pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Ensaio: CEAO - Centro de Estudos Afro-Orientais
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sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Ensaio: CEAO - Centro de Estudos Afro-Orientais

                                      

 
José Luiz Gomes
 
Em 1959, cumpria um auto-exílio na Bahia o antropólogo português George Agostinho da Silva, que propôs ao então reitor da Universidade Federal da Bahia, a criação de um Centro de Estudos Afro-Orientais, com o propósito de aprofundar os estudos sobre a presença dos escravos africanos naquele Estado. A Bahia já contava com uma galeria de grandes estudiosos desse tema, como Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Edson Carneiro, Pierre Verger, Luiz Viana Filho. O que sugeria Goerge Agostinho, na realidade, é que esses estudos fossem retomados, de preferência de forma mais sistemática, com um crivo acadêmico. A proposta foi aceita pela reitoria da UFBA e foi criado o CEAO - Centro de Estudos Afro-Orientais - que ficou diretamente subordinada àquela reitoria.  

Desde então, o CEAO vem realizando uma série de estudos sobre a presença africana no Brasil, em particular no Estado da Bahia, tratadas sob vários aspectos, que envolvem personagens, fluxos migratórios, rituais religiosos, costumes, trocas linguística, antropologia gastronômica, entre outros. O CEAO tornou-se uma grande referência quando se discute a presença africana na Bahia. Não à toa, se diz que outras grandes agências vinculadas ao tema passaram, antes, inexoravelmente, pelo CEAO. O Museu Afro-Brasileiro é um bom exemplo do que estamos afirmando. Outro dado que caracteriza bastante o CEAO é o seu perfil plural, filosoficamente democrático e agregador, características que remontam às suas origens, de acordo com o professor Waldir de Freitas Oliveira, que esteve entre o grupo que fundou o CEAO e foi um dos seus primeiros diretores. 
Isso se verifica, por exemplo, quando da ocasião em que era discutida a proposta de criação de um museu sobre o negro na Bahia. Em princípio – como pensava alguns participantes da roda de discussão - seria apenas o Museu do Negro. Waldir de Freitas, naquele momento se contrapôs, afirmando que, para ser justo e coerente com os princípios norteadores do centro, se vamos criar o Museu do Negro, se faz necessário, igualmente, que seja criado, também, o Museu do Caboclo. No final, prevaleceu o bom senso e foi criado o Museu Afro-Brasileiro, cuja concepção expositiva foi concebida pelo CEAO, com um link com outras esferas acadêmicas da UFBA, entidades da sociedade civil e o Ministério das Relações Exteriores, que passou a observar no Mafro um órgão que podia dar suporte às relações do Brasil com o continente africano. 

No contexto desta pesquisa, muito nos impressionou este vínculo do Mafro com as entidades representativas da sociedade civil, traduzida, por exemplo, numa exposição temporária, organizada por uma ONG, sobre a violência contra adolescentes negros na periferia de Salvador. Nem tanto pelos dados apresentados, tampouco pelas cenas impactantes, mas, sobretudo, pela capacidade de diálogo e articulação daquela entidade com a sociedade civil, como podemos observar em outros eventos logo após essa visita técnica, com o propósito de realização da pesquisa: “ O Discurso Expositivo Acerca da Raça Negra no Museu do Homem do Nordeste”, do Programa Institucional P-II, Educação e Relações Étnico-Raciais, do projeto: A Produção da Fundação Joaquim Nabuco sobre Relações Étnico-Raciais.
Como a pesquisa concentra-se numa análise acerca da representação da raça negra no Museu do Homem do Nordeste, da Fundação Joaquim Nabuco, onde, com base nos pressupostos teóricos de autores como Stuart Hall e Thomaz Tadeu da Silva, observa-se uma sobreposição do conceito de identidade sobre o conceito de diferença - traduzidas em fraturas expositivas ou silenciamentos institucionais que não contribuem para fomentar posturas problematizadoras ou atitudes cidadã e emancipatórias - procuramos, junto aos pesquisadores do CEAO, Cláudio e Jefferson Baltar, provocar uma discussão que suscitasse aproximações de respostas à pergunta dessa pesquisa, ou seja, como essa questão da identidade e da diferença era posta em outras instituições museológicas congênere, ou seja, quando está em jogo o conceito expositivo acerca da raça negra.
Embora O CEAO seja um centro de estudos e pesquisa - que, a rigor, não possui um conceito expositivo - como já informamos antes, o órgão esteve envolvidos em estudos de concepções expositivas, inclusive a do Mafro. Aliás, nas palavras do pesquisador Cláudio Pereira, o CEAO é a mãe de todas as agências que pensaram a cultura afro-brasileira no Brasil. Sobre essa questão de identidade e diferença, observa ainda Cláudio, à guiza de exemplo, ele observou um museu baiano que se propôs a ser um centro de representação do índio. Com um detalhe: índios do Xingu. Nenhuma referência aos índios da Bahia ou de outras regiões do Nordeste. Com o exemplo, quis o pesquisador enfatizar os problemas relacionados às fraturas expositivas ou silenciamentos institucionais são frequentes – por inúmeras razões – e não se restringem, unicamente, à representação da raça negra nos museus brasileiros.
Quando se discute, por exemplo, o estudo dos povos africanos que chegaram ao Brasil – assim como as manifestações religiosas – de acordo com o pesquisador Jefferson Baltar, existe um problema de “camadas”. “A explicação é que eles foram os últimos. Outra causa: os intelectuais daqui se interessaram pelos mais “puros”. Eles achavam que os mais puros eram os candomblés Jejes e Nagôs. Vieram também pessoas com prestígio internacional, que contribuíram para essa “nagolização”.” 
Ainda sobre essa questão, reforçando a opinião de Jefferson Baltar, o pesquisador Cláudio Pereira  observa: “Mas é assim no Brasil todo. Eu acho que esse conceito ao qual o Jefferson se reporta, que é o conceito de pureza, na realidade, ele balizou todo o desenvolvimento de pesquisas. Só eram estudados determinados grupos religiosos. Mas hoje, por exemplo, você tem o estudo do candomblé de caboclo, que não corresponde a nenhuma daquelas nações tradicionais puras. Os Jejes, por exemplo, que tinham sido abandonados, que tinham sido vinculados ao nagoísmo.”
Para o pesquisador Jefferson Baltar, o conceito de diferença vem se impondo sobre o conceito de identidade – nas pesquisas e possivelmente com possibilidade de reverberação nos conceitos expositivos de instituições museológicas. Ele cita, inclusive, os pesquisadores Nicolau Barise e Lísia Castilho, que estão nos Estados Unidos realizando pesquisas sobre o assunto. “Essa diferença está cada vez mais forte, do que uma identidade, uma homogeinização plena, unificadora.”
Como uma de nossas preocupações é o problema das fraturas expositivas observadas no Museu do Homem do Nordeste – e, neste sentido, as revoltas negras é uma das mais evidentes – instigamos os pesquisadores a se pronunciarem acerca da Revolta dos Malês, ocorrido na Bahia, um dos movimentos revoltosos mais emblemáticos na luta contra a escravidão. São poucas as referências sobre o assunto – exceto um trabalho de pesquisa realizado pelo pesquisador João José Reis, também dos quadros do CEAO, publicado em livro. Na realidade, depois da Revolta, os malês foram praticamente dizimados. Até referências históricas – como a possibilidade de Luisa Mahim ter liderado a Revolta dos Malês foi posta em dúvida pelos pesquisadores do CEAO. Sobre o assunto, observa Jefferson Baltar: “João José Reis, que é um pesquisador sério, não encontrou um só documento que provasse a existência de Luisa Mahim na sociedade baiana. Maria Felipa foi outra invenção de Ubiratan Castro.”
O pesquisador Cláudio Pereira observa que existe estórias inventadas, criação de mitos, que ganham contorno de verdade junto à população. A Escrava Anastácia, por exemplo, observa Cláudio, é uma dessas “invenções”, invenção criada por um padre do Rio de Janeiro, que resolveu criar um museu depois do incêndio ocorrido na Igreja do Rosário dos Pretos. Encontrou aquela pintura, no Arquivo Nacional, realizada por um pintor francês, que a retrata com aquele instrumento de tamponamento dos lábios, até hoje entendido como um instrumento de tortura. Na realidade, tal instrumento tinha como finalidade evitar que o escravo comesse terra, adoecesse e representasse uma perda para o seu dono.

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