Há algum tempo, por dever de oficio, identificação e convicção, tenho lido bastante sobre os regimes democráticos. Observo que há muito mais convergências do que divergências entre os estudiosos do assunto, sobretudo quando se está em discussão a estabilidade ou a ruína desse sistema de governo. Entre as variáveis apontadas, que poderiam assegurar sua estabilidade, naturalmente, a chamada democracia substantiva ou econômica, relacionada à distribuição de renda numa determinada sociedade; o arcabouço e a saúde das instituições que dão suporte ao regime democrático, que proporcionam o equilíbrio e a distribuição do poder, evitando, assim, a tirania; o padrão de assédio ou comprometimento dos direitos e garantias individuais e coletivas, regidos pela Constituição; eleições regulares e limpas (sem o uso de fake news, de preferência com a participação de atores competitivos, sem o uso de artimanhas jurídicas para afastá-los do pleito); um sistema político menos corrupto e, de fato, identificado com os anseios da média da população. O que temos, hoje, na realidade, quando se raciocina em termos de sistema político brasileiro, são lobbistas, financiados e identificados com interesses corporativos escusos, de corte nada republicano; por fim - e não menos importante - as chamadas oportunidades educacionais, elencada pelo cientista político Martin Lipset, uma tese com a qual guardo muita afinidade. Naturalmente que o nosso Lipset é aquele da infância nos bairros pobres de Nova York, da vida de operário, das privações da juventude e do flerte com o marxismo.
Reparem que todas as variáveis apontadas acima divergem profundamente da lógica capitalista atual, traduzida, de alguma forma, nas nefastas políticas ultraliberais, cuja adoção apenas seria factível num regime de força, portanto autoritário, daí essa onda conservadora que varre o mundo, com reflexos aqui no Brasil. Jamais as propostas dessa agenda indecente poderiam ser discutidas em praça pública. Mas, voltemos a Lipset e as suas oportunidades educacionais. Até o ano de 2013, quando setores da elite econômica e política - com o apoio da classe média porra-louca e da banca internacional - se uniram para as escaramuças que solapariam a ainda frágil experiência de democracia país - havíamos conquistados avanços significativos nesse quesito, promovendo o maior programa de ingresso de jovens negros empobrecidos ao sistema universitário brasileiro.
Além de o fato representar, em si, um amplo programa de oportunidades educacionais, enfrentou a nódoa do racismo estrutural da sociedade brasileira, sendo o único indicador em que avançamos em ralação à raça negra nestes mais de cinco séculos de existência de um simulacro de país chamado Brasil. Daí se entender, igualmente, a ira de setores conservadores de nossa elite escravagista desde sempre, que jogaram no tapetão para impedir os avanços e conquistas obtidas pelo andar de baixo da pirâmide social. Durante esse período de abertura e oportunidades educacionais, ocorreu uma verdadeira revolução no país, uma vez que 83% dos pais desses jovens não tiveram acesso ao ensino superior, conforme levantamento realizado por uma instituição de pesquisa vinculada ao próprio Ministério da Educação. Há, na realidade, muitos golpes de misericórdia na fragilizada democracia brasileira, mas, certamente, os recentes cortes em bolsas de mestrado e doutorado, assim como nas verbas de custeio das universidades públicas é um desses chocolates amargos que conduzem, paulatinamente, ao esfacelamento de nossas instituições democráticas.
Nem entro aqui no mérito da autonomia universitária, assim como na questão da liberdade de cátedra - princípios constitucionais que credenciam as IFES como redutos naturais de contraponto às investidas autoritárias - mas, igualmente, ao fato de, por força das políticas públicas de caráter inclusivo, esses espaços acadêmicos se tornarem espaços da diversidade, da pluralidade de opiniões, não-segregacionistas. Aparentemente, pode-se observar alguns sintomas de esquizofrenia na condução de um governo que deseja colocar o país no seleto clube da OCDE e, ao mesmo tempo, reduz verbas de custeio, corta bolsas de pesquisa de mestrado e doutorado, reduzindo nossa participação nos rankings internacionais de excelência de produção acadêmica, assim como na formação universitária de sua população. Um setor estratégico que, como observou o professor Wilson Gomes, nem os militares de 1964 ousaram mexer, apesar das idiossincrasias com os professores.
Nem entro aqui no mérito da autonomia universitária, assim como na questão da liberdade de cátedra - princípios constitucionais que credenciam as IFES como redutos naturais de contraponto às investidas autoritárias - mas, igualmente, ao fato de, por força das políticas públicas de caráter inclusivo, esses espaços acadêmicos se tornarem espaços da diversidade, da pluralidade de opiniões, não-segregacionistas. Aparentemente, pode-se observar alguns sintomas de esquizofrenia na condução de um governo que deseja colocar o país no seleto clube da OCDE e, ao mesmo tempo, reduz verbas de custeio, corta bolsas de pesquisa de mestrado e doutorado, reduzindo nossa participação nos rankings internacionais de excelência de produção acadêmica, assim como na formação universitária de sua população. Um setor estratégico que, como observou o professor Wilson Gomes, nem os militares de 1964 ousaram mexer, apesar das idiossincrasias com os professores.
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