Estive, nesta semana que passou, no 1. Congresso Jurídico da Faculdade de Limoeiro. O conclave dedicado ao tema dos Direitos Humanos e o cumprimento dos tratados internacionais pelas nações, contou com a participação de Juízes, Promotores de justiça, Advogados e até de um ex-ministro e ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa. Duas coisas me chamaram muito a atenção nesse encontro: primeiro, a discussão do papel do Ministério Público no cumprimento dos Direitos Humanos; segundo o momento muito delicado em que se encontram no mundo, na América Latina e no Brasil, os direitos humanos e do cidadão.
Tive a pachorra de aguardar até às 21:00 as falas dos ilustres palestrantes que me antecederam, nesta noite (dia 21). E fiquei curioso como ex-integrantes da PG estadual, discursavam sobre a autonomia e a liberdade do Ministério Público, no novo ordenamento jurídico, seu papel de fiscal da cidadania, garantidor de direitos etc. E me lembrava das autoridades públicas (do PSB) que governam Pernambuco. Como pode haver autonomia e liberdade de um Poder, quando seus membros são indicados ou nomeados por quem deve ser fiscalizado e responsabilizado civil e penalmente, quando ocorrem casos clamorosos de denúncia de improbidade administrativa, gestão temerária ou corrupção? - Em tese, a separação dos poderes deveria garantir a independência de cada um em relação ao outro. Infelizmente, não é assim que acontece na prática corriqueira de procuradores e magistrados em relação ao Poder Executivo.
Muitas vezes, este último encontra inúmeras maneiras de cooptar ou neutralizar as atribuições legais do Ministério Público ou da Procuradoria do Estado: desde o poder de nomeação para altos cargos, seja na magistratura, seja no MP, até os mimos da infinidade de gratificações dispensados a esses, tudo concorre para que a função precípua de controlar e fiscalizar as ações administrativas do gestor termine por restar como letra morta e decretar a impunidade dos ilícitos na administração pública. Casos de nepotismos, de favorecimento a terceiros em grandes obras públicas, superfaturamento no pagamento de desapropriações, subpreço na venda de terrenos públicos etc. tudo isso passa como fatos corriqueiros e banais do dia-a-dia da administração pública, e nenhuma providencia é tomada para averiguar ou responsabilizar os gestores envolvidos nesses casos. Mais graves são as consequências eleitorais dessa clamorosa omissão: estes mesmos gestores caminham placidamente para uma campanha eleitoral, como se não devesse que prestar o mínimo esclarecimento à opinião pública, em face da passividade daquele outro Poder que deveria, sim, ter cumprido com a sua missão constitucional. Quem perde é a cidadania, iludida com a purpurina e o glamour da propaganda enganosa do gestor público.
O segundo ponto que mereceu a minha atenção foi mais interessante. Depois de uma exposição didática da evolução do Direito e a crise que se abriu com a virada linguística na filosofia do Direito, conduzindo a uma perspectiva nominalista da Justiça e dos próprios direitos humanos, alguém pediu a palavra e perguntou pela situação dos direitos humanos na América Latina, sobretudo na Venezuela. Essa questão deu ensejo a uma análise mais ampla da situação extremamente delicada em que se encontram os DD.HH. no mundo de hoje. Depois que a agenda da política externa norte-americana de "guerra ao terror" dominou a política externa da União Européia e convenceu os governos europeus a integrarem a frente de guerra no Oriente Médio e Ásia Central, num triste processo de "libanização" de vários estados considerados inimigos dos EE.UU., o cumprimento dos tratados internacionais de Direitos Humanos passaram a ser cumpridos "À la carte", como disse a Anistia Internacional.
Os governos beligerantes, liderados pelos EE.UU., passaram a submeter esses tratados a razões de Estado, nem sempre coincidentes com os interesses da Humanidade ou de seus concidadãos. A face mais visível desse horizonte incerto para os DD.HH. é o que vem ocorrendo na América Latina, com uma sucessão de golpes parlamentares contra governos constitucionais e legítimos, em benefício da execução de uma agenda econômica neo-liberal e pró-mercado (Paraguai, Honduras, Brasil). Naturalmente, esse movimento não é alheio aos interesses da política externa norte-americana, que voltou a fazer acordos bilaterais com vários países latino-americanos e a tentar enfraquecer o processo de integração regional, liderado pelos governos de centro-esquerda.
E aí chegamos ao Brasil: nunca se viu uma ameaça de retrocesso tão grande, como a que estamos assistindo nesse momento: o desmonte e a deslegitimação do SUS, as propostas indecorosas de reduzir e simplificar a grade curricular do ensino médio (retirando ou flexibilizando o ensino da filosofia, sociologia etc.), o ataque às políticas de transferência de renda para a população mais pobre, a privatizando do que resta do patrimônio nacional e - mais grave - a imposição de uma Estado de exceção "episódico" que caminha a passos largos para se torna explícito e permanente.
Continuam as manobras de um certo poder judiciário (ativista) para intervir arbitrariamente no processo político brasileiro, com prisões espetaculares, conduções coercitivas, divulgação de trechos de delações, com um único objetivo: alijar determinados atores políticos do jogo eleitoral. E tudo com a cumplicidade da mídia golpista e imoral, absolutamente sem controle democrático, que nós temos nesse país.Temos de convir que os principais responsáveis pelas fiscalização das leis e de seu cumprimento vêm colaborando ativamente para o seu fim e a mais absoluta insegurança jurídica que este país já experimentou. Em que Tribunal da História, responderão essas pessoas por esses atos de lesa-cidadania e lesa-pátria?
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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