pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Editorial: Fios desencapados
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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Editorial: Fios desencapados





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No jargão policial, a expressão acima é utilizada para identificar os atores que, por algum motivo - intencional ou não - acabam oferecendo os elementos para a polícia desvendar determinados crimes,desmontar esquemas de desvio de recursos da administração pública além, claro, de outros delitos. Uma das pistas mais importantes para se chegar aos envolvidos no grande assalto ao Banco Central de Fortaleza foi  uma folhinha de papel, deixada por uma desses descuidados, no túnel escavado, onde estava anotado um número de telefone celular. Hoje, de alguma forma, os chamados “delatores premiados” bem que poderiam entrar nessa categoria de “fios desencapados”. 

Voltando de João Pessoa recentemente - onde acompanho com o comendador a edição do Guia Histórico e Sentimental de Jampa - tivemos a oportunidade de acompanhar todo o desdobramento da “Operação Calvário”, um grande esquema de desvio de recursos públicos ocorridos naquele Estado da Federação, envolvendo agentes públicos e privados, que colocou em mãos indevidas milhões de verbas destinadas à saúde e à educação. Neste caso específico, a ex-Secretária de Administração do Estado, Livânia Farias, assume a condição de "fio desencapado" ao revelar toda a engrenagem de desvio de recursos públicos implantados na máquina do Estado, oferecendo pormenores da operacionalização do esquema, identificando seus beneficiários, com uma riqueza de detalhes ao mesmo tempo hilária e impressionante.

Como afirmamos, acompanhamos alguns desses interrogatórios, sendo muito pouco provável que ela não esteja dizendo a verdade. Livânia aponta, inclusive, os locais onde as caixas com o dinheiro da propina eram destribuídas, precedidas de senhas, como, por exemplo, “chegaram as mangas de Santa Rita”. Morto recentemente numa operação policial no Estado da Bahia, um ex-capitão do BOPE - Batalhão de Operação Policiais Especiais - RJ - , cujo nome estaria associado ao assassinato da vereadora Marielle Franco, é um desses “fios desencapados”. Pela "experiência” adquirida - depois que foi afastado do BOPE sob a acusação de envolvimento com o Jogo do Bicho - era um arquivo vivo sobre as nuances que envolvem a atuação das milícias no Estado do Rio de Janeiro, notadamente suas ramificações com o poder público, especialmente o aparelho policial. Não à toa, pouco antes de morrer, ele havia informado à sua família e ao seu advogado que poderia ser vítima de uma “queima de arquivo”.

O mundo político pernambucano foi sacudido por um tsunami, logo após a publicação de uma extensa matéria na revista Época, sobre as intrigas na família Campos/Arraes depois da morte do ex-governador Eduardo Campos. Não vou aqui entrar nos “detalhes” dessa contenda, deixando que os órgãos competentes apurem o que está sendo denunciado, de forma sigilosa, pelo advogado e escritor Antonio Campos. Em tese, a julgar pelo ocorrido quando de sua candidatura à Prefeitura da Cidade de Olinda no último pleito, já se sabia que o clima era de grande animosidade entre os herdeiros políticos do espólio do clã familiar. O escritor não contou com o apoio do Palácio do Campo das Princesas ao seu projeto político, sendo claramente sabotado. 

Não desejo a ninguém um “linchamento” ou uma exposição à execração pública, através do expediente de fake news, prática recorrente nesses tempos bicudos de instabilidade democrática, insegurança jurídica e pós-verdade. A tarefa de enfrentar os interesses - nada republicanos - dessas oligarquias locais constitui-se num árduo esforço, de inevitáveis e nefastas consequências. Ao lado das oligarquias paulista e mineira, a oligarquia pernambucana é uma das mais infames, torpes, abjetas e perversas, forjada em séculos de exploração do regime de trabalho escravo, cevada nos vícios perniciosos da colonização portuguesa. Como diria o conselheiro Rosa e Silva, em tempos idos, aqui ou se é Cavalcanti ou se é cavalgado. 

Os princípios que deveriam nortear a administração pública são solenemente abandonados em razão da prevalência do poder oligárquico, dos interesses comezinhos, de grupelhos, da ocupação de espaços na máquina, do familismo amoral, tendo como uma das consequências o não atendimento às demandas da população mais socialmente fragilizada.   O mais surpreendente é que as chamadas "forças do campo progressista" sucumbiram a esse projeto, num arranjo unicamente orientado pelo pragmatismo de seus principais atores, ávidos pelo exercício do poder, pelas benesses ofertados pelo cargo na máquina e coisas assim. Lamento informar isso, mas a dita esquerda pernambucana - tão aguerrida no passado - hoje é uma vergonha. O que não diriam sobre ela um Paulo Cavalcanti, um Cristiano Cordeiro, um Gregório Bezerra e até mesmo o cronista Rubem Braga, que viveu aqui na província o seu período mais fértil de ativismo político?   


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