Nova edição do clássico de Mário de Andrade traz 520 notas explicativas buriladas pela escritora, professora e crítica literária Noemi Jaffe
Paulo Henrique Pompermaier
Da união de diversos mitos, folclores, músicas populares e lendas de todo Brasil nasceu Macunaíma (1928) do fundo do mato-virgem. Sua potência criativa, de explicar o brasileiro a partir dessa colagem cultural, no entanto, é frequentemente minada pela dificuldade do leitor penetrar na obra por sua complexidade lexical e morfológica.
Facilitar a aproximação com o livro, um dos mais importantes representantes do modernismo brasileiro, é o objetivo da nova edição de Macunaíma, que sai pela editora FTD. O livro traz notas e posfácio da professora doutora e escritora Noemi Jaffe, além de ilustrações de Mariana Zanetti.
São 520 notas de Jaffe que cobrem praticamente todos os aspectos do romance: as expressões indígenas e arcaicas, as referências folclóricas regionalistas, os erros propositais e até as repetições que podem ter algum significado para a interpretação final da obra.
“É uma edição que estimula o ensino e a leitura de Macunaíma não de forma mais fácil, mas com mais instrumentos de análise e interpretação”, explica Jaffe. Para a escritora, as notas podem contribuir para uma leitura mais profunda e complexa da obra, que muitas vezes é reduzida a nomes, datas e escolas literárias principalmente quando estudada no Ensino Médio.
Truques e cifras
A autora paulista, que já havia se debruçado sobre a obra de Mário de Andrade em Folha explica Macunaíma (2001), conta que teve duas principais fontes para o trabalho: o livro Roteiro de Macunaíma (1950), em que o crítico Cavalcanti Proença reúne diversas notas sobre a obra de Andrade; e as próprias indagações e percepções que teve durante o período em que lecionava literatura brasileira no Ensino Médio.
“[Macunaíma] é um livro cheio de truques, cifras que Mário de Andrade colocou ali com a intenção de dizer coisas subliminares. Então é importante o leitor comum ter um guia que possibilite uma leitura mais ativa do livro, não simplesmente passiva”, observa.
Falecido em 1945, novas edições da obra de Mário de Andrade começaram a se multiplicar desde o ano passado, quando seus escritos entraram em domínio público. E mesmo contando 89 anos desde sua publicação, Macunaíma ainda surge como uma figura contemporânea e explicativa. “Há ainda alguma dúvida de que [Macunaíma] é importante para conhecer o Brasil atual? É perfeito, como se nada tivesse mudado, ele está ai e é fundamental”, afirma Jaffe.
No posfácio, ao refletir sobre a importância de um ensino e leitura profunda de Macunaíma e seu significado para a cultura brasileira, ela ainda aponta duas correntes antagônicas de interpretação da obra: a argumentação de Haroldo de Campos, dizendo que a história de Macunaíma é vitoriosa por transmitir, como na tradição oral, uma memória enraizada do país; e a análise crítica de Gilda de Mello e Souza, que mostra como o antropófago do interior, os macunaímas da nação, foram devorados e derrotados pelos grandes capitalistas das emergentes cidades.
Concordando com ambas as leituras, Jaffe acredita que a “antropofagia ainda é uma forma muito eficaz de explicação de vários fenômenos políticos, sociais, econômicos e culturais do Brasil”. Para a professora, apesar de Macunaíma não ser um livro totalmente antropofágico, ele resvala na filosofia de Oswald, sendo um dos elementos que mostra como ela não se esgotou, mas está continuamente se atualizando.
Macunaíma – O herói sem nenhum caráter
Mário de Andrade Notas e posfácio por Noemi Jaffe
FTD
R$: 52 – 248 págs.
Mário de Andrade Notas e posfácio por Noemi Jaffe
FTD
R$: 52 – 248 págs.
(Publicado originalmente no site da revista Cult)
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