá cometeu suicídio.  
 
 



Michel Zaidan Filho: A condição humana


 
O famoso escritor, jornalista e ex-ministro da cultura, da França, André Maulraux escreveu uma obra prima, como correspondente de guerra na indochina, chamada A CONDIÇÃO HUMANA, narrando o genocídio dos comunistas durante o primeira revolução chinesa, patrocinada por Chian Ka Chek. Durante o massacre dos militantes comunistas, Maulraux chegou a conclusão de que a SOLIDÃO é o que caracteriza as pessoas na hora da morte. Como dizia Aldous Huxley, os cristãos entravam de mãos dadas na arena romana, mas morriam sozinhos. A condição humana dos que lutam contra as injustiças e o arbítrio parece ser mesmo a solidão.
 
Na boca de certos ativistas e militantes a defesa da liberdade e dos direitos civis e políticos, às vezes, não passa de mero retórica eleitoreira, na disputa de um cargo ou mandato. Enquanto, as pessoas enfrentam sozinhas seus dilemas, seus embates. Aprendi, a duras custas, que a liberdade é um direito coletivo, não é algo interior, subjetivo, como pensavam os estoicos e existencialistas. Só se é livre quando muitos acreditam no valor da liberdade e lutam por ela. Lutar sozinho pela liberdade, é muito bonito, mas ineficaz. Não muda as coisas. Por mais importante que seja essa ética das convicções, seu resultado prático é muito pequeno.

Morando numa província abafada, como Pernambuco, onde duas ou três oligarquias - aliadas com políticos "soi dissent" de esquerda - disputam os mandatos, não posso alimentar muitas ilusões sobre o futuro político do meu Estado. Àqueles em que confiei estão hoje de braços dados com meus inimigos. Não porque gostem deles. Apenas por mera conveniência política. Neste momento, em que temos de lutar - quase sozinho - contra o arbítrio de um reitor universitário e um ex-ministro da educação, a palavra liberdade tem que ser resignificada.
 
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE

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sábado, 7 de julho de 2018

Crônica: Champs-Élysées dos Afogados

 
 
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José Luiz Gomes
 
 
Há um documentário do cineasta Silvio Tendler onde, em determinado momento, o antropólogo Darcy Ribeiro comenta sobre o exílio imposto pela ditadura ao sociólogo pernambucano Josué de Castro, afirmando tratar-se de uma das maiores crueldades cometidas pela regime militar. À época, lembra Darcy Ribeiro, Josué de Castro já era um pesquisador reconhecido internacionalmente. Sempre que ocorria grandes catástrofes, observa Darcy, a ONU costumava consultar não mais do que meia dúzia de grandes especialistas, entre os quais o brasileiro. Expulsá-lo do pais, portanto, foi de uma maldade sem tamanho. 
 
Darcy Ribeiro tinha uma grande admiração por Josué de Castro. Sua proximidade com o presidente João Goulart permitiu que ele o apresentasse ao presidente, com um pedido de sua nomeação para um ministério, o que foi prontamente aceito pelo presidente. Recomendou a Josué manter silêncio sobre o assunto. Vaidoso, ao chegar no Recife, Josué não se conteve e contou aos amigos, inclusive do seu PTB, que seria nomeado ministro. Foi o suficiente para despertar a conhecida inveja provinciana entre seus pares, que acabou por inviabilizar a sua nomeação para o cargo. Outros tantos casos dessa natureza já ocorreram, mas vou tratar do assunto numa outra crônica. 
 
Reformas de base no Brasil não podem ser feitas, por uma decisão de nossas elites. Veio o golpe civil-militar de 1964 e Josué de Castro, assim como outros tantos grandes brasileiros, estavam na lista negra dos militares. Exilou-se em Paris. Não sei se estou completamente certo, mas é possível que tenha sido dessa época a sua experiência como professor da conceituada Universidade Sorbonne. Há vários indícios que nos sugerem concluir que Josué de Castro não foi feliz em Paris. Teria pedido formalmente aos militares que o deixasse  voltar ao Recife. Relatos de sua família sugerem que ele viajava pelo mundo todo, mas, ao voltar ao Recife, mal guardava as malas e já se preparava para aqueles passeios da saudade pelos mangues dos bairros alagados aqui da província, como Pina, Afogados. Certa vez teria declarado ter aprendido mais com os catadores de caranguejos do Recife do que em todos os  compêndios de teses da Sorbonne. 
 
Ainda neste mesmo documentário, Jorge Amado relata a Zélia Gattai que o encontrou abatido, perambulando pelas avenidas de Paris, possivelmente a Champs-Élysées. Pouco tempo depois ele morre, sem ter tido uma última oportunidade de se embrear pela lama dos manguezais do Capibaribe, acompanhado dos seus amigos catadores de caranguejos . Os jornais brasileiros foram proibidos de anunciar a sua morte. Barbosa Lima Sobrinho, que circulava nas proximidades de um cemitério no Rio de Janeiro, ao perceber certa aglomeração de pessoas, quis saber quem estava sendo enterrado. Quando soube tratar-se de Josué de Castro, incumbiu-se de fazer a saudação.
 
Seu acervo hoje está sob a guarda da Fundação Joaquim Nabuco, criada pelo também sociólogo pernambucano Gilberto Freyre. Ambos publicaram dois livros emblemáticos. Casa Grande & Senzala e Geografia da Fome. Casa Grande & Senzala foi publicado na década de trinta, precisamente, no ano de 1933, e Geografia da Fome em 1944. Ambos vaidosos, acabariam  por trocarem algumas farpas, notadamente no quesito alimentação. Já promovemos um encontro entre ambos, tratando deste assunto, na Ilha de Deus, aqui na periferia alagada do Recife, sob a arbitragem de Chico Science. E olha que nem precisamos consultar o VAR para dirimir essa pendenga. Tens que conhecer Josué de Castro, cara!

A Cidade


O sol nasce e ilumina
As pedras evoluídas
Que cresceram com a força
De pedreiros suicidas
Cavaleiros circulam
Vigiando as pessoas
Não importa se são ruins
Nem importa se são boas
E a cidade se apresenta
Centro das ambições
Para mendigos ou ricos
E outras armações
Coletivos, automóveis,
Motos e metrôs
Trabalhadores, patrões,
Policiais, camelôs
A cidade não pára
A cidade só cresce
O de cima sobe
E o de baixo desce
A cidade não pára
A cidade só cresce
O de cima sobe
E o de baixo desce
A cidade se encontra
Prostituída
Por aqueles que a usaram
Em busca de uma saída
Ilusora de pessoas
De outros lugares,
A cidade e sua fama
Vai além dos mares
E no meio da esperteza
Internacional
A cidade até que não está tão mal
E a situação sempre mais ou menos
Sempre uns com mais e outros com menos
A cidade não pára
A cidade só cresce
O de cima sobe
E o de baixo desce
A cidade não pára
A cidade só cresce
O de cima sobe
E o de baixo desce
Eu vou fazer uma embolada,
Um samba, um maracatu
Tudo bem envenenado
Bom pra mim e bom pra tu
Pra gente sair da lama e enfrentar os urubus
Num dia de sol, recife acordou
Com a mesma fedentina do dia anterior.

(Chico  Science)
 


 



Michel Zaidan Filho: Apresentação do livro do prof. Evson Malaquias




Recebi o honroso convite do professor Dr. Evson Malaquias, do Centro de Educação, da UFPE,para prefaciar/apresentar o seu mais novo livro: "Sentidos, investimentos e afetos de O Globo acerca do assassinato de Vladimir Herzog em outubro de 1975", resultante de um projeto de pesquisa que buscar estudar o imaginario dos inimigos e das manifestações de junho de 2013. O trabalho é fruto de um esforço coletivo de uma equipe de pesquisadores composta por professores e alunos. É digno de nota e  louvor essa arqueologia histórica da memória de  eventos tão trágicos na  história contemporanea,  sobretudo quando ela teima em se repetir e os atores se metamorfoseam a   todo  instante para escapar do crivo  da  posteridade e do juizo dos historiadores. O tema, oportuno e de grande relevância, encontrou em Evson e sua equipe um  estudioso preparado na interdisciplinaridade acadêmica.

O professor Malaquias agrega uma formação acadêmica multidisciplinar que conta com a História, a Ciência Política, a Sociologia Clínica de Henriquez e, de certa forma, Castoriadis, além dos clássicos da Antropologia Brasileira, e além disso, se muniu de um instrumento metodológico das ciências da comunicação.  O resultado não poderia deixar  de ser estimulante: a análise    criteriosa   do  discurso de três dos principais jornais brasileiros (O GLOBO, O ESTADÃO e a FOLHA de SÃO PAULO)  sobre a ditadura militar e o assassinato do jornalista judeu-yoguslavio Vladimir Herzog, então ligado ao Partido Comunista Brasileiro.

O estudo de Evson é tanto mais interessante porque ele conjuga- com felicidade - o melhor da Antropologia Histórica do Brasil (Roberto  da Matta, Sérgio Buarque de Holanda, Marilena Chaui, José Murilo de Carvalho) com o instrumental analítico das  ciências da comunicação,na análise dos discursos jornalísticos sobre o regime militar e seus perseguidos, sobretudo entre os jornalistas. Daí sai a tese de que a posição da mídia impressa e televisiva é guiada por uma  "mentalidade"  (para usar  uma expressão dos franceses)messianica e naturalista, com uma    pitaca do amoralismo familiar, típico do regime da Casa Grande (a   familia   patriarcal). Neste sentido, diz    ele, as idéias-guias da "mentalidade" do brasileiro são as palavras-chaves: Deus, Natureza e Família. A desqualificação do  discurso jornalistico dos desafetos e desinvestidos dos grandes jornais não têm família (brasileira), não são cristãos e nem fazem parte desta "maravilhosa" natureza pátria.

Torna-se assim fácil apagá-los e demoniza-los como ateus, comunistas, sem família e o ufanismo típico de um certo nacionalismo ingênuo que fetichiza  as belezas naturais  do país. O resultado é altamente esclarecedor: os jornalões da república brasileira não só coonestaram com o golpe militar-civil de 1964, como absorveram ou justificaram as violações dos  direitos humanos   cometidos pelos   agentes do Estado militar. Com uma variação que vai de uma certa reserva liberal do Estado de São Paulo ao total adesismo da Rede Globo, beneficiária do regime militar, a posição da   mídia impressa foi de cúmplice a omissão diante dos graves crimes perpetrados pelo regime. Tese exemplificada pela cobertura dada ao assassinato  de Vladimir Herzog, em nas dependências do DOI/CODI em São Paulo. O jornal dos Marinho silenciou- acumplicidamente - em relação  as  inúmeras  notas produzidas pelos sindicatos  e  entidades  corporativas. Outros   preferiram   dar  atenção ao turismo, as  belezas  naturais e as questões familiares comezinhas. Deixando  no silêncio  as  questões  politicas e de direitos  humanos.

 
Essa pesquisa é  tão mais oportuna porque  a Rede GLOBO  foi  diretamente interpelado pelos movimentos de rua de 2013. E resolveu fazer UMA "MEA CULPA" por ter apoiado a ditadura militar. Logo ela que, reiteradamente, criminaliza os movimentos sociais,   sobretudo quando algum profissional da imprensa é atingido por alguma bala   ou projetil no  meio da multidão. A pesquisa de Evson Malaquias e sua brilhante equipe não se encerrou. Ela continua. Brevemente teremos  novos resultados atinentes aos movimentos de 2013  e sua cobertura criminalizante feita pelos meios de comunicação. Parabéns a toda  equipe e, especialmente, ao professor Evson Malaquias.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
 


sexta-feira, 6 de julho de 2018

Crônica: A Sorbonne da Rua da Aurora

 
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José Luiz Gomes

Por razões óbvias, em regimes autoritários, chefes de polícia ou de órgãos de informação do Estado exercem um poder estratégico. Isso sempre foi assim, seja em governos assumidamente autoritário ou mesmo entre aqueles que flertam com o autoritarismo, mas que se envergonham de mostrar sua verdadeira face. Mas, nesses tempos bicudos, leitores, melhor não descer aos porões (ops!) às minúcias. Vamos fazer um recuo no tempo e nos remetermos à quadra politica autoritária do Estado Novo, ali pelas décadas de 30/40. Na realidade a ideia desta crônica surgiu ontem, ao escrevermos sobre a passagem do sabiá Rubem Braga pelo Recife, onde atuou no Diário de Pernambuco -  como responsável pela editoria de polícia -  e na Hora do Povo, como fundador e redator-chefe. Este último, um jornal ligado ao PCB. O jornal, como informado na crônica de ontem, vive aos cuidados das traças no Arquivo Público Estadual. 
Durante o período nebuloso do Estado Novo aqui no Estado, o interventor era Agamenon Magalhães, um ilustre representante das oligarquias pecuarista e algodoeira. Um rebento de Serra Talhada, assim como Virgulino Ferreira da Silva, o lampião. O que pouca gente sabe, exceção, naturalmente, para a pesquisadora Dulci Pandolfi, é que o China Gordo, como ficou conhecido, cumpriu todos os ritos acadêmicos, da graduação ao doutorado. Foi professor catedrático do Ginásio Pernambucano. Como currículo é discurso, Foucault, Agamenon ficaria mais conhecido, na realidade, em razão de sua atuação política. Getúlio Vargas se referia a ele carinhosamente como "O meu carrasco no Estado".
 
Que o diga os comunistas, os evangélicos, os praticantes dos cultos de origem afro, os moradores das palafitas dos manguezais do Recife, personalidades como Gilberto Freyre, Rubem Braga - em sua curta passagem pelo Recife - Aníbal Fernandes. Agamenon era, por assim dizer, um déspota esclarecido. Aníbal Fernandes possuía uma ampla formação, mas gostava mesmo era do jornalismo. Jornalista que exercia sua atividade profissional com competência, altivez e independência, o que, por se só, já se constitui um gravíssimo problema aqui na província, desde sempre. Até recentemente mais um jornalista foi para a degola em razão de matéria publicada, onde apontava casos de nepotismo cruzado entre órgãos da administração pública estadual. Aqui se pratica uma espécie de jornalismo da subserviência.
 
 
De sua trincheira de resistência da Pracinha do Diário, Aníbal Fernandes combateu as atrocidades praticadas pelo Estado Novo. Isso, naturalmente, não ficou barato. Foi espancado quando chagava em sua residência, em Boa Viagem, e presenciou um atentado naquela mesma pracinha, onde morreu o estudante Demócrito de Souza. Há rumores de que o alvo, na realidade, seria o sociólogo Gilberto Freyre, outro ferrenho opositor do regime. Através daquele vespertino, Aníbal Fernandes culpou diretamente o chefe de polícia à época, Etelvino Lins, pelo atentado. O jornal foi fechado e Aníbal Fernandes preso. 

O Departamento Estadual de Ordem Política e Social funcionava ali na rua da Aurora. Aníbal se referia ao DOPS como a Sorbonne da Rua da Aurora. Pesquisando sobre esses personagens, acabamos encontrando alguns fatos interessantes, que acabam alimentando novas crônicas. Uma delas, prometo, será sobre alguns locais curiosos do Recife, como o Beco da Fome, Beco do Veado, Beco da Facada. Acaso os leitores conhecem? Além da Sorbonne da Rua da Aurora, já encontramos, por exemplo, uma referência a um presídio, desta mesma fase, denominado de Brasil Novo. Outra referência é uma citação do biógrafo do Sabiá da crônica, Rubem Braga,  sobre um tal Mercado do Bacurau, no Recife, que ele possivelmente frequentava, para comer sarapatel com cachaça.




quarta-feira, 4 de julho de 2018

Crônica: Rubem Braga, um cronista na Gervásio Pires, 234

 
 
 
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José Luiz Gomes
 
 
Em razão de suas criticas à Igreja, Alceu Amoroso Lima pediu a cabeça do Rubem Braga a Assis Chateaubriand, que o enviou ao Recife, para trabalhar no Diário de Pernambuco. Aqui na província, o cronista capixaba permaneceu por apenas 05 meses, mas foram cinco meses bem agitados - ou emblemáticos - porque o cronista fundou jornal, chegou a ser preso e acompanhou a repercussão, no Estado, de movimentos importantes como a Intentona Comunista,  assim como os dias de chumbo da repressão do Estado Novo, do qual foi uma das vítimas. Na realidade, para ser bem sincero, há poucos registros da passagem do escritor em terras pernambucanas, uma lacuna biográfica que tem várias explicações, uma delas engraçada, como a razão apresentada pela família do cronista, informando que, nesse período ele era solteiro, não tinha esposa.
 
Lamentavelmente, o próprio Rubem Braga silenciava sobre o assunto. Afinal, não veio ao Recife por uma decisão pessoal, tampouco foi bem tratado aqui na província, exceção, certamente, em relação aos amigos que fez por aqui, como o sociólogo Gilberto Freyre e o compositor Capiba. Há que se considerar, igualmente, aquele apagão da história, característico de períodos obscurantistas. Mesmo diante de tantas circunstâncias adversas, esse período é tratado pelos seus biógrafos com um dos mais significativos de sua atuação política, identificada com os anseios populares. Aqui ele fundou um jornal da chamada imprensa operária - ou partidária - como o Hora do Povo, do qual foi seu editor-chefe. O jornal era uma espécie de porta-voz ou órgão oficial do Partido Comunista Brasileiro. O curioso é que nem a velha militância desse partido, ouvidos por uma jornal literário aqui do Estado, lembram do autor de Um Pé de Milho como editor.
 
O jornal, então, hoje é um acervo intocável do Arquivo Público de Pernambuco. Tornou-se tão perecível que não se aconselha o manuseio. Por ocasião das comemorações do bicentenário da imprensa, chegou-se a ser cogitada a hipótese de  uma microfilmagem da Hora do Povo, através da Fundação Joaquim Nabuco, projeto nunca viabilizado. Resultado, uma História que tende a ser perdida. Dos diversos livros editados por Rubem Braga, são raras as crônicas publicadas, escritas aqui na província. Nem ele mesmo, como afirmamos, parece guardar boas lembranças da capital pernambucana. Exceto, talvez, pelos sarapatéis com cachaça que costumava degustar no Mercado do Bacurau ou mesmo as escapadas aos cabarés recifenses, ciceroneado pelo pesquisador Odorico Tavares.
 
Quem se debruçou sobre sua passagem pelo Recife foi a jornalista Ana Luísa, que também não fala do assunto com muito entusiasmo, nitidamente, creio, que em razão das dificuldades de fontes. Havia uma possibilidade, por exemplo, de cópias dos exemplares da Hora do Povo encontrarem-se na Fundação Roberto Marinho. Mas, de acordo com a jornalista, eles não retornaram as ligações ou foram evasivos ao tratar do assunto. Comenta-se que houve um encontro entre Cristiano Cordeiro e Rubem Braga. Após ambos se abraçarem, Cristiano Cordeiro teria notado que Rubem guardava um volume desproporcional por baixo da camisa e quis saber: você está armado? ao que ele teria respondido: Não. Isso é um martelo para eu prender meu terno na cela se eu vier a ser preso.

Editorial: A isenção do plim plim

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Certamente, poucas são as pessoas que conseguem dimensionar corretamente os danos da censura para quem escreve. Violentamente perseguido e ameaçado aqui na província, pelos idos da década de 30, o grande cronista Rubem Braga, impedido de publicar suas crônicas políticas - sob a ameaça de prisão - acabou, segundo presume-se, relatando casos de suicídio nas crônicas policiais do Diário de Pernambuco. Diante das circunstâncias tão adversas enfrentadas pelo escritor capixaba aqui no Recife - salvo a amizade com Capiba e Gilberto Freyre, além das noitadas nos cabarés com Odorico Tavares, poucos registros ficaram se sua passagem pela Veneza brasileira. Regimes autoritários são, por natureza, medíocres e não suportam quem esboça autonomia de pensamento e orientam suas condutas com um mínimo de altivez e dignidade. Braga veio ao Recife depois de embates com Alceu Amoroso Lima, em razão das suas críticas a membros da Igreja Católica.  
 
Diante de tantas dificuldades enfrentadas pelos brasileiros depois do golpe institucional de 2016 - seja no aspecto econômico quanto no aspecto politico - assuntos é que não faltam para os nossos editoriais. Quatro milhões de brasileiros perderam o emprego formal nos últimos meses. Em conluio com a ANS, as entidades gestoras dos planos privados de saúde, depois das mensalidades extorsivas, agora ameaçam com a cobrança de franquia ou coparticipação. Deve ocorrer aqui o mesmo que ocorreu com as companhias aéreas, que passaram a cobrar pelas bagagens sob o argumento de que as tarifas seriam reduzidas. De concreto, além de pagarem pelo envio das bagagens, os usuários não tiveram a redução das tarifas, o que os contingenciou a andarem com bagagens de mão inusitadas, passíveis de serem acomodadas dentro das aeronaves, provocando aqueles tumultos corriqueiros e desagradáveis antes do voos.  


Mas, não me contive com um comunicado da emissora do plim plim para seus funcionários, orientando-os sobre como se comportarem na vida privada, consoante a isenção que caracteriza o padrão plim plim de atuação profissional. Há aqui, leitores, motivos para uma grande gargalhada. A motivação do comunicado teria sido em função de um posicionamento de um de seus repórteres, em perfil pessoal, numa dessas redes sociais, posicionando-se contra a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como pode um grupo que foi criado com as benesses e cevado nos estertores do regime militar falar de isenção? A quem esse pessoal sugere estar dando lições de jornalismo? Jornalista mesmo era o Rubem Braga, que deixou o Diário de Pernambuco e, por um salário bem menor, assumiu a editoria da Folha do Povo, onde, mesmo perseguido, exercia seu direito constitucional de livre expressão.   

Charge! Hubert Via Folha de São Paulo

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segunda-feira, 2 de julho de 2018

Crônica: Volúpia

 
 
 
José Luiz Gomes
 
Ainda muito jovem, ali pelos 17 anos de idade, Gilberto Freyre foi estudar no exterior. Evangélico, então vinculado à Igreja Batista, recebeu uma bolsa daquela instituição para estudar nos Estados Unidos. Seu objetivo inicial era tornar- se pastor. Um pouco antes, ainda aqui no Recife - mais precisamente nos bairros pobres da periferia - era comum ao jovem futuro sociólogo, autor do clássico Casa Grande & Senzala, um trabalho de evangelização orientado pela denominação à qual pertencia. Já nos Estados Unidos, Gilberto Freyre decepcionou-se com o tratamento dispensado pelos membros de sua igreja aos negros americanos e optou por seguir uma carreira acadêmica na universidade de Baylor, no Texas, onde concluiu um mestrado em artes liberais, consoante a estrutura acadêmica das universidades americanas.
 
Não faltou quem o estimulasse a fazer um doutorado, mas ele não quis. A academia, por incrível que possa parecer, não era bem a praia de Gilberto Freyre. Ao que se sabe, dificilmente participava dos ritos de formação, tampouco dava muito atenção aos canudos, entregues a ele posteriormente. Ao voltar dos Estados Unidos, depois de um emblemático discurso de cunho regionalista proferido no Colégio Americano Batista, de imediato, tomou as providências para realizar uma espécie de viagem da saudade, com seu amigo José Lins do Rêgo,  nas terras de engenho de sua família, na Paraíba.
 
Devo ter lido Menino De Engenho umas cem vezes, além de teses de doutorado e dissertações de mestrado abordando a questão da literatura regional, sempre à procura de subsídios para um trabalho em curso. Há de tudo. Até mesmo uma dissertação no campo da Geografia acerca do "universo" dos romances do escritor paraibano. "Universo" geográfico, naturalmente. Trata-se de um trabalho acadêmico muito bom, mas se eu estivesse na banca reprovaria o candidato. Ele esqueceu de informar que o Moleque Ricardo esteve em Paulista, possivelmente como operário da Companhia de Tecidos. Sempre que vou à Paraíba, arrumo um tempinho para visitar a cidade de Pilar, torrão onde nasceu José Lins do Rêgo. Mais precisamente ao Engenho Corredor, onde ele passou sua infância, experiência relatada em seus romances do ciclo da cana-de-açúcar e em textos memorialistas como Meus Verdes Anos. Para mim, poucas coisas se comparam a pegar aquelas estradas, numa manhã  fria de um domingo de janeiro, contemplando os frondosos pés de cajá aos quais ele fazia referência no Menino de Engenhonum passeio com a tia, em visita aos parentes. Essas árvores centenárias de sua meninice resistem até hoje.   
 
Quando estamos na região do Brejo Paraibano, respiramos engenho as 24 horas do dia. Ora é o Museu do Brejo Paraibano, em Areia, mantido pela UFPB; seus engenhos de rapadura ainda em funcionamento; a produção da cachaça Rainha, no Engenho Goiamunduba, em Bananeiras; e, finalmente, a boa mesa do Restaurante Banguê, no Engenho Lagoa Verde, onde é produzida a melhor caninha branca do Brasil, a Volúpia, uma aguardente artesanal, produzida com cana orgânica. Esses rankings de cachaças são muito polêmicos, despertam controvérsias e paixões, mas a marvada do Brejo é boa mesmo. Durante anos, a Espírito de Minas, uma cachaça também artesanal produzida na cidade de São Tiago, Minas Gerais, ocupou o primeiro lugar no ranking, mas as cachaças do Brejo paraibano evoluíram bastante. A Volúpia é produzida desde o século XIX, no engenho Lagoa Verde, em Alagoa Grande - cidade de Jackson do Pandeiro. Vocês podem imaginar degustar essas costeletas de porco da foto acima, depois de uma dose para abrir o apetite? É de dar água na boca ou não é?  




 


Charge! Duke via A Tarde

domingo, 1 de julho de 2018

Crônica: A levada da tinta


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José Luiz Gomes 
 
A crônica de hoje é dedicada às nossas  reminiscência de infância, notadamente um hábito que mantínhamos com a galera, o de observar um riacho de águas coloridas que cruzava a cidade de Paulista, aqui na Região Metropolitana do Recife. Não cometo nenhum exagero em afirmar que nem Antoine de Saint Exupéry, em seus momentos de maior inspiração, poderia imaginar coisa do gênero. Já conto isso aqui para vocês.   

O Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, hoje Fundação Joaquim Nabuco, foi criado ali pelo final da década de 40. 49 para ser mais preciso, através de um ato do Poder Legislativo, acatando - não sem muita polêmica aqui e alhures - uma proposição do então Deputado Constituinte, Gilberto Freyre. À época, mesmo contando com poucos recursos e com deficiência de estrutura física, o IJNP reuniu, por assim dizer, creio que sem algum exagero, os melhores quadros técnicos aqui da província, liderado pelo autor de Casa Grande & Senzala. Se exagero houve, isso certamente não se aplicaria à área de antropologia, que reunia pesquisadores como Renê Ribeiro e Waldemar Valente. 
Para legitimar o Instituto, Gilberto Freyre precisou, digamos assim, cortar na pele, ou seja, empreender pesquisas pioneiras, com resultados que não agradaram setores da elite nordestina. Uma dessas pesquisas pioneiras foi Os Rios do Açúcar, que apontou os graves problemas ambientais provocados pela monocultura da cana-de-açúcar, cujas usinas jogavam seus resíduos nos rios que banhavam a região, poluindo suas águas e matando seus peixes. Isso na década de 50, tendo Gilberto Freyre origem na aristocracia açucareira do Estado. Essas pesquisas obtiveram reconhecimento internacional, levando o próprio Gilberto a tratar seu Instituto como uma pequena notável nos trópicos ou uma instituição de excelência na província. Muito desse capital simbólico institucional deve-se ao próprio Gilberto, em razão de sua capilaridade em países europeus, especialmente Portugal. Apesar de ter estudado nos Estados Unidos, lamentava que o IJNPS não tivesse alcançado a mesma repercussão naquele país. 

Freyre deixou a província para estudar nos Estados Unidos ainda um adolescente, com 17 anos de idade. Desejava tornar-se pastor, o que acabou não acontecendo. Talvez em razão dessa pesquisa, atribui-se a Gilberto Freyre mais um protagonismo, o de ter usado, pela primeira vez, o termo: meio ambiente sustentável. Quando, em 1979 criou o Museu do Homem do Nordeste, autores como Durval Muniz de Albuquerque, enxergam aí uma tentativa de reconciliação com a aristocracia açucareira ou acerto de contas com suas origens.

O que que era a Levada da Tinta, afinal? Ora, a pesquisa de Gilberto Freyre bem que poderia ser estendida a outras atividades industriais que igualmente poluíam as nossas reservas de água natural, como as atividades da Companhia de Tecidos Paulista, que fazia escoar, por um riacho - sabe-se lá onde isso iria desaguar - os resíduos de tinta, sem qualquer tratamento, utilizados para tingir os tecidos. Para nós, crianças inocentes, era apenas uma grande zoeira, tentando acertar a cor da água na próxima correnteza. Brincávamos com coisa muito séria.

sexta-feira, 29 de junho de 2018

Editorial: Os equívocos da defesa de Lula

 
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Não sou advogado, tampouco jurista, portanto, não tenho competência para fazer uma avaliação técnica sobre a atuação da equipe de advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ademais, tenho um profundo respeito por sua equipe de advogados. Algumas das críticas contra essa equipe não procedem. Eles já foram acusados, por exemplo, de aparecerem demais, concederem muitas entrevistas quando, na realidade, tentavam se contrapor ao massacre midiático orquestrado contra o ex-presidente. Hoje, eles se deparam com um julgamento político, onde os argumentos de natureza jurídica surtem muito pouco efeito. Dito isso, agora me sinto mais à vontade de apontar aqui dois possíveis equívocos cometidos pela defesa de Lula. O primeiro dele foi o de aconselhá-lo a entregar-se, acatando aquela ordem de prisão que deveria ser cumprida em 48 horas, expedida pelo juiz Sérgio Moro. Aqui optava-se por uma estratégia institucional de enfrentamento que resultaram em derrotas sucessivas. Lamento pro fundamente informar que outras virão, fragilizando ainda mais o ex-presidente, que já se queixa da solidão nesses dias de jogo do Brasil, sem TV a cabo, possivelmente tendo que aguentar aquela chato locutor da emissora do plim plim. O outro equívoco, este eles mesmo admitem, foi o excesso de esperteza, ou seja, encaminhar ao STF, numa única petição, um pedido de relaxamento da prisão e um posicionamento sobre a inelegibilidade. 
 

Recentemente, Lula publicou um artigo no Jornal do Brasil, onde reafirma a sua condição de candidato às próximas eleições presidenciais. Aliás, tem dito isso sempre, acrescentando que apenas uma fatalidade - aqui não cogitada a sua permanência na prisão ou a decretação de sua inelegibilidade. A tese do esgotamento da estratégia institucional de luta contra as urdiduras autoritárias de 2016 parece que começa a tomar corpo entre os simpatizantes do ex-presidente Lula. Outro dia foi o Leonardo Boff, mais recentemente, o ex-governador Cláudio Lembo que, em palestra, admitiu que é muito pouco provável que Lula seja solto. O melhor mesmo teria sido desobedecer a ordem de prisão e procurar um país para exilar-se, conforme setores progressistas o recomendaram. Ao entregar-se, de alguma maneira, Lula acabou referendando a injustiça que se cometeu contra ele, observa Lembo. A impressão que eu tenho é que o próprio presidente, hoje, já repensaria a sua decisão de entregar-se à Polícia Federal. Outro dia, ao comentar o jogo da seleção brasileira, queixou-se que é triste acompanhar um jogo da seleção brasileira sozinho. 

As pesquisas estão apontando os riscos de uma eleição sem a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No seu artigo, ele é enfático em afirmar a enrascada política e econômica em que nos metemos depois do golpe de 2016. Corremos um sério risco de aprofundarmos esses problemas depois das eleições de 2018, com a eleição de um candidato com uma agenda além de regressiva, de flertes autoritários e intolerantes. Com Lula fora do jogo, tal candidatura já desponta na liderança, com relativa desenvoltura em relação aos demais candidatos. Se, por um lado, ainda é cedo para prognósticos mais definitivos, por outro lado é inegável reconhecer a capilaridade dessa candidatura, cujo ovo está muito bem chocado.  

Charge! Nani

quinta-feira, 28 de junho de 2018

Crônica: Nádegas indevidas


 
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José Luiz Gomes 
 
Anda circulando pelas redes sociais um manifesto em protesto contra o tratamento dispensada a Manuela D'Ávila, candidata do PCdoB às próximas eleições presidenciais, durante entrevista concedida ao Programa Roda Viva, transmitido pela TV Cultura. Elegante, inteligente e polida, a candidata teria sido interrompida várias vezes durante a entrevista, com dificuldade de estabelecer uma linha de argumentação coerente, sob o olhar complacente do coordenador do programa ou âncora da emissora. A TV Cultura de hoje não é a mesma TV Cultura de alguns anos atrás, quando existia uma maior autonomia dos seus gestores, assim como maior liberdade de atuação dos seus servidores, mesmo no escopo de seu perfil de uma TV pública. Nos últimos anos, ela passou por constrangimentos e ingerências diversas, o que se refletiu, possivelmente, na qualidade de sua programação. Um assessor do "coisa ruim"- vocês podem imaginar? - estava na bancada de entrevistadores.  

Ao longo dos anos, o formato dos debates televisivos, por sua vez, perdeu muito de sua dinâmica, com regras criadas justamente com o objetivo de permitir um controle mais efetivo sobre as falas dos candidatos e das manifestações da plateia. Aqui para nós, leitores, bons mesmos eram os debates de antigamente, com as tiradas do Franco Montoro, do Jânio Quadros, do Leonel Brizola, do Mário Covas. Os formatos de hoje são chatos, monótonos, cansativos, não permitindo um tête-à-tête entre os contentores. Se a plateia se manifestasse durante a sua fala, Brizola gritava de lá, em alto e bom som: Filhotes da Ditadura! Filhotes da Ditadura!. Que falta nos faz, nesses tempos bicudos, uns caras com a coragem cívica de um Miguel Arraes ou de um Leonel Brizola.  

Jânio Quadros poderia ser um cidadão estranho, dado às esquisitices, como uma visita que fez ao sociólogo pernambucano, Gilberto Freyre, por exemplo, logo cedinho, já mamado, o que, certamente,  não recomendou bem à família do sociólogo oferecer a ele o famoso licor de pitangas com o qual Gilberto recebia seus convidados. Jânio Quadros foi protagonista de tiradas impagáveis durante os debates em que participou como candidato, como num debate com Franco Montoro, quando este tentou ler uma citação sobre ele, escrita por Carlos Lacerda. Jânio interrompeu Montoro afirmando que ele citava Belzebu para falar das escrituras. A plateia veio abaixo e Montoro não conseguiu continuar com a leitura.  Já depois de sua renúncia à Presidência da República, manteve um programa de entrevistas na televisão, onde também era muito rápido no gatilho verbal. 

Já na iminência de pendurar as chuteiras, quando ainda governou a cidade de São Paulo, pouco dias antes do pleito, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, certo de que ganharia aquelas eleições, sentou-se na cadeira de prefeito. Com os resultados das eleições - onde não se confirmou tal vaticínio, as eleições foram vencidas por Jânio Quadros - quando este assumiu, uma das primeiras providências foi desinfetar a cadeira sob o argumento de que nádegas indevidas haviam sentado ali antes. Este era o Jânio Quadros, certamente um dos atores políticos que deram a maior contribuição para o folclore político brasileiro. No Programa Roda Viva, parafraseando Jânio, havia, sim, uma nádega indevida sentida na bancada de entrevistadores e é pouco provável que possamos falar aqui de uma escolha malsucedida. Cheirou mesmo à premeditação.

Le Monde Diplomatique Brasil: A volta da violência política no Brasil

Parecem longínquas as capas de revistas que prometiam ao Brasil um futuro radiante. Abalado por uma onda de violências, como o assassinato da vereadora socialista Marielle Franco, o maior país da América do Sul multiplica rupturas com a ordem constitucional, a ponto de certos direitos adquiridos após o fim da ditadura, em 1984, parecerem ameaçados. A começar pela liberdade de expressão e de escolher seus dirigentes
Desde 2016 e da destituição da presidenta Dilma Rousseff pelo Congresso – uma operação que a esquerda designa como “golpe de Estado parlamentar” –, o Brasil parece retomar um passado que muitos achavam superado: o de uma terra regida pelos “colonos” e “bandeirantes”, caciques locais que se utilizavam da violência para se livrar das pessoas consideradas um estorvo. Estorvo são os de esquerda e os pobres, notadamente os sem-terra que ocupam terras improdutivas, que, segundo a Constituição, deveriam ser redistribuídas no âmbito da reforma agrária.
Enquanto o país comemora os 130 anos de abolição da escravatura no próximo 13 de maio, um dos símbolos mais marcantes desse triste período figura nas telas de televisão: o chicote de couro. Grandes proprietários o utilizaram para bater em camponeses do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que esperavam a passagem da caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Sul do país, no dia 22 de março. A senadora Ana Amélia Lemos, do Partido Progressista (PP, direita), os felicitou sem nenhum constrangimento: “Atirar ovo, levantar o relho, mostra onde estão os gaúchos”.
Ao longo de uma carreira política de mais de cinquenta anos, o ex-presidente Lula – preso desde o dia 7 de abril – sempre percorreu o país sem sofrer nenhum perigo. Contudo, apenas no mês de março, precisou enfrentar uma série de bloqueios de milícias armadas de tratores, pedras, fuzis. O objetivo: impedir a caravana mobilizada pelo candidato à Presidência para reunir o apoio da população contra sua condenação a doze anos de prisão por corrupção passiva – condenação denunciada pela esquerda e também por 122 juristas brasileiros que, em um conjunto de artigos, evidenciam a parcialidade de uma acusação fundada na convicção do juiz, e não em provas.1

Dez camponeses torturados e mortos em 2017
O inquérito policial aberto para apurar as investidas bélicas contra a caravana no dia 27 de março já identificou a origem dos ataques: a fazenda de Leandro Bonotto. Desde a década de 1990, esse proprietário se opõe violentamente ao MST e à recuperação de terras empreendida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Não é exatamente uma surpresa: todos os ataques perpetrados contra a caravana de Lula foram preparados por associações de grandes proprietários que atacam abertamente o MST em ações violentas. Um deles, Gedeão Ferreira, presidente da Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul, declarou quando tomou posse desse cargo: “Vamos enfrentar o MST e o Incra. Suas ocupações têm como única finalidade privar os produtores rurais de suas propriedades”.2 Condenado em 2002 por “desobediência à justiça” e “iniciação ao crime” depois de ter recusado o acesso de técnicos do Incra às suas propriedades, Ferreira foi absolvido no ano seguinte pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região, a mesma corte que condenou em segunda instância o ex-presidente Lula.
“O Brasil é um país muito violento, com um número recorde de homicídios, mas tradicionalmente não se conhecia esse fenômeno na política, contrariamente ao México ou à Colômbia”, analisa Maurício Santoro, professor de Ciência Política da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “No mesmo mês, atiraram na caravana do Lula e assassinaram uma vereadora de esquerda no Rio, Marielle Franco. Esses acontecimentos trágicos são inéditos em nossa história contemporânea”, completa. Pela primeira vez, a violência toca personalidades políticas de primeiro escalão. Para os movimentos sociais, isso não é novidade e tem crescido explicitamente. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), criada sob a ditadura militar pela Conferência Nacional dos Bispos no Brasil, setenta militantes foram assassinados em 2017, número maior que em 2016, com 61 vítimas. Entre as setenta mortes do ano passado, 52 foram ligadas a conflitos de terra.
“O fim do governo do PT [esquerda] conduziu a uma agudização nítida da violência”, confirma José Batista Afonso, advogado da CPT no estado do Pará. “Observa-se uma reorganização das associações de grandes proprietários de terra e sua aproximação com as forças da ordem. No Pará, isso é particularmente claro, com 21 assassinatos no ano passado. Há muito tempo não víamos isso”, completa. Entre esses mortos, estavam dez camponeses integrantes da Liga de Camponeses Pobres: foram torturados e em seguida executados durante uma ocupação da propriedade Santa Lúcia, no dia 24 de maio de 2017. Esse massacre em Pau D’Arco é o pior depois do massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996, quando dezenove camponeses do MST foram executados por policiais. A investigação do caso em Pau D’Arco acaba de condenar 29 policiais. Os especialistas mostraram que, além dos ferimentos fatais, os corpos apresentavam múltiplas fraturas, atestando a tortura relatada por outras vítimas.
Em seus depoimentos, os policiais afirmam que entraram na fazenda com mandatos de interdição contra alguns camponeses e que eles atiraram. Dois policiais, contudo, fizeram acordo de delação premiada com redução da pena e confirmaram a versão dos sobreviventes. “Os especialistas mostraram também que os camponeses não atiraram; a versão dos policiais não se sustenta”, precisa o procurador Leonardo Caldas. O conflito é clássico nesse estado da Amazônia: a fazenda Santa Lúcia pertence à família Babinski e é uma de suas onze propriedades, que somam 40 mil hectares, quase quatro vezes o tamanho de Paris.

Mortes causadas pela polícia
De acordo com os movimentos sociais, essas terras eram bem utilizadas até a morte do patriarca, Honorato Babinski. As ocupações da Santa Lúcia começaram em 2013, quando 5.694 hectares deixaram de ser cultivados. O herdeiro, Honorato Babinski Filho, com 25 anos, vive no Rio de Janeiro e se apresenta como “ator” nas redes sociais, onde não esconde sua vida noturna agitada. Contudo, exige da justiça que expulse os ocupantes. À juíza que solicitou provas de atividade na fazenda, ele forneceu documentos como o contrato de compra e venda de setecentas vacas e um certificado de vacinação de 75 animais, porém com datas posteriores de um mês após as solicitações da justiça. Ele conseguiu então na justiça a expulsão dos camponeses, que voltariam a ocupar as terras mais três vezes. A última delas, fatal: “O inquérito deve determinar quem ordenou esse crime. Mas, como é comum no Pará, os policiais fazem bico como agentes de segurança para os latifundiários”, acrescenta o procurador, para explicar seu pessimismo quanto aos resultados da investigação.
Os policiais do Pará também vendem seus serviços a empresas de mineração. Em Barcarena, a associação Cainquiama denunciou diversas vezes os rejeitos de resíduos tóxicos praticados pela multinacional Norsk Hydro, presente em quarenta países e com 34,4% das ações pertencentes ao Estado norueguês. A Norsk Hydro possui em Barcarena “a maior refinaria de alumínio do mundo”, segundo a empresa. No dia 23 de fevereiro, a associação notificou novamente as autoridades sobre os rejeitos clandestinos, negados pela mineradora, mas confirmados pelas autoridades sanitárias locais. Ela mostrou às autoridades as canalizações dos rejeitos, obrigando a refinaria a reduzir sua produção em 50%. Duas semanas depois, em 12 de março, um dos dirigentes da associação, Paulo Sérgio, foi assassinado – o segundo em três meses.
Desde janeiro, a associação denunciou ameaças de morte proferidas por integrantes da Polícia Militar. “Imediatamente entrei em contato com o secretário de Segurança do estado do Pará para que ele destacasse uma proteção”, conta Armando Brasil, procurador de justiça militar no Pará. “Ele me respondeu que não era seu papel e ainda disse que os dirigentes da associação eram invasores de terras. Como se isso tivesse qualquer relação com o caso. Sem mencionar que isso jamais foi provado. Por outro lado, o assassinato aconteceu de fato”, relata. Segundo ele, “todo mundo sabe que policiais trabalham para a refinaria. O inquérito vai provar; de qualquer forma, não vejo outra explicação para esses assassinatos”. Desde então, pelo menos três mulheres da associação também sofreram ameaças de morte e ainda não contam com nenhuma medida de proteção. Até existe um programa de proteção de militantes, mas ele é ineficaz: as 683 pessoas que se beneficiam dele na maioria das vezes recebem apenas acompanhamento via telefone. Apenas catorze estão de fato sob proteção policial.

Presos sob acusações falaciosas
“Enfrentamos um ataque sem precedentes”, conta Ney Strozake, advogado do MST. “Em março, uma de nossas ocupações foi atingida com produtos tóxicos expelidos por aviões de grandes proprietários da Bahia. No Sul, vários de nossos militantes foram presos sob pretextos falaciosos, e liberá-los tem se mostrado bem complicado”, conta.
No dia 27 de março, ainda no Pará, o padre José Amaro foi preso. A polícia o acusa de uma série de crimes que vão de assédio sexual a lavagem de dinheiro, passando por invasão de terras. Esse padre lutou ao lado da religiosa Dorothy Stang, assassinada em 2005 por latifundiários. A prisão de Amaro foi denunciada por todos que conhecem suas ações junto aos pobres da região. “Trata-se de uma nova tática visando impedir o trabalho dessas pessoas”, comenta o diretor da Comissão Pastoral da Terra, Ruben Siqueira. “O assassinato de Dorothy Stang freou as ações violentas de latifundiários pela atenção internacional que o caso atraiu; destruir a reputação de um homem, contudo, pode ser mais eficaz para acabar com sua ação militante que matá-lo”, avalia.
Mesmo com as acusações partindo de latifundiários, a justiça confirmou a detenção provisória do padre Amaro. Ameaçado de morte repetidas vezes, o padre está na mesma prisão que o assassino de Stang, no estado brasileiro mais perigoso para os militantes. E a justiça não vê nenhum inconveniente nesse fato.

*Anne Vigna é jornalista.

(Publicado originalmente no site do jornal Le Monde Diplomatique Brasil)

Charge! Montanaro via Folha de São Paulo

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quarta-feira, 27 de junho de 2018

Crônica: Vale do Paraíso

 
 

 
 José Luiz Gomes
 
 
Arnaldo, o comendador da confraria, já nos enviou, via WhatsApp, uma agenda de compromissos para os próximos meses. A mensagem chega num dia chuvoso, depois de um jogo da seleção brasileira, numa rede de varanda, ambiente bem propício, portanto, para um relaxamento. Mesmo assim, um desses compromissos despertaram ótimas recordações, como uma agenda para o Vale do Paraíso, agora em agosto, quando o frio no brejo paraibano é de trincar os dentes. A sorte nossa é que existem boas cachaças para suportar essas intempéries, como a Triunfo, a Rainha, a Volúpia, esta última vencedora de alguns concursos como a melhor caninha branca do Brasil. O Vale do Paraíso é, de fato, um paraíso. Um hotel fazenda com infraestrutura excepcional, localizado  num alto de um penhasco, com uma vista maravilhosa para um vale cinematográfico. Contemplar essa paisagem, logo cedinho, depois de um café da manhã típico do Brejo, com cuscuz, queijo coalho, mel de engenho e um café forte, não tem preço. Bate aquela inspiração para pegar um 4X4 e seguir a trilha para a cachoeira do Roncador, que, nesta época do ano, tem uma vasão de água de bom volume.

No caminho, uma parada obrigatório no Restaurante da Inês, onde se mata um capão escolhido ali, na hora, ainda ciscando no terreiro, exercendo seu domínio sobre o harém de galinhas. Espera-se um pouco, mas o que vem depois compensa bastante qualquer espera. Até o sangue do infeliz é tomado, através de uma tradicional cabidela, despejada sobre um feijão verde com bastante quiabos e farinha da terra. À tarde, um  passeio brejeiro, percorrendo todas as cidades do circuito do frio, pernoitando numa pousada em Serraria, na realidade, um antigo engenho desativado, dos tempos do apogeu do ciclo da cana-de-açúcar. Sem Wi-FI, rádio e sem notícias da terra civilizada, como sugere o cancioneiro.

Ali, a piscina é de uma fonte natural, a comida é feita num tradicional fogão de lenha, tudo consoante os bons manuais de convivência com a natureza. No dia seguinte, acordar com o canto dos canários da terra, sanhaços, cardeais, pegar a vara de pescar de bambu e correr para o açude ali existente, pescar tambaquis, tilápias, traíras. Bons dias aguardam pela confraria. Na tarde deste dia, ainda, conforme decisão do Arnaldo - que não se contesta - a turma toda desce para Alagoa Grande, a terra do grande Jackson do Pandeiro, para prestar-lhes uma homenagem, com voz e violão do Paulinho. Afinal, Paulinho, buraco velho tem cobra dentro. Salve Jackson do Pandeiro.

Zum zum zum, zum zum zum
Capoeira mata um
Zum zum zum, zum zum zum
Capoeira mata um

Samba que balança é bom

Samba que balança não cai
O meu samba tem que ser no tom
A pedido do meu pai (BIS)


Salve a Bahia iô iô
Salve a Bahia iá iá
Quem não sabe jogar capoeira
Berimbau vai lhe ensinar

Valha-me Deus o Senhor São Bento
Buraco velho tem cobra dentro
Valha-me Deus o Senhor São Bento
Buraco velho tem cobra dentro


(Capoeira Mata Um, de Jackson do Pandeiro)


Crônica: Uma crônica para Samantha


 

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José Luiz Gomes


Nesses tempos difíceis que enfrentamos - que alia grave crise econômica e institucional - encontrar motivos que nos façam chegar em casa felizes não tem sido uma tarefa das mais simples. São os constantes engarrafamentos no trânsito; são aquelas cenas deprimentes de um contingente de pessoas, cada vez mais expressivo, residindo nas ruas; jovens adolescentes - que deveriam estar nas escolas - vendendo água mineral e pipocas pelas ruas do Recife. Muito improvável mesmo, leitor, que você chegue em casa com aquele sorriso largo no rosto, beije sua esposa e abrace seus filhos, numa atitude natural, prazeirosa, sem aqueles ritos impostos pelas boas regras de convivência social ou afetiva. Não sei se é este o teu caso, mas sou um marido colecionador de papéis velhos, o que nos impõem uma reserva de atenção ainda maior, para convencer  a esposa a nos permitir, ser guardada num lugar especial da estante, como diz o Luiz Fernando Veríssimo, aquela meia usada pelo Cafuringa - jogada na arquibancada e pega por este torcedor -  num jogo decisivo entre o Flamengo e o Fluminense.

Mesmo com o advento da internet, sou um incorrigível colecionador de papéis velhos. Há alguns anos, como ossos do ofício, precisei pesquisar e escrever sobre diversos temas envolvendo a cultura regional. Um belo dia, nos deparamos com uma quantidade expressiva desses escritos e nos perguntamos o que fazer com ele. Foi aí que nos surgiu a ideia de criarmos um site de pesquisa escolar onde seria possível disponibilizarmos esse material para a ajudar a rapaziada em suas pesquisas escolares. O site assumiu um perfil um pouco distinto, na medida em que acabamos publicando ali algumas críticas de exposições, entrevistas, pareceres, artigos, crônicas e alguns trabalhos de pesquisas mais extensos. Se, por um lado, o site apresentava alguns aspectos incomuns aos tradicionais sites de pesquisa escolar - com alguns diferenciais, portanto - por outro lado, isso poderia contribuir para criar um problema de identidade, com alguns contornos de posicionamentos políticos que, possivelmente, geraria algumas arestas com o "outro" lado.    
Mesmo assim, o site foi mantido no ar, exigindo uma reflexão mais apurada sobre o seu conteúdo e, até mesmo, uma atualização mais sistemática - o que ainda não foi realizada -  pois acabamos por dar prioridade ao este blog de política. Descobri que não é assim tão simples manter dois blogs, sobretudo com os padrões de exigências de ambos. A manutenção da audiência de um blog, entre outros fatores, está diretamente relacioanda à sua atualização. Quando saímos de férias, por exemplo, essa audiência cai sensivelmente, pois não mantemos o mesmo padrão de publicações. Mas agora, leitor, quero compartilhar contigo um desses momentos raros de felicidade. Ontem, ao abrir a caixa de e-mail, recebo uma mensagem de uma menina que, pela sinceridade do texto - crianças ainda não são contaminadas com as falsidades dos adultos - não deve ter mais do que 10 anos de idade, a idade de nossa caçulinha, Maria Luísa, que aparece na foto acima, ao lado do irmãozinho.

Samantha, este é o nome dela, nos informa que, a partir de um texto do Pesquisa Escolar do Nordeste, obteve a nota dez numa atividade escolar e, como agradecimento, envia-nos um monte de beijos. Fiquei muito feliz com a sua mensagem Samantha, dedico a crônica de hoje a você, minha querida, cuja sinceridade nos ajudam a superar esses dias bicudos, de tamanha intolerância, onde sua professora, confessa ainda Samantha, deu a nota máxima, mas não deixou de resmungar, possivelmente por não concordar com algum posicionamento do texto, o que a criança não entendeu muito bem. Deixa isso para lá, Samantha. Deve ser uma dessas "coxinhas". Abraços fraternais.