O filósofo alemão Theodoro Adorno escreveu que os sobreviventes do
Holocausto não tinham direito de viver. Deveriam ser solidários com os judeus
que morreram nos campos de concentração. Esta reflexão desesperada diante de
uma catástrofe indizível tornou-se o ponto de partida de uma séria meditação
sobre o destino comum de todos nós, mortais, sobretudo diante da morte dos
outros e mais ainda, dos nossos entes queridos. Qual o sentido de sobreviver à
morte daqueles que amamos?
Sendo ateu, não acredito em vida eterna ou na ressureição dos mortos, no
dia do Juízo Final. Como Strindberg, penso que o inferno é aqui. E que morrer é
se libertar do sofrimento. Não vou dizer, como Sartre, que o inferno são os
outros. Porque há muita coisa valiosa na convivência humana, social e familiar.
Mas o problema é a morte de quem se ama. Dizia um hegeliano espanhol, que a
morte é um problema para quem fica vivo, não para quem se foi. Buscamos através
das religiões, filosofias e livros de autoajuda explicações, justificativas ou
racionalizações para a morte. Houve até um autor que disse que somos um ser
para a morte.
Eu não penso assim. A vida é uma
espécie de jardim e nós, de jardineiros. Ela será bela ou feia, dependendo do
que formos capazes de fazer dela. Não fizermos nada de belo, digno, humano ou
justo, ela será uma aventura melancólica que talvez não tenha valido a pena.
Mas se cultivarmos o jardim, certamente a vida terá valido muito a pena. Tenho
pensado muito o que fazer com o resto da vida que ainda tenho. Por certo
lamentar a morte dos meus entes queridos não basta. É preciso sobreviver à
morte, à morte de cada ser humano que morre hoje em dia e das pessoas de que
gostamos.
E o sentido dessa vida pós-morte – para mim – é ajudar os que sofrem, as
vítimas da injustiça cotidiana, os que são explorados, humilhados e ignorados
pela sociedade. Não vejo a acumulação de bens, prestigio social ou um bom
padrão de vida como o principal objetivo dessa minha sobrevida. Mas lutar ou me
indignar contra a injustiça social e pessoal, buscar contribuir para dignidade
do ser humano e para que todos tenham uma vida digna, isto sim.
Será esta a minha razão de existir, sem naturalmente deixar
de honrar todos os dias a memória dos que foram e nos legaram a vida.
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