Por razões óbvias, a democracia brasileira passou a ser uma preocupação frequente entre os analistas políticos. E até mesmo fora deste círculo restrito, posto que, um revés aqui e todos pagaremos as duras consequências de viver sob um regime de governo que se caracteriza pelo tolhimento das liberdades individuais e coletivas. Como deixamos claro no último editorial, sua saúde inspira cuidados, embora alguns advoguem que ela vai muito bem, a despeito dos últimos arroubos autoritários. E olha que não foram poucos esses arroubos, com alguns atores extrapolando os limites de sua atuação, para dizer "o que deve ser feito' e "como deve ser feito", numa clara demonstração de ingerência indevida nas instituições regulamentadoras desses procedimentos.
Aliás, ter tido a resiliência suficiente para resistir a esses embates, de acordo com essas análises, a deixou até mais fortalecida, numa evidência de que sua saúde institucional continua firme e forte. Era só uma gripezinha. Sentimos informar a esses analistas - e possivelmente a alguns leitores e leitoras, que nos dão o privilégios de ler essas linhas - de que não concordamos com este diagnóstico. O mais prudente seria submetê-la a uma junta de cientistas políticos. Opiniões distintas poderiam produzir um diagnóstico mais preciso.
Até recentemente, li um artigo do cientista político e professor do INSPER, Fernando Schuler, tratando deste assunto. Um artigo, aliás, onde ele não esconde o otimismo em relação às nossas instituições democráticas. Com base em algumas categorias ou premissas expostas pelo cientista político polonês, Adam Przeworski, chaga-se uma espécie de "habito" da democracia, depois de alternâncias regulares de poder, conduzidas, naturalmente, através de eleições limpas e transparentes. Depois de longos estudos dos processos democráticos, Adam Przeworski chega à conclusão de que, depois de seis alternâncias de poder, a chance de um retrocesso político é de quase zero.
Para o cientista político polonês - a quem reputamos como um dos maiores especialistas neste assunto - depois de uma sequência de seis pleitos presidências, por exemplo, criam-se as circunstâncias políticas necessárias que interditam retrocessos políticos. É, no mínimo, curiosa essa categoria apresentada pelo polonês, no campo da democracia política procedimental. No caso brasileiro, seriam 24 anos de experiência democrática ininterruptos, o que não aparece no nosso horizonte político com muita frequência. Há também um cálculo de renda per capta, que, se atingido, seria impossível um retrocesso político. Esta última variável fica mais no terreno da democracia econômica. Com uma produção acadêmica invejável sobre o tema - o que o coloca, como afirmamos, entre um dos maiores especialistas no assunto - creio que ele remete esta discussão para uma espécie de cálculo sobre os custos de um regime democrático. Convém não esquecer que, em sua base formativa, há elementos da Teoria dos Jogos.
Por este raciocínio, as instituições estão funcionando no Brasil. Principalmente as instituições do arcabouço jurídico que dão sustentação à democracia, em seu conhecido sistema de freios e contrapesos. Temos dúvidas se podemos generalizar essa conclusão, mas, de fato, o poder judiciário foi importantíssimo para evitar que mais uma tentativa de golpe - ou recrudescimento de golpe - fosse bem sucedida no país. Seus atores agiram de forma profilática, como deixamos isso claro no último editorial.
Por outro lado, é certo que nunca vivemos um período de seis mandatos presidências ininterruptos no país, sem algum solavanco político. Se considerarmos o período, por exemplo, da redemocratização, a partir da promulgação da Constituição de 1988, quase chegávamos lá, não fosse o impeachment de Fernando Collor de Mello e o golpe de um novo tipo sofrido pela presidente Dilma Rousseff. Foram dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva e um mandato da presidente Dilma Rousseff. Sinceramente? Não enxergamos um cenário muito promissor no tocante à construção desta possibilidade pelos próximos anos.
Há veladas tentativas de solapar a democracia política - reconhecidas pelo próprio Przeworski - e sérias dificuldades de consolidar uma democracia econômica, num contexto de recessão, inflação em alta, desemprego, diminuição de renda e poder de compra e crescimento dos contingentes populacionais que se encontram abaixo da linha de pobreza. Tenho profundo respeito e admiração pelo cientista político Adam Przeworski, mas, a rigor, essas duas variáveis, tomada isoladamente, não dão conta de entender a dinâmica da experiência sofrida da democracia brasileira.
P.S.: do Contexto Político: Discutindo essa premissa das seis alternâncias, consoante a nossa experiência pós-redemocratização, a partir da 1988, um colega observou que faltou muito pouco para chegarmos lá. Bastava, para isso, que a presidente Dilma Rousseff(PT-MG) concluísse seu segundo mandato. Aqui, observamos mais uma questão curiosa. Seguindo metodologias de pesquisas possivelmente distintas daquelas utilizadas pelo cientista político Adam Przeworski, os organismos que analisam a saúde das democracias no mundo, chegaram a conclusões bem parecidas, como observamos no último editorial, pois esses órgãos previam que em 2013 nossa saúde democrática era a melhor possível, quase chegando a atingir a nota máxima naqueles escores. Talvez seja prudente, neste caso, ficar mais atento há algumas variáveis, que podem fugir ao controle dos pesquisadores, como, por exemplo, a descoberta de poços de petróleo como o pré-sal, que atiçou a cobiça da banca internacional, consorciada com os interesses geopolíticos do Tio Sam.
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