pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Editorial: As mãos ( e os sentimentos) de Paulo Freire
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sábado, 18 de setembro de 2021

Editorial: As mãos ( e os sentimentos) de Paulo Freire



Paulo Freire é um educador pernambucano, natural do país de Casa Amarela, como costumava se referir àquele bairro o padre Reginaldo Veloso, eterno pároco do Morro da Conceição. Suas atividades profissionais começaram no SESC daquele bairro do Recife. Escrevemos vários textos sobre Paulo Freire, mas confessamos que, ao lê-los, hoje, não mais nos sentimos à vontade em republicá-los, por inúmeras razões. Ora porque eles já não traduzem a atualidade do pensamento do educador pernambucano, ora porque, como tudo que escrevemos, estão impregnados de impressões pessoais, como as nossas reações à leitura dos seus livros mais importantes, como Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da Autonomia. Ainda chegamos a acompanhar duas conferências públicas do pensador Paulo Freire. Uma delas no Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco. Outra, por ocasião da cerimônia de encerramento do curso de alfabetização de adultos, realizada na Usina Catende, na zona da Mata Sul de Pernambuco, que utilizou seu método para alfabetizar centenas de operários daquela massa falida.   

Como circulamos muito pelo bairro de Casa Amarela, as lembranças são inevitáveis. Outro dia, através das redes sociais, ficamos sabendo que a casa onde o educador residiu em Jaboatão dos Guararapes seria transformada num centro cultural. Até bem pouco tempo, estava abandonada pelo poder público, numa atitude de profundo desrespeito à memória do grande educador pernambucano. Não sabemos qual foi o destino dado à sua residência de Casa Amarela. Um dos aspectos que mais nos instigam em Paulo Freire é o seu papel de agitador cultural no Movimento de Cultura Popular, criado pelo então prefeito Miguel Arraes de Alencar, pelos idos da década de 60, quando era prefeito do Recife. Não raro, relemos o Memorial do MCP apenas para recordar "daqueles tempos". Havia até um livro sobre "educação de adultos", elaborado por duas professores militantes do MCP. Por alguma razão, Paulo não gostava do livro, embora ele tenha sido elaborado fidedignamente consoante os ensinamentos do mestre.

Eis que encontro a assinatura de Paulo Freire na histórica reunião do Colégio Sion, em 10 de fevereiro de 1980, quando o Partido dos Trabalhadores foi fundado. Quando assumiu a prefeitura de São Paulo, ainda filiada ao PT, Luíza Erundina entregou a Paulo Freire a secretaria de educação do município. Há muitas estórias sobre a gestão de Paulo Freire naquela pasta. Numa delas, conta-se que ele, mesmo na condição de gestor das políticas públicas de educação do município, aquiesceu quando uma professora do município afirmou que não seguiria as suas orientações, numa demonstração inequívoca de suas convicções democráticas.  

Nessas estórias, há sempre um toque de bom humor, mas se diz bastante sobre sua personalidade e sensibilidade humanitária, o que o tornaria um dos mais respeitados pensadores do campo da pedagogia. Aliás, essas experiências pessoais foram fundamentais para estruturar suas reflexões sobre o ato de educar. A questão do diálogo, por exemplo, tão presente em seus ensaios, foi o resultado, segundo ele afirmou, de uma longa conversa mantida com um operário - noite a dentro - quando ainda residia em Jaboatão dos Guararapes. Ali ele entendeu que, para o processo de educação concretizar-se, seria necessário um diálogo que permitisse entrar no universo do educando. Do contrário, o ato de educar não se realiza.  

Contava Paulo Freire, por ocasião do encerramento do curso da Usina Catende, que enfrentou duas situações aparentemente constrangedoras, quando esteve no Chile e na África. No Chile parece não haver problemas numa circunstância de dois homens se darem as mãos. Na África, durante um passeio pelo campus de uma universidade, depois de uma conferência, viu-se diante de um embaraço. Um professor segurou as suas mãos enquanto ambos passeavam e conversavam descontraidamente. "Pedi a Deus para que alguém de Casa Amarela não nos visse naquela situação". Na primeira oportunidade, colocou as mãos no bolso, de onde não mais as tirou.

Eis que, antes de voltar ao Brasil, Paulo adoece, possivelmente vitimado por alguma dessas doenças tropicais. Humanamente muito bem tratado pelos médicos e enfermeiras africanos, que não se cansavam de pegar em suas mãos, acariciá-las e desejar-lhes melhoras, relembra. Depois desse episódio, observa em suas reflexões, concluiu que deveria haver alguma coisa de muito errado numa sociedade onde as pessoas se recusavam a receber uma manifestação de carinho - motivada por preconceito - traduzida num caloroso aperto de mão, num abraço fraterno ou, brasileirissimamente, num tapinha nas costas.

A homenagem do blog ao patrono da educação brasileira pela passagem do seu centenário. Paulo é daquela geração de 60, que poderia ter transformado o destino deste país e, quem sabe, até mesmo do continente latino-americano, pois suas reflexões teóricas se inserem numa perspectiva continental. Nossa elite torpe, consorciada com a banca internacional, impediu que contingentes expressivos da sociedade brasileira exercessem sua cidadania plena, posto que iletrados. O Brasil ainda ostenta um dos maiores índices de analfabetismo do mundo, número que poderia ser sensivelmente reduzidos, caso as reformas de base fossem viabilizadas. Previa-se um amplo programa de alfabetização de adultos, aplicando-se o método de Paulo Freire.  

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