pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Editorial: Brasil: Uma democracia de alto risco
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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Editorial: Brasil: Uma democracia de alto risco


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O cientista político polonês, Adam Przeworski, possui dois estudos dos mais importantes para entendermos a dinâmica dos regimes democráticos. Um deles trata da transição da clandestinidade para a institucionalização dos partidos comunistas do Leste Europeu, um dos pilares para entendermos porque a opção pela democracia e, portanto, pela via da luta institucional, tornou-se inevitável para aqueles grêmios partidários, que passaram a atuar na luta pelo voto, dentro de um ambiente institucional onde a condição de clandestinos já não lhes facultavam nenhuma vantagem competitiva.



Num outro momento, o polonês debruça-se sobre as fragilidades de consolidação dos regimes democráticos  aqui na América Latina, numa empresa que também envolve outro grande estudioso do assunto, o argentino Guillerme O’Donnell, que cunhou a expressão “Democracia Delegada” para explicar o fenômeno da inanição democrática  no continente latino-americano, tendo como uma das referências de análise o seu próprio país, a Argentina. Argentina que, por sinal, avançou muito mais do que o Brasil, quando se discute, por exemplo, a punição aos violadores dos direitos humanos durante os estertores do período ditatorial. Um outro aspecto a ser destacado aqui é a chamada museologia da reparação no país vizinho, ou seja, a criação de instituições que realizam uma espécie de ajuste de contas com o passado sombrio, musealizando horrores que devem ser evitados.  



Em ambos os casos, fica evidente que assumir um compromisso com a democracia traz, no seu bojo, alguns princípios de conduta e procedimentos inerentes ao jogo democrático, seja na condição de um ator individual - um dirigente político - ou coletivo, um partido, por exemplo. Resumidamente, esse conjunto de pressupostos podem ser traduzidos em duas palavras: responsabilidade e responsibilidade, esta última mais voltada à chamada democracia econômica ou substantiva, onde o regime, além de manter o arcabouço legal e institucional em pleno funcionamento, também precisa responder às demandas da sociedade, proporcionando um equilíbrio desejável entre democracia política e democracia substantiva.
 

É certo que a democracia hoje, em nível global, diante de uma escalada conservadora, enfrenta sérios problemas, sobretudo quando se tem em mente a crise dos partidos políticos e, consequentemente, da representatividade, impondo arranjos de governança - como é o caso do Brasil, com seu precário modelo de presidencialismo de coalizão - nem sempre desejáveis. Uma série de livros foram publicados sobre este tema no último ano, apontando os equívocos  que podem levar uma democracia a uma morte agonizante. 



No caso brasileiro - como o problema da fragilidade de democracia pode ser classificado como crônico - autores até certo ponto díspares, como é o caso do sociólogo Gilberto Freyre e do historiador Sérgio Buarque de Hollanda, acabam convergindo sobre a impossibilidade da democracia entre nós, ambos apontando algumas características da formação da sociedade brasileira como as possíveis causas dessa inviabilidade. Para Sérgio, por exemplo, os vícios herdados da colonização portuguesa, forjada na exploração do trabalho escravo durante séculos; doações de glebas de terra aos vassalos donatários, apaniguados da Coroa; carta branca a esses senhores para exercerem o papel de Estado, assumindo a condição de delegados, juízes; a promiscuidade das fronteiras entre o público e o privado criaando um déficit de institucionalização incompatível com a formatação de um regime republicano ou democrático.



O fato concreto é que a nossa democracia vive de sobressaltos, solavancos, com ligeiros intervalos de funcionamento, mesmo assim bastante precário. Assim, se fizermos um levantamento sobre os momentos de pleno funcionamento das instituições democráticas no país, não surpreenderia ao pesquisador se encontrássemos algumas surpresas. No Brasil, o regular e constante, na realidade, são regimes fechados, ditatoriais. Isso aumenta, sobremaneira, a responsabilidade dos cidadãos e cidadãs de convicções democráticas fecharem trincheiras em sua defesa, em razão de sua baixa imunidade institucional, susceptível às mobilizações das vivandeiras dos quartéis.



Os leitores que desejarem aprofundarem-se sobre as causas desse fenômeno, conforme citamos antes, leiam os textos do O’Donnell e do Adam Przeworski, a princípio. São leituras essenciais para entendermos porque a democracia entre nós nunca passou de um grande mal-entendido, fazendo aqui um trocadilho com o grande historiador Sérgio Buarque de Hollanda.



Mais recentemente, notadamente depois do golpe institucional de 2016, nossas instituições democráticas passaram a ser violentamente assediadas, com a conivência de poderes que, em tese, teriam a prerrogativa legal e constitucional de impedir esses assédios. Precedentes são perigosos. Como se dizia no nosso tempo de criança,  esses "guardiões" engoliram a isca do arbítrio. Hoje, estão entalados com ela.



Já se disse que projetos autoritários não costumam estabelecer muita distinção entre os atores políticos. Os aliados de ontem podem ser os inimigos de hoje, consoantes as conveniências de ocasião. Abriu-se um precedente perigoso - utilizando-se de um instrumento previsto pelo próprio regime democrático para  apear do cargo um presidente legitimamente eleito, sem uma justificativa plausível e legalmente configurada - e, deste então, o assédio só se agrava, pondo em desequilíbrio a balança dos três poderes, um sistema de pesos e contrapesos fundamentais para impedir os impulsos autoritários e as tiranias. A que se prenuncia ainda mais preocupante, em razão do seu caráter fundamentalista, ancorada em apoios milicianos e neopentecostais.



Um governante eleito por um regime democrático jamais poderia perder de vista a responsabilidade assumida com a manutenção das regras do jogo, como o respeito aos adversários, aos três poderes, às prerrogativas do mandato, os limites impostos por ele, o respeito à Constituição do país, ao Estado Democrático de Direito, uma imprensa livre, eleições livres a cada período legalmente definido, direito de manifestações, enfim, a todo o arcabouço legal e institucional que caracteriza um regime democrático. Aqui não escapa nem a liturgia exigida pelo cargo que ocupa. O desrespeito a algum desses princípios põe em dúvida sua capacidade de continuar a exercer o cargo, tornando-se passível, inclusive, de um impedimento. Neste caso, legalmente configurado.

A charge publicada acima é do grande cartunista Laerte.
 

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