No editorial da semana passada, discutíamos por aqui a fragilidade do nosso sistema politico, o que se constitui num grave problema de governança para quem quer que assuma a Presidência da República, independentemente de conotações ideológicas. Nos dois extremos, apenas à guisa de exemplo, o PT enfrentou esse problema, assim como enfrenta hoje o PSL, do presidente Jair Bolsonaro. Este assunto já foi devidamente estudado pelo cientista politico Sérgio Abranches, a quem se atribui a expressão presidencialismo de coalizão, para caracterizar o padrão de relacionamento precário entre o Legislativo e o Executivo brasileiro. Uma base sólida de sustentação política, na atual conjuntura, só se obtém através da liberação de emendas parlamentares, ocupacão de cargos na máquina, perdão de dívidas e outros expedientes conhecidos, de natureza nada republicana.
O problema apenas poderia ser contornado com uma ampla reforma política, por enquanto apenas um projeto que nem as forças do campo progressista conseguiram - ou, de fato, desejaram - tocá-lo. Se enredaram nos supostos mensalões da vida, uma espécie de mesada paga aos deputados para aprovarem projetos de interesse do governo. O Governo de Jair Bolsonaro, além dessas dificuldades estruturais, enfrenta o problema da inabilidade política nas articulações, fato já apontado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia(DEM). O resultado disso é a balbúrdia e a paralisia decisória, aprofundando uma já visível crise política.
Nesses momentos, surgem as chamadas soluções de turno, algumas delas encampadas pelas raposas e hienas políticas de sempre. Convém aqui fazer três considerações. A primeira delas diz respeito a absoluta "impossibilidade" da democracia no país, em razão, sobretudo, das características de nossa elite politica e econômica, forjada nos estertores do colonialismo oligárquico, assentado nas relações de produção escravagista. Costumo dizer que vivemos uma democracia sob medida, a medida dos interesses dessas elites. Se os seus interesses são contrariados, eles vão lá e golpeiam. Dada tais circunstâncias, nossa experiência de arremedo de democracia será sempre de baixa intensidade; é preciso ficar atento, igualmente, às chamadas soluções burguesas, ou seja, as propostas que estão sendo postas, como a de um parlamentarismo - sem consulta popular - articulada por uma famigerada raposa da política, mais precisamente da plutocracia paulista, o que identificaríamos aqui como mais um golpe, com o propósito de salvar a agenda ultraliberal ora em execução no país. É preciso ficar atento sobre o que a legislação eleitoral diz a respeito, em caso de afastamento de um governante com menos de dois anos de exercício de mandato, assim como sobre a tipificação da motivação.
Uma outra questão diz respeito às recentes manifestações de rua - ao nosso ver exitosas - quando milhares de jovens estudantes, populares e professores saíram às ruas para protestarem contra os cortes de contingenciamento para os institutos federais e as universidades públicas. Quem não lembra das chamadas Jornadas de Junho de 2013, que acabaram, na realidade, no Golpe Institucional de 2016? É preciso conhecer sua agenda, suas lideranças, para não incorrermos em novos equívocos de avaliação. Numa platéia, alguém outro dia levantou uma questão interessante: como terminaram os países da chamada Primavera Árabe, mobilizações convocadas pelas redes sociais, fenômeno que, à época, foi apresentado até mesmo como um substituto às velhas formas de se fazer política?
Não demorou muito e a velha política logo encontraria seus meios de manipulação dessas redes, hegemonizando seus projetos a partir dos perfis de grandes plataformas, de forma invasiva e ilícita. O caso é tão sério que hoje a utopia, como lembrou o professor Mabuse, em palestra recente na UFPE, é o ocultismo. Quanto menos aparecer nas redes sociais, tanto melhor. A elite já percebeu isso. O aparato midiático - aquele mesmo que apoiou as tessituras golpistas -já tratou de ungir algumas dessas lideranças estudantis, que não sabemos se o rumo que desejam para o movimento é o mesmo daquele estudante pobre, da periferia, do passaporte "VEM", que investiu pesado na passeata do último dia 15, preocupado com sua formação e inserção produtiva. O país esta mergulhado numa crise política e numa recessão econômica, ingredientes explosivos, rastilhos de pólvora, sobretudo, como disse antes, num país onde sua elite política e econômica não tem o menor apreço pela democracia. Quando muito, em salvar suas "aparências", traduzidas num "arcabouço institucional e jurídico" supostamente democráticos."
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