Recentemente li um excelente artigo da filósofo Marcia Tiburi tratando das
características do nosso incipiente projeto fascista. Como diria o teatrólogo
Bertolt Brecht, o fascismo é uma cadela que está sempre no cio, com seus
dispositivos prontos para serem acionados a qualquer momento. Marcia, no entanto,
se referia a uma espécie de fascismo de um “novo tipo", caracterizado, entre outras coisas,
pela velocidade com que suas teses são disseminadas junto à população, através
dos instrumentos tecnológicos hoje disponíveis. Imaginem os leitores esse
arsenal tecnológico de hoje disponível à época do Ministério da Propaganda
Nazista, comandado pelo atarrancado Joseph Goebbels.
Acompanhei
estarrecido a tentativa de censura a alguns autores clássicos da literatura
brasileira - fato ocorrido em Rondônia - como Machado de Assis, Euclides de
Cunha e até o insuspeito Franz Kafka, cujos livros estão empilhados na cabeceira da cama deste editor. Penso que se trata da primeira tentativa de censura ao maior escritor
brasileiro, fundador da Academia Brasileira de Letras. Quanto ao livro “Os Sertões”,
outro clássico de nossa literatura, trata-se de um texto, inclusive, que sofre
severos reparos das inteligências do campo progressista, uma vez que foi escrito por um jornalista financiado por um jornal conservador e que se encontrava do
lado "direito" da trincheira dos combatentes ao levante de Canudos, do Antonio
Conselheiro. O livro de Euclides, por sinal, é usado em escolas militares. Li Machado ainda na adolescência, por recomendação de um professor
de língua portuguesa, com quem debatemos seus textos. Um pouco depois, no CAC, da
UFPE, inevitavelmente voltávamos à discussão sobre se Capitu, de fato, teria
traído o Bentinho. Mas isso já são águas passadas. Privo os leitores das
polêmicas suscitadas pelo texto machadiano. O que se condena aqui - de forma veementemente - é esta tentativa deliberada de censura, um precedente gravíssimo, que coloca nossa já fragilidade democracia na UTI, respirando com a ajuda de aparelhos.
Registro
aqui o fato de que a filósofo Marcia Tiburi se encontrar fora do país, depois de sofrer
violentos ataques difamatórios à sua honra, perpetrados pelas milícias digitais desses tempos bicudos que o país atravessa. Vocês podem calcular as
infâmias dirigidas à então candidata a um cargo eletivo pelo Partido dos
Trabalhadores num Estado como o Rio de Janeiro, onde a necropolítica ou
o capitalismo gore estão irremediavelmente consolidados. Evito os detalhes porque
eles são escabrosos, indignos de um mundo minimamente civilizado. Impublicáveis.
Este
editor mantinha contato regular com o ex-presidente da Câmara dos Deputados,
o gaúcho Ibsen Pinheiro, falecido recentemente. Acompanhei a via crucis deste
cidadão - quando ainda ocupava o cargo de deputado federal - ao ser acusado
injustamente de corrupção por uma revista de circulação nacional. À época,
Ibsen foi vítima de uma espécie de “linchamento moral”, tendo perdido não
apenas o cargo, mas a tranquilidade pessoal, em razão das injúrias a ele atribuída. Por
razões naturais, incomodava-me bastante o drama vivido por Ibsen. Um pouco
antes da revista sair às bancas, um checador observou que estava sendo cometida
uma grande injustiça, mas seus editores calcularam os prejuízos materiais - e
não morais infringidos ao cidadão Ibsen - e optaram por manter a matéria. Ibsen nunca
processou a revista, tendo escrito uma longa mensagem para este editor explicando os
motivos. Alguns trechos foram publicados aqui pelo blog. A revista, por sua
vez, sequer soltou uma notinha reconhecendo o grave equívoco. Ibsen ainda
tentaria uma volta à vida pública, mas sem a capilaridade de outrora, pela sua
cidade de nascimento, São Borjas, no Rio Grande do Sul. Quando de sua morte, nenhum veículo de comunicação observou este fato. Fazemos justiça por aqui.
Tanto
o caso da filósofa Marcia Tiburi quanto o caso de Ibsen Pinheiro ilustram bem os danos
produzidos pela disseminação de notícias falsas, através da redes sociais, por expedientes hoje conhecidos como milícias digitais. Este mecanismo contribuiu
de forma decisiva para a eleição de alguns candidatos no último pleito, sendo,
portanto, passível de uma rigorosa investigação pelos órgãos de fiscalização eleitoral, quiçá com a anulação de um
pleito marcado por mentiras transformadas em verdade absolutas. Importante,
igualmente, que esta CPI possa ter acesso irrestrito aos perfis e aos canais de veiculação dessas fake news, coibindo em definitivo essas práticas, com punição severa aos detratores profissionais, financiadas por empresas inescrupulosas, que pagaram os "disparos" de mentiras pelas redes sociais. Num país decente, sob regime democrático e ainda com as garantias de um Estado Democrático de Direito, um pleito "bichado" como este seria anulado. A questão é que, infelizmente, nós não vivemos num país decente.
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