Desconfio, igualmente - mesmo com todo o respeito às pesquisas científicas - dos rankings realizados por determinados institutos acerca da saúde dos regimes democráticos ao redor do mundo. Talvez haja, aqui, não um problema com essas organizações, mas algo concernente às metodologias utilizadas na realização dessas pesquisas, talvez alguma variável que deixou de ser considerada. Na primeira década deste século, nosso ranking em termos de saúde democrática - atestado por esses organismos internacionais - era dos melhores, conforme observamos acima. Como, em apenas 03 anos depois, começamos a conviver com frequentes tentativas de minar essa experiência? Talvez tenhamos dormindo o sono político que produziu o monstro.
Harmonia e independência dos três poderes; eleições limpas e regulares; Estado Democrático de Direito Pleno; Exercício do direito de manifestações e liberdade de expressão; Respeito e ampliação dos direitos de minorias - como comunidades quilombolas e indígenas - políticas públicas de gênero e empoderamento dos segmentos LGBTQI+; políticas públicas de distribuição de renda e oportunização de formação escolar em todos os níveis. Neste último quesito, por exemplo - que pode ser inserido num contexto de democracia econômica ou substantiva - tivemos um salto enorme, pois se criou o maior programa de acesso ao ensino superior de jovens negros, empobrecidos, moradores de periferia ou cidades do interior - regiões geográficas majoritariamente ocupadas pelos mais pobres, numa saudosa reflexão a partir do grande geógrafo Milton Santos.
O programa de cotas e a ampliação e interiorização da rede física de IFES e Institutos Federais constituiu-se numa verdadeira revolução no que concerne à ampliação das oportunidade educacionais no país, responsável pela única melhoria dos indicadores da raça negra nesses 521 anos. Diferentemente da Folha de São Paulo, reconhecemos aqui os méritos e créditos aos governos da coalizão petista. Pouco tempo depois, todo esse edifício começou a desmoronar, como se as estruturas não estivessem tão firmes assim como se supunha. É curioso esse aspecto. A pergunta que se faz aos democratas convictos é: onde erramos? É verdade que fomos atingidos pelo tsunami de uma onda conservadora em escala global, capitaneada pelos interesses acumulativos do capital, que já não se coadunava com as práticas democráticas mais efetivas.
Nenhum candidato poderia colocar no seu programa de governo ou defender em praça pública o desmonte das políticas ambientais ou a subtração acintosa dos direitos trabalhistas, conquistados a duras penas, ao longo de décadas de luta da classe trabalhadora. Impensável, igualmente, propor voltar ao tempo das fogueiras, onde livros seriam queimados, como ocorreu nos arroubos golpistas da vizinha Bolívia, onde a biblioteca de um ex-presidente foi destruída. Certa vez, numa rara entrevista, o escritor pernambucano Sidney Rocha, perguntou a Ray Bradbury que livro ele colocaria na fogueira. Ele respondeu: Nenhum.
Então, seria fundamental para esses atores políticos de intenções duvidosas o controle do Aparelho de Estado e o seu fortalecimento, em alguns casos criando zonas de conflito com os poderes Legislativo e judiciário. Trata-se de uma agenda nefasta, exequível apenas em condições bastante peculiares. A Constituição dos Trabalhadores, a CLT, esta já foi duramente atingida. A investida mais recente se dá em relação à Carta Magna do país, a Constituição Federal, promulgada em 1988. Como cidadão de convicções democráticas, muito satisfeito aqui com a ausência de intimidação dos poderes constituídos, assim como em relação às medidas profiláticas que estão sendo adotadas no sentido de impedir sua violação.
Num momento como este, precisamos de homens público de estatura e conscientes de suas responsabilidades cívicas, conforme é o caso dos Ministros do Supremo Tribunal Federal - que fecharam questão em defesa da independência dos poderes da República e da da Constituição Federal. Louvável as ações do ministro Alexandre de Moraes - que não se intimidou com as ameaças e continuou agindo firme, coibindo práticas e manifestações de corte antidemocráticas. O ministro Luís Roberto Barroso, que preside o TSE, foi igualmente contundente na defesa do órgão e das eleições livres e soberanas. Num discurso incisivo, pontuando ponto por ponto, desmontou as especulações infundadas sobre a lisura das eleições realizadas através do processo de urnas eletrônicas. Como diria uma grande professora de língua portuguesa, Barroso usou e abusou dos verbos, adjetivos, substantivos, predicados e sujeitos.( e sem esquecer das vírgulas). Proferiu um discurso que encerrou o assunto. Necessário para o bem de nossas instituições democráticas.
Nas páginas amarelas da revista Veja desta semana, uma entrevista com o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19, o senador amazonense Omar Aziz(PSD-AM). Omar realiza um trabalho digno de nossa admiração, orientado por princípios republicanos, comedido e pautado pelo respeito às vítimas e familiares daqueles que perderam a vida pela pandemia. Sua sede de justiça se assenta nesses pilares. Como convém, não adiante suas conclusões, mas dá uma pista dos graves delitos cometidos por agentes públicos e privados no tocante a esta questão. Um deles foi a tentativa de mudar a bula da hidroxicloroquina para tratar doentes da Covid-19.
Nenhum comentário:
Postar um comentário