Pertence a Herbert Marcuse o
título de ter resgatado o pensamento de Friedrich Hegel para a teoria política
contemporânea. Após ser tratado como “cachorro morto” pelos epígonos do
marxismo, Hegel reapareceu na cena contemporânea como um inspirador dos
movimentos de contestação à ordem social instituída. Este mérito está associado
a uma obra de Marcuse intitulada: Razão e Revolução. Argumentando em favor da
Revolução Francesa e da crítica ao Positivismo, como justificação filosófica da
ordem burguesa instaurada pela grande revolução social, o filósofo de Frankfurt
afirmava que a grande contribuição de Hegel teria sido o resgate do momento da
negatividade na dialética histórica, acentuando as contradições e as lutas
sociais no interior da sociedade francesa pós-revolucionária. Onde Augusto
Comte e seus discípulos enxergavam o triunfo do positivo, da ordem, da
estabilidade e do equilíbrio, o velho filósofo via a contradição, a luta dos
opostos e o movimento.
O momento do negativo – da
dialética hegeliana – prosperou no pensamento filosófico dos autores
frankfurtianos – Horkheimer, Adorno e W. Benjamin. A ponto se tornar uma
dialética negativa ou da ambivalência. A sua importância hoje para os estudos
históricos, literários e filosóficos é inegável. A dialética negativa rompe
decididamente com o modelo triádico da dialética hegelo-marxista e nos ajuda a
estudar a realidade de um ponto de vista mais rico e complexo.
É preciso dizer que esta
dialética se inicia com uma profunda desconfiança em relação à totalidade, como
categoria central do pensamento marxista. Daí a famosa frase do Adorno: “o todo
é falso” e a valorização do fragmento, do particular, do indivíduo. É bom
relembrar que o Sartre da “Crítica à Razão Dialética” e Merleau-Ponty “Das Aventuras da Dialética”, tinham mencionados a conversão da totalidade no
totalitarismo, na hermenêutica política estaliniana. A revalorização do
indivíduo tem muito a ver com a chamada “lebenfilosofie” ou a filosofia da
vida, desde Nietzsche, Dilthey e Bérgson. Os pensadores frankfurtianos foram muito
influenciados por estes autores, antes do conhecimento da obra de Marx e Freud.
Um autor alemão influente, embora estranho à escola, Martin Heidegger já tinha
chamado a atenção para uma ontologia do fragmento ou do indivíduo, em
contraposição à totalidade. Lembrar que Nietzsche tinha afirmado certa vez que
a vontade de criar sistemas era uma forma de desonestidade intelectual. Mas o filósofo de Pforta era um nominalista
que desdenhava da filosofia e da ciência, em nome da vida. Repetindo Goethe,
dizia “verde é a árvore da vida, cinzenta é toda teoria”.
A filosofia do negativo
prosperou, partindo de Nietzsche até Horkheimer e Adorno – passando por
Heidegger – até chegar na obra deste último: “A Dialética Negativa”, um tratado
filosófico difícil de ler e entender. A dialética negativa mantém a dificuldade
de tornar o mundo racional e humano (dada a recusa da chamada “razão
instrumental”) e transfere a “promessa de felicidade” para um tipo de arte
hermética, de acesso à compreensão das pessoas comuns (influenciadas pela
“indústria cultural” ou a cultura de massas). A arte mais esotérica é entendida
como o último refúgio da consciência crítica da sociedade, numa época em que a
administração burocrática da sociedade invadiu todos os seus poros. Da mesma forma como seu amigo Horkheimer (que
apelou para a religião no fim da vida), Adorno vai se apegar com alta cultura,
numa versão muito elitista, como garantia do “inteiramente outro”, a utopia de
uma sociedade redimida.
Mas o filósofo alemão, ligado à teoria
crítica, que levaria mais longe a fertilidade desse momento do negativo seria
Walter Benjamin, na sua dialética da ambivalência, uma modalidade de dialética
diática, que não conclui através da síntese, mas mantém uma tensão permanente
entre os polos da contradição. Essa forma de dialética, que ele exercitou
através de sua crítica literária da obra de Proust e Baudelaire, nos deu um
método, um caminho rico e promissor de encarar a história, a arte e a
filosofia, sempre enfatizando as múltiplas possibilidades do real. Para o
historiador e crítico de arte, essa dialética seria um instrumento valioso de
enxergar no mundo estabelecido, um mundo
virtual, prenhe de possibilidades latentes, à espera de um “messias ”-historiador ou hermeneuta que liberte essas virtualidades e instaure
uma nova realidade. A riqueza e o poder de sedução de tal método descortinou um mundo de
promessas e caminhos para reinventar a vida e atualizar os sonhos de nossos
antepassados.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
Texto fantástico!
ResponderExcluirobrigado. Hely. voce que é da filosofia pode apreciar esses movimentos especulativos da escola de frankfurt. Como extudioso de Hegel, sabe da importância do seu pensamento para a política.
Excluirobrigado. hely. Como filosofo hegeliana você sabe apreciar a contribuí de Hegel para o pensamento político contemporâneo.
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