Por
sugestão do meu amigo e blogueiro José Luiz, fui reler a tese de
livre-docência de Walter Benjamin, "Origem do Drama Barroco Alemão".
Texto reconhecidamente difícil de ler e entender, até mesmo para a banca
que tentou examiná-lo. Mas a importância e a atualidade do livro estão
muito presentes hoje no debate sobre a crise da democracia brasileira;
mais ainda depois da indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro do
documentário de Petra Costa. Sabe-se que o autor buscou, na época, um
diálogo com o teórico conservador Carl Schmidt, teórico do "estado de
Exceção e do decisionismo político". O que a obra tematiza com bastante
clareza é a relação estreita entre o estilo barroco e o absolutismo, como produto da
Contrarreforma. As alegorias barrocas (para não dizer " a razão
política barroca") referem-se ao poder incontrastado dos monarcas e
tiranos absolutistas, como já tinha assinalado uma das grandes
autoridades da história da arte, Henrich Wolfflin, numa interpretação
que se tornou clássica e que reabilitou o barroco, como escola artística
de igual dignidade a do classicismo.
O que chama a atenção no
livro de Benjamin é que o Barroco alemão(e o geral) está associado à
ocorrência de regimes políticos autocráticos, como em sua época estava
por acontecer com o advento do regime nazista na Alemanha, com o fim da
República Weimar. A terrível alegoria da obra, em sua aparente distância
do momento presente vivido pelo autor, falava de sua época, da crise
política dos anos 20 e o advento de um regime de terror. Segundo
Benjamin, a concepção barroca da História se caracteriza por um estado
de exceção, onde o príncipe ou o monarca tem a história nas mãos e sua
finalidade é estabilizar politicamente
a sociedade, combatendo as revoltas e a oposição. O ideal do déspota
absolutista é a naturalização da História e a estabilização da
sociedade. Naturalmente que ele fará isso em nome da prosperidade
econômica, cultural e científica da comunidade; mas à custa de um poder
desmedido e da eliminação do contraditório e da oposição. Nisso, a
concepção absolutista do poder se identifica com a visão barroca da
própria natureza, representada pelas etapas de sua decadência e morte. A
visão barroca do mundo é um amontoado de ruínas, de sofrimento e
tristeza.
Tudo isso pareceria muito
religioso e medieval se não fosse pelo fato de que nossa país ter sido
acometido de um retrocesso medieval na política, na arte, na ciência
e nos costumes. É como se uma impostação do ascético Savonarola
aparecesse, de saias, para purificar moralmente a sociedade brasileira,
enquanto o simulacro de déspota vai fazendo o trabalho de sapa das
instituições, dos direitos e do patrimônio publico do povo brasileiro.
Estaríamos diante de um estado (caricato) de um tirano - moralmente
conservador - mas instrumentalizado pelo fundamentalismo do mercado
internacional? - Deparamo-nos com um asceta a serviço de interesses
econômicos antinacionais, antipopular
es e antidemocráticos? - Neste aspecto, a benção e a sagração das
igrejas pentecostais e neopentecostais viriam a calhar (em troca de
favores) na beatificação desse ensaio de bonapartismo de direita.
De toda maneira, as
sugestões do livro são muito eloquentes, comparando-as com as
características fascistas, autoritárias e ultraliberais desse regime
que ora nos desgoverna. Não deixa de ser tentador aplicar os elementos
dessa concepção barroca da Política e da História ao caso brasileiro.
Quem escreverá com êxito - este novo livro sobre o drama barroco
brasileiro?
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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