Quando o ex-governador Miguel Arraes de Alencar foi eleito, pela terceira vez, para comandar o Estado de Pernambuco, perguntaram ao escritor Ariano Suassuna o que ele pretendia fazer na secretaria de Cultura. Respondeu o romancista paraibano que faria o mesmo em sua pasta que o governador no Estado.Nessa ocasião, a Folha de São Paulo já vinha criticando o assistencialismo do velho Arraes. Quando Ariano deu essa resposta, o jornal entendeu que a política cultural do Estado seria uma extensão do populismo aos gravadores de xilogravura, aos cordelistas e ao artesanato, deixando os artistas modernos e pós-modernos de lado.
Curiosamente, essa questão voltou à tona com o ciclo de homenagem que o Governo do Estado vem fazendo a Ariano Suassuna, depois de sua morte. Há outra particularidade que não foi ressaltada pela "Folha": o fato de o escritor de Taperoá ser contraparente do ex-governador recentemente falecido (ele era tio da esposa de Eduardo Campos). Objeto de duas grandes homenagem, durante este ano, o nome de Ariano voltou a ser lembrado no convescote literário que recebe o nome de FLIPORTO/OLINDA.
Como se sabe, o jornal paulistano fez uma grande reportagem, através do seu correspondente local, sobre o uso do tráfego de influência - quando Eduardo Campos ainda era vivo - de membros da família Accioly Campos para o financiamento público do convescote patrocinado pelo irmão-literato do ex-governador. Disse o repórter que teve de administrar as consequências aqui em Pernambuco, por conta dessa reportagem. Afinal, criticar o rei e seus cortesões no reino (da oligarquia) é complicado.
Denunciado em escala nacional, as relações intimas à sombra do poder, eis que o irmão-literato volta à carga, com o seu convescote, homenageando o escritor e apontando o neto "João" como seu representante no evento. Se isso acontecesse numa pequena província, em Taperoá ou Messejana, não chamaria tanta atenção, quanto numa metrópole regional do Nordeste, como o Recife. É possível se beneficiar dessa proximidade com o mundo oficial da política para promover atividades (quase) familiares, como essas? - Afinal, em que se transformou a herança política indômita dos pernambucanos? - Num convescote literário para homenagem de amigos e parentes? - É a velha tradição da Casa Grande? Pensar o Estado como mero prolongamento da família?
E o que dizer dos escritores-funcionários, de contracheque e cargo público? Os mesmos que emprestam suas ilustres "estampas" para engrandecer os feitos dos governantes e seus prepostos, em troca das honrarias literárias e das prebendas?
É lamentável que tudo isso aconteça em meios a tanta denúncia de corrupção e improbidade administrativa. E do clamor popular pela punição exemplar dos envolvidos. Será que Pernambuco está fora do Brasil?
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político e professor da Universidade Federal de Pernambuco.
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