Recebi o honroso convite dos meus amigos, professores do Departamento de Ciências Sociais, da Universidade Federal Rural de
Pernambuco, para abrir a semana de ciências sociais, com uma palestra
sobre "Neoliberalismo e Estado". Logo me vieram à cabeça as longas
discussões dos anos 90 da época de Fernando Henrique Cardoso, do
Consenso de Washington, do social liberalismo, da globalização e,
inevitavelmente,do Estado regulatório ou gerente.Naquela não tão distante época,
recebi de uma organização não-governamental a incumbência de redigir um
texto sobre a "Globalização e o Estado", analisando as implicações da
primeira sobre a soberania nacional dos Estado-nação. O fio condutor da
argumentação era que a globalização dos mercados financeiros destruía a
capacidade regulatória dos governos nacionais em controlar os fluxos de
capital especulativo, reduzindo muito a margem de manobra do Estado em
fazer política monetária, cambial, industrial, de emprego e trabalho
etc. E que a desregulamentação financeira era um pressuposto importante
para a chamada "integração competitiva" nos mercados globais.
A isto, chamava-se "Consenso de Washington". Cabia aos governos, neste então,
abrir a economia, flexibilizar o mercado de trabalho e desregulamentar o
mercado financeiro, sob pena de afastar as empresas e investidores
estrangeiros do país. Esta foi a época também da "crise fiscal" e do
esgotamento das políticas de demandas típicas do keynesianismo e o Estado de bem-estar social, com repercussão direta sobre o nível de
emprego, crescimento econômico, arrecadação etc. O papel dos governos
passou a ser "a criação de um ambiente saudável para os negócios",
através da renúncia fiscal, da privatização das empresas estatais e a
entrega das políticas sociais ao mercado altruístico: ONGs, fundações
empresariais e instituições filantrópicas.Não precisamos dizer quanto o fosso social aumentou, com a
assistencialização privada dos direitos sociais. A par da concentração
de rendas no país. O que produziu uma espécie de ressentimento da
democracia nos mais pobres, como se fosse culpa do regime democrático o
aumento da pobreza e da miséria no Brasil.
Hoje a temática do neoliberalismo voltou
com força em razão da situação internacional e seus reflexos entre nós.
A primeira constatação é que a agente da política norte-americana de
"guerra ao terror" triunfou em toda linha trazendo muita força para a
direita e extrema-direita europeia e norte-americana. Todo esforço
internacional para se livrar da hegemonia política e militar dos E.U.A.
do norte foram baldados, com a derrota de governos socialistas ou
socialdemocratas e o enfraquecimento do multilateralismo nas relações
internacionais e de seus fóruns e órgãos de integração regional: o
Mercosul, os Brics etc. Assistimos, depois da queda do muro, uma segunda
onda de desconstrução de direitos no mundo todo, com sintomas de xenofobia, barreiras contra os imigrantes,
preconceito racial, religioso, de gênero e orientação sexual. Talvez o
melhor exemplo seja o muro que Donald Trump quis levantar na fronteira
com o México, para estancar a imigração dos "chicanos" para os E.U.A..
Na Europa, os partidos de direita ganharam os governos. E na América
Latina, voltou o período dos tratados bilaterais de governos liberais
com o presidente americano. No Brasil, instaurou-se uma contrarrevolução
perigosa, apoiada numa coalizão de militares com a igreja
neopentecostal, a serviço do capital internacional e com a conivência
dos aparelho judiciário.
A volta do neoliberalismo e do
fundamentalismo cristão de mercado passou a ter uma nova
conceitualização na obra de um pensador francês chamado Pierre Dardot e
Cristian Laval, intitulada: A Nova Razão do Mundo. Segundo os autores, o
neoliberalismo não é uma mera continuação do liberalismo clássico de
Adam Smith, John Stuart Mill e Jeremy Bentham. O liberalismo clássico
foi revolucionário na política ( contra o Estado absolutista e a
sociedade de ordens) e na economia (contra as restrições ao livre
movimento dos bens econômicos). Como diria Norberto Bobbio, o
neoliberalismo é uma forma de liberalismo: aberto para a economia, fechado
para a política. Segundo os franceses, o neoliberalismo tem de ser
pensado como uma nova forma de governabilidade
para o capitalismo de nossos tempos. Uma forma de governabilidade que
instaura a competição em todos os níveis da vida social e destrói todas
as motivações para a ação coletiva.
Os sindicatos, os movimentos sociais, as igrejas todos perdem seus móveis para uma forma de política coletiva,ao se instalar uma competição de todos contra todos. É uma espécie de retomada do darwinismo social, a lei do mais forte, ou a seleção natural. Se cada um for entregue a própria sorte, só restarão os mais capazes. Lembra Nietzsche, na" Genealogia da Moral", as relações de força governam a natureza e a sociedade. É lógico que o mais forte domine o mais fraco. Não se compreende que não o faça. É contra a natureza do mais forte. Por isto a figura de Cristo é incompreensível. Quem já se viu um Deus que se deixa escravizar e morrer na cruz. Deus dos escravos, diz ele, dos resignados e conformados. A lembrança do nome do Nietzsche não é a toa. É a fonte de inspiração do mais influente filósofo contemporâneo da crítica à modernidade: Michel Foucault e seu conceito de bio política. A política do neoliberalismo é uma bio política. Não se faz pela força, pela persuasão ou mesmo pela argumentação racional. Faz-se pela escolha de quem deve viver e quem deve morrer. Política bem exemplificada na saúde, na educação, na seguridade social. A decisão soberana sobre a vida das pessoas não são tomadas pelos parlamentos ou legisladores. Não. Ela é fielmente executada na seleção cotidiana dos que sobreviverão a essa destruição da rede de proteção social, legada pelo Estado de Bem-estar social. A bio política é uma espécie de darwinismo social que decide, comanda, escolhe e determina que vai viver, quem vai morrer.
Os sindicatos, os movimentos sociais, as igrejas todos perdem seus móveis para uma forma de política coletiva,ao se instalar uma competição de todos contra todos. É uma espécie de retomada do darwinismo social, a lei do mais forte, ou a seleção natural. Se cada um for entregue a própria sorte, só restarão os mais capazes. Lembra Nietzsche, na" Genealogia da Moral", as relações de força governam a natureza e a sociedade. É lógico que o mais forte domine o mais fraco. Não se compreende que não o faça. É contra a natureza do mais forte. Por isto a figura de Cristo é incompreensível. Quem já se viu um Deus que se deixa escravizar e morrer na cruz. Deus dos escravos, diz ele, dos resignados e conformados. A lembrança do nome do Nietzsche não é a toa. É a fonte de inspiração do mais influente filósofo contemporâneo da crítica à modernidade: Michel Foucault e seu conceito de bio política. A política do neoliberalismo é uma bio política. Não se faz pela força, pela persuasão ou mesmo pela argumentação racional. Faz-se pela escolha de quem deve viver e quem deve morrer. Política bem exemplificada na saúde, na educação, na seguridade social. A decisão soberana sobre a vida das pessoas não são tomadas pelos parlamentos ou legisladores. Não. Ela é fielmente executada na seleção cotidiana dos que sobreviverão a essa destruição da rede de proteção social, legada pelo Estado de Bem-estar social. A bio política é uma espécie de darwinismo social que decide, comanda, escolhe e determina que vai viver, quem vai morrer.
Naturalmente, os pobres, os velhos, os
deficientes, as etnias residuais, os desempregados não terão mais lugar
no mundo, são populações supérfluas, podem e devem ser eliminadas.
Estamos diante daquilo que o professor Luciano Oliveira, louvando-se na
obra de Hannah Arendt, chamou de "neo-fascismo e neo-miséria". Os novos
miseráveis desse capitalismo selvagem não servem nem para exército de
reserva da mão-de-obra. São repugnantes e amedrontadores. Devem ser
excluídos. Pior é a mentalidade exterminadora que vai se formando entre
"os excluídos sociais". Eles compartilham também desse pensamento
antissocial, agora reforçado pelo credo de algumas igrejas evangélicas
que de cristã não tem nada. Forjou-se uma nova teologia, no lugar da teologia profética da libertação. É a teologia da
prosperidade: quanto mais você dá a Igreja, receberá em dobro. A
prosperidade material do crente é um presente de Deus, como dizem os
irmãos sorridentes da Igreja Universal.
A questão que fica é se é possível
contar o exército cada vez mais crescente desses trabalhadores de
aplicativo, uberizados, precários, autônomos, desempregados para a
organização de um novo movimento social?- Marx nunca alimentou
esperanças que viesse dessa turma alguma resistência. Achava mais fácil
se arregimentado por algum salvador da pátria ou um messias, sem
trocadilho. Mas no século 20, as coisas mudaram. Marcuse e Benjamin
foram os primeiros a dizer que só em nome dos desesperançados, se podiam
ainda alimentar esperanças. E os autores sociais contemporâneos apostam
que a metamorfose desse corpo fabril deve impor uma nova tipologia de
organização. Não é fácil organizar pessoas em condições tão desiguais. O movimento sindical só cresceu e tomou corpo
a partir da generalização da condição fabril (igual) dos
trabalhadores.
A heterogeneidade de base de novo exército se constitui uma enorme dificuldade para qualquer esforço organizatório. Mais difícil ainda é o diálogo dos sindicatos dos trabalhadores formais com esses setores ou com os novos movimentos sociais e suas demandas identitárias (gênero, etnia, orientação sexual, meio-ambiente etc,) O movimento sindical é um movimento redistributivo clássico, cego às diferenças. Sua prioridade é o que é igual. O debate com os novos movimentos é penoso e cheio de desconfiança. Mas deve ser feito. Se me pedissem um formato organizativo desses movimentos diria que o Fórum Social Mundial e as jornadas globalização de Seattle e Davos poderiam servir de aproximação. Mas tem de reconhecer que o fórum é plural, não tem uma única linha de ação, não tem um único móvel e bandeira. Nem chefe nem centralização. Sua estrutura flexível e frouxa é condição de sua existência.
A heterogeneidade de base de novo exército se constitui uma enorme dificuldade para qualquer esforço organizatório. Mais difícil ainda é o diálogo dos sindicatos dos trabalhadores formais com esses setores ou com os novos movimentos sociais e suas demandas identitárias (gênero, etnia, orientação sexual, meio-ambiente etc,) O movimento sindical é um movimento redistributivo clássico, cego às diferenças. Sua prioridade é o que é igual. O debate com os novos movimentos é penoso e cheio de desconfiança. Mas deve ser feito. Se me pedissem um formato organizativo desses movimentos diria que o Fórum Social Mundial e as jornadas globalização de Seattle e Davos poderiam servir de aproximação. Mas tem de reconhecer que o fórum é plural, não tem uma única linha de ação, não tem um único móvel e bandeira. Nem chefe nem centralização. Sua estrutura flexível e frouxa é condição de sua existência.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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