A saúde de nossa democracia nunca foi das melhores, sobretudo se considerarmos as consequências nefastas do nosso processo de colonização, que deu como resultado a formação de uma elite escravagista, predatória e insensível, incapaz de desenvolver a alteridade necessária para entender o drama daqueles que ocupam o andar de baixo da pirâmide social. Trata-se de um simulacro de democracia que funciona consoante a preservação dos interesses da Casa Grande, consorciada com a banca financeira internacional e os interesses geopolíticos do grande irmão do Norte. Trata-se de uma "democracia sob medida", ou seja, sempre essas elites tem seus interesses contrariados, engendra-se um golpe.
Nos últimos anos, surgiram alguns ingredientes novos para compor esse cenário, como os arranjos autoritários articulados através das próprias instâncias institucionais do arcabouço dito democrático, o que convencionou-se chamar de golpes de um novo tipo - sem que os algozes dos regimes democráticos precisem ser expor ou sujar as mãos - e reúnam, ainda, as condições jurídicas de criminalizar quem se expressar nesses termos sobre o assunto. O hiato entre a democracia política e a democracia econômica ou substantiva, por sua vez, conforme apontam inúmeros estudos, encarrega-se de colocar por terra o edifício institucional da democracia.É a chamada última pá de terra. Desde a década de 60 do século passado que o sociólogo francês, Claude Leffort já advertia-nos: "Uma democracia que não se amplia tende a morrer de inanição."
A "onda" conservadora e de direita que varre o mundo, de um quadrante a outro, embora tenha enfrentado alguns refluxos nos últimos embates, como no Chile, por exemplo, ainda apresenta-se bem edificada. A democracia agradece ao povo chileno, que rejeitou majoritariamente uma constituição autoritária e colocou Elisa Lancon, uma índia Mapuche, na presidência dos trabalhos que formulará a nova carta constitucional do país, que deverá ser plural, cidadã e, principalmente, preserve os valores da democracia num país que já enfrentou retrocessos democráticos sangrentos.
Pedimos perdão aos leitores e leitoras pelas tautologias, mas ainda encontramos grandes dificuldades de entender como essas correntes políticas insurgentes - de diretia - conseguem a alquimia de conciliar variáveis, a princípio, excludentes, como, por exemplo, unir milícias e neopentecostalismo num mesmo projeto político.Há indícios sobre integrantes de igrejas neopentecostais envolvidos até mesmo com o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Transgressões são possíveis em qualquer instituição. Estranha, no entanto, a recorrência. Algumas análises apontam uma perigosa proximidade geográfica desses "rebanhos" - periferia pobre, negra e favelada de centros urbanos como o Rio de Janeiro - mas nos parece que a "motivação' política é uma variável mais elucidativa para aclarar esse fenômeno. Meditar sob a massaranduba do tempo, não raro, nos ajudam a entender certos acontecimentos políticos. Sobre este em particular, não deve ser diferente. Há bons estudos em andamento sobre esta questão e, sempre que possível, vamos trazê-los por aqui.
O fato concreto é que dormimos o sono político que produziu o monstro. Deixamos de cuidar de nossa democracia e, hoje, amargamos um retrocesso de dimensões gigantestas, com achaques quase que diários às nossas instituições democráticas. E, como disse antes, nossos pilares sempre foram muito frágeis. Se a corda for mantida esticada, penso que arrebenta. Iniciativas tomadas pelo STF no sentido de convocar os atores políticos representativos dos três poderes para um ajuste de conversas são importantes e necessários, no sentido de conter os arroubos e reestabelecer os limites de cada um deles. Ainda mais importante, aplicar os rigores da lei para impedir manifestações e pregações de cunho antidemocráticas, como as fake news, verdadeiras máquinas de destruir reputações.
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