Talvez não possamos afirmar o mesmo em relação à democracia brasileira, tutelada, eternamente inconclusa, vulnerável aos suspiros autoritários. Para usarmos uma expressão do historiador Sérgio Buarque de Holanda, a democracia entre nós, na realidade, nunca passou de um grande mal-entendido. O processo de colonização português, forjado no trabalho escravo das capitanias hereditárias, certamente, em nada contribuiu para forjar o respeito ao "outro", a sensibilidade social, a institucionalização dos nossos espaços públicos. Gostamos - e sempre citamos - essa expressão do Sérgio Buarque de Holanda porque ela é muito elucidativa para entendermos a nossa realidade política. O Brasil oficial, aquele de nossa elite tacanha e mesquinha nunca deixou a Casa Grande. Frequenta seus arredores unicamente nos carnavais e durante os jogos de futebol da seleção canarinha. E, sempre que seus interesses são contrariados, convoca os algozes para manter a "ordem", o que caracteriza que temos um simulacro de democracia, do tipo "sob medida', consoante externamos no nosso último editorial. Curioso que, para tais finalidades, são comuns os acordos entre militares e civis.
Em 1985 fizemos uma transição precária para um suspiro de democracia política, que permitiu que ficassem no seu rastro um punhado de entulhos autoritários, acionados sempre que a ocasião permite ou a temperatura política aumenta, colocando em lados opostos o poder civil e o poder militar. No Brasil, essa relação, a rigor, nunca foi pacífica, exceto em raros momentos onde o contingencioso foi momentaneamente contido. Vejam, por exemplo, a batalha campal que foi travada para se colocar no Ministério da Defesa uma autoridade civil. Esta prerrogativa, enfim, seria uma grande conquista da Carta Constitucional de 1985. Até recentemente, essa pasta voltou a ser ocupada por um militar. Existem vários fatores ou variáveis para se aferir a saúde de uma democracia. A subordinação do poder militar ao poder civil é uma delas. Eleições regulares, harmonia entre os três poderes, respeito às minorias também são bem-vindas.
Nos útimos meses, embates e rusgas entre os poderes civil e militar no Brasil se tornaram recorrentes, o que, em si, é um indicador da fragilização do nosso processo democrático. Alguns atores políticos, como o presidente do STF, Luiz Fux, estão assumindo o papel de bombeiros, conciliadores e árbitros, o que é bastante salutar no sentido de conter os arroubos e evitar situações limites para o nosso tecido institucional. Infelizmente, este bom exemplo, não tem sido a regra de procedimento de outros atores relevantes, que preferem esticar a corda. E essa corda, como afirmamos em editoral anterior, é bastante frágil. Não se pode brincar com coisas tão sérias.
P.S.: Na foto acima, o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim, um dos poucos civis a ocuparem a pasta da Defesa.
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